Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:170/15.3BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:12/13/2019
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:MÉTODOS INDIRETOS
CORREÇÕES TÉCNICAS
IRC
IVA
IRS
Sumário:I. Nas correções por métodos diretos, a AT não pode fundar os seus raciocínios em presunções, não podendo extrair de um facto conhecido um facto desconhecido.

II. O método presuntivo é próprio da tributação por recurso a métodos indiretos.

III. A mera identificação de fluxos bancários que não encontram correspondência nos rendimentos contabilizados e/ou declarados, podendo ser indício de que há omissão de rendimentos, não permite, per se, caraterizar os mesmos como rendimentos.
IV. A AT não pode, sob a capa de “correções técnicas”, partir de “fortes indícios de omissão de rendimentos” e presumir que a diferença apurada é, sem mais, rendimento, subvertendo, assim, ambos os métodos (direto e indireto) de determinação da matéria coletável.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 29.05.2017, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Castelo Branco, na qual foram julgadas procedentes as impugnações apresentadas por T..... & F........, Lda (doravante Recorrida ou Impugnante), que tiveram por objeto as liquidações de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) relativas aos exercícios de 2008, 2009 e 2010, as liquidações de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), referentes aos anos de 2008, 2009 e 2010 e as liquidações de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) – retenções, relativas aos anos de 2008, 2009 e 2010.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“a) Atendendo a esta parte da fundamentação, a recorrente entende que a douta sentença enferma dos vícios de erro de julgamento , violação do princípio da verdade material, incorreta apreciação da prova produzida nos autos, violação de lei, designadamente, dos artºs 74º, 81º a 83º, 85º, 87º b), 88º e 90° da LGT. Quanto à matéria de ónus da prova, desrespeitou o disposto no artº 342º do C. Civil. A decisão, ora recorrida, violou ainda o princípio da tributação pelo lucro real, inerente às empresas e plasmado no artº 104º da CRP, bem como o conceito de rendimento-acréscimo, acolhido no artº 20º do CIRC.

b) Pese embora a matéria de facto ter sido dada integralmente provada, todos os factos apurados na ação inspectiva foram considerados factualidade assente, a decisão do tribunal "a quo" incorreu em contradição uma vez que, ao decidir como decidiu, substituiu-se ao impugnante, que não logrou provar ou contrariar a origem das entradas dos fluxos financeiros das contas tituladas pela empresa e pelos sócios, nem sequer logrou provar ou contrariar que aquelas contas não estavam afectas ao giro comercial da sociedade. Como tal, foi violado o artº 74º da LGT.

c) O recurso à avaliação indireta, subsidiária da avaliação direta, deve ser feito apenas em situações específicas, nas quais a existência de um conjunto de omissões e irregularidades verificadas na contabilidade indiciem uma capacidade contributiva superior à declarada. Não existe discricionariedade da AT, na escolha da metodologia para tributação.

d) Não podemos concluir que, sempre que verificados erros e irregularidades na contabilidade, seja garantida a legitimidade do recurso a métodos indiretos,

e) A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o rendimento real, pelo que a avaliação direta surge como um instrumento útil na descoberta da verdade material.

f) Posto que, a contabilidade, embora formalmente organizada de acordo com as normas contabilísticas e fiscais, pode não evidenciar o rendimento real.

g) Por isso, compete à AT em sede do procedimento inspectivo mostrar que o rendimento real não é o declarado, isto é, que a contabilidade não reflete todos os rendimentos e gastos, ou seja, a real atividade do contribuinte.

h) Ao decidir como decidiu, a douta sentença não teve em conta o iter cognoscitivo do relatório de inspeção, desprezou a prova documental junta e fez tábua rasa da confissão dos valores pela impugnante e assumiu como presunções aquilo que, sobejamente, foi demonstrado por documentos.

i) Deturpou as conclusões do relatório, impondo a demonstração de pressupostos para o recurso a métodos indiretos, pressupostos esses que não existem ou ainda impondo soluções de tributação que se revelariam, no caso concreto, totalmente inverosímeis.

j) Violou o disposto nos artº 81° a 83º e 87º a 90° da LGT, abdicando do princípio da subsidiariedade da avaliação indireta.

k) Decorre do relatório de inspeção, acima explanado que a AT demonstrou e comprovou as divergências ente os rendimentos registados na contabilidade e os valores depositados na contabilidade e os valores depositados nas contas bancárias afetas à atividade da empresa.

l) A AT não negligenciou a sua atividade instrutória, uma vez que acedeu aos documentos de suporte dos fluxos financeiros evidenciados nas contas bancárias, de modo a aquilatar a fonte do rendimento, designadamente, se eram provenientes de financiamentos bancários, de sócios, ganhos extraordinários, etc. Nenhuma destas circunstâncias foi revelada pelos documentos bancários.

m) Pelo que, não se pode exigir mais da atuação da AT que se pautou pelo inquisitório e princípio da descoberta da verdade material, não lhe sendo possível fazer melhor prova. Cabia ao contribuinte o ónus de provar a origem dos fluxos, demonstrar que era outra a fonte das entradas financeiras nas suas contas bancária s. Não o fez, nem no decurso do procedimento inspetivo, quando foi notificado para o efeito, em 27.05.2014, nem no exercício do direito de audição prévia, nem na presente impugnação.

n) Considerando o estudo efetuado, a AT não presumiu rendimentos. Quantificou, de forma direta, os rendimentos evidenciados correspondendo estes ao valor dos fluxos monetários de entrada sem qualquer justificação.

o) A AT não podia continuar as diligências investigatórias porque os clientes da empresa não eram conhecidos - a conta 21 -clientes não se encontrava decomposta de forma a revelar quem eram os clientes da empresa - os rendimentos que se quantificaram eram omissos na contabilidade, pelo que não tinham sido objeto de qualquer faturação ou relevação contabilística, pelo que seria quase impossível identificar os bens vendidos ou os serviços prestados, na ótica de uma análise de prognose póstuma.

p) Como provado à saciedade, na situação presente há elementos concretos que não inviabilizam, pelo contrário, permitem, com toda a certeza, as correções técnicas levadas a cabo, evitando eventuais injustiças relativas decorrentes da aplicação dum método indireto e, acima de tudo, o cumprimento do artigo 104º da CR P na sua plenitude, ao vincular a administração fiscal na busca incessante da tributação das empresas sobre o seu rendimento real (sem embargo da eventual necessidade inelutável de aplicação de métodos indiretos).

q) Como supra evidenciado, na situação em apreço, a recolha de elementos de suporte às correções técnicas efectuadas à ora impugnante, não partiu de indícios, presunções ou outros elementos de que a Administração Tributária dispunha. Partiu sim de documentos concretos e objectivos, como são os documentos bancários: extractos bancários, cheques e transferências bancárias, que refletem entradas efetivas de dinheiro nas contas bancárias tituladas pela Requerente, num determinado momento e montante, perfeitamente identificáveis, como também é conhecida a quase totalidade das entidades emissoras de tais movimentos monetários. O estudo a partir do qual foram apurados os valores da Matéria Tributável e Imposto em Falta, teve por base a comparação de elementos contabilísticos (saldos das contas respeitantes ao Volume de Negócios, Outros Rendimentos, IVA Liquidado e Saldos de Clientes) e o valor dos fluxos monetários de entrada nas diferentes contas bancárias tituladas pela ora impugnante.

r) Quanto às correções em sede de IRS - Retenções na Fonte: (i) A AT provou, demonstrou e comprovou as entradas financeiras nas contas bancárias dos sócios; (ii) A AT demonstrou e comprovou as divergências e a materialidade das mesmas, ou seja, entre os montantes declarados pelos sócios da empresa, enquanto pessoas singulares, e os montantes depositados nas suas contas bancárias. (iii) A AT demonstrou que aqueles fluxos financeiros tinham origem em clientes da empresa T..... & F........s Lda, pelo que eram provenientes, inequivocamente, do exercício da atividade comercial da sociedade, ora impugnante; (iv) Os contribuintes não lograram provar que era outra a origem dos fluxos financeiros (tarefa que se revelaria de difícil concretização, quando a origem provinha de clientes), porque razão evidenciavam montantes tão elevados nas contas bancárias pessoais, quando não tinham outra fonte de rendimentos, senão a atividade agrícola.

s) Demonstrou-se a incompatibilidade entre o valor dos rendimentos declarados e o valor total dos fluxos monetários de entrada, registados nas contas bancárias a incompatibilidade do valor total dos fluxos monetários de entrada com a capacidade empresarial apresentada por A...... no âmbito da atividade de Olivicultura e a existência de relações especiais com a sociedade T......, Lda.

t) O facto de existir uma grande discrepância de valores existente entre o total de rendimentos declarados e o total dos fluxos monetários de entrada ocorridos nas contas bancárias tituladas por A...... e por M......, associado ao facto de os rendimentos declarados terem origem na atividade agrícola cujo nível de atividade não justifica a ordem de grandeza dos movimentos financeiros das contas bancárias e ao facto de os rendimentos do trabalho dependente terem origem na sociedade onde A......é o único sócio-gerente, e como tal exerce funções de gestão da tesouraria da sociedade, comprova-se a proveniência de tais rendimentos na atividade exercida por aquela. Esta conclusão é corroborada ainda pelo facto de a grande maioria dos movimentos monetários de entrada registados nas diferentes contas bancárias tituladas pelos sujeitos passivos, terem origem em clientes da empresa, pelo que, tais recebimentos apenas poderão configurar rendimentos provenientes de lucros ou adiantamentos por conta de lucros obtidos pela sociedade, distribuídos e pagos ao seu sócio gerente, em cada um dos anos em análise.

u) Pelo que, conforme se apreende destas alegações de recurso, a AT cumpriu com o ónus de demonstrar e comprovar a existência de factos tributários com relevância fiscal, não sujeitos a tributação na esfera da impugnante e respetivos sócios, pelo que nenhuma censura carecia de ser feita à sua atuação, dentro dos princípios norteadores do sistema tributário português e com respeito pelo regime legal em vigor”.

A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

“1 - O Recurso interposto pela FP contra a decisão que anulou as 65 liquidações (3 de IRC, 56 de IVA e juros compensatórios e 6 de IRS e juros compensatórios) não deve obter provimento.

2 - E não deve obter provimento o Recurso porque a Sentença recorrida não merece reparo.

3 - E não merece reparo a Sentença recorrida porque a decisão proferida se encontra solidamente fundamentada pelo Tribunal "a quo".

4 - Na verdade, a Sentença refere muito claramente que a AT não tem o poder de, indistintamente, escolher tributar um sujeito passivo com base na avaliação direta ou indireta e que, no caso em apreciação, a AT usou os métodos da avaliação indireta para apurar correções técnicas próprias da avaliação direta.

5 - A AT não encontrou relativamente aos anos de 2008, 2009 e 2010 uma única venda ou prestação de serviços efetuadas pela Recorrida que não tenha sido faturada e que não conste na sua contabilidade, assim como não encontrou uma única fatura que tenha sido omitida nessa mesma contabilidade.

6 - Perante estes factos, forçoso é concluir que as presunções utilizadas para cálculo das correções técnicas da avaliação direta em que as liquidações se basearam contrariam o artigo 83º, 2 da LGT.

7 - Ora, esta ilegalidade teria que conduzir, indubitavelmente, como o Tribunal "a quo" veio a decidir, à anulação dos atos tributários de liquidação”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir, delimitada pelas conclusões das alegações do recurso (cfr. art.º 639.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT):

a) Há erro de julgamento, na medida em que as liquidações em crise se fundamentaram em correções técnicas?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“a) A impugnante foi alvo de inspecção aos exercícios 2008, 2009 e 2010 (cfr. relatório de inspecção, de fls. 8 e ss. do PAT, volume I);

b) A 14/10/2014 foi concluído relatório de inspecção, onde além do mais se lê (cfr. relatório de fls. 8 e ss. do PAT volume I):

III - Descrição dos Factos e Fundamentos das Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável

A partir da análise dos elementos remetidos pelo Ministério Público de Celorico da Beira que compreendem, sobretudo, extractos bancários das diferentes contas bancárias movimentadas pela empresa T......, Lda no âmbito da sua actividade, foram identificados factos passíveis de configurar omissões de proveitos/rendimentos.

Os actos inspectivos consistiram no cruzamento dos elementos contabilísticos com os fluxos financeiros registados nos diferentes extractos bancários das contas tituladas pelo sujeito passivo, relativamente aos exercícios de 2008, 2009 e de 2010, no sentido de verificar se a contabilidade reflectia efectivamente todas operações decorrentes da sua actividade.

Dos elementos disponibilizados para a realização da presente acção inspectiva, foram identificadas três contas bancárias afectas à actividade do sujeito passivo:

./ ANEXO /- Conta n.º 3……. (1 Página);

./ ANEXO II• Conta n.º 0…… (29 Páginas);

./ ANEXO 11/- Conta n.º 40……. (4 Páginas).

Foram solicitados às diferentes instituições bancárias, todos os documentos de suporte aos fluxos monetários de entrada cujo valor fosse superior a € 500,00, nomeadamente fotocópia de cheques e transferências bancárias, de modo a identificar a entidade emissora de tais movimentos bancários.

Depois de obtidos os elementos atrás descritos, procedeu-se à elaboração de mapas resumo para cada uma das contas acima indicadas, com a informação da data, descrição e do valor do fluxo monetário de entrada, conforme consta dos extractos bancários. Cada um desses fluxos foi posteriormente decomposto de acordo com os elementos constante dos documentos de suporte enviados pelas instituições bancárias, nomeadamente a identificação da entidade emissora dos recebimentos, data, número, tipo de documento inerente à operação e respectiva instituição bancária de origem. Todos estes mapas constituem anexos a este relatório, fazendo parte integrante deste.

Posteriormente, procedeu-se à notificação pessoal do sujeito passivo que ocorreu na sua sede fiscal no dia 2014/05/27, no sentido de este justificar a que titulo, cada uma das verbas apresentadas nos referidos mapas resumo deram entrada nas suas contas bancárias.

Analisados os fundamentos invocados por A......na qualidade de representante da sociedade T......, Lda, foram identificados factos passíveis de configurar omissões de proveitos/rendimentos, cujos fundamentos serão explanados no ponto seguinte deste relatório.

III.1. - Factos que evidenciam Omissão de Proveitos/Rendimentos

No sentido de aferir eventuais implicações fiscais dos elementos disponibilizados pelo Ministério Público de Celorico da Beira no âmbito do processo de inquérito n.º 45/09.5 TACLB, nomeadamente quanto à conformidade dos valores declarados pela sociedade T......, Lda, com o NIPC: 5….. nas declarações fiscais dos exercícios de 2008, 2009 e de 2010, foi efectuado um estudo que relaciona, em termos globais, o total de recebimentos (fluxos de entrada nos diferentes extractos bancários), com os valores de proveitos registados na contabilidade, devidamente acrescidos do IVA Liquidado e ainda da variação do saldo da conta SNC: # 21 - Clientes, para que deste modo fossem expurgados recebimentos ocorridos nos exercícios de 2008, 2009 e de 2010 provenientes de facturação cujo proveito/rendimento tivesse sido já objecto de registo contabilístico e de tributação em exercícios anteriores.

Esse estudo encontra-se reflectido nos quadros seguintes:

A. Cálculo do total de recebimentos tendo por base os elementos contabilísticos:




“(texto integral no original; imagem)”

Da análise ao balancete analítico de encerramento de contas do exercício de 2007, verifica-se que o saldo de clientes nesta data (e que obrigatoriamente coincide com o saldo inicial de clientes do exercício de 2008), não se encontra decomposto pelos diferentes clientes da empresa, pelo que não é possível controlar a conformidade do mesmo.

Deste modo, não sendo possível identificar para cada um dos clientes o montante da sua dívida para com o sujeito passivo no início do exercício económico de 2008, para efeitos de apuramento do total de recebimentos ocorrido em 2008, foi tido em conta não o apresentado por aquele balancete, mas sim o decorrente dos elementos entregues pelo sujeito passivo no âmbito da notificação efectuada em 2014/05/27. Ou seja, o saldo inicial de clientes que serviu de base ao cálculo do valor dos recebimentos de 2008, corresponde ao total do valor entregue pelos clientes da empresa e que deu entrada nas contas bancárias do sujeito passivo no período em análise (2008 a 2010), respeitante a recebimentos de facturas emitidas com data anterior a 2007 inclusive. Deste modo, o saldo apurado para a rubrica de clientes ascende a € 88.161,37, resultante da soma dos valores apresentados na coluna com a denominação "Saldo Inicial de 2008 ". dos quadros resumo constantes de cada um dos anexos (ANEXO I, ANEXO /I e ANEXO III) deste relatório


“(texto integral no original; imagem)”

B. Total de Recebimentos tendo por base os elementos bancários:

Da análise de todos os extractos bancários das contas identificadas no âmbito da presente acção inspectiva, foram apurados os seguintes valores respeitantes a fluxos monetários de entrada em 2008, 2009 e 2010:


“(texto integral no original; imagem)”

A partir deste estudo, que relaciona o valor dos recebimentos com as rubricas contabilísticas que compõem esses recebimentos (Volume de Negócios + Outros Rendimentos + IVA Liquidado + Variação do Saldo de clientes), fica comprovada a omissão de rendimentos, na medida em que o total de receitas contabilizadas é inferior ao total de fluxos monetários de entrada nas diferentes contas bancárias tituladas pela empresa T......, Lda, nos montantes identificados no quadro seguinte, e para cada um dos exercícios em análise

EM SÍNTESE:

A diferença apurada entre A) e B) que ascende a € 18.185.14, € 16.171,03 e € 37.692,80, respectivamente para os exercícios de 2008, 2009 e 2010, correspondente ao valor dos fluxos monetários de entrada sem qualquer justificação e como tal, respeitam ao total de rendimentos omitidos pela T......, Lda, no período em análise.

111.2. - Correcções à Matéria Tributável - IRC

Para se proceder ao apuramento do montante de proveitos/rendimentos omitidos em cada um dos períodos em causa, aos valores anteriormente apurados de € 18.185,14, € 16.171,03 e € 37.692,80, valores esses recebidos pela empresa mas cuja contabilidade não reflecte o reconhecimento do respectivo proveito/rendimento, terão de ser devidamente expurgados do correspondente valor de IVA já pago por cada um dos seus clientes, sabendo que para se proceder a tal apuramento, se deverá recorrer à seguinte fórmula:



Nos termos do n.º 9 do artigo 18.º do CIVA, a taxa aplicável é a que vigora no momento em que o imposto se torna exigível de acordo com os artigos 7.º e 8.º do CIVA, tal como mostra o quadro seguinte:




Não se conhecendo com exactidão o momento em que se verificou tal omissão e, uma vez que o apuramento deste valor está directamente dependente do cálculo do valor do IVA em falta, optou-se por repartir uniformemente a diferença de valores anteriormente apurada pelos diferentes períodos de tributação em sede de IVA, pelo que, da aplicação da fórmula que permite expurgar o valor deste imposto ao valor dos recebimentos descritos no quadro anterior, obtém-se o valor da correcção a efectuar à matéria tributável declarada nos exercícios em análise, conforme evidenciam os cálculos seguintes:

III.3. - Retenção na Fonte IRC: Taxa Liberatória

Na acção inspectiva credenciada pelas ordens de serviço n.º 0……., 0….. e 0……, emitidas em nome de A….., com o NIF: 1……. e M......, com o NIF: 1……., foram apurados rendimentos provenientes de lucros ou adiantamentos por conta de lucros obtidos pela sociedade T......, Lda, distribuídos e pagos ao sócio gerente A……., nos anos de 2008, 2009 e 2010, rendimentos esses enquadráveis na categoria E - Rendimentos de Capitais de acordo com o art.º 5.° do CIRS e sujeitos a retenção na fonte às taxas liberatórias previstas na alínea c) do n.º 3 do art.º 71.° do CIRS, cujo imposto deve ser entregue pela referida sociedade nos termos do art.? 101.° do CIRS.

Os subpontos que se seguem descrevem os factos em que assentam os fundamentos subjacentes à omissão de rendimentos bem como os cálculos inerentes ao apuramento do imposto em falta decorrente dessa omissão.

III.3.1 - Diligências efectuadas

Os actos inspectivos consistiram essencialmente no cruzamento da informação constante das declarações periódicas de rendimentos modelo 3 - IRS, com os fluxos financeiros registados nos extractos bancários das diferentes contas tituladas pelos sujeitos passivos, relativamente aos anos de 2008, 2009 e de 2010, no sentido de verificar se os rendimentos declarados por aqueles coincidiam com os efectivamente auferidos.

Dos elementos disponíveis para a realização da acção inspectiva emitida em nome de A......e de M......, foram identificadas seis contas bancárias tituladas:

a) Conta n.º 2……….C….

b) Conta n.º 4…… - C……

c) Conta n.º 2…….- C…..

d) Conta n.º 2……- C……

e) Conta n.º 0……. – B…..

f) Conta n.º 8 ……..- B……

Foram solicitados às diferentes instituições bancárias todos os documentos de suporte relativos aos fluxos monetários de entrada, nomeadamente fotocópia de cheques e transferências bancárias, de modo a identificar a entidade emissora de tais movimentos bancários.

ANEXO IV: Conta n.? 2…….- C….. - Ano 2008 (6 Páginas);

ANEXO V: Conta n.? 2….. …. - Ano 2009 (3 Páginas);

ANEXO VI: Conta n.? 2…. - Ano 2010 (3 Páginas);

ANEXO VII: nta n.? 4..….. - Ano 2008 (1 Página);

ANEXO VIII: Conta n.? 4….. - Ano 2009 (1 Página);

ANEXO IX: Conta n.? 4….. - Ano 2008 (1 Página);

ANEXO X: Conta n.O 0…… - Anos 2009 e 2010 (1 Página);

fi" ANEXO XI: Conta n.º 8 …..- Anos 2008 e 2009 (2 Páginas)

Posteriormente, procedeu-se à notificação pessoal dos sujeitos passivos que ocorreu no seu domicílio fiscal no dia 2014/05/27, no sentido de estes justificarem a que titulo tais verbas, deram entrada nas suas contas bancárias, tendo por base cada um dos mapas resumo já referidos.

De acordo com os fundamentos invocados por A......e por M...... na resposta à notificação, concluiu-se que apenas 4 das 6 contas bancárias tituladas por aqueles e identificadas no âmbito desta acção inspectiva, evidenciam factos susceptíveis de alterar o valor dos rendimentos inicialmente declarados, conforme se l descreve no quadro seguinte:


“(texto integral no original; imagem)”

(…)

III.3.2 - Indícios da Omissão de Rendimentos

Para cada uma das 4 contas anteriormente identificadas e cujos fluxos monetários de entrada têm impacto fiscal, foram analisados exaustivamente todos os movimentos neles registados e devidamente confrontados quer com a documentação entregue pelo sujeito passivo no âmbito da notificação de 2014/05/27, quer com a informação constante da declaração periódica de - rendimentos modelo 3 - IRS, submetida pelos sujeitos passivos no período em causa. Esta análise permitiu concluir a existência de omissão de rendimentos por três ordens de razão:

A. Incompatibilidade entre o valor dos rendimentos declarados e o valor total dos fluxos monetários de entrada, registados nas contas bancárias;

B. Incompatibilidade do valor total dos fluxos monetários de entrada com a capacidade empresarial apresentada por A......no âmbito da actividade de Olivicultura;

C. Existência de relações especiais com a sociedade T......, Lda.

Seguidamente serão explanados os fundamentos em que assenta a assunção de omissão de rendimentos para cada uma das situações anteriormente descritas.

A. Incompatibilidade entre o valor dos rendimentos declarados e o valor total dos fluxos monetários de entrada, registados nas contas bancárias - Quando comparada a ordem de grandeza de valores do rendimento colectável declarado por ambos os sujeitos passivos, com o total dos fluxos monetários de entrada registados nas diferentes contas bancárias tituladas por aqueles, verifica-se existir uma grande discrepância entre tais valores, o que constitui um forte indício de omissão de rendimentos declarados pelos sujeitos passivos:

B. Incompatibilidade do valor total dos fluxos monetários de entrada, com a capacidade empresarial apresentada por A......no âmbito da actividade de Olivicultura ¬Uma vez que o total dos rendimentos declarados por A......e por M...... se revela incompatível face ao volume de movimentos monetários de entrada, registados nas suas contas bancários, e no sentido de aferir da origem e da natureza dos rendimentos omitidos, foi analisado o volume de negócios declarado por A......no âmbito da actividade de Olivicultura, concluindo-se que a capacidade empresarial instalada por aquele se revela insuficiente relativamente ao movimento financeiro registado nas contas bancárias, tal como demonstra o quadro seguinte:

C. Existência de relações especiais com a sociedade T......, Lda - O sujeito passivo António Joaquim Tomás, é sócio e gerente da empresa T......, Lda, com o NIPC: 5…... Sendo este o único sócio-gerente da empresa, é ele também quem faz a gestão de tesouraria da sociedade, pelo que, a discrepância de valores encontrada neste estudo, apenas terá explicação em rendimentos provenientes da sociedade. Por outro lado, na análise exaustiva de todos os movimentos ocorridos nas contas bancárias titulados por ambos os sujeitos passivo, verificou-se que a grande maioria das entidades emitentes dos cheques ou transferências bancárias para as contas daqueles, são clientes da sociedade, facto este que corrobora a origem dos rendimentos omitidos na actividade desenvolvida por aquela empresa.

Em Conclusão:

O facto de existir uma grande discrepância de valores existente entre o total de rendimentos declarados e o total dos fluxos monetários de entrada ocorridos nas contas bancárias tituladas por A......e por M......, associado ao facto de os rendimentos declarados terem origem na actividade agrícola cujo nível de actividade não justifica a ordem de grandeza dos movimentos financeiros das contas bancárias e ao facto de os rendimentos do trabalho dependente terem origem na sociedade onde A......é o único sócio-gerente, e como tal exerce funções de gestão da tesouraria da sociedade, comprova-se a proveniência de tais rendimentos na actividade exercida por aquela. Esta conclusão é corroborada ainda pelo facto de a grande maioria dos movimentos monetários de entrada registados nas diferentes contas bancárias tituladas pelos sujeitos passivos, terem origem em clientes da empresa, pelo que, tais recebimentos apenas poderão configurar rendimentos provenientes de lucros ou adiantamentos por conta de lucros obtidos pela sociedade, distribuídos e pagos ao seu sócio gerente, em cada um dos anos em análise.

III.3.3 - Apuramento do Rendimento Omitido

Da análise resultante do confronto entre os elementos constantes da declaração periódica de rendimentos apresentada pelos sujeitos passivos no período em análise, dos fundamentos por estes invocados na resposta à notificação efectuada em 2014/05/27 e ainda dos documentos de suporte aos movimentos financeiros apresentados nos extractos bancários das suas contas bancárias, foi apurado um total de rendimentos omitidos em cada um dos anos em análise, conforme demonstra o quadro seguinte:


“(texto integral no original; imagem)”

As razões pelas quais se encontram justificadas as quantias de € 413.793,20, €27.233,85 e de € 19.879,77, isto é, o total de movimentos financeiros constantes das contas bancárias que não possuem impacto fiscal nos anos de 2008, 2009 e 2010, prendem-se com os seguintes factos:



O sujeito passivo invocou ainda que muitas vezes este emitia cheques das suas contas bancárias pessoais para efectuar pagamentos da responsabilidade da empresa T......, Lda, tendo juntado para o efeito documentos cujas despesas ascendem a € 10.451,88, €28.904,56 e € 28.709,39 (vide ponto /11.3.1 - Diligências efectuadas, deste relatório), respectivamente para os anos de 2008, 2009 e 2010. Deste modo, as diferenças apuradas no quadro da página anterior deverão ser abatidas destes pagamentos, para assim se obter o total do rendimento omitido no período em análise. O quadro seguinte demonstra os cálculos inerentes à determinação do rendimento omitido e que ascende a € 191.462,58 em 2008, € 64.147,54 em 2009 e € 85.673,79 em 2010:


“(texto integral no original; imagem)”


III.3.4 - Enquadramento do Rendimento Omitido De acordo com o n.º 1 do art.º 5.° do CIRS:

"Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias. "

A alínea h) do n.º 2 do mesmo artigo acrescenta ainda que:

“Os frutos e vantagens económicas referidas no número anterior compreendem, designadamente:

h) Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, (…)

Tal como anteriormente se concluiu (vide ponto 111.3.2 - Indícios da Omissão de Rendimentos, deste relatório), a diferença apurada entre o valor total dos fluxos monetários de entrada nas contas bancária tituladas pelos sujeitos passivos em análise e os rendimentos declarados no período de 2008 a 2010, respeita a rendimentos provenientes de lucros ou adiantamentos por conta de lucros obtidos pela sociedade T......, Lda, distribuídos e pagos ao seu sócio gerente, em cada um desses anos, pelo que, de acordo com a legislação acima citada, configuram rendimentos da categoria E - Rendimentos de Capitais, tributados à taxa liberatória de 20% prevista na alínea c) do n.º 3 do art.º 71.0 do CIRS.

Dado tratar-se de retenção na fonte sobre rendimentos da categoria E - Rendimentos de Capitais, dispõe o art.º 101 do CIRS que deverá ser a sociedade T......, Lda a reter e entregar o imposto resultante da aplicação da taxa de 20% ao total dos rendimentos ilíquidos, ou seja, de € 38.292,62, € 12.829,51, e de € 17.134,76 respectivamente em 2008, 2009 e 2010, conforme demonstra o quadro abaixo:




Por força das disposições legais antes citadas, o valor do imposto em falta apurado na presente acção inspectiva, será assim, objecto de tributação no âmbito do presente procedimento inspectivo respeitante à sociedade T......, Lda.

111.4. - Impostos em Falta - IVA

Decorrente da omissão de proveitos/rendimentos cujo apuramento se descreveu no ponto 111.2. - Correcções à Matéria Tributável - IRC deste relatório, verifica-se também falta de liquidação e pagamento de IVA, facto este que constitui infracção ao art.º 27.°, n.º 1 e art.º 41.° n.º 1 alínea b), ambos do CIVA, punível nos termos do art.º 114.° e 26.° do RGIT.

Tendo em conta a informação fornecida pelo quadro apresentado no ponto 111.2 deste relatório, o total de IVA em falta respeitante aos exercícios de 2008 , 2009 e de 2010 ascende a € 3.093,48, € 2.695,19 e € 6.411,92, respectivamente.

c) A......e mulher foram alvo de inspecção tributária, relativamente a IRS, e aos anos de 2008, 2009 e 2010 (cfr. relatório de fls. 6 do PAT – III/III);

d) Da acção de inspecção, concluiu a AT nos termos do relatório que se dá por reproduzido, e onde al´me do mais se lê (cfr. relatório de inspecção, de fls. 6 e ss. do PAT – III/III):

“…(F)oram ainda apurados rendimentos provenientes de lucro ou adiantamentos por conta de lucros pela sociedade T......, LDa. distribuídos e pagos ao sócio gerente A……, nos anos de 2008, 2009 e 2010, rendimentos esses enquadráveis na categoria E – Capitais, de acordo com o artigo 5.º do CIRS, e sujeitos a retenção na fonte às taxas liberatórias previstas na c) do n.º 3 do art.º 71 do CIRS, cujo imposto deverá ser entregue pela referida sociedade nos termos do artigo 101 do CIRS. Deste modo o valor do imposto apurado na presente acção de inspecção será objecto de tributação no âmbito do procedimento inspectivo credenciado pelas ordens de serviço OI201300366, OI201300367 e OI201300638, emitidas em nome da sociedade T….. , Lda.”

e) A 04/11/2014 foi emitida, à impugnante, a liquidação de IRC n.º2……, relativa ao exercício de 2008, no valor a pagar de 1.492,23euros (cfr. nota de liquidação, de fls. 25 dos autos, doc. 6 junto com a PI);

f) A 04/11/2014 foi emitida, à impugnante, a liquidação de IRC n.º2……, relativa ao exercício de 2009, no valor a pagar de 3.910,36euros (cfr. nota de liquidação, de fls. 26 dos autos, doc. 7 junto com a PI);

g) A 04/11/2014 foi emitida, à impugnante, a liquidação de IRC n.º2……., relativa ao exercício de 2010, no valor a pagar de 4.526,63euros (cfr. nota de liquidação, de fls. 26 dos autos, doc. 8 junto com a PI);

h) A impugnante foi alvo das liquidações adicionais de IVA, melhor identificadas na PI, e respectivos juros compensatórios, no valor total de 14.548,46euros, nos termos seguintes (cfr. acordo, intróito da PI e artigo 1.º da contestação):

Do ano de 2008 - no valor de 3.093,48euros, e de 760,08euros, de juros compensatórios;

Do ano de 2009 - no valor de 2.694,68euros, e de 556,69euros, de juros compensatórios, e,

Do ano de 2009, e no valor de 6.411,92euros, e de 1034,61euros de juros compensatórios.

i) A impugnante foi alvo de liquidações de IRS, relativas à falta de retenção na fonte, com os n.º2….., n.º2…… e n.º2……, de 05/11/2014, dos anos de 2008, 2009 e de 2009, nos valores de 37.557,08euros, de 12.242,52euros e de 17.050,21euros, respectivamente, e de liquidações dos respectivos juros compensatórios, com os n.º2……, 2……. e 2……, nos valores de 8.614,46€, de 2.312,68euros, e, de 2.514,78euros (cfr. acordo, intróito da PI e artigo 1.º da contestação)”.

II.B. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e não impugnados, conforme se indica em cada alínea do probatório”.




III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Entende a Recorrente que a decisão sob apreciação “enferma dos vícios de erro de julgamento, violação do princípio da verdade material, incorreta apreciação da prova produzida nos autos, violação de lei, designadamente, dos artºs 74º, 81º a 83º, 85º, 87º b), 88º e 90° da LGT”, que “quanto à matéria de ónus da prova, desrespeitou o disposto no artº 342º do C. Civil” e que “… violou ainda o princípio da tributação pelo lucro real, inerente às empresas e plasmado no artº 104º da CRP, bem como o conceito de rendimento-acréscimo, acolhido no artº 20º do CIRC”, sendo certo que todas estas imputações se reconduzem a erro de julgamento, em virtude de, na perspetiva da Recorrente, as correções em causa terem sido verdadeiras correções técnicas.

Por seu turno, a Recorrida conclui no sentido de a sentença ora sob escrutínio não merecer reparo, uma vez que a administração tributária (AT) lançou mão de métodos de avaliação indireta para apurar correções técnicas próprias da avaliação direta.

Apreciando.

É desiderato constitucionalmente consagrado o de que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. art.º 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa – CRP).

Com efeito, nos termos do art.º 104.º, n.ºs 1 e 2, da CRP:

“1. O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.

2. A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.

O princípio da igualdade, evidenciado, desde logo, nos n.ºs 1 e 2 do supracitado art.º 104.º da CRP, abrange quer a vertente da igualdade perante a lei fiscal, no sentido de não haver discriminação dos cidadãos face à referida lei, quer a vertente da igualdade tributária ou igualdade de sacrifícios; esta encontra-se estreitamente ligada ao princípio da capacidade contributiva, enquanto reflexo da igualdade material.

Como referido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 127/2004, de 03.03.2004:

“A tributação segundo o rendimento real é, numa certa dimensão, uma decorrência necessária do princípio da capacidade contributiva. É ele que justifica que a Constituição estabeleça que o sistema fiscal não pode deixar de assegurar “uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza” (art.º 103º, n.º 1) e que especifique, posteriormente, que os impostos devem ter em conta as “necessidades e os rendimentos [concretos] do [de cada] agregado familiar” e, finalmente, que a “tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.

Mas o rendimento real fiscalmente relevante não é, em si próprio, uma realidade de valor fisicamente apreensível, mas antes um conceito normativamente modelado e contabilisticamente mensurável, sendo constituído, simpliciter, “pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas [previstas na lei e] verificadas no mesmo período” (…) - o saldo entre os proveitos ou ganhos provenientes das mais diversas fontes, como vendas, bónus, comissões, rendimentos de imóveis, rendimentos de carácter financeiro, prestações de serviços, mais-valias realizadas, subsídios, etc., menos os custos ou perdas, como os encargos relativos à produção, distribuição e venda, encargos de natureza financeira e de natureza administrativa, encargos fiscais e parafiscais, reintegrações e amortizações, etc., acrescido das variações patrimoniais positivas ou diminuído das variações patrimoniais negativas, previstas na lei”.

O princípio da tributação pelo rendimento real admite, no entanto, exceções ou desvios (veja-se que o n.º 2 do art.º 104.º da CRP utiliza o advérbio “fundamentalmente”), devidamente fundados e justificados(1).

Reflexo do respeito pelo princípio da tributação pelo rendimento real é a circunstância de o recurso à aplicação de métodos indiretos de avaliação da matéria coletável ser subsidiária em relação à avaliação direta (cfr. art.º 85.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária – LGT).

A este propósito, e para melhor densificação dos termos em que se admite o recurso a um ou outro método de determinação da matéria coletável, há que apelar, desde logo, ao art.º 81.º da LGT, nos termos do qual:

“1 - A matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei”.

Por seu turno, o art.º 83.º do mesmo diploma determina que:

“1 - A avaliação direta visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação.

2 - A avaliação indireta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha”.

A avaliação direta tem como ponto de partida as declarações dos contribuintes e/ou os dados apurados na sua contabilidade, que se presumem verdadeiros – cfr. o art.º 75.º, n.º 1, da LGT. No entanto, como decorre do mesmo art.º 75.º, mas do seu n.º 2, a presunção de veracidade da contabilidade cessa quando revelar “… omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.

Veja-se, não obstante, que não é qualquer omissão, erro ou inexatidão das declarações ou da contabilidade do sujeito passivo que justifica o recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria coletável, sendo exigido que tais irregularidades sejam de tal forma relevantes que tornem inviável a quantificação direta. Assim, se, apesar de haver irregularidades contabilísticas, for possível quantificar diretamente a matéria coletável, deve-se lançar mão de métodos diretos. Ou seja, sendo certo que a avaliação direta parte das declarações dos contribuintes ou dos dados constantes da contabilidade, pode fundar-se noutros elementos objetivos, desde que os mesmos permitam, com segurança, concluir no sentido da ocorrência do facto tributário e da sua quantificação concreta.

A aplicação de métodos diretos de avaliação da matéria coletável redunda nas chamadas correções técnicas ou meramente aritméticas(2).

Apelando às palavras de Casalta Nabais(3), “as correcções técnicas, são as correcções que a administração tributária faz à matéria tributável determinada no âmbito da avaliação directa, como a correcção concretizada, por exemplo, na não consideração de determinadas verbas como custos fiscais assim qualificadas na declaração de rendimentos (…) [;] (…) as correcções aritméticas ou correcções meramente aritméticas, têm lugar quando a administração tributária se limita a corrigir erros de cálculo das declarações-liquidações”.

Já a avaliação indireta deverá ocorrer apenas nos casos previstos nos art.ºs 87.º a 89.º da LGT, para que especificamente remetiam os, à época, art.ºs 57.º do CIRC, 90.º do CIVA e 39.º do CIRS.

Para que seja legítimo o recurso à tributação por via dos métodos indiretos, cabe à AT o ónus da prova de que se reúnem os pressupostos da sua aplicação, consubstanciando­-se tal ónus probatório na demonstração da existência de situações fáticas, designadamente irregularidades contabilísticas, que assumam alcance tal que impossibilitam o recurso a métodos diretos de avaliação(4).

Assim, nos termos do art.º 87.º, n.º 1, da LGT:

“A avaliação indireta só pode efetuar-se em caso de:

(…) b) Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto (…)

f) Acréscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados”.

A situação prevista na alínea b) supratranscrita remete-nos para o art.º 88.º da LGT, nos termos do qual:

“A impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indiretos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorreções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:

a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;

b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;

c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexatidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.

d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada”.

Inerente às próprias caraterísticas da avaliação indireta, o legislador criou um procedimento próprio de reação à mesma, como resulta do disposto no art.º 86.º da LGT. Assim, se as liquidações de imposto decorrentes da avaliação direta são suscetíveis de impugnação direta (cfr. art.º 86.º, n.º 1, da LGT), já quanto haja recurso a métodos indiretos a situação é distinta. Com efeito, estando em causa o erro na quantificação ou nos pressupostos, é exigido que se desencadeie o procedimento de revisão previsto no art.º 91.º da LGT, procedimento esse de cariz iminentemente pericial.

Logo, quando se verificarem os pressupostos de recurso à avaliação indireta é possível o recurso a métodos presuntivos de determinação da matéria coletável, surgindo como mecanismo de reação contra a fraude e evasão fiscal, dando resposta, por esta via, à incumbência do Estado, prevista no art.º 81.º, al. b), da CRP(5) (segundo o qual “[i]ncumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social: (…) b) Promover a justiça social, assegurar a igualdade de oportunidades e operar as necessárias correções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, nomeadamente através da política fiscal”).

O recurso a estes meios de avaliação não é discricionário, como se conclui do que viemos expondo: estão legalmente definidas, de forma circunscrita, as situações em que é admissível à AT a sua utilização. Ademais, a presunção de rendimento que venha a funcionar é ilidível, podendo o contribuinte, desde logo, demonstrar o excesso na quantificação(6).

Portanto, o nosso ordenamento prevê que a avaliação da matéria tributável se possa realizar direta ou indiretamente, sendo que o recurso à avaliação indireta funciona como ultima ratio, só podendo ocorrer quando se revele impossível o recurso à avaliação direta(7).

Posto isto, o recurso a uma ou outra das formas de avaliação não é uma opção arbitrária da AT: ou se verificam condições para a avaliação direta ou, não existindo, nos termos já assinalados supra, é possível recorrer à avaliação indireta.

Feito este introito, cumpre apreciar o caso sob apreciação.

III.A.1. Correções relativas a IRC e IVA

Uma vez que a fundamentação às correções que se refletiram quer em sede de IVA quer em sede de IRC é a mesma, passaremos desde já à sua análise conjunta.

Vejamos então, sendo, antes de mais, pertinente atentar na fundamentação constante do relatório de inspeção tributária (RIT) a este propósito.

Assim, in casu, decorre do RIT que a AT partiu do cruzamento dos elementos contabilísticos com os fluxos financeiros registados nos diversos extratos bancários das contas tituladas pela Impugnante (de valor superior a 500,00 Eur.), com vista a aferir se os primeiros refletiam integralmente os segundos.

Como tal, partindo dos saldos de clientes constantes da contabilidade (ou, no caso do saldo relativo ao início de 2008, com base nos elementos entregues pela Recorrida, nos termos explanados no RIT – o que não foi posto em causa na sentença recorrida) e analisando dos fluxos bancários, a AT identificou valores depositados nas contas bancárias que não estavam refletidos na contabilidade, daí extraindo a conclusão de que “fica comprovada a omissão de rendimentos, na medida em que o total de receitas contabilizadas é inferior ao total de fluxos monetários de entrada nas diferentes contas bancárias tituladas pela empresa T......, Lda”.

Neste seguimento, considerando os recebimentos provenientes de elementos da contabilidade e os elementos constantes das contas bancárias, computou a diferença apurada em 18.185,14 Eur., 16.171,03 Eur. e 37.692,80 Eur. para os exercícios de 2008, 2009 e 2010, respetivamente.

Para efeitos de determinação dos valores que considerou respeitarem a rendimentos omitidos, entendeu a AT que a diferença calculada teria de ser expurgada do correspondente valor do IVA.

Assumindo que não se conhece com exatidão o momento em que se verificou a omissão, a AT refere ter optado “por repartir uniformemente a diferença de valores anteriormente apurada pelos diferentes períodos de tributação em sede de IVA”.

Daí apurou um valor de rendimentos omitidos de 15.091,66 Eur., 13.475,84 Eur. e 31.280,00 Eur., para 2008, 2009 e 2010, respetivamente.

Como consequência deste raciocínio, considerou a AT existir igualmente falta de liquidação e pagamento de IVA, que ascendeu a 3.093,48 Eur., 2.695,19 Eur. e 6.411,92 Eur., relativos aos anos de 2008, 2009 e 2010, respetivamente.

Foi atendendo a esta fundamentação que o Tribunal a quo considerou, em síntese, ter a AT partido de uma presunção (a de que que os valores dos influxos são rendimentos), o que implica estarmos no campo da avaliação indireta, o que só não ocorreria “… se a AT tivesse continuado as diligências investigatórias para provar que os concretos depósitos efectuados nas contas referidas, provinham todos e cada um de clientes da impugnante, e que se referiam em concreto a prestações de serviços ou vendas, que se encontravam omissas na contabilidade”.

Adiante-se, desde já, que se acompanha o entendimento do Tribunal a quo, não se verificando qualquer erro de julgamento nem de facto nem de direito.

Concretizando.

O Código Civil, a propósito das presunções legais e judiciais, no seu art.º 349.º, contém um conceito de presunções, ali definidas como “… as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”.

Como está bem de ver, nas correções por métodos diretos, a AT não pode fundar os seus raciocínios em presunções, ou seja, não pode extrair de um facto conhecido um facto desconhecido. O método presuntivo é, sim, próprio da tributação por recurso a métodos indiretos, como já explanamos supra.

Ora, no caso dos autos, foi justamente o que sucedeu.

Com efeito, a AT partiu de um facto conhecido objetivo (a saber, a identificação de discrepâncias entre os rendimentos inscritos na contabilidade e os fluxos identificados nas contas bancárias, facto esse que nunca foi posto em causa, não tendo, por isso, o Tribunal a quo de modo algum desconsiderado os elementos coligidos pela AT durante o procedimento inspetivo globalmente considerado) para firmar um facto desconhecido (ou seja, o de que a diferença apurada corresponde a rendimentos auferidos), sem que haja qualquer elemento factual adicional que permita sustentar esta conclusão. Aliás, essa ausência de elementos factuais adicionais é bem patente na própria evidenciação dos termos em que seria calculado o valor do IVA a abater na diferença apurada.

Ora, este uso de uma presunção, como ocorreu in casu, implica, desde logo, que não se esteja perante a aplicação de métodos diretos de correção da matéria coletável, estando sim a mesma a ser indiretamente corrigida(8). Mais, como foi indiretamente corrigida, mas de forma não assumida – uma vez que a AT reputou as correções em causa como correções técnicas –, não foram seguidos os procedimentos atinentes à determinação da matéria coletável por métodos indiretos, já sumariamente explanados supra.

Como bem refere o Tribunal a quo, para que se pudesse falar na correção através de métodos diretos, em casos como o dos autos, cumpria efetuar diligências adicionais por forma a caraterizar e quantificar, com a certeza que tem de estar inerente a esta metodologia corretiva, os bens e serviços inerentes a tais fluxos e respetivos clientes, o que não ocorreu. Não se trata de demonstrar que os fluxos bancários respeitam à atividade empresarial, mas sim que respeitam a rendimentos da Recorrida.

O facto de, segundo a Recorrente, tais diligências não serem possíveis, por não ter sido possível aferir a origem dos fluxos em causa, é, na verdade, mais um argumento no sentido de que estamos perante uma avaliação indireta camuflada de avaliação direta. O mesmo se refira quanto ao mencionado no tocante ao facto de os clientes da Recorrida não serem conhecidos.

Face à circunstância de a AT ter partido de uma presunção para fixar a matéria coletável e, não obstante, ter considerado estar-se perante a aplicação de métodos diretos, existe a montante um vício do procedimento que torna irrelevante o alegado em torno de caber à Recorrida o ónus da prova da origem das transações. Essa distribuição do ónus da prova apenas relevaria se os métodos aplicados, diretos ou indiretos, o tivessem sido nos termos legalmente prescritos, o que, como vimos, não ocorreu. Como tal, de modo algum o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 74.º da LGT e no art.º 342.º do Código Civil.

Carece ainda de pertinência a alegada violação do princípio da verdade material, porquanto, como já referimos, foram aplicados apenas de forma aparente “métodos diretos”, uma vez que se partiu de presunções (de que os influxos em causa eram rendimentos), o que se consubstancia como metodologia inerente a métodos indiretos, mas de forma a não respeitar o procedimento legalmente previsto para esta metodologia de determinação da matéria coletável. Todo este quadro procedimental fere de ilegalidade os atos tributários dali resultantes.

Ainda que se reconheça que a existência de fluxos financeiros, prima facie, não justificados pode indiciar omissão de rendimentos, há métodos e formas próprias de conduzir o procedimento, a que a AT está vinculada. Não tendo a AT seguido o procedimento nos termos exigidos (obtendo informação que permitisse, partindo de indícios, chegar a uma certeza ou, não a obtendo, encetando o procedimento de aplicação de métodos indiretos), foi a própria AT quem se colocou na posição de impedir a aferição da verdade material.

Aliás, diga-se a este propósito, que, ao contrário do referido pela Recorrente, o Tribunal a quo não impos a demonstração de pressupostos de recurso a métodos indiretos. Como claramente resulta do discurso fundamentador da sentença, “com o que atrás afirmámos não nos pronunciamos sobre se in casu estariam verificados os pressupostos para recorrer à avaliação indirecta, o que dizemos é algo diferente, é que a avaliação levada a cabo nos termos em que o foi, apesar de ser denominada pela AT como avaliação directa, de iure não o é, pois a fundamentação do acto, demonstra de forma inequívoca, que o mesmo se baseia numa presunção”.

Da mesma forma e pelos mesmos motivos não houve qualquer violação do princípio da tributação pelo lucro real nem do conceito de rendimento acréscimo, simplesmente porque não foi demonstrado, de forma alguma, que o diferencial apurado correspondesse a rendimento.

Como tal, e no que respeita às liquidações de IRC e IVA, carece a Recorrente de razão, mantendo-se a sentença recorrida.

III.A.2. Correções relativas a IRS


No tocante às correções atinentes a IRS (retenções na fonte), as mesmas partiram das diligências efetuadas em sede de ação inspetiva a A......(gerente da Recorrida) e M.......

Nessa ação inspetiva, foram analisados os fluxos financeiros registados nos extratos bancários das diferentes contas bancárias, relativamente aos anos de 2008, 2009 e de 2010. De acordo com o RIT, foram analisadas seis contas bancárias, tendo sido concluído que apenas quatro delas evidenciariam movimentos pertinentes (sublinhe-se que duas destas quatro contas eram da titularidade de um dos filhos dos inspecionados).

Da análise das referidas contas bancárias resultou que foram analisados os respetivos movimentos, tendo em consideração esclarecimentos prestados e tendo em conta a informação contida na declaração modelo 3 de IRS.

Daí se concluiu pela existência de omissão de rendimentos, dado que:

a) O valor dos rendimentos declarados não era compatível com o valor total dos fluxos bancários;

b) Esses mesmos fluxos não eram compatíveis com a capacidade empresarial apresentada por A...... no âmbito da atividade de olivicultura;

c) Existiam relações especiais entre A...... e a Recorrida.

Como resulta do RIT, verifica-se existir uma grande discrepância entre tais valores, o que constitui um forte indício de omissão de rendimentos declarados pelos sujeitos passivos” (sublinhado nosso). Concluiu-se no RIT que a discrepância de valores encontrada neste estudo, apenas terá explicação em rendimentos provenientes da sociedade”. Ali se menciona que a maioria dos emitentes dos cheques ou transferências bancárias são clientes da Recorrida (clientes esses que, a propósito das correções em sede de IRC e IVA, se referiu serem desconhecidos), daí se concluindo que a origem dos rendimentos se encontra na atividade desenvolvida pela Recorrida.

Conclui a AT no sentido de que “tais recebimentos apenas poderão configurar rendimentos provenientes de lucros ou adiantamentos por conta de lucros obtidos pela sociedade, distribuídos e pagos ao seu sócio gerente, em cada um dos anos em análise”, e, em consequência, procede às correções respetivas, atendendo à taxa de retenção na fonte a aplicar em situações de rendimentos da natureza dos mencionados.

Nessa sequência, a AT computou um valor de imposto em falta, para 2008, 2009 e 2010, de, respetivamente, 37.557,08 Eur., 12.212,52 Eur. e 17.050,21 Eur.

Sobre esta correção o Tribunal a quo seguiu o raciocínio já expendido em relação à correção atinente a IRC e IVA, concluindo no sentido não só de aplicação de presunções, mas, ademais, de presunções aplicadas a outros sujeitos passivos, juízo com o qual se concorda, não se verificando qualquer erro de julgamento nem de facto nem de direito.

De facto assim foi, remetendo-se, desde já, para o que já referimos a propósito da correção relativa ao IRC e IVA.

Quanto a esta correção, houve, aliás, uma sucessão de presunções. Com efeito, partindo dos movimentos bancários das contas tituladas pelo gerente da Recorrida (e das tituladas pelo seu filho), comparando-os com as declarações de rendimentos desse mesmo gerente e mulher e considerando ainda alguns esclarecimentos prestados na ação inspetiva relativa a estes sujeitos passivos, a AT calculou um valor diferencial entre depósitos não justificados e rendimentos declarados, daí presumindo que tal valor, uma vez que maioritariamente respeitava a transferências bancárias e cheques de clientes da ora Recorrida, correspondia a lucros ou adiantamentos por conta de lucros efetuados pela Recorrida. Ou seja, a AT presume, implicitamente, que o tal diferencial correspondia a rendimentos da Recorrida, que, presume-se, por seu turno, os tinha feito chegar à esfera jurídica do seu sócio-gerente por via de lucros ou adiantamentos por conta de lucros.

Ou seja, mais uma vez, a AT parte de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, sem que nunca tenha feito quaisquer diligências junto dos sujeitos que terão estado na origem do influxo dos valores em causa. Ora, se a própria AT refere que estes sujeitos eram clientes da Recorrida, já aqui não valerá o argumento aventado, no âmbito da correção a IRC e IVA, no sentido de que se desconhece quem são os ditos clientes.

Como tal, e atento o já referido a propósito das correções atinentes a IRC e IVA, para onde remetemos, na verdade a AT não fez correções através de métodos diretos, mas sim através de presunções, mas sem que tenha levado a cabo o procedimento atinente à determinação da matéria coletável por métodos indiretos, circunstância que fere de ilegalidade as liquidações daí resultantes(9). Daí que, nos termos já explanados supra, careça de fundamento o alegado quanto à violação do art.º 74.º da LGT e no art.º 342.º do Código Civil.

Pelos motivos já referidos supra, também não se verifica aqui qualquer violação do princípio da verdade material, nem do princípio da tributação pelo lucro real, nem do conceito do rendimento acréscimo.

Logo, também nesta parte não assiste razão à Recorrente.

Em suma, não pomos em causa que a existência de fluxos bancários que não encontram correspondência nos rendimentos contabilizados e/ou declarados possa ser indício de que há omissão de rendimentos. No entanto, tal circunstância deveria ter representado para a AT um ponto de partida e não um ponto de chegada. Ou seja, deveria a AT, partindo dessa divergência detetada, ter indagado no sentido de conseguir caraterizar a origem desses fluxos ou, caso se revelassem infrutíferas as diligências que empreendesse de forma a não ser possível a utilização de métodos diretos, lançar mão de métodos indiretos. Não pode é, sob a capa de “correções técnicas”, partir de “fortes indícios de omissão de rendimentos” e presumir que a diferença apurada é, sem mais, rendimento, subvertendo ambos os métodos de determinação da matéria coletável.

Assim, improcede in totum a pretensão da Recorrente.



IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 13 de dezembro de 2019

(Tânia Meireles da Cunha)

(Cristina Flora)

(Patrícia Manuel Pires)


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(1).V. a este propósito o Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 84/2003, de 12.02.2003.

(2).Para uma noção de correções meramente aritméticas, v. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 13.09.2013 (Processo: 00120/03 – Porto).
(3)Direito Fiscal, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2009, p.389.
(4)Neste sentido, v., exemplificativamente, os Acórdãos deste TCAS de 17.10.2019 (Processo: 487/11.6BECTB), de 25.05.2017 (Processo: 06473/13), de 17.03.2016 (Processo: 06556/13) e de 13.03.2014 (Processo: 07216/13).
(5).V. a este propósito o Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 84/2003, de 12.02.2003.
(6).Cfr. a este respeito o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.07.2000 (Processo: 022428).
(7).V. a esse respeito José Maria Fernandes Pires (Coord), Maria João Menezes, José Ramos Vidal e Gonçalo Bulcão, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, Coimbra, 2015, pp. 867 e 888.
(8).V., em situação com similitudes com a presente, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 13.11.2012 (Processo: 04205/10). V. igualmente o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 14.11.2019 (Processo: 7735/14.9BCLSB).
(9).V., a este propósito, os Acórdãos deste TCAS, de 30.09.2019 (Processo: 546/10.2BECTB), de 18.04.2018 (Processo: 8451/15), de 28.04.2016 (Processo: 08645/15) e de 13.11.2012 (Processo: 04205/10).