Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2180/21.BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:09/08/2022
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores: PRÉ-CONTRATUAL
CRITÉRIOS “FOTOGRÁFICOS”
CONCORRÊNCIA
CRITÉRIOS DE ADJUDICAÇÃO
Sumário:I – Não são concursalmente admissíveis critérios “fotográficos”, tendentes a admitir, beneficiar ou excluir quaisquer candidatos.
A concorrência constitui o elemento dinamizador da construção do mercado interno impondo, em matéria de contratação pública, especiais medidas de transparência, de imparcialidade e de publicidade com a abertura dos procedimentos ao maior número de operadores económicos, sejam eles nacionais sejam de Estados-membros da UE.
As entidades adjudicantes não podem, por exemplo, estabelecer requisitos de acesso e/ou de avaliação de propostas em termos tais de que resulte uma limitação desproporcionada e desigualitária quanto ao mercado habilitado a participar no procedimento ou, então, um condicionamento, ainda que potencial, dos resultados do próprio procedimento concursal.
II - Como se refere no n.º 4 do seu artigo 67.º da Diretiva 2014/24/EU, “os critérios de adjudicação não podem ter por efeito conferir à autoridade adjudicante uma liberdade de escolha ilimitada”;
III - Deter, ou não, cais no porto de Lisboa não é um atributo da proposta, não podendo ser considerados como seu fator de avaliação, pois, como decorre da definição de “atributo” constante do n.º 2 do artigo 56.º do CCP, “Para efeitos do presente Código, entende-se por atributo da proposta qualquer elemento ou característica da mesma que diga respeito a um aspeto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos”.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
S..... – E....., S.A., no âmbito do identificado Processo de Contencioso Pré-Contratual intentado pela E....., S.A., tendo como 1.ª e 2.ª contrainteressada, respetivamente, a M.....-S....., S.A., e T.... – T......., S.A., tendente a obter “a declaração de ilegalidade de disposições constantes da cláusula 5.ª, n.º 7, da cláusula 9.ª, n.º1, al. d), da cláusula 14.ª, n.º2, al. e),” todas do Programa do Concurso Público com Publicidade Internacional N.º CP032021 para a “Prestação de Serviços de Descarga/Carga de Navios a Efetuar Nos Terminais Portuários do Beato e da Trafaria da S..... – E....., SA, em liquidação”, bem como a anulação do “ procedimento concursal em crise nos autos, incluindo o ato de adjudicação do concurso à Multiterminal e o contrato que entretanto tenha sido celebrado”, inconformada com a Sentença proferida em 13 de junho de 2022, através do qual foi julgada procedente a ação, veio interpor recurso jurisdicional da referida decisão, proferida em primeira instância no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.
Formula a aqui Recorrente nas suas alegações de recurso, apresentadas em 29 de junho de 2022, as seguintes conclusões:
“A. A douta sentença julgou procedente a ação e declarou a ilegalidade das disposições constantes da Cláusula 5.ª n.º 7, da Cláusula 9.ª n.º 1 alínea d), que integra o Anexo III, da Cláusula 14.ª n. 2 alínea e), todas do PC, bem como do Anexo IV do PC.
B. A Recorrente presta serviços de receção, movimentação, armazenagem, expedição e transporte de granéis alimentares, mediante a utilização de infraestruturas de descarga e armazenagem de inegável importância a nível nacional.
C. A atividade da Recorrente é vital para a alimentação nacional, pelo que o seu desempenho, em termos da qualidade e dos preços da prestação de serviços, é importante, pela repercussão que tem no consumo final.
D. A Recorrente indicou na contestação prova testemunhal com o objetivo de comprovar estes factos, bem como os que se relacionam com os demais operadores de carga geral que lhe fazem concorrência e podem afetar sobretudo a qualidade do serviço que presta, e que está na base da introdução das regras do procedimento em crise.
E. A Recorrente presta serviços de receção, movimentação, armazenagem, expedição e transporte de matérias-primas alimentares e produtos conexos, encontrando-se totalmente dependente da contratação de serviços de mão-de obra portuária para a descarga e carga de navios nos terminais portuários da Trafaria e do Beato.
F. A qualidade da prestação de serviços da recorrente está intrinsecamente dependente da qualidade do serviço de mão-de-obra que contrata, porquanto esta componente faz parte integrante da prestação de serviços de descarga e carga dos cerais dos navios.
G. A prestação de serviços da Recorrente não é autónoma, porque obrigatória aquisição de serviços de mão-de-obra a entidades terceiras.
H. As entidades que a recorrente contrata podem exercer uma atividade concorrencial semelhante no mesmo mercado, de descarga e carga de navios, e simultaneamente, prestar serviços de mão-de-obra portuária.
I. A Recorrente exerce uma atividade concorrencial semelhante no mesmo mercado, de descarga de navios, mas não pode ter serviços próprios de mão de-obra portuária.
J. Deste modo, a aquisição de mão-de-obra portuária é vital para a Recorrente e condiciona substancialmente o preço e a qualidade do serviço que presta.
K. A situação antes descrita é, consequentemente, geradora de um conflito de interesses, na medida em que a futura entidade cocontratante, por exercer uma atividade comercial concorrente, pode interferir na atividade da outra, no caso a Recorrente.
L. Assim não foi entendido na sentença, que considerou não ser aplicável a aludida alínea k), suportando-se em entendimento doutrinal que confina o conflito de interesses quando emergente de uma relação laboral.
M. Contudo, a realidade empresarial e comercial é muito mais vasta e rica que a admitida neste texto, pois as relações entre as entidades empresariais não se limitam às relações através dos seus trabalhadores, ainda que estes sejam os seus instrumentos.
N. As entidades empresariais relacionam-se entre si, mas através da atuação dos seus trabalhadores, como instrumentos das tarefas a praticar ou como seus representantes.
O. Por isso, a alínea k) não pode ser interpretada de modo tão restritivo, pois se o legislador tivesse querido referir-se apenas aos trabalhadores, certamente o teria indicado explicitamente.
P. Pelo contrário, a referida disposição tem uma redação suficientemente ampla para não permitir que o conceito de conflito de interesses se cinja ao que emerge da relação laboral de um concorrente.
Q. Por isso, as entidades que concorrem com a Recorrente no mercado de descarga e carga de granéis alimentares estão abrangidas por um efetivo conflito de interesses quando passam a prestar simultaneamente serviços de mão-de-obra portuária à recorrente
R. Não pode, portanto, considerar-se que o n.º 5 da Cláusula 7.ª fere o princípio da concorrência, sob pena de se ignorar uma efetiva situação de conflito de interesses expressamente consagrada no artigo 55.º do CCP.
S. O n.º 2 do artigo 75.º do CCP consagrou uma inovação quando passou a admitir que os fatores e os subfactores podem ser estabelecidos em função dos objetivos e das necessidades da entidade adjudicante.
T. Os objetivos e as necessidades da Recorrente, por relacionados com a interferência da detenção de cais no porto de Lisboa na qualidade do serviço de mão-de-obra prestado, passaram pela inclusão no Programa de Procedimento de uma metodologia de avaliação que aferisse a qualidade das propostas em função da detenção de cais próprio no porto de Lisboa.
U. Não aceitar que os pressupostos relativos aos objetivos e necessidades da Recorrente têm correspondência na nova redação do n.º 2 do artigo 75.º corresponde a um apego à noção de fatores subjetivos de avaliação de propostas anteriores à reforma do CCP de 2018.
V. Na verdade, a partir da alteração introduzida no artigo 75.º do CCP o entendimento da avaliação subjetiva ampliou-se, passando a admitir que se adapte aos objetivos e necessidades da entidade adjudicante.
W. Portanto, o fator B) não é ilegal, nem foi cometida ilegalidade no ato de adjudicação, porquanto, aquele está diretamente relacionado com o objeto do contrato e corresponde, de forma direta, aos objetivos e às necessidades da entidade adjudicante quanto à qualidade da prestação de serviços a praticar pelo adjudicatário durante a execução do contrato.
Termos em que, por ser dado provimento ao presente recurso, deverá a sentença recorrida ser revogada e, consequentemente, ser declarada (i) a legalidade das disposições constantes da Cláusula 5.ª n.º 7, da Cláusula 9.ª n.º 1 alínea d), que integra o Anexo III, da Cláusula 14.ª n. 2 alínea e), todas do Programa de Concurso, bem como do Anexo IV do PC (ii) não anulado o procedimento concursal, incluindo o ato de adjudicação.”
O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por Despacho de 25 de julho de 2022.
A aqui Recorrida, veio apresentar contra-alegações de Recurso em 20 de julho de 2022, concluindo:
“a) A S...., ora Recorrente, não se conformou com a sentença proferida pelo TCA de Lisboa nos termos da qual foi julgada procedente a ação proposta pela ora Recorrida e declarada a ilegalidade das disposições constantes da cláusula 5.ª, n.º 7, da cláusula 9.ª, n.º 1 alínea d), que integra o Anexo III, da cláusula 14.ª, n.º 2 alínea e), todas do programa do concurso, bem como do Anexo IV do programa do concurso, e, em consequência, anulado o procedimento concursal, incluindo o ato de adjudicação;
b) Para o Tribunal de primeira instância não existiu dúvida absolutamente nenhuma de que as referidas disposições do programa do concurso introduziram restrições intoleráveis ao princípio da concorrência, entre outros, bem como violaram normas fundamentais da contratação pública, como sejam as regras de seleção dos fatores e subfactores que densificam o critério de adjudicação constantes do artigo 75.º do CCP;
c) No que respeita ao capítulo “questões prévias” constante das alegações da Recorrente, a ora Recorrida tem a dizer que reconhece e não nega a importância da atividade S.... a nível nacional, mas não entende é o que é que a importância da atividade da S.... tem que ver com as questões de legalidade que são discutidas na presente ação e recurso;
d) Sublinhe-se que o setor da movimentação de cargas em Portugal é muito restrito e ainda mais restrito é no porto de Lisboa, sendo muito poucas as empresas licenciadas para movimentar cargas no porto de Lisboa, pelo que a ora Recorrente bem sabia à partida quem estava exatamente a prejudicar e quem estava exatamente a beneficiar com as referidas disposições do programa do concurso;
e) No que respeita à Cláusula 5.ª, n.º 7 do PC, esta cláusula estabelece, tal como concluiu o Tribunal recorrido, uma restrição intolerável ao princípio da concorrência;
f) As cláusulas de não concorrência só são admitidas em situações excecionais, devidamente justificadas e com fundamento material bastante, não se conseguindo vislumbrar qual o fundamento material bastante, nem qual o interesse público concreto a acautelar através do impedimento em questão;
g) Ao contrário daquilo que pretende fazer crer a Recorrente nas suas alegações, não existe qualquer relação de interdependência, interação ou condicionamento entre a atividade de um concessionário, concorrente da S...., e um prestador de serviços da S.... para o exercício da sua atividade, uma vez que a relação jurídica do prestador de serviços é exclusivamente com a S.... e não com os seus clientes;
h) Não existe, pois, razão nem fundamento para que tal impedimento tenha sido imposto aos concorrentes, ainda para mais quando é certo e sabido que a única empresa que se encontra nessa situação no porto de Lisboa é a ETE, ora Recorrida;
i) Mas então, não existindo fundamento material bastante para tal impedimento a concorrer, nem se vislumbrando qual o interesse público a acautelar com o mesmo, o mesmo é ilegal por ser manifestamente discriminatório e violador dos princípios da igualdade, da imparcialidade e da concorrência;
j) Tenta a Recorrente, nas suas alegações de recurso, demonstrar que existe um fundamento material para que esta restrição à concorrência tenha ocorrido no âmbito do concurso em apreço, no entanto, toda a sua argumentação é uma falácia;
k) Em primeiro lugar, o contrato em questão nos autos não se trata de “serviços de mão-de-obra” mas sim de serviços de carga e descarga de navios, pelo que, as condições técnicas dos serviços a prestar são as da própria adjudicatária, uma vez que é esta que, ao abrigo de um contrato público, vai desempenhar uma atividade por conta da S....;
l) Por outro lado, as condições financeiras do negócio da S...., seja a sua tabela de preços, seja os descontos que confere a clientes, são, enquanto concessionária de serviço público, do conhecimento público, pois encontram-se publicados periodicamente no site da S.... – cfr., por exemplo, a tabela de preços para 2022 no endereço https://www.S.....pt/wpcontent/uploads/2021/12/tabela_precos_S...._2022.pdf;
m) Tal significa que é vazio de sentido o alegado pela Recorrente que “quem presta o serviço de mão-de-obra portuária pode concorrer na atividade portuária de descarga e carga de navio, até porque, tendo conhecimento dos seus preços e condições, pode competir com os preços apresentados pela Recorrente”, pois, como referido, os preços são públicos;
n) Esclareça-se, aliás, que a S.... não tem concorrência no porto de Lisboa, pois oferece aos seus clientes um serviço integrado de carga e descarga e armazenagem no próprio porto (sem necessidade de transporte da mercadoria a armazém), entre outros, serviço integrado este com o qual a ora Recorrida (nem ninguém) não pode concorrer, pois não pode oferecer armazenagem aos respetivos clientes;
o) A descarga/carga na S.... é feita diretamente do/para o navio para/do armazém, o que significa que o serviço que é prestado pela S.... aos seus clientes é um serviço único no porto de Lisboa e que não tem concorrência;
p) Por outro lado, também não é preciso estar a prestar serviços à S.... para se saber que navios descarrega e vai descarregar, pois a informação sobre os navios que acostam num determinado terminal consta muito claramente do site da APL (cfr. https://www.portodelisboa.pt/previsao-de-chegadas ), não havendo também aqui qualquer segredo que possa ser escondido;
q) É também falsa a alegação feita pela Recorrente de que o prestador de serviços “tem o poder de condicionar a qualidade do serviço, designadamente pelo ritmo que pode impor à sua realização”, uma vez que os serviços a prestar são supervisionados pela S.... – cfr. cláusula 19.ª do CE – e, por outro lado, estão previstas na cláusula 23.ª do CE penalidades para o incumprimento dos ritmos de trabalhos que foram impostos pela S.... no presente concurso e aos quais o adjudicatário ficaria sempre vinculado;
r) Aliás, tal nem faz sentido algum se pensarmos que a remuneração do prestador é calculada em função do n.º de toneladas movimentadas;
s) Refira-se, finalmente, que bem andou o Tribunal a quo ao decidir que a alínea k) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP não é aqui aplicável, pois deve ser lida em conjunto com o n.º 2 do artigo 55.º e com o artigo 1.º-A, n.ºs 3 e 4 do CCP, percebendo-se facilmente que a situação de conflito de interesses mencionada é referente a trabalhadores ou agentes, tal como interpretado pelo Tribunal recorrido – neste sentido Pedro Costa Gonçalves, in “Direito dos Contratos Públicos”, 4.ª edição, Almedina, pág. 737;
t) Mas mesmo que assim não se entendesse e a norma pudesse ser interpretada no sentido que a Recorrente pretende, o que se refere sem conceder, nunca se poderia concluir existir um conflito de interesses que justificasse uma restrição da concorrência, pois, como supra referido, nenhuma empresa do porto de Lisboa pode concorrer com a S.... dado o serviço integrado que esta oferece aos clientes e que mais nenhuma empresa pode oferecer;
u) No referente à Cláusula 9.ª, n.º 1 alínea d) e à Cláusula 14.ª, n.º 2 alínea e) do PC, bem como o modelo de avaliação, bem andou, mais uma vez, o Tribunal recorrido ao declarar a respetiva ilegalidade;
v) Com efeito, o fator de avaliação relativo à detenção pelo concorrente de cais no porto de Lisboa é ilegal, pois ser ou não detentor de um cais no porto de Lisboa não é um atributo da proposta mas sim um elemento de facto relativo ao concorrente, o que só por si determina a ilegalidade de tal exigência, nos termos do artigo 75.º do Código dos Contratos Públicos (CCP);
w) Mas mais do que ser um fator de avaliação que está ligado a uma qualidade do concorrente e, portanto, só por isso ilegal, o fator em questão é completamente arbitrário, pois essa qualidade do concorrente não é valorizada na avaliação da proposta, mas antes desvalorizada;
x) Trata-se, na verdade, de um fator de avaliação não ligado a um atributo da proposta, injustificado e discriminatório, que favorece inaceitavelmente quem não seja detentor de cais no porto de Lisboa, sendo, assim, violador dos princípios da transparência, da igualdade dos concorrentes e da concorrência, sem suporte no princípio da proporcionalidade nem da necessidade;
y) Vem a Recorrente no presente recurso alegar que o fator de avaliação aqui em crise caberia dentro da previsão da alínea a) do n.º 2 do artigo 75.º do CCP, e que o n.º 2 do artigo 75.º do CCP permite que os fatores e subfactores possam ser estabelecidos em função dos objetivos e das necessidades da entidade adjudicante;
z) Ora, é certo que a entidade adjudicante pode estabelecer diferentes fatores e subfactores de avaliação de acordo com os seus objetivos e necessidades, mas é também certo que tais fatores e subfactores não podem, conforme consta do n.º 1 do mesmo artigo, deixar de estar ligados ao objeto do contrato a celebrar e que não podem dizer respeito, direta ou indiretamente, a situações, qualidades, características ou outros elementos de facto relativos aos concorrentes;
aa) Sendo ainda que, ao contrário daquilo que pretende fazer crer a Recorrente, a previsão constante da alínea a) do n.º 2 do artigo 75.º é referente a qualidade, valor, características, etc, da proposta e do objeto do contrato, e não é referente a qualidades, valor ou características do próprio concorrente;
bb) É, pois, falso o alegado pela Recorrente quando refere que optou “pela inclusão no Programa do Procedimento de uma metodologia de avaliação que aferisse a qualidade das propostas em função da detenção de cais próprio no porto de Lisboa”;
cc) Em primeiro lugar, porque tal é referente a uma qualidade do concorrente e não da proposta, e, em segundo lugar, porque esse fator de avaliação não foi projetado para valorizar as propostas, mas sim para as desvalorizar;
dd) Adotar a posição defendida pela ora Recorrente no sentido de uma suposta “avaliação subjetiva” seria desvirtuar completamente a lógica da separação total entre aquilo que é a qualificação de candidatos e aquilo que é a avaliação das propostas e dos respetivos atributos, separação que o legislador pretendeu deixar bem clara;
ee) No sentido defendido pela ora Recorrida, vejam-se Jorge Andrade da Silva, in “Código dos Contratos Públicos, Anotado e Comentado”, 7.ª edição revista e atualizada, 2018, Almedina, pp. 276 e 277; Pedro Costa Gonçalves, in “Direito dos Contratos Públicos”, 4.ª edição, 2020, Almedina, 905 e ss.; o Acórdão do TCA Norte datado de 15/07/2016, proferido no processo n.º 03661/15.2BEBRG; e o Acórdão do TCA Norte datado de 25/01/2013, proferido no processo n.º 01312/11.3BEBRG;
ff) Acresce que deter ou não cais no porto de Lisboa não é um atributo da proposta e logo não pode ser convolado em fator de avaliação – cfr. n.º 2 do artigo 56.º do CCP e neste sentido Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, in “Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública”, 2.ª reimpressão, 2016, Almedina, pág. 584;
gg) Finalmente, esclareça-se que é falsa a afirmação da Recorrente de que “o modelo de avaliação não foi alterado” pelo júri em sede de relatório final, pois basta ler o relatório final para se perceber nitidamente que o que lá está escrito é que o Júri, perante a reclamação da ora Recorrida de que o fator B) de avaliação era ilegal, decidiu desconsiderá-lo totalmente e proceder à avaliação das propostas considerando apenas os fatores A) e C), violando flagrantemente o princípio da inalterabilidade das peças do procedimento;
hh) E fê-lo por saber que, mesmo desconsiderando o fator B), a adjudicatária continuava a ser a mesma;
ii) Em suma, bem andou o Tribunal recorrido ao decidir que as cláusulas aqui em discussão são ilegais, decisão que deve ser confirmada por esse Douto TCA Sul.
Termos em que, e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente por manifesta falta de fundamento, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.”
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 1 de agosto de 2022 nada veio dizer requerer ou Promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão às juízes Desembargadoras Adjuntas, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se suscita, designadamente, o facto da entidade adjudicante não ter violado quaisquer normas do Código dos Contratos Públicos, nomeadamente os Artºs 1º-A e 75º.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como Provada:
A) Em 02/09/2021, foi publicado no Diário da República, II Série – Nº 171, o Anúncio de Procedimento nº 11310/2021, e, em 03/09/2021, no Suplemento S171 do JOUE, com o n.º 446291/2021, o concurso público n.º CP032021 para a celebração de contrato de aquisição de “Serviços de descarga/carga de navios a efetuar nos Terminais Portuários do Beato e da Trafaria da S..... – E....., SA, em liquidação”, documentos que se dão aqui por integralmente reproduzidos (cfr. consta do processo administrativo).
B) Dão-se aqui por integralmente reproduzidas as peças do procedimento – Programa de Concurso e Caderno de Encargos, destacando-se aqui o seguinte:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
C) Em 10/09/2021, a Autora apresentou ao júri do concurso um pedido de esclarecimentos, documento que se dá aqui por integralmente reproduzido e destaca-se aqui o seguinte: «(…)
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
D) Em 20/09/2021, o júri do concurso prestou os esclarecimentos solicitados pela Autora, conforme documento que se dá aqui por integralmente reproduzido e destaca-se aqui o seguinte: «(…)
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
E) Em 21/09/2021, a Autora solicitou ao júri do concurso aclaração da resposta dada às perguntas 1.1 e 1.2, respeitantes à cláusula 5.ª, n.º 7 do Programa do Concurso, documento que se dá aqui por integralmente reproduzido e destaca-se aqui o seguinte: «(…)
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
F) Em 23/09/2021, o júri do concurso respondeu ao pedido de aclaração, referido na alínea anterior, na sequência de deliberação da Comissão Liquidatária de 22.09.2021, do seguinte modo: «(…)
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
G) A Autora e as Contrainteressadas apresentaram proposta, respetivamente, que se dão aqui por integralmente reproduzidas (cfr. consta do processo administrativo).
H) Em 22/10/2021, o júri do concurso solicitou os seguintes esclarecimentos à 1.ªCI. e à 2.ªCI.: «
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
I) Em 02/11/2021, reuniu o júri do procedimento e elaborou o relatório preliminar, que se dá aqui por integralmente reproduzido e destaca-se aqui o seguinte: «(…)
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
J) A Autora pronunciou-se em sede de audiência prévia, pronúncia que se dá aqui por integralmente reproduzida (cfr. consta do processo administrativo e documento n.º 7 junto pela Autora com a petição inicial).
K) Em 23/11/2021, o júri do procedimento reuniu e elaborou o relatório final, que se dá aqui por integralmente reproduzido e destaca-se aqui o seguinte: «(…)
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
L) Em 23/11/2021, todos os concorrentes foram notificados da decisão de adjudicação à proposta da 1.ªCI., bem como do relatório final referido na alínea anterior, documento que se dá aqui por integralmente reproduzido (cfr. consta do processo administrativo e documento n.º 9 junto pela Autora com a petição inicial).

IV – Do Direito
No que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão de 1ª Instância:
“Das alegadas ilegalidades de disposições contidas no Programa de Concurso (PC).
(…) Dispõe o n.º 7 da Cláusula 5.ª do PC, que integra o Capítulo II intitulado “REGRAS DE PARTICIPAÇÃO”, que: «Não podem ser concorrentes ou integrar qualquer agrupamento concorrente, as entidades que exerçam a atividade no porto de Lisboa que concorra com a atividade da S.... na prestação de serviços de descarga e carga de granéis sólidos alimentares, designadamente cereais, oleaginosas e seus derivados, ou que tenham laços de interdependência com alguma entidade que desenvolva a atividade anteriormente referida, nomeadamente se possuírem entre si uma participação de capital, a detenção de mais de metade dos membros do órgão de administração ou o poder de gerir os respetivos negócios ou se partilharem, ainda que apenas parcialmente, representantes legais ou sócios, ou ainda se as entidades se encontrarem em relação de simples participação, de participação reciproca, de domínio ou de grupo.» (alínea B) do probatório)
Tal como resulta da regra de participação pré-estabelecida “Não podem ser concorrentes ou integrar qualquer agrupamento, as entidades que exerçam atividade no porto de Lisboa que concorra com a atividade da S.... na prestação de serviços de descarga e carga de granéis sólidos alimentares, …”, regra que foi objeto de pedido de esclarecimentos e aclaração pela Autora, que veio a ser confirmada pela ED., de acordo com a última resposta do júri, do seguinte teor: «Tendo sido suscitado esclarecimento complementar, ao abrigo do artigo 11.º do Código do Procedimento Administrativo, esclarece-se o seguinte:
Não poderá ser celebrado contrato com o adjudicatário ou agrupamento adjudicatário que exerça atividade no porto de Lisboa, que concorra com a atividade da S.... na prestação de serviços de descarga e carga de graneis sólidos alimentares, designadamente cereais, oleaginosas e seus derivados, ou que tenha laços de interdependência com alguma entidade que desenvolva esta atividade.» (alíneas C), D), E) e F) do probatório).
Estamos perante um concurso público com publicidade internacional (alínea A) do probatório), que definiu uma regra de participação especial no seu nº 7 da Cláusula 5.ª do PC e que conjugada com o estabelecido na Cláusula 14.ª n.º 2 alínea e), segunda parte, do PC, conduz à exclusão da proposta, cuja análise revele «Que não apresente qualquer das declarações de compromisso exigidas na Cláusula 9.ª antecedente ou se encontre em condições de não cumprir qualquer das declarações de compromisso da referida Cláusula;».
Estabelece a Cláusula 9.ª n.º 1 alínea d) do PC que:
«1. A proposta é constituída pelos seguintes documentos:
d) Declaração de compromisso elaborada de acordo com a minuta constante do Anexo III relativa à detenção ou não de cais no Porto de Lisboa e de não exercer atividade no porto de Lisboa que concorra com a atividade da S.... na prestação de descarga e carga de granéis sólidos alimentares.
A declaração de compromisso, exigida pela citada alínea d) do n. 1 da Cláusula 9.ª do PC, tinha em vista duas finalidades no procedimento:
1.ª A declaração relativa à detenção ou não de cais no porto de Lisboa tem relação direta com o fator de avaliação das propostas B), definido no Anexo IV do PC, por remissão do seu artigo 16.º n.º 1, e com a causa de exclusão prevista na Cláusula 14.ª nº. 2 alínea e) do PC.
2.ª A declaração de não exercer atividade no porto de Lisboa que concorra com a atividade da S.... na prestação de descarga e carga de granéis sólidos alimentares tem relação direta com a regra de participação definida no n.º 7 da Cláusula 5.ª do PC e com a causa de exclusão prevista na Cláusula 14.ª nº. 2 alínea e) do PC.
Desde logo, um concorrente que exerça atividade no porto de Lisboa que concorra com a atividade da S...., na prestação de serviços de descarga e carga de granéis sólidos alimentares, ou que tenha laços de interdependência com alguma entidade que desenvolva a referida atividade, não pode ser concorrente ou integrar qualquer agrupamento concorrente, nos termos do estabelecido no n.º 7 da Cláusula 5.ª do PC, e a proposta será excluída se estiver em condições de não cumprir qualquer das declarações de compromisso previstas na citada alínea d) do n.º 1 da Cláusula 9.ª do PC ou não apresentar qualquer delas.
Nos termos das citadas Cláusulas do PC, se um concorrente declarar que tem cais no porto de Lisboa obtém a pontuação de 0 (zero) no fator de avaliação B) e se declarar que não tem cais no porto de Lisboa tem a pontuação de 10 (dez), e é ainda obrigado a declarar que não exerce atividade no porto de Lisboa que concorra com a atividade da S...., na prestação de descarga e carga de granéis sólidos alimentares, sob pena de ver a sua proposta excluída, nos termos da Cláusula 14.ª n.º 2 alínea e) do PC.
Apesar da ED. invocar que o disposto no n.º 7 da Cláusula 5.ª do PC se limitar a traduzir, na prática, o princípio que está subjacente na alínea k) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP, face ao estabelecido neste normativo e à definição de conflito de interesses consagrada no artigo 1.º-A nº 4 do CCP, não é admissível o alegado pela ED., porque «só existe conflito de interesses quando um dirigente ou trabalhador de uma entidade adjudicante ou de entidade que age em seu nome tem um interesse de tipo financeiro ou não financeiro que pode comprometer a sua imparcialidade e independência num dado procedimento, a solução para o conflito de interesses não deve passar pelo afastamento do candidato ou concorrente do procedimento, mas sim, obviamente, do próprio indivíduo que se encontra em conflito de interesses.
Nem outra solução seria concebível à luz da preocupação de alargamento do universo de potenciais concorrentes em cada procedimento.» (PEDRO FERNÁNDEZ SÁNCHEZ, Direito da Contratação Pública, Volume II, 2020 AAFDL Editora, páginas 29/20).
(…)
Ao abrigo do disposto no artigo 132º nº 4 do CCP, «O programa do concurso pode ainda conter quaisquer regras específicas sobre o procedimento de concurso público consideradas convenientes pela entidade adjudicante, desde que não tenham por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência.»
É o próprio CCP que impede a entidade adjudicante de proceder à criação de quaisquer regras específicas, sobre o procedimento do concurso público, que considere convenientes, se essas mesmas regras tiverem por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência.
(…)
Ora, no caso concreto em apreciação e em face do acima exposto, é ilegal a Cláusula 5.ª nº 7 do PC, por violação dos princípios da concorrência, da proporcionalidade e da igualdade, ao não permitir que possam ser concorrentes ou integrar qualquer agrupamento concorrente, as entidades que exerçam atividade no porto de Lisboa, que concorra com a atividade da S...., na prestação de serviços de descarga e carga de granéis sólidos alimentares, ou que tenham laços de interdependência com alguma entidade que desenvolva essa atividade, por constituir uma restrição intolerável do princípio da concorrência, ao não privilegiar o acesso do maior número de concorrentes no procedimento, e é desproporcional por não ser adequada nem necessária à realização do interesse público subjacente ao objeto do contrato a celebrar, que não justifica o sacrifício dos concorrentes que estejam nessas situações e que a concorrer podem apresentar propostas mais competitivas, assim como viola o princípio da igualdade ao discriminar negativamente as entidades que se encontrem nessas situações, o que é injustificável.
O mesmo sucede com a Cláusula 9.ª n.º 1 alínea d) do PC, que viola os mesmos princípios, ao exigir que a proposta seja instruída com uma declaração sob compromisso de honra, elaborada de acordo com a minuta constante do Anexo III, relativa à detenção ou não de cais no porto de Lisboa e de não exercer atividade no porto de Lisboa que concorra com a atividade da S...., na prestação de descarga e carga de granéis sólidos alimentares, que tem na sua base uma regra de participação que é ilegal (n.º 7 da Cláusula 5.ª do PC) e serve de base de avaliação de um fator (do fator B)) que densifica o critério de adjudicação, que integra o Anexo IV do PC, que também é em si mesmo ilegal, por violação do disposto no artigo 75.º do CCP. Vejamos.
Foi adotado no Programa do Concurso (PC) [Cláusula 16.ª – alínea B) do probatório] o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa, na modalidade multifator, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 74.º do CCP, cujo modelo de avaliação das propostas consta do Anexo IV.
(…)
Nos termos da Cláusula 1.ª n.º 1 do Caderno de Encargos, «O objeto do contrato consiste, de acordo com as cláusulas técnicas descritas na Parte II deste Caderno de Encargos, na aquisição de serviços de descarga / carga de navios a efetuar nos terminais portuários do Beato e da Trafaria da S..... – E....., S.A., em liquidação, incluindo a receção / expedição de camiões e vagões, ou a descarga de navios em outros cais do porto de Lisboa, com as condições definidas no Caderno de Encargos.» (alínea B) do probatório).
A Autora apresentou ao júri do procedimento um pedido de esclarecimentos quanto ao fator de avaliação B) (alínea C) do probatório), que respondeu do seguinte modo «Nos termos da lei e do CCP, é da exclusiva responsabilidade e discricionariedade da entidade adjudicante o estabelecimento dos fatores de avaliação que densificam o critério de adjudicação.» (alínea D) do probatório). Vejamos.
(…)
Segundo Pedro Fernández Sánchez «…, é no artigo 75.º que se encontram as regras que disciplinam o primeiro dos quatro passos da elaboração de um modelo de avaliação de propostas: a seleção dos fatores e eventuais subfactores que densificam um critério de adjudicação de natureza multifactor.
A primeira das principais regras aplicáveis a essa seleção consta da parte inicial do n.º 1 do artigo 75.º: os fatores e subfactores que a entidade adjudicante seleciona “devem estar ligados ao objeto do contrato a celebrar”.
Esta regra inicial permite reiterar a preocupação de que acima se deu conta: a de que o critério de adjudicação apenas possa integrar e conduzir à valorização de aspetos que incidem sobre condições contratuais a integrar no negócio jurídico em preparação e que podem beneficiar a entidade adjudicante ou, pelo menos indiretamente, outros interesses públicos que lhe incumba prosseguir. Esses interesses podem até assumir uma natureza tendencialmente difusa e dizer respeito a preocupações de responsabilidade social, de sustentabilidade ambiental ou de promoção de trabalhadores ou populações desfavorecidas; mas, ainda assim, eles devem estar integrados no objeto do contrato e traduzir-se em condições contratuais. Não existe qualquer metodologia que permita a um júri proceder à avaliação de atributos das propostas que não digam respeito a aspetos ou realidades que se não integrem em condições contratuais. Se a conjugação do caderno de encargos e da proposta é que resultará no contrato final (n.º 3 do artigo 95.º e n.º 2 do artigo 96.º), a entidade adjudicante não pode exigir que os concorrentes apresentem nas propostas, para efeitos de avaliação, informações ou detalhes que são alheios ao futuro contrato.
É por isso que o n.º 4 do artigo 75.º prevê que um fator ou subfactor só é considerado como concernente ao objeto contratual se estiver relacionado com o produto ou solução que o proponente oferece, seja qual for o seu aspeto ou a fase do seu ciclo de vida.
E é também por isso que, apesar de as alíneas a) e d) do n.º 2 e o nº 7 desse artigo 75.º elencarem o amplo leque de condições de natureza social, ambiental ou de sustentabilidade a que acima se fez referência, o n.º 5 do mesmo artigo adverte ….que os factores que dizem respeito a um processo específico de produção ou fornecimento ou a uma fase posterior do ciclo de vida de um produto ou solução ainda se integram no objeto contratual, mesmo que “não façam parte da sua substância material”.
(…)
É nesse sentido que o n.º 2 do artigo 187.º estabelece que, no concurso limitado por prévia qualificação, os candidatos qualificados passam à fase seguinte em condições de igualdade.
(…) Não obstante tudo o que tem a ver com os elementos de produção do bem objeto do contrato tenha também a ver com a sua execução, poderá igualmente entender-se, afastando aquele obstáculo, que, neste caso, não está em causa uma avaliação abstrata da pessoa do concorrente, como sucederia numa fase de “qualificação” dos candidatos [PEDRO COSTA GONÇALVES, Direito dos Contratos Públicos cit., pág. 315] (Código dos Contratos Públicos, Anotado e Comentado, 6ª Edição Revista e Atualizada, Almedina, páginas 271/272).
Ainda, nos termos do afirmado no Acórdão do Colendo STA, de 22.04.2015, Proc. 0835/13, de que se destaca aqui o seguinte trecho, «…O que a lei pretende evitar é que a avaliação da proposta seja desvirtuada pela qualidade pessoal do concorrente, pelo que, nesse sentido, impõe o art. 75º, n.º 1, do CCP que a proposta valha por si [princípio da objetividade das propostas], sem atender à pessoa de quem a oferece e que só a sua qualidade da proposta seja avaliada. Proíbe-se, em suma, que uma má proposta seja beneficiada por um bom proponente.»
No procedimento em análise, a adjudicação é feita de acordo com o critério da proposta economicamente mais vantajosa, na modalidade multifator (cfr. artigo 16.º, n.º 1, do PC), segundo o qual «o critério de adjudicação é densificado por um conjunto de fatores, e eventuais subfatores, correspondentes a diversos aspetos da execução do contrato a celebrar;» (cfr. artigo 74.º, nº 1, alínea a), do CCP) (destaque da signatária).
A ED. decidiu submeter à concorrência (alínea B) do probatório) o facto de a proposta ser apresentada ou não por uma entidade detentora de cais no porto de Lisboa (cfr. artigo 42.º, nº 11, do CCP), que corresponde a um atributo (cfr. artigo 56º, n.º 2, do CCP).
Tomando em consideração o objeto do contrato definido nas peças do procedimento (cfr. Cláusula 1.ª do PC e Cláusula 1.ª do Caderno de Encargos (CE)), o estabelecido no Caderno de Encargos, enquanto peça do procedimento que contém as cláusulas a incluir no contrato a celebrar (cfr. artigo 42.º, nº 1 do CCP) e as propostas apresentadas (alínea G) do probatório), cuja proposta adjudicada integrará o contrato (cfr. artigo 96.º nº 2 do CCP), pode-se afirmar que o fator de avaliação B) não corresponde a um aspeto da execução do contrato a celebrar, por não estar ligado ao seu objeto (cfr. artigo 75.º, n.º 1, do CCP).
(…)
Nos termos do Anexo XII, Parte II, alínea i), da Diretiva 2014/24, a declaração de instalações, que o prestador de serviços disporá para a execução do contrato, integra os meios que comprovam as capacidades técnicas dos operadores económicos, que constitui um critério de seleção qualitativa, nos termos do seu artigo 58.º.
(…)
Apesar da ED. alegar que o resultado da avaliação das propostas, desconsiderando o referido fator B), era exatamente o mesmo, o PC, que está a montante do ato de adjudicação, é «o regulamento que define os termos a que obedece a fase de formação do contrato até à sua celebração.» (cfr. artigo 41.º do CCP), integra o modelo de avaliação estabelecido no seu Anexo IV e o CCP não permite uma atuação contrária ao princípio da inalterabilidade do modelo de avaliação e dos seus elementos (artigos 75.º, 132º, n.º 1, alínea n) e 139.º do CCP), cujas peças do procedimento são aprovadas pelo órgão competente para a decisão de contratar (cfr. artigo 40.º, n.º 2, do CCP) e sem possibilidade de delegação no júri da competência para a sua retificação (cfr. 69º, n.º 2, do CCP).
Ante o exposto, vão ser declaradas ilegais as disposições constantes da Cláusula 5.ª nº 7, da Cláusula 9.ª n.º 1 alínea d), que integra o Anexo III, e da Cláusula 14.ª n.º 2 alínea c), todas do PC , bem como o Anexo IV do PC que integra o fator de avaliação B), e, em consequência, vai ser anulado o procedimento concursal, incluindo o ato de adjudicação à proposta da 1.ªCI.”

Vejamos:
Em síntese, vem recursivamente suscitado “não ser o fator B) ilegal, nem ter sido cometida ilegalidade no ato de adjudicação, porquanto, está diretamente relacionado com o objeto do contrato e corresponde, de forma direta, aos objetivos e às necessidades da entidade adjudicante quanto à qualidade da prestação de serviços a praticar pelo adjudicatário durante a execução do contrato.”

Efetivamente, a Recorrente/S.... contesta o facto de ter sido julgada procedente a ação e declarada a ilegalidade das disposições constantes da cláusula 5.ª, n.º 7, da cláusula 9.ª, n.º 1 alínea d), que integra o Anexo III, da cláusula 14.ª, n.º 2 alínea e), todas do programa do concurso, bem como do Anexo IV do programa do concurso, mais se anulando o procedimento concursal, incluindo o ato de adjudicação.

Entendeu, pois, o Tribunal a quo que as referidas disposições do programa do concurso introduziram restrições intoleráveis ao princípio da concorrência.

Importa ter presente que não são concursalmente admissíveis critérios “fotográficos”, tendentes a admitir, beneficiar ou excluir quaisquer candidatos.

Neste sentido, referiu-se no Acórdão do TCAN nº 322/11BEBRG, de 16.12.2011 que :
“(…) VIII. A concorrência constitui o elemento dinamizador da construção do mercado interno impondo, em matéria de contratação pública, especiais medidas de transparência, de imparcialidade e de publicidade com a abertura dos procedimentos ao maior número de operadores económicos, sejam eles nacionais sejam de Estados-membros da UE.
(…)
X. As entidades adjudicantes não podem, por exemplo, estabelecer requisitos de acesso e/ou de avaliação de propostas em termos tais de que resulte uma limitação desproporcionada e desigualitária quanto ao mercado habilitado a participar no procedimento ou, então, um condicionamento, ainda que potencial, dos resultados do próprio procedimento concursal.”

Em concreto, estabeleceu-se no n.º 7 da cláusula 5.ª do Programa do Concurso o seguinte impedimento:
“(…) não podem ser concorrentes ou integrar qualquer agrupamento concorrente, as entidades que exerçam atividade no porto de Lisboa que concorra com a atividade da S.... na prestação de serviços de descarga e carga de granéis sólidos alimentares, designadamente cereais, oleaginosas e seus derivados, ou que tenham laços de interdependência com alguma entidade que desenvolva a atividade anteriormente referida, nomeadamente se possuírem entre si uma participação de capital, a detenção de mais de metade dos membros do órgão de administração ou o poder de gerir os respetivos negócios ou se partilharem, ainda que apenas parcialmente, representantes legais ou sócios, ou ainda se as entidades se encontrarem em relação de simples participação, de participação recíproca, de domínio ou de grupo”.

Estamos manifestamente perante uma cláusula “fotográfica”, pois que à partida bem se sabia que entidade ficava impedida de concorrer, sem que se percecione a razão subjacente a tal impedimento, que não seja o obstaculizar a concorrência.

Assim e desde logo, não se alcançando fundamento material bastante para tal impedimento, nem se vislumbrando qual o interesse público a acautelar, tal como decidido em 1ª instância, tal clausulado mostra-se discriminatório e violador dos princípios da igualdade, da imparcialidade e da concorrência.

Em qualquer caso, alega a Recorrente que a razão de ter restringido a concorrência nos termos da cláusula supra citada assenta no facto de que “a entidade contratada para prestar serviços de mão-de-obra à Recorrente fica conhecedora dos serviços a prestar e das suas condições”, o que se mostra falacioso, pois que não está em causa uma mera contratualização de “serviços de mão-de-obra” mas sim dos serviços de carga e descarga de navios.

Acresce que, e como sublinhado pela Recorrida, as condições financeiras do negócio da S...., enquanto concessionária de serviço público, são do conhecimento público, sendo publicados no seu próprio site, sendo que a própria APL publicita quais os navios descarregados e a descarregar.

Igualmente se ratifica o entendimento adotado em 1ª instância quando decidiu que a alínea k) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP não é aqui aplicável, pois que se reporta singelamente a conflitos de interesses referentes a trabalhadores ou agentes, como afirmado por Pedro Costa Gonçalves, in “Direito dos Contratos Públicos”, 4.ª edição, Almedina, pág. 737, ao referir que “Em princípio, e aliás de acordo com a diretriz que se colhe no próprio enunciado do motivo de impedimento, apenas em situações extremas se pode admitir a proibição de participação do operador económico por causa de uma situação de conflito de interesses que afeta agentes que atuam por conta da entidade adjudicante. Em regra, o afastamento do trabalhador ou agente da entidade adjudicante em situação de conflito de interesses – por força do “seu” impedimento administrativo – permitirá resolver a situação e assegurar o normal desenvolvimento do procedimento mantendo a participação do candidato ou concorrente que, supostamente, poderia vir a ser beneficiado pela atuação parcial e interessada do agente impedido”.

Também PEDRO FERNÁNDEZ SÁNCHEZ, afirma in Direito da Contratação Pública, Volume II, 2020 AAFDL Editora, páginas 29/20, que «só existe conflito de interesses quando um dirigente ou trabalhador de uma entidade adjudicante ou de entidade que age em seu nome tem um interesse de tipo financeiro ou não financeiro que pode comprometer a sua imparcialidade e independência num dado procedimento, a solução para o conflito de interesses não deve passar pelo afastamento do candidato ou concorrente do procedimento, mas sim, obviamente, do próprio indivíduo que se encontra em conflito de interesses.
Nem outra solução seria concebível à luz da preocupação de alargamento do universo de potenciais concorrentes em cada procedimento.»

Já relativamente à Cláusula 9.ª, n.º 1 alínea d) e a Cláusula 14.ª, n.º 2 alínea e) do PC, estabelece a mesma o conjunto de documentos que deviam integrar a proposta, mais devendo os concorrentes submeter uma “declaração de compromisso (…) relativa à detenção ou não de cais no Porto de Lisboa e de não exercer atividade no porto de Lisboa que concorra com a atividade da S.... na prestação de descarga e carga de granéis sólidos alimentares” (cfr. alínea d)).

A primeira questão reportava-se à avaliação da detenção, ou não, de cais no porto de Lisboa.

Como já abordado, o Programa do Concurso previu três fatores de avaliação das propostas, a saber:
A) Recursos humanos próprios com formação adequada, com ponderação de 10%;
B) Cais no porto de Lisboa, com ponderação de 20%;
C) Preço, com ponderação de 70%.

Estabeleceu-se concursalmente no fator de avaliação B) que seria atribuída a pontuação parcial de zero à proposta de uma entidade detentora de cais no porto de Lisboa e pontuação parcial de dez à proposta de uma entidade não detentora de cais no porto de Lisboa, com o que se penalizava o concorrente que fosse detentor de cais no porto de Lisboa, condição que se mostrava aberrante e discriminatória, até por não consistir num atributo da proposta, o que determinava desde logo a sua ilegalidade, à luz do artigo 75.º do Código dos Contratos Públicos (CCP).

Na realidade, estabelece, designadamente o referido normativo no seu nº 1 que “os fatores e eventuais subfatores que densificam o critério de adjudicação e o critério de desempate devem estar ligados ao objeto do contrato a celebrar”, afirmando-se no nº 3 que “(…) os fatores e subfatores não podem dizer respeito, direta ou indiretamente, a situações, qualidades, características ou outros elementos de facto relativos aos concorrentes”.

Não merece assim censura o entendimento adotado em 1ª Instância, de acordo com o qual as referidas cláusulas se mostravam ilegais por violação do artigo 75.º do CCP.

Em qualquer caso, tentando a sobrevivência do referido clausulado, afirma a Recorrente que o fator de avaliação aqui em causa caberia na previsão da alínea a) do n.º 2 do artigo 75.º do CCP e que o n.º 2 do artigo 75.º do CCP permite que os fatores e subfactores possam ser estabelecidos em função dos objetivos e das necessidades da entidade adjudicante.

Se é certo que o n.º 2 do artigo 75.º do CCP permite que “os fatores e os eventuais subfactores podem ser, em função dos objetivos e das necessidades da entidade adjudicante, designadamente os seguintes (…)”, o que é facto, como se disse, é que tais fatores e subfactores não podem, como resulta do n.º 1, deixar de estar ligados ao objeto do contrato a celebrar, sendo que aquele normativo é referente a qualidade, valor, características da proposta e objeto do contrato, e não a qualidades, valor ou características do próprio concorrente.
Acresce que, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, os fatores e subfactores não podem dizer respeito a situações, qualidades, características ou outros elementos de facto relativos aos concorrentes.

Neste sentido se pronunciou já Jorge Andrade da Silva, – in “Código dos Contratos Públicos, Anotado e Comentado”, 7.ª edição revista e atualizada, 2018, Almedina, pp. 276 e 277, quando refere que “(…) esses fatores e subfactores estão ao serviço da realização do objeto do contrato e dos princípios da transparência do procedimento, da igualdade dos concorrentes e da concorrência conducente à escolha da proposta economicamente mais vantajosa. Assim sendo, por um lado, só têm utilidade se disserem respeito às cláusulas do contrato cujos objetos foram submetidos à concorrência pela entidade adjudicante que, assim, se autovinculou em termos de só poder fazer essa escolha com base nesses fatores e subfactores pré-estabelecidos; (…) No n.º 3 impede-se que na apreciação do mérito das propostas interfiram factos, situações ou qualidades dos proponentes, o que tem a ver não com o valor intrínseco das propostas, mas com a habilitação dos concorrentes. Visa-se evitar que considerações relativas aos concorrentes possam prejudicar ou ‘contaminar’, desde logo em termos de igualdade (e comparabilidade) a avaliação das propostas, sob pena de se poder ‘distorcer’ com alguma facilidade os resultados ou pontuações obtidas (…) Por isso, o juízo (subjetivo) sobre o preenchimento dos requisitos de aptidão técnica e financeira dos concorrentes passou a preceder a apreciação (objetiva) das suas propostas”.

Como se refere ainda no n.º 4 do seu artigo 67.º da Diretiva 2014/24/EU, “os critérios de adjudicação não podem ter por efeito conferir à autoridade adjudicante uma liberdade de escolha ilimitada”; (…) Além disso, e em geral, o CCP estabelece que os fatores e subfactores de avaliação não podem dizer respeito, direta ou indiretamente, a situações, qualidades, características ou outros elementos de facto relativos aos concorrentes. Esta proibição tem na base a separação entre critérios de adjudicação (avaliação da qualidade das propostas) e critérios de qualificação (verificação ou avaliação da capacidade dos concorrentes). Os fatores e subfactores de avaliação das propostas devem dirigir-se unicamente a aspetos atinentes à execução do contrato, não podendo reportar-se a quaisquer circunstâncias atinentes à pessoa dos concorrentes. A avaliação dos concorrentes pode fazer-se, mas numa eventual fase anterior do procedimento, de ‘qualificação’. Agora, na adjudicação, é o tempo de avaliar as propostas por si mesmas, independentemente do valor ou da capacidade de quem as apresenta” – Pedro Gonçalves in “Direito dos Contratos Públicos”, 4.ª edição, 2020, Almedina, 905 e ss.

Efetivamente, deter, ou não, cais no porto de Lisboa não é um atributo da proposta, não podendo ser considerados como seu fator de avaliação.

Isso mesmo decorre lapidarmente da definição de “atributo” constante do n.º 2 do artigo 56.º do CCP, onde se refere que “Para efeitos do presente Código, entende-se por atributo da proposta qualquer elemento ou característica da mesma que diga respeito a um aspeto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos”.

A este respeito afirmam ainda, incontornavelmente, Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, que “são atributos das propostas as prestações ou tarefas concretamente definidas (pela sua espécie, qualidade e quantidades e por quaisquer outros elementos ou características) que em relação aos aspetos da execução do contrato submetidos à concorrência pelo caderno de encargos (artigo 56.º/2) e aí valorizados como fatores de avaliação das propostas (artigo 75.º/1), os concorrentes se propõem fazer à entidade adjudicante e/ou obter dela em troca da celebração do contrato. Os atributos configuram por isso, na expressão mais elementar ou simples do conceito, a proposta propriamente dita apresentada pelo concorrente, aquilo que a singulariza das demais e que traduz o modo concreto como determinado concorrente respondeu ao apelo da entidade adjudicante: só há portanto atributo aí onde haja um aspeto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos” – in “Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública”, 2.ª reimpressão, 2016, Almedina, pág. 584.

Em face de tudo quanto supra se discorreu, entende-se que a decisão recorrida não merece censura, estando por demonstrar que o adjudicatário seria o mesmo, no pressuposto dos documentos concursais não conterem as ilegalidades e irregularidades detetadas.

* * *

Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.
Custas pela Recorrente

Lisboa, 8 de setembro de 2022
Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa