Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:251/22.7 BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:02/15/2024
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:DECISÕES DOS TRIBUNAIS SUPERIORES
Sumário:Os juízes têm o dever de acatamento das decisões proferidas pelos Tribunais Superiores em recurso jurisdicional.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

C ……………………………….., com os demais sinais nos autos, invocando o disposto nos artigos 276º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamou judicialmente do despacho da Chefe do Serviço de Finanças do Funchal 1, 22/09/22, nos termos do qual foi indeferido o pedido de reconhecimento da prescrição das dívidas em cobrança nos processos executivos nº ………………152 e apensos (………………846, …………..809, …………………350, ………………….584, ………………282, ……………..010, ……………176, …………………209, …………………..765, …………………..083, ………………….445, …………….118, ………………..343, ………………….028, …………………..080 e ……………..069) e nºs …………………..839, ……………….500 e ………………..573.

Em 17/11/22, o TAF do Funchal proferiu uma primeira sentença, na qual julgou a reclamação judicial parcialmente improcedente, declarando prescritas as dívidas subjacentes aos processos de execução n.º …………………152 e apensos e não prescritas as dívidas em cobrança nos processos de execução fiscal n.ºs ………………839, …………….500 e …………..573.

Dessa sentença, apenas a Reclamante, C …………….., recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), o qual, por decisão sumária do Senhor Juiz Conselheiro Relator, declarou aquele Tribunal incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso e declarou competente para o conhecimento do mesmo o Tribunal Central Administrativo (TCA) Sul.

O TCA Sul, por acórdão datado de 30/03/23, anulou a sentença recorrida e ordenou a remessa dos autos à 1.ª instância para instrução e ampliação da matéria de facto “ com vista a fixar elementos sobre a tramitação dos três processos e sobre o resultado das diligências de cobrança realizadas em cada um deles, de modo a esclarecer se se impunha ou não a prolação do despacho de declaração em falhas por parte do órgão de execução fiscal em momento anterior ao proferido.”

Em cumprimento do ordenado, veio a ser proferida nova sentença pelo TAF do Funchal, na qual se decidiu nos seguintes termos, conforme consta no respetivo dispositivo: “(…) O Tribunal atende a presente reclamação, julgando-a procedente, por provada, julgando prescritas as dívidas subjacentes aos processos de execução fiscal n.º ……………152 e apensos, ………………..839, ………………500 e …………….573 (…)”.

Inconformada com o assim decidido, a Fazenda Pública, recorre para este TCA tendo, na sua alegação, apresentado as seguintes conclusões:

«I) Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a reclamação judicial deduzida contra a decisão de indeferimento do pedido de prescrição das dívidas objeto dos processos de execução fiscal n.ºs ……………..152 e apensos, ………………839, …………….500 e ……………..573

II) A douta sentença ora recorrida incide a sua fundamentação na alegada falta de justificação por parte do OEF da discrepância de num caso a declaração em falhas ter sido emitida em 2014 e no outro em 2020.

III) Salvo melhor entendimento, o Tribunal a quo ao assim entender fez tábua rasa das disposições legais aplicáveis, o que o levou a incorrer em erro de julgamento sobre a matéria de direito, porquanto faz uma errónea subsunção do caso concreto ao direito aplicável.

IV) Na verdade, com o devido respeito que a opinião contrária tanto nos merece, não assiste razão ao Tribunal a quo ao julgar prescritas as dívidas dos PEF n.ºs …………….152 e apensos, ………………..839, …………………500 e ……………….573.

V) A questão relaciona-se com as eventuais consequências da declaração em falhas (caso a data seja alterada) e a sua relevância para o apuramento e verificação na contagem do prazo prescricional.

VI)A declaração em falhas é decretada pelo órgão de execução fiscal (poder executivo), com a verificação dos pressupostos factuais subjacentes, previstos no artigo 272.º do CPPT.

VII) Em face de auto de diligência, com inscrição expressa no processo (vide artigos 194.º, n.º 2 e 272.º do CPPT), quando, nomeadamente, se demonstrar a falta de bens penhoráveis do executado, seus sucessores e responsáveis subsidiários

VIII) Em consonância com os artigos 150.º, 152.º e 272.º do CPPT, parece-nos que, compete exclusivamente ao OEF declarar em falhas determinado processo de execução fiscal.

IX) O OEF não elaborou auto de diligências (para posterior declaração em falhas) pois as diligências ainda se encontravam a ser feitas como comprova o mesmo através da sua resposta (referência n.º 94176, de 16/05/2023) aquando do pedido de esclarecimento do TAFF (referência n.º 004164500, de 04/05/2023)

X) O OEF alega e junta comprovativo, na resposta supra referida, da existência em nome da executada de uma Cave, com inscrição na matriz com o n.º 5651, fração “DL” e duas contas bancárias ativas

XI)Não foram tidas em consideração pelo Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito as respostas e documentos juntos pelo OEF

XII) Estabelece o Acórdão do STA de 04/05/2022, processo n.º 02030/21.0BEPRT que: “(…) se o devedor tem bens não há fundamento para que o credor não possa ver satisfeito o seu crédito à custa do património do devedor, independentemente do tempo que se leva a cobrar o crédito e que não se verifique a falta de impulso processual por desinteresse do credor, pois que o interesse relevante a tutelar é o interesse do credor na cobrança do crédito e só no caso de falta de impulso na acção de cobrança é que o mesmo pode ser penalizado (…)” (negrito e sublinhado nosso)

XIII) Pela existência de bens penhoráveis, considerou o OEF não estarem reunidas as condições para elaborar o auto de diligências e consequentemente declarar em falhas os PEF

XIV) Contudo e, caso assim não se entenda, deverá ser considerada a data de 10/01/2020 como a data da declaração em falhas para os PEF n.ºs ……………..839, ………………..500 e ……………………573, conforme os factos dados como provados pelo TAFF (artigos 14 a 16 das presentes alegações)

XV) Os processos de execução fiscal não se encontram prescritos, pois nos termos dos artigos 326.º, n.º 1 e 327.º, n.º 1 do CC, ex vi artigo 2.º, alínea d) da LGT, o efeito interruptivo da citação tem duas consequências: (i) um efeito instantâneo, por inutilizar todo o tempo decorrido anteriormente e (ii) cumulativamente, outro efeito duradouro, na medida em que o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo

XVI) Mantendo-se o efeito interruptivo, desde a citação da Recorrida para os processos de execução fiscal, cessando apenas quando o processo for declarado extinto

XVII) Que poderá ser através da declaração em falhas pois, é considerada uma das causas de extinção da execução fiscal prevista na lei, cfr. artigos 176.º, n.º 1, alínea c), 272.º a 275.º, todos do CPPT

XVIII)Face ao exposto, compete exclusivamente ao OEF, em face de auto diligência com inscrição expressa no processo, declarar em falhas os processos de execução fiscal

XIX)In casu, o OEF não elaborou nenhum auto de diligências por considerar não estarem reunidas as condições para tal, nomeadamente a existência de bens como comprovadamente alega na resposta ao TAFF (requerimento referência n.º 94176, de 16/05/2023).

XX)A não declaração em falhas, ou caso assim não se entenda, existindo declaração em falhas na data de 10/01/2020, faz com que os processos não se encontrem prescritos devido ao efeito interruptivo instantâneo e duradouro da citação da aqui Recorrida, apenas cessando quando o(s) processo(s) for(em) declarado(s) extinto(s)

XXI) Em suma, salvo o devido respeito, consideramos que o Tribunal a quo errou no seu julgamento, ao não atender às disposições legais aplicáveis a estes factos, que se afiguravam absolutamente essenciais para a apreciação e decisão do caso sub judice,

XXII) Que, no entender da Recorrente, se esses factos e o Direito tivessem tido uma valoração diferente, deveriam ter conduzido a uma decisão diversa da encontrada, designadamente, à improcedência da reclamação, julgando não prescritas as dívidas subjacentes aos processos de execução fiscal aqui em causa.

Nestes termos, e nos mais de direito cujo douto suprimento se invoca, deve ser julgado procedente o presente recurso e a decisão recorrida ser revogada.»


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Não há registo de contra-alegações.

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Neste TCA, o Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário.



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II – FUNDAMENTAÇÃO


- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1. Pelo Serviço de Finanças do Funchal-1 foram instaurados contra S ………………. – …………… Unipessoal, Lda., os processos de execução fiscal n.º …………..152 e apensos (cfr. processo de execução fiscal e decisão de apensação a fls. 36 do respetivo processo de execução fiscal, em suporte virtual);

2. Por despacho de 26/08/2010 foi determinada a reversão do processo de execução fiscal contra a aqui Reclamante (cfr. fls. 70 e ss. do processo de execução fiscal supra identificado, em suporte virtual);

3. A Reclamante foi citada no âmbito de tais processos de execução fiscal em 30/08/2010 (cfr. o aviso de receção no processo de execução fiscal supra identificado – fls. 76 e 77, em suporte virtual);

4. A Diretora de Finanças proferiu despacho de declaração em falhas dos processos de execução fiscal anteriormente identificados (cfr. ponto 1) com data de 29/01/2014 (cfr. o despacho no processo de execução fiscal supra identificado – fls. 155, e sequência de tramitação eletrónica – fls. 181 e 182, em suporte virtual);

5. Pelo Serviço de Finanças do Funchal-1 foram instaurados contra a Reclamante, como devedora originária, os processos de execução fiscal n.ºs …………………839, …………….500 e …………….573, com citações a 14/09/2009, 05/06/2010 e 01/11/2010 (cfr. informação oficial de fls. 161 e ss. do processo de execução fiscal n.º2810200701098152 e apensos, em suporte virtual);

6. Relativamente ao processo de execução fiscal n.º ……………..839 foi proferido despacho de declaração em falhas com data de 10/01/2020 (cfr. o despacho no respetivo processo de execução fiscal – fls. 52, e sequência de tramitação eletrónica – fls. 40, em suporte virtual);

7. Relativamente ao processo de execução fiscal n.º ………………..500 foi proferido despacho de declaração em falhas com data de 10/01/2020 (cfr. o despacho no respetivo processo de execução fiscal – fls. 15, e sequência de tramitação eletrónica – fls. 13, em suporte virtual);

8. Relativamente ao processo de execução fiscal n.º ………………573 foi proferido despacho de declaração em falhas com data de 10/01/2020 (cfr. o despacho no respetivo processo de execução fiscal – fls. 12, e sequência de tramitação eletrónica – fls. 4, em suporte virtual);

9. No dia 30/08/2022, a Reclamante requereu junto do Serviço de Finanças do Funchal - 1 o reconhecimento oficioso da prescrição das dívidas objeto de todos os processos de execução fiscal supra identificados (cfr. documento n.º 1 junto com a p.i.);

10. Notificada do despacho da Sra. Chefe do Serviço de Finanças do Funchal-1 que indeferiu o requerimento por si apresentado, veio a Reclamante, em 07/10/2022, apresentar a presente reclamação (cfr. documento n.º 2 junto com a p.i. e teor da p.i. de reclamação);

11.Em função da legislação aprovada no contexto da pandemia Covid-19, os prazos de prescrição estiveram suspensos entre 09/03/2020 e 03/06/2020 (86 dias), e entre 22/01/2021 e 05/04/2021 (73 dias) (cfr. facto notório, nos termos do n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi al. e) do art.º 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário).


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Factos não provados:

Inexistem factos não provados com relevo para a decisão da causa.


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Motivação:

A convicção do Tribunal assentou na apreciação crítica dos documentos autênticos e particulares juntos, os quais não foram impugnados, conforme referenciado em cada alínea do probatório, tudo fundamentado no n.º 2 do art.º 34.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e no n.º 1 dos art.ºs 369.º, 370.º e 371.º, todos do Código Civil (documentos produzidos pela Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira) e no n.º 1 dos art.ºs 373.º, 374.º e 376.º, todos também do Código Civil (documentos particulares).

Relevou-se também o teor da informação oficial constante do processo de execução fiscal n.º………………152 e apensos, quando referida (cfr. n.º 2 do art.º 115.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário).»


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- De Direito

Como é sabido, são as conclusões das alegações do recurso que definem o respetivo objeto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artigo 639º, do CPC).

Assim sendo, temos por certo que a questão a decidir neste recurso é a de saber se a sentença do TAF do Funchal incorreu em erro de julgamento ao declarar prescritos os processos de execução fiscal nºs ………………152 e apensos, …………………839, ……………..500 e ………………….573.

Vejamos, então.

Importa, desde já, balizar claramente os processos de execução fiscal relativamente aos quais a (re)apreciação da prescrição se impõe, considerando – repete-se – que do segmento decisório da sentença resulta que foi declarada a prescrição relativamente aos processos nºs ………………152 e apensos, …………….839, …………….500 e ………………573.

Ora, se atentarmos no articulado de recurso que aqui nos ocupa, em que é Recorrente a Fazenda Pública, temos que a mesma se insurge contra a decisão do TAF do Funchal que reconheceu a prescrição dos apontados quatro processos de execução fiscal (n.ºs ………………152 e apensos, ………………….839, ………………..500 e ………………573).

Sucede, porém, que relativamente ao processo n.º ……………152 e apensos já antes, em 17/11/22, havia sido proferida uma primeira sentença no sentido do reconhecimento da prescrição desse processo.

Como não sofre dúvidas pela análise dos autos, a decisão de reconhecimento da prescrição do processo n.º ………………152 e apensos, proferida na 1ª sentença, não foi objeto de recurso jurisdicional por parte da Fazenda Pública, pelo que – sem hesitações – se dirá que a mesma transitou em julgado.

Com efeito, aquando da prolação da 1ª sentença, apenas a Executada, Cláudia de Vasconcelos, interpôs recurso da mesma, recurso este – obviamente – limitado ao segmento decisório que lhe foi desfavorável. No caso, tal equivale a dizer que apenas foi posto em causa o inicialmente decidido quanto ao não reconhecimento da prescrição nos processos nºs ……………….839, ………………….500 e ……………..573.

Portanto, só estes processos estavam em causa aquando da prolação do nosso primeiro acórdão, em 30/03/23. Dito de outro modo, o processo n.º ………………152 e apensos já não fazia parte do âmbito do recurso analisado pelo 1º acórdão do TCA.

Trata-se, portanto, de matéria definitivamente decidida, transitada em julgado, a qual, nessa medida, não pode já ser objeto de recurso e de reapreciação. Com efeito, só uma leitura menos atenta do decidido pelo TCA no 1º acórdão pode ter levado o TAF do Funchal e, bem assim, a ora Recorrente, a insistirem na análise da prescrição relativamente ao processo executivo nº ……………….152 e apensos.

Nesta conformidade, como não sofre dúvidas, e por apelo ao caso julgado, o âmbito do presente recurso jurisdicional está limitado ao decidido quanto aos seguintes três processos: nºs ………………..839, ………………….500 e …………………573.


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Com isto dito, avancemos.

Em anterior acórdão deste TCA foi ordenada ao Tribunal de primeira instância a instrução complementar dos autos e ampliação da matéria de facto, com vista a decidir a prescrição dos três processos em análise. No essencial, suscitavam-se reais dúvidas sobre a declaração em falhas, em 2020, dos processos nºs ……………..839, ………………….500 e ………………..573, concretamente, o momento em que os pressupostos para tal estavam reunidos (por comparação com um outro processo, no qual a declaração em falhas teve lugar em 2014). Trata-se de matéria, como oportunamente se assinalou, de importância capital para efeitos de verificar o decurso do prazo prescricional das dívidas em causa.

Relembrando o que se escreveu no 1º acórdão por nós relatado, aí se fez constar, entre o mais, o seguinte:

“(…)

O que de facto sustenta a discordância da Recorrente com a sentença é a total desconsideração por parte do Tribunal, relativamente aos processos nºs …………………839, ………………..500 e ………………..573, da data de 29/01/14, como sendo (também) a data relevante em que estes três processos deviam ter sido declarados em falhas (e não, como aconteceu, em 10/01/20). Explicando melhor, dir-se-ia que a perplexidade da Recorrente se pode resumir numa interrogação: se o órgão de execução fiscal reconheceu, em 29/01/14, a inexistência de bens suscetíveis de penhora pertença da Recorrente, no âmbito do processo nº ……………152 e apensos, declarando-o em falhas, nos termos do artigo 272º do CPPT, como não eleger essa data também como o termo inicial do prazo de prescrição no âmbito dos outros processos de execução fiscal que se encontravam igualmente pendentes, independentemente da declaração em falhas proferida nestes processos só ter ocorrido em 2020?

A questão assim posta que – diga-se – aparenta pertinência foi, pura e simplesmente, ignorada pelo Tribunal a quo que se limitou a analisar o decurso do prazo prescricional, considerando a data da citação e a declaração em falhas nos apontados três processos, em 10/01/20.

Note-se que, em 29/01/14, momento em que foi declarado em falhas o processo nº ……………….152 e apensos, o respetivo SF atestou que a Recorrente não tinha bens suscetíveis de penhora e, nessa medida, a dúvida que fica é a de saber por que razão o não fez nos demais processos, tanto mais que o chamamento à execução em todos eles (através da citação) se verificou em datas próximas. Com efeito, no processo nº …………….152 e apensos a Recorrente foi citada em agosto de 2010 e nos processos nºs ……………….839, ……………….500 e ……………..573 as citações ocorreram em setembro de 2009, junho e novembro de 2010, respetivamente.

(…)

De facto, tendo presente os relevantes efeitos da declaração em falhas na contagem do prazo prescricional, percebe-se a importância da diferença em fixar aquela data em 2014 ou em 2020, pois seis anos de diferença (entre uma e outra declaração) podem interferir decisivamente no decurso do prazo de prescrição. No caso, não se percebe, nem há elementos para tal, se a inexistência de bens atestada em 2014 se manteve inalterada até 2020. E se sim, qual a razão para a declaração em falhas nos processos nºs ………………839, ……………….500 e …………………573 só ter ocorrido seis anos mais tarde. E se não, se surgiram entretanto bens suscetíveis de penhora, então qual a razão para o processo nº ………………152 e apensos não ter prosseguido, uma vez que só estava provisoriamente arquivado?

(…)

De facto, admitindo a hipótese de estarmos perante quadros factuais idênticos e sem alterações quanto à inexistência de bens penhoráveis da executada, mal se entende que seja o próprio credor, contra quem corre o prazo de prescrição, aquele que tem o poder de, sem justificação aparente, declarar em falhas processos (com datas de citação próximas) com seis anos de diferença, com isso “controlando”, em termos que lhe são favoráveis, o retomar do prazo de prescrição da dívidas. É que, subjacente ao instituto da prescrição estão razões de certeza e segurança das relações jurídicas e tais objetivos, sob pena se saírem incontornavelmente frustrados, não se compadecem com atuações mais ou menos voluntariosas (ou, em todo o caso, que não são objetivamente evidentes e apreensíveis) por parte do credor. A não ser assim, estaria aberta a porta para a subversão do objetivo visado com a lei, seja relativamente à fixação de um prazo prescricional, seja quanto à figura (e ao alcance) da declaração em falhas.

Por conseguinte, assume a maior pertinência a posição supra transcrita do EMMP junto do STA e seguida pelo EMMP no TCA, no sentido de que há um circunstancialismo (como o que ficou apontado) que deve ser esclarecido a montante de uma decisão fundada e esclarecida sobre a prescrição das dívidas em cobrança nos processos nºs ………………….839, …………………..500 e ………………….573.

Nesta linha de entendimento é imperioso saber se a executada, ora Recorrente “teve ou não conhecimento, anteriormente à notificação do indeferimento do pedido de declaração da prescrição da dívida, do despacho a declarar em falhas os processos”, pois, caso se confirme “essa falta de conhecimento, pode nesta sede discutir a validade desse despacho, ou seja, no sentido de que em face dos elementos constantes da execução fiscal esse despacho devia ter sido proferido em momento anterior, por estarem reunidos os respetivos pressupostos legais previstos no artigo 272° do CPPT, e só por falha ou arbitrariedade do órgão de execução fiscal tal não ocorreu”.

Aqui chegados, o desfecho que se adivinha não é difícil, porquanto é evidente que os autos não reúnem os elementos necessários ao adequado conhecimento da prescrição da dívida exequenda. Desde logo, e para além de saber se a Executada teve conhecimento da declaração em falhas anteriormente ao indeferimento do reconhecimento da prescrição, mostra-se indispensável “a ampliação da matéria de facto, com vista a fixar elementos sobre a tramitação dos três processos e sobre o resultado das diligências de cobrança realizadas em cada um deles, de modo a esclarecer se se impunha ou não a prolação do despacho de declaração em falhas por parte do órgão de execução fiscal em momento anterior ao proferido”.

Entendemos, pois, ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 2 do CPC, que se impõe a baixa dos autos para efeitos de ampliação da matéria de facto e reapreciação da questão da prescrição, à luz daquilo que ficou dito supra. Isto mesmo aqui se determinará.

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III - Decisão


Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos para instrução e ampliação da matéria de facto, conforme supra apontado, após o que deverá ser proferida nova decisão em conformidade com o circunstancialismo apurado”.

Na sequência do assim determinado, o TAF do Funchal oficiou ao SF do Funchal, com vista ao esclarecimento do seguinte: “1 - Se a inexistência de bens atestada em 2014 se manteve inalterada até 2020? 2 - E se sim, qual a razão para a declaração em falhas nos processos nºs …………………839, ………………….500 e …………………..573 só ter ocorrido seis anos mais tarde (mais concretamente em 10/01/2020)? 3 - E se não, se surgiram entretanto bens suscetíveis de penhora, então qual a razão para o processo nº ………………152 e apensos não ter prosseguido, uma vez quesó estava provisoriamente arquivado? 4 - Se a Executada, ora Reclamante, teve ou não conhecimento, anteriormente à notificação do indeferimento do pedido de declaração da prescrição da dívida, do despacho a declarar em falhas os processos nºs …………………839, ……………….500 e ………………573? 5- E se sim, de que forma e em que data?”

Em resposta, o SF fez juntar aos autos uma informação por si produzida, à qual fez juntar aproximadamente 80 páginas de documentos, como consta do SITAF.

Após, o Mmo. Juiz proferiu a 2ª sentença, aqui em recurso, a qual, no que por ora releva, apresenta o seguinte discurso argumentativo:

“(…)

Já quanto aos processos de execução fiscal n.º …………………..839, ………………..500 e …………………573, resulta da matéria de facto provada que a citação da Reclamante teve lugar, em tais processos, nas datas de 14/09/2009, 05/06/2010 e 01/11/2010, aí passando a valer o efeito interruptivo e duradouro da interrupção advindo da citação.

Tendo apenas sido proferida a respetiva declaração em falhas na data de 10/01/2020. Todavia, não se alcandora a razão pela qual existiu um tratamento diferente das diversas dívidas da aqui Reclamante.

Com efeito, num caso, a declaração em falhas foi emitida logo em 2014, e no outro, apenas em 2020, sendo que dos autos não resulta circunstancialismo de facto que justifique tal discrepância.

Acresce que ainda que emitida de forma automática, conforme consta da informação prestada pelo Órgão de Execução Fiscal com data de 11/05/2023, as declarações de falhas emitidas não deixam de ser uma declaração em falhas com tudo o que isso representa em sede de processo de execução fiscal.

Cabe naturalmente à Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira, ao invés de vir advogar que se tratou de uma declaração automática, providenciar para que as declarações em falhas sejam emitidas, automaticamente ou não, apenas quando se mostrarem reunidos os respetivos pressupostos legais.

Não se encontrando assim razão para o tratamento diferente (isto é, ser emitida uma declaração em falhas relativamente a apenas um processo e não a todos os processos pendentes contra a mesma Executada…), não se pode deixar de considerar que a declaração em falhas de 2014 projeta os seus efeitos relativamente a todos os processos, havendo assim que concluir que também as dívidas subjacentes aos processos de execução fiscal n.º ……………….839, ………………..500 e ………………….573 se mostram já prescritas, reproduzindo-se aqui o raciocínio supra expendido relativamente ao processo n.º ……………..152 e apensos, o que determina a procedência da reclamação, como disso se dará nota em sede de dispositivo”.

Ora, a sentença sob escrutínio, objeto do presente recurso, merece-nos sérias reservas.

Em primeiro lugar, não obstante este Tribunal ter determinado, com toda a clareza e com a indicação do propósito, a anulação da 1ª sentença para instrução dos autos e, consequente, ampliação da matéria de facto, o que se constata é que o teor dos factos provados, dos não provados e da motivação do julgamento de facto constante da 2ª sentença é exatamente o mesmo, ipsis verbis, da 1ª sentença. Perante isto, surge, no mínimo, a dúvida quanto à relevância (ou irrelevância) da informação prestada pelo SF e das dezenas de documentos com ela juntos. Sobre isto, nada consta da sentença.

Em segundo lugar, a perplexidade do Tribunal adensa-se na medida em que exatamente com a mesma matéria de facto fixada na 1ª sentença, o Tribunal decide agora, nesta 2ª sentença, em sentido diametralmente oposto ao inicial e fá-lo, como a sentença evidencia, por não se encontrar “razão para o tratamento diferente (isto é, ser emitida uma declaração em falhas relativamente a apenas um processo e não a todos os processos pendentes contra a mesma Executada…)”, o que levou o Mmo. Juiz a “considerar que a declaração em falhas de 2014 projeta os seus efeitos relativamente a todos os processos”.

Ora, foi precisamente para perceber as razões da declaração em falhas em momentos temporais tão díspares nos diferentes processos (que podem existir, diga-se), considerando a alegação da executada no sentido de se manter inalterada a sua situação patrimonial de inexistência de bens (para além de outos aspetos que constam do pedido de informações ao SF) que este TCA, nos poderes que a lei lhe confere, enquanto Tribunal Superior, anulou a sentença e determinou a instrução dos autos e a ampliação da matéria de facto.

Temos, pois, que mesmo com o maior esforço interpretativo da sentença, imbuídos de um espírito de máximo aproveitamento dos atos e com reduzidos níveis de exigência formalista, a verdade é que o determinado por este Tribunal Superior (com exceção do pedido de informação ao SF) não se mostra minimamente cumprido.

Como é claro, os juízes têm o dever de acatamento das decisões proferidas pelos Tribunais Superiores em recurso jurisdicional.

No caso – acrescente-se – a não ampliação da matéria de facto (provada e/ou não provada) ou a falta de um esclarecimento crítico quanto à (i)relevância dos múltiplos documentos juntos pelo SF, redunda numa manifesta falta de fundamentação do julgamento efetuado, que impede que este Tribunal perceba o percurso que o Mmo. Juiz fez para chegar à conclusão a que chegou (“considerar que a declaração em falhas de 2014 projeta os seus efeitos relativamente a todos os processos”).

Nestes termos, perante este incumprimento, a decisão recorrida não pode manter-se, devendo ser anulada, ordenando-se que seja integralmente cumprido o determinado no 1º acórdão proferido e seja proferida nova sentença que reaprecie a prescrição – artigo 662º do CPC.


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III - Decisão

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos ao TAF do Funchal para aí ser proferida nova decisão, nos termos acima assinalados.


Sem custas.

Registe e Notifique.

Lisboa, 15/02/24


Catarina Almeida e Sousa

Isabel Fernandes

Lurdes Toscano