Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 794/13.3 BESNT |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 06/01/2023 |
| Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
| Descritores: | REVERSÃO CULPA PROVA |
| Sumário: | I - No âmbito do art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, o ónus da prova da não culpa cabe ao revertido. II - A imputabilidade prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT não se circunscreve ao mero ato de pagar ou não pagar as dívidas tributárias, englobando todas as atuações do gestor conducentes à falta de pagamento do imposto. III - O afastamento da presunção de culpa constante do art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT não se compadece com uma alegação e uma prova genéricas e pouco circunstanciadas. IV - Respeitando parte da dívida exequenda a retenções na fonte de IRS, trata-se de situação em que as exigências de prova em casos como o dos autos são maiores, dado que há maior nível de censura associado ao seu não pagamento ao Estado. |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | I. RELATÓRIO
A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 14.06.2019, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada procedente a oposição apresentada por G… (doravante Recorrido ou Oponente), ao processo de execução fiscal (PEF) n.º 3131200801029703, que o Serviço de Finanças (SF) de Amadora 1 lhe moveu, por reversão de dívidas de imposto do selo e de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) – retenções na fonte, do ano de 2008, da devedora originária L…, SA, em liquidação. O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Nas suas alegações, a Recorrente concluiu nos seguintes termos: “A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos identificados que julga totalmente procedente a oposição deduzida pelo Oponente G… da execução fiscal n.º 3131200801029703, com termos no Serviço de Finanças de Amadora 1, instaurada para cobrança de dívidas de IRS – Retenções na Fonte e Imposto do Selo, referentes ao ano de 2008 e com a quantia exequenda no valor de €11.194,21. B. Considerou o Tribunal a quo, estar demonstrada a ausência de culpa do gerente de facto na insuficiência patrimonial da sociedade para satisfazer as dívidas tributárias em análise nos presentes autos, e de tal entendimento diverge a Fazenda Pública, com o devido respeito, por proceder a uma errónea apreciação dos factos pertinentes para efeitos de decisão, com consequente inadequado enquadramento jurídico. C. Para a fundamentação supra transcrita, e consequente julgamento procedente da oposição, convocou o Tribunal a quo fundamentalmente os factos assentes constantes de alíneas M) a U) do probatório da douta sentença, sendo que, os mesmos não se mostram passíveis de sustentar a conclusão defendida pelo Tribunal a quo. D. Para prova dos factos contantes das alíneas O), P), R), S) e T) remete-nos a douta sentença para a sentença proferida no âmbito do processo de insolvência identificada na alínea N) dos factos provados, apelando aos factos provados na mesma para efeitos de prova dos factos constantes de tais alíneas, o que se lhe mostra vedado, pelo que, por tal via não se poderão considerar provados nos termos afirmados pelo Tribunal a quo, pois não pode a prova produzida e assente em determinados autos ser dessa forma transposta para outro processo e dessa forma integrar, sem qualquer processo de decisão do Tribunal a quo quanto à matéria de facto, o probatório; tal transposição implicaria que a prova produzida em autos diversos, e aí fixada e não aproveitada para diversos autos, aqui adquirisse o estatuto de caso julgado que não tem (vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 03/05/2018, proferido nos autos de impugnação n.º 868/08.2BESNT). E. Nestes termos, os factos constantes das alíneas O), P), R), S) e T) não se consideram provados por meio da sentença, e dos factos aí dados como provados, proferida no processo n.º 64/10.9TYLSB e constante do facto assente da alínea N) da sentença de que aqui se recorre. F. Mais remete a douta sentença, quanto a tais factos do probatório, para o depoimento das testemunhas inquiridas, contudo, dizendo respeito os presentes autos a processo de execução fiscal cuja dívida exequenda se reporta a dívidas tributárias cujo termo do prazo para pagamento conhecia o respectivo termo em 20/03/2018, cf. doc. 1 junto pela Fazenda Pública em sede de alegações, consideramos não se mostrarem tais factos provados por intermédio do depoimento da primeira testemunha inquirida, L… que iniciou funções como contabilista a 10/07/2009 (facto da alínea M)), pelo que, não tem conhecimento directo dos factos, decorrendo o seu contacto com a sociedade, de acordo com os factos dado como assentes e da prova produzida, conforme depoimento transcrito, da assunção de funções de contabilista em tal data. G. A douta sentença afirma ter tal testemunha trabalhado nos anos de 2008 como consultor da sociedade, no entanto, nenhum facto concernente a tal contexto consta do probatório, desconhecendo-se o período exacto a partir do qual a testemunha iniciou as suas funções, quais efectivas funções, e em que efectivas condições, constando dos autos, inversamente, e documentalmente provado, que as funções de contabilista invocadas pela testemunha no seu depoimento só se iniciaram em 2009, facto que não foi contrariado pela testemunha. H. Ademais, estando em causa dívidas tributárias cujo termo do prazo de pagamento ocorreu no início de 2008, concluímos que o conhecimento que a testemunha tem dos factos não é directo, decorrendo da análise documental exigida pelo fecho das contas de 2008 ocorrida em 2009, uma vez que não acompanhou a empresa no período antecedente e conducente à insuficiência patrimonial já verificada em 03/2008, pelo que, não pode ser o depoimento prestado por tal testemunha apto a produzir a prova dos factos indicados pelo Tribunal a quo como provados por seu intermédio. I. Acresce que os factos constantes das alíneas N) a U) do probatório não se constituem, isolada ou conjuntamente, como factos demonstrativos da concreta e efectiva ausência de culpa do gerente de facto, no período temporal em apreço nos autos, na situação patrimonial deficitária da sociedade, porque destituídos de qualquer precisão, porque carecidos de qualquer efectiva concretização, porque desprovidos de qualquer contextualização de tempo, modo e lugar. J. Com efeito, o facto de a sociedade viver com dificuldades económicas e sem disponibilidade de tesouraria para solver todas as suas obrigações – facto da alínea O) do probatório – é facto que em nada esclarece quanto às efectivas acções ou omissões do gerente adoptadas no sentido de evitar que a sociedade se depauperasse e não cumprisse com as suas obrigações tributárias. K. E o facto constante da alínea P) do probatório, determinado natural e certamente pelos incumprimentos da sociedade devedora originária nas suas obrigações contratuais, implicaria uma reorganização da sociedade devedora originária que, de acordo com o probatório e com os autos, se mostrou inexistente, não se mostrando capaz tal facto – sem a necessária contextualização e prova documental de suporte – de fundar o juízo de que as alterações contratuais ditaram que os problemas financeiros e económicos da empresa se processassem com ausência de culpa do gerente da sociedade. L. Por sua vez, o facto constante da alínea Q) dos factos assentes, referente à afirmada crise instalada no sector da construção civil desde 2002, agravado em 2007 com a crise mundial do subprime, para além de ser factor transversal ao exercício de actividade de qualquer empresa do ramo e de não se constituir per si como elemento automaticamente excludente da culpa, vejamos que as dívidas em referência nos autos se reportam a 2008, e desde 2002 a 2007 teve a sociedade devedora originária um período consideravelmente alargado no sentido de se ajustar às adversas condições de mercado, sendo que desconhecemos o que foi feito pela sociedade pela mão do gestor em tal hiato temporal, não sendo possível dessa forma aferir da adequação das acções ou omissões do gestor destinadas a minorar os efeitos de tal alegada e afirmada crise e da consequente insuficiência patrimonial da empresa. M. Conclusão que não é contrariada pelo facto constante da alínea R) dos factos assentes, que se reporta a solicitação junto do IAPMEI de Procedimento Extrajudicial de Conciliação, uma vez que é omitida a data em que foi tal pedido efectuado, a identidade de quem ao mesmo procedeu, as circunstâncias em que o mesmo se processou, e o motivo pelo qual não foi bem sucedido, tudo isso factos essenciais ao enquadramento da medida e à sua subsequente e eventual consideração como medida capaz de ilidir a presunção de culpa que sobre o gerente de facto impende. N. Não se exigindo o sucesso total das iniciativas do gestor e não cabendo ao tribunal avaliar o mérito técnico da gestão, como afirma a douta sentença, cabe ao Tribunal a quo proceder a um juízo objectivo sobre a adequação das medidas, considerando a situação económico-financeira da empresa em período temporal definido, e tal juízo depende da fixação de concretos factos dos quais emerge, não obstante o insucesso devido a factores externos não controláveis de todo pelo gestor, a capacidade objectiva de as iniciativas encetadas inverterem os efeitos da crise, os efeitos das dificuldades financeiras, os efeitos das alterações negociais, pelo que, a mera enunciação abstracta e não circunstanciada de tais iniciativas – como constado quanto aos factos vertidos em R), S) e T) do probatório – não permite afastar a culpa do gerente como pretendido pela douta sentença. O. De facto, e quanto às alíneas S) e T) do probatório da douta sentença, estamos perante iniciativas não devidamente concretizadas no probatório e nos autos, e cuja imprecisão não permite a formação de um qualquer juízo de adequação da gestão à situação patrimonial da empresa, nunca perdendo de vista o período em apreço nos presentes autos, impondo-se que se tivesse densificado, concretizado, inclusive por meio de prova documental, as tais iniciativas a que apela a douta sentença, prova esta que não foi feita nos presentes autos, fazendo com que os factos das alíneas S) e T), individualmente considerados ou em conjugação com os demais, se mostrem insuficientes para sustentar as conclusões alcançadas pelo Tribunal a quo. P. Ainda, no referente ao facto constante da alínea U) do probatório, é entendimento da Fazenda Pública configurar-se o mesmo como um mero juízo de valor, legítimo, mas carecido de materialização em efectivos e concretos factos, que não sabemos quais são, que sustentem tal conclusão. Q. Por fim, com referência à prova considerada provada, afirma a douta sentença, considerarem-se provados os factos que elenca nas alíneas A) a U) do probatório, bem como “os factos referidos no ponto I supra”, sucede, contudo, que os factos referidos no ponto I supra para que remete a douta sentença se reconduzem às alegações do oponente, incumbindo ao Tribunal a quo proceder a uma discriminação dos factos efectivamente dados como provados, dever esse do qual se demitiu quando remete em bloco para alegações da parte que não podem alcançar por via de tal remissão o estatuto de factos assentes, não se constituindo tais factos como factos provados. R. Deste modo, dos factos assentes, e dos autos, como supra explanado, não decorre a enunciação de efectivas e concretas medidas destinadas a reverter qualquer situação económico-financeira da empresa debilitante determinante do não pagamento dos impostos cujo prazo limite de pagamento conhecia o seu término em 20/03/2018, mais não resultando provada a ausência de qualquer nexo de causalidade entre a actuação do gerente da sociedade e a situação deficitária da empresa (vide, por todos, Ac. do Tribunal Central Administrativo Norte de 09/03/2006, proferido no processo n.º 67/01 e Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul de 18/04/2017, proferido no processo n.º 456/13.1BELLE). S. O gestor tinha que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável, e do probatório tinham que constar factos assentes dos quais se retirasse tal conclusão, impondo-se, portanto, que estabelecesse a douta sentença e o oponente uma relação efectiva e concreta entre a sua actuaçao/omissão enquanto gerente e a insuficiência patrimonial, de molde a afastar a presunção de culpa, contudo, o oponente enuncia medidas não concretas, e destituídas de qualquer suporte documental, adoptadas no período pós-insuficiência patrimonial, não decorrendo do probatório, do mesmo modo, a concretização de tais factos conforme supra exposto. T. E quanto aos factos enunciados na alínea P), para além de dificilmente se poderem considerar como circunstâncias exógenas e excepcionais – dizem respeito à actividade das empresas em geral, foram condições que se desenvolveram num período de mais de 5 anos, permitindo uma adaptação da empresa, desde 2002 até 2007, não decorre ademais do probatório que tenham sido, e de que forma, excludentemente determinantes da insuficiência patrimonial, não tendo sido feita qualquer densificação do impacto da afirmada crise na sociedade devedora originária, bem como não foi demonstrado, como referido em citado Acórdão que “a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.”. U. Deste modo, em primeiro lugar, importaria determinar e densificar na sua relação com as concretas condições de exercício de actividade da sociedade devedora originária as causas efectivas e anómalas determinantes da insuficiência patrimonial, e em segundo lugar demonstrar a falta de fundos para o pagamento de impostos, e que tal falta de meios não se deveu a conduta censurável do gerente porquanto originada por circunstâncias exógenas por si contrariadas. V. Considerando o exposto e a prova produzida, não se pode concluir que tenha o oponente demonstrado que a situação de insuficiência patrimonial da sociedade executada originária se ficou a dever, exclusivamente, a factores exógenos, e que, no exercício da gerência, usou da diligência de um "bonus pater familias", e nestes termos, é entendimento da Fazenda Pública não resultar do probatório, nem da prova produzida nos presentes autos, a cargo do oponente, ilidida a presunção de culpa com que a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT o onera, termos em que lhe é imputável a falta de pagamento das dívidas tributárias vencidas no decurso do exercício da sua gerência. W. Pelo que, ao julgar procedente a presente oposição o Tribunal a quo o fez em erro de julgamento de facto, face a uma errónea apreciação dos factos, com consequente violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, por não ilidida a presunção da norma decorrente. Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., concedendo-se provimento ao recurso, deverá a douta sentença ser revogada, com o julgamento improcedente da oposição, com as legais consequências. Sendo que V. Exas. decidindo farão a Costumada Justiça”. O Recorrido apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões: “1. Não obstante ter discorrido longamente sobre a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, a Recorrente conforma-se in totum com a mesma: não recorre a Fazenda Pública eficazmente da matéria de facto, razão pela qual o elenco factual julgado, em 1.ª instância, como provado não é minimamente beliscado pelo recurso interposto. 2. A sentença recorrida indica quais os fundamentos que levaram a Juiz a quo a considerar provada a matéria de facto elencada em todas as alíneas de A. a U., sendo suficientemente explícita quanto às razões do convencimento alcançado. 3. Aliás, ao contrário do que resulta da tese propugnada pela Recorrente, de acordo com a qual a fundamentação da sentença – em particular, no tocante à factualidade vertida de O. a T. – repousa essencialmente em factos considerados como provados na sentença que qualificou a insolvência da devedora originária como fortuita (melhor identificada no ponto N. da matéria de facto dada como provada), o Tribunal de 1.ª instância valorou devidamente a prova produzida, designadamente a documental e a testemunhal, na qual estribou consistentemente a decisão proferida. 4. Na verdade, e no tocante a tais factos (de O. a T.), importa sublinhar que TODOS foram dados como provados com base «nos depoimentos das testemunhas inquiridas» e não apenas documentalmente – como, afinal, acaba a Recorrente por admitir. 5. Ora, dois dos princípios indispensáveis ao julgamento da matéria de facto – o da oralidade e o da imediação na produção da prova – viabilizam o contacto directo e próximo com todos os intervenientes processuais, permitindo ajuizar da credibilidade das respectivas declarações. 6. O Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 198/2004, de 24.03.2004 considerou que «A oralidade da audiência, que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o tribunal […] permite ao tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções, da voz, por exemplo.» (destaque e sublinhado nossos) 7. Relativamente às testemunhas ouvidas pelo Tribunal a quo, lê-se na douta sentença em crise o seguinte: «depuseram com conhecimento directo dos factos, isenção e credibilidade – especialmente a 1.ª testemunha inquirida, L…, que trabalhou, nos anos de 2008, 2009 e 2010, primeiro, como Consultor e depois, como Técnico de contas da sociedade devedora originária, tendo ajudado a encerrar as respectivas contas do ano de 2008 e explicitado a situação económica da sociedade à data» (destaque e sublinhado nossos). 8. Ora, o que a Recorrente parece pretender, nas suas alegações, é descredibilizar a testemunha L…, ouvida pelo Tribunal a quo, “julgando” de acordo com as suas (da Recorrente) próprias convicções e objectivos processuais, e não segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal de 1.ª instância. 9. Para esse efeito, socorre-se da transcrição truncada do depoimento, enfatizando aquilo que entende serem fragilidades, mas que facilmente se compreendem, de acordo com as regras da experiência comum, atento o considerável lapso de tempo entretanto decorrido. Na verdade, foi a testemunha em apreço (L…) inquirida, no ano de 2019, relativamente a factos reportados a 2008 e a 2009! 10. Ora, mais de 10 (dez) anos volvidos, e considerando que era conhecedor directo da matéria sobre a qual foi ouvido, na qualidade de consultor financeiro e de técnico de contas da sociedade devedora originária, é perfeitamente plausível que não tenha podido precisar, com a exactidão que a Recorrente parece querer exigir-lhe, quando deixou de acompanhar a empresa devedora originária numa veste (a de consultor), para passar a intervir noutra (a de técnico de contas). 11. Uma coisa, é certa: o conhecimento dos factos sobre os quais foi inquirido adveio-lhe do exercício de uma das referidas funções, pouco importando, para aquilo que se cuida apurar nos autos, se, à data em que o pagamento do imposto em causa era devido e não foi feito, era já contabilista da sociedade ou não. 12. Aliás, não é esta a primeira vez que a Recorrente tenta abalar a credibilidade da testemunha L…: quando inquirido, a instâncias da Il. Representante da Fazenda Pública, foi, desde logo, confrontado com o facto de, de acordo com os dados comunicados à Autoridade Tributária, ter iniciado funções como (então) TOC da L… (a sociedade devedora originária, declarada insolvente) em 10.07.2009. 13. Ora, e conforme bem resulta do depoimento em apreço, a testemunha, confrontada com esse facto, esclareceu cabalmente que foi consultor financeiro da Devedora Originária, em 2008, e posteriormente, técnico oficial de contas/contabilista certificado da empresa, até à declaração de insolvência da mesma – que ocorreu em Agosto de 2010, conforme se acha documentado nos autos e foi levado aos factos provados (facto A.) – tendo ademais, conforme referiu, “fechado” as contas de 2008, como sói dizer-se. 14. Limita-se, pois, a Recorrente a atacar a credibilidade da testemunha, ancorada em pequenos excertos descontextualizados do seu depoimento, visando infirmar aquela que foi a convicção da Mma. Juiz a quo, sendo que tal acto de decisão pertence em exclusivo ao Tribunal, que apreciou a prova. 15. Na realidade, o Tribunal recorrido, ao decidir, teve em consideração toda a prova produzida, designadamente a prova documental e a prova testemunhal. Foi no conjunto de todos esses os elementos que o Tribunal fundou a sua convicção, conforme resulta da sentença em crise. 16. Ora, arvorando-se em decisora, a Recorrente, afinal, fez o seu julgamento, pretendendo, agora, impor a seu próprio raciocínio! O que se extrai das alegações da mesma é, no fundo, que pretende uma subversão da posição das personagens do processo, substituindo a convicção do julgador pela convicção da própria e por aquilo que esperava da decisão: que a prova testemunhal produzida através do depoimento de L… fosse desconsiderada! 17. Sucede que, ainda que por mera hipótese de raciocínio, pudesse desconsiderar-se o depoimento prestado por esta testemunha, como almeja a Recorrente, o certo é que foi inquirida uma outra, D…, que corroborou inteiramente a versão resultante do depoimento de L…. 18. E, não só relativamente à testemunha L…, mas também no que tange à testemunha D…, o Tribunal a quo destaca na douta sentença proferida nos autos que os mesmos «depuseram com conhecimento directo dos factos, isenção e credibilidade». 19. Acresce, ainda, que, conforme resulta sobejamente explícito da fundamentação, a resposta à matéria de facto, que deu como provados os factos de A. a U. da douta sentença recorrida, ancora-se não apenas no depoimento da testemunha L…, mas sim nos depoimentos de todas as testemunhas inquiridas nos autos (incluindo, portanto, a testemunha D…), como, ainda e previamente, nos documentos juntos aos autos. 20. Ora, forçoso é, pois, concluir-se que os «factos concretos demonstrativos das iniciativas que o [Opoente/Recorrente] empreendeu» que o Tribunal deu como provados colhem arrimo em prova documental e em prova testemunhal, meios esses que o Tribunal a quo (bem!) reputa de «capazes de ilidir a presunção de culpa.» 21. Não obstante, a Recorrente lança ainda mão insistentemente uma alegação totalmente desfasada da vida real e do normal acontecer, exigindo do Recorrido a produção de prova documental adicional de factos ocorridos no início do ano de 2008, ou seja, há mais de 10 (dez) anos! 22. Sendo que, como é do senso comum, tal tarefa é ainda mais penosa – para não dizer impossível – considerando que a sociedade devedora originária foi declarada insolvente, em Agosto de 2010 (facto provado A.), e, portanto, também há mais de 10 (dez) anos, tendo sido toda a documentação contabilística apreendida pelo Administrador da Insolvência, como é de Lei! 23. Em suma, e ao invés da tese propugnada pela Recorrente, o Tribunal recorrido não fez uma «errónea apreciação dos factos, com consequente violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT». TERMOS EM QUE Deverá ser negado provimento ao recurso interposto, confirmando o Tribunal ad quem integralmente a douta sentença ora recorrida, assim se fazendo a sã e acostumada JUSTIÇA!”. Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso. Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.
São as seguintes as questões a decidir: a) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto? b) Há erro de julgamento, em virtude de não ter sido afastada a presunção de culpa do Recorrido?
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “A. Em 10 de Agosto de 2010, foi, pelo 1.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, no processo n.º 64/10.9TYLSB, proferida sentença de declaração de insolvência da sociedade L…, S. A., com o NIPC 5……. (cf. doc. 1, junto com a p. i. a fl. 9, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); B. Em 25 de Outubro de 2010, o Serviço de Finanças de Lisboa 5 emitiu certidão, válida por 3 meses, declarando que a sociedade devedora originária “tem a sua situação tributária regularizada, nos termos da alínea c) do art.º 2.º do D.L. 236/95, de 13 de Setembro, visto que, contra a(s) liquidação(ões) que integra(m) a dívida exequenda foi deduzido processo Administrativo/Judicial, encontrando-se a(s) execução(ões) fiscal(is) suspensa(s) nos termos da lei” (cf. doc. 2, junto com a p. i. a fl. 10, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); C. No Serviço de Finanças de Amadora 1, foi instaurado, contra a sociedade L…, S. A., Em Liquidação, com o NIPC 5…….., o processo de execução fiscal n.º 3131200801029703, para cobrança de dívidas provenientes de retenções na fonte de IRS e Imposto de Selo do ano de 2008, no valor total de € 11.194,21 (cf. informação a fls. 42 e segs.); D. No processo de execução fiscal consta, em informação prestada em 24 de Janeiro de 2013, a existência do processo de insolvência da sociedade devedora originária (cf. fl. 26, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); E. Em 24 de Janeiro de 2013, foi proferido despacho de reversão contra o Oponente, na qualidade de responsável subsidiário, para cobrança de dívidas provenientes de retenções na fonte de IRS e Imposto de Selo do ano de 2008, no valor total de € 11.194,21, com data limite de pagamento em 20 de Março de 2008, com os seguintes fundamentos: “Fundamentos de emissão central. Insuficiência de bens da devedora originária (artigos 23/2 e 3 da LGT): decorrente de situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face da insolvência declarada pelo Tribunal. Gerência (administrador, gerente ou director) de direito (artigo 24/1/b), no terminus do prazo de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária (AT); Gerência de facto, decorrente da remuneração da categoria A, auferido ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante nos artigos 255.º e/ou 399.º do Código das Sociedades Comerciais)” (cf. fl. 36, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); F. Em 6 de Fevereiro de 2013, foi o Oponente citado, constando do respectivo Ofício de citação os seguintes fundamentos: “Inexistência ou insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art.º 23º/n.º 2 da LGT). Fundamentos de emissão central. Insuficiência de bens da devedora originária (artigos 23/2 e 3 da LGT): decorrente de situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face da insolvência declarada pelo Tribunal. Gerência (administrador, gerente ou director) de direito (artigo 24/1/b), no terminus do prazo de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária (AT); Gerência de facto, decorrente da remuneração da categoria A, auferido ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante nos artigos 255.º e/ou 399.º do Código das Sociedades Comerciais)” (cf. fls. 93 e segs. do processo de execução fiscal apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido) - cf. fls. 38 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido; G. O Oponente foi nomeado membro do Conselho de Administração da sociedade aquando da constituição desta, em 14 de Fevereiro de 1974, tendo renunciado às inerentes funções em 5 de Janeiro de 2010 (cf. fls. 17 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido); H. Em 8 de Março de 2013, foi a p. i. da presente oposição enviada, via mensagem de correio electrónico, ao Serviço de Finanças de Amadora 1 (cf. fl. 13, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); I. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do doc. junto a fls. 86 e segs., que consubstancia a “Relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos a que alude o artigo 129.º do CIRE”; J. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do doc. junto a fls. 101 e segs., que consubstancia o “Auto de arrolamento e apreensão de bens imóveis e móveis a que aludem os artigos 150.º e 153.º, n.º 1, do CIRE”; K. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do doc. junto a fls. 106 e segs., que consubstancia a “Reclamação de créditos” apresentada pela Fazenda Pública no processo de insolvência n.º 64/10.9TYLSB; L. Dá-se por integralmente reproduzido o teor da informação prestada pelo Administrador de insolvência a fl. 140, em que se lê: “1 - Bens Móveis verba n.º 4 a 14 Todos os bens móveis apreendidos a favor da massa já se encontram alienados. Produto da liquidação -------------- 3.000,00€ 2 - Bens Imóveis Verba n.º 2 e Verba n.º 3 – Prédio urbano, designado pela letra F e G, loja 6 e 7 no r/c, inscritos na matriz predial sob o art.º 2…9 e descrito na CRP de Lisboa, sob o n.º 7…3. Os bens imóveis foram adjudicados pelo montante de 269.300,00, aguardando o AI pelo agendamento das escrituras. 3 – Verba n.º 1 e Verba n.º 15 Pendente de alienação. 4 - Processo judiciais Ainda se encontram a decorrer processos judiciais em que é parte a ora insolvente para cobrança de créditos. Cobrança de créditos sobre devedores da insolvente --------- 174.822,52€”; M. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do doc. junto a fl. 178, que consubstancia Print informático, do qual resulta que L… iniciou funções de Contabilista da sociedade em 10 de Julho de 2009; N. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do doc. junto a fls. 185 e segs., que consubstancia Certidão da sentença proferida em 23 de Maio de 2016 pelo 1.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, no processo n.º 64/10.9TYLSB, que qualificou a insolvência da sociedade como fortuita, improcedendo o pedido de qualificação de insolvência como culposa, com afectação de D…. e G…; O. A sociedade vivia com dificuldades económicos e sem disponibilidade de tesouraria para solver todas as suas obrigações (cf. depoimentos das testemunhas inquiridas e sentença, especialmente os factos considerados provados na mesma, referida na letra anterior); P. Os fornecedores apenas aceitavam vender à sociedade a pronto pagamento (cf. depoimentos das testemunhas inquiridas e sentença, especialmente os factos considerados provados na mesma, referida na letra N supra); Q. A partir do 2.º semestre de 2002, instalou-se uma crise no sector da construção civil, em que estava inserida a empresa, que se agravou em 2007 com a crise mundial do subprime (cf. depoimentos das testemunhas inquiridas e artigo 412.º, n.º 1, do CPC); R. Foi solicitado em nome da sociedade, junto do IAPMEI, Procedimento Extrajudicial de Conciliação, que, todavia, não foi bem-sucedido (cf. depoimentos das testemunhas inquiridas e sentença, especialmente os factos considerados provados na mesma, referida na letra N supra); S. Os administradores da sociedade puseram dinheiro pessoal na sociedade, em montante significativo, de modo a pagar salários e impostos (cf. depoimentos das testemunhas inquiridas e sentença, especialmente os factos considerados provados na mesma, referida na letra N supra); T. Os administradores da sociedade alienaram bens da sociedade, para conseguirem salvar a empresa (cf. depoimentos das testemunhas inquiridas e sentença, especialmente os factos considerados provados na mesma, referida na letra N supra); U. O Oponente era uma pessoa muito preocupada com a situação da empresa (cf. depoimentos das testemunhas inquiridas)”. II.B. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto: “[Os factos mencionados em II.A.] consideram-se documentalmente provados, atendendo ainda aos depoimentos das testemunhas inquiridas nos autos, que depuseram com conhecimento directo dos factos, isenção e credibilidade – especialmente, a 1.ª testemunha inquirida, L..., que trabalhou, nos anos de 2008, 2009 e 2010, primeiro, como Consultor e depois, como Técnico de contas da sociedade devedora originária, tendo ajudado a encerrar as respectivas contas do ano de 2008 e explicitado a situação económica da sociedade à data”.
II.C. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto Considera a Recorrente que a decisão proferida sobre a matéria de facto padece de irregularidades, quanto às alíneas O), P), R), S) e T). Entende que as mesmas devem ser consideradas não provadas, porquanto o Tribunal a quo remete para a fundamentação da sentença referida em N) do probatório, o que não é admissível. Ademais, um dos depoimentos em que se sustenta é de testemunha que não tem conhecimento direto dos factos, desconhecendo-se que tenha trabalhado em 2008 como consultor. Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão (1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.. Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC]; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC]. Especificamente quanto à prova testemunhal, dispõe o n.º 2 do art.º 640.º do CPC: “2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”. Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo-se-lhe os ónus já mencionados (2) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.. Apreciemos então o alegado. In casu, como resulta da sentença recorrida, o Tribunal a quo sustentou a sua convicção, quanto a estes factos, na prova testemunhal produzida (duas testemunhas) e na sentença proferida em sede de incidente de qualificação de insolvência. Posto isto, verifica-se que não foi sequer integralmente atacada a fundamentação da sentença, quanto à prova testemunhal, não tendo sido posta em causa toda a motivação em que o Tribunal a quo se sustentou. Ou seja, sem prejuízo de se considerar que o Tribunal a quo não poderia, sem mais, transpor a factualidade provada numa sentença, atento o disposto no art.º 421.º do CPC [cfr., v.g., os Acórdãos do STJ de 02.03.2010 (Processo: 690/09), de 17.05.2018 (Processo: 3811/13.3TBPRD.P1.S1) e de 11.11.2021 (Processo: 1360/20.2T8PNF.P1.S1)], na verdade na sua motivação sustentou-se também em prova testemunhal. E quanto a esta, a FP limitou-se a considerar que tal prova testemunhal não é suficiente quanto à primeira testemunha (quando o Tribunal a quo se sustentou no depoimento de ambas as testemunhas inquiridas). Face ao exposto, indefere-se o requerido.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO III.A. Do erro de julgamento Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, uma vez que, em seu entender, não foi ilidida a presunção de culpa que impende sobre o Oponente. Vejamos. No que concerne à responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores de sociedades pelas dívidas tributárias, somos remetidos para o art.º 24.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), nos termos do qual: “1. Os administradores (…) e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”. O art.º 24.º, n.º 1, da LGT determina que a simples gestão de facto é suficiente para acionar a responsabilidade em causa, não sendo, por outro lado, suficiente a mera gerência ou administração de direito. In casu, não é controvertido que o Recorrente era gestor de facto da devedora originária. O art.º 24.º da LGT demarca duas situações, nas duas alíneas do seu n.º 1. A primeira, correspondente à sua al. a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efetiva — culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no art.º 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à administração tributária (AT) alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores. A segunda, constante da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. No art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário. Esta presunção de culpa é ilidível, cabendo ao gestor revertido o ónus de a ilidir. Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos. Como já referido, in casu, a dívida exequenda objeto do presente recurso abrange retenções na fonte de 2008 e imposto do selo do mesmo ano. A reversão em causa foi efetuada ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT. Esta disposição legal, como já referimos, consagra uma presunção de culpa: presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. Esta imputabilidade não se circunscreve ao mero ato de pagar ou não pagar tais dívidas, englobando todas as atuações conducentes à falta de pagamento do imposto. Com efeito, integram a norma constante da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT tanto as situações em que o gestor, em funções no momento em que terminou o prazo de entrega ou pagamento, não pagou das dívidas, apesar de a devedora originária ter meios para tal, como as situações em que o gestor atuou de forma a que, no referido momento, não existissem bens no património societário para responder pelos débitos em causa, impossibilitando o pagamento. Portanto, cabe ao revertido demonstrar que não teve culpa em termos de condução da devedora originária a uma situação que redundou na falta de pagamento das suas dívidas tributárias, face aos padrões de gestão média [cfr. art.º 64.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC)]. Adiantemos que se considera que assiste razão à Recorrente. Com efeito, da matéria de facto provada, não impugnada, o que decorre é que: ¾ Estamos perante dívida exequenda, cujo prazo limite para pagamento voluntário ocorreu a 20.03.2008; ¾ Desde momento não concretamente apurado, a devedora originária vivia com dificuldades económicas e sem disponibilidade de tesouraria para solver todas as suas obrigações; ¾ Em momento não apurado, os fornecedores apenas aceitavam vender à sociedade a pronto pagamento; ¾ A partir do segundo semestre de 2002, instalou-se uma crise no setor em que estava inserida a devedora originária, agravada em 2007; ¾ Em data não apurada, foi solicitado em nome da sociedade, junto do IAPMEI, Procedimento Extrajudicial de Conciliação, que não foi bem-sucedido; ¾ Em montante e momento igualmente não apurado, os administradores da devedora originária usaram dinheiro pessoal para pagar salários e impostos da devedora originária; ¾ Em data não apurada, os administradores da sociedade alienaram bens da sociedade, para conseguirem salvar a empresa; ¾ A devedora originária foi declarada insolvente, por sentença de 10.08.2010. Atento o acervo probatório a que fizemos referência, consideramos que não foi afastada a presunção de culpa que impende sobre o Oponente. Sendo certo que o êxito na gestão ou a falta dele não se confunde com a culpa, para efeitos de cumprimento do dever de diligência de um gestor criterioso e ordenado, para que seja afastada a presunção de culpa prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT seria necessário demonstrar que, no caso em concreto, as opções de gestão do Recorrente foram as mais adequadas, de acordo com padrões de diligência de um gestor médio, não tendo a sua conduta contribuído para a situação de falta de pagamento da dívida tributária no momento do termo do prazo para pagamento voluntário. Ora, tal não se consegue extrair da factualidade assente. Com efeito, o que resulta da factualidade assente é que, genericamente, o setor entrou em crise em 2002, o que se acentuou em 2007, mas de modo algum está evidenciado de que forma a crise se refletiu na atividade da devedora originária. Da mesma forma, a restante factualidade julgada provada é genérica e não circunstanciada, não permitindo aferir que tipo de atuação houve que permitisse, por referência a 20.03.2008 (momento em que as dívidas exequendas deviam ter sido pagas), concluir pela atuação diligente do Recorrido. E a factualidade que está circunstanciada é ulterior à data por referência à qual deve ser apreciado o pressuposto da culpa, em sede de reversão subsumível à al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT (in casu, 20.03.2008). Com efeito, a apresentação à insolvência foi já em 2010 e foi por iniciativa de terceiros, como resulta da decisão mencionada em N). Os pagamentos feitos pelos administradores não estão nem mensurados nem circunstanciados no tempo. Em suma, a factualidade provada é demasiado lata e pouco circunstanciada e impedita sequer de se conseguir aferir a atuação do Oponente, por forma a provar não lhe ser imputável a falta de pagamento ocorrida em 2008. Caberia ao Oponente ter alegado cabalmente todo o circunstancialismo que conduziu à falta de pagamento em 2008 das dívidas em causa e toda a sua atuação, o que não ocorreu, quedando-se por afirmações ou vagas/genéricas ou ulteriores ao momento pertinente in casu. Consideramos, pois, que a matéria de facto provada e mesmo a alegada é insuficiente para se extrair qualquer conclusão em termos de afastamento da presunção de culpa do Oponente. Sublinhe-se que a circunstância de a insolvência ter sido declarada fortuita também não é relevante, não só pelo facto de o processo ser ulterior ao período relevante in casu, mas também porque a qualificação da insolvência como fortuita não afasta a presunção de culpa do revertido, prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT [cfr., v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17.06.2015 [Processo: 01189/14) e os Acórdãos deste TCAS de 21.05.2015 (Processo: 06381/13) e de 15.04.2021 (Processo: 820/11.0BESNT)]. Logo, o Recorrido não logrou demonstrar que não teve culpa em termos de condução da devedora originária a uma situação de impossibilidade de pagamento das suas dívidas, face aos padrões de gestão média (cfr. art.º 64.º do CSC). É ainda de sublinhar que parte da dívida exequenda respeita a retenções na fonte de IRS, situação em que as exigências de prova em casos como o dos autos são maiores, dado que há maior nível de censura associado ao seu não pagamento ao Estado. Com efeito, no caso das retenções da fonte, o substituto tributário é responsável por entregar ao Estado um montante de imposto que respeita a terceiro, sendo este o contribuinte (cfr. art.º 20.º da LGT). Ao apropriar-se de um determinado valor, a título de imposto retido, e ao não o entregar ao Estado, o nível de censura é mais acentuado, justamente por representar a apropriação de um valor que não é seu e que devia simplesmente arrecadar e entregar à AT. Neste sentido, v., v.g., os Acórdãos deste TCAS de 08.05.2019 (Processo: 911/13.3BELRA) e de 24.11.2022 (Processo: 547/17.0BELRS). Assim, a factualidade provada (e mesmo a alegada) não permite, pois, afastar a presunção de culpa que impende sobre o Recorrido, não estando sequer invocada factualidade que demonstre que a sua atuação tenha sido de molde a não contribuir para o não pagamento das dívidas tributárias. Logo, assiste razão à Recorrente.
IV. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: a) Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em consequência, julgar improcedente a oposição apresentada; b) Custas pelo Recorrido em ambas as instâncias; c) Registe e notifique. Lisboa, 01 de junho de 2023
(Tânia Meireles da Cunha) (Susana Barreto) (Patrícia Manuel Pires) |