Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2386/12.5BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 02/02/2023 |
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Relator: | HÉLIA GAMEIRO SILVA |
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Descritores: | IMPUGNAÇÃO ARTIGO 58.º N.º 4 DO CIRC RELAÇÕES ESPECIAIS ENTRE A SOCIEDADE E OS SÓCIOS ÓNUS DA PROVA |
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Sumário: | Decorre do artigo 58.º do CIRC, na sua redação coeva , que a AF pode fazer correções ao lucro tributável declarado nas situações em que se verifique a existência de relações especiais entre o contribuinte e outra empresa ou seja sempre que não sejam “… contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul l – RELATÓRIO N........., LDA., deduziu impugnação judicial contra as liquidações adicionais de IRC, dos exercícios de 2006 e 2007, no montante de 16 317,95 € e de 63 191,18 €, respetivamente. O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença de 12 de outubro de 2020, julgou procedente a impugnação, Inconformada, a Fazenda Publica (FP) veio interpor recurso jurisdicional da referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões: «A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida pela N........., LDA., com o NIPC 500….., com as consequências aí sufragadas, relativamente às liquidações adicionais de IRC, dos exercícios de 2006 e 2007, melhor identificadas nos autos, no montante de €16.317,95 e de € 63.191,18, respetivamente. I - ENQUADRAMENTO PRELIMINAR B. Os presentes autos têm por objeto as correções à matéria tributável da Impugnante dos exercícios de 2006 e 2007 que foram objeto de regularizações voluntárias, na sequência de uma ação de inspeção externa realizada pelos Serviços de Inspeção Tributária da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), em sede de IRC, a coberto das Ordens de Serviço n.° …..87 e …..08, e que originou as liquidações ora em crise. C. Inconformada com o entendimento da AT, a Recorrida apresentou os competentes meios de defesa. Assim, numa fase inicial os meios administrativos, através da apresentação de Reclamações Graciosas e de Recursos Hierárquicos, que foram todos indeferidos, e posteriormente, por a AT não ter acompanhado a sua posição, apresentou a Impugnação Judicial, no âmbito da qual foi proferida a decisão objeto do presente recurso. D. Em síntese, a Recorrida veio invocar a errónea qualificação e quantificação da matéria coletável e vício da fundamentação legalmente exigida, por reinvestimento do valor de realização, na aquisição de um elemento do ativo imobilizado afeto à sua exploração comercial não ter sido aceite pelos Serviços de Inspeção da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), porque entre a Recorrida e o vendedor daquele imóvel existiam relações especiais, o que impedia a aplicação da mais-valia fiscal, de beneficiar do direito à não sujeição previsto no artigo 58.° do Código do IRC. E. Neste âmbito, dissentindo do sentido da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, por entender que a mesma padece de vício de erro de julgamento, ao não manter, na ordem jurídica os atos de liquidação em crise, vem, a agora Recorrente, interpor o presente recurso para o Venerando Tribunal Central Administrativo Sul. II - MATÉRIA DE FACTO F. Dão-se aqui por reproduzidos todos os factos provados, enunciados na sentença. [Factos A a T) da sentença] G. Com efeito, motivou o Meríssimo Juiz a quo a escolha dos factos dados como provados “(...) atendendo ao teor dos documentos juntos aos autos e identificados nas diversas alíneas do probatório, não impugnados (...)”. H. Apesar dos factos considerados como provados, não pode a Recorrente concordar que os mesmos revelem a totalidade da verdade material em causa nos presentes autos, por se encontrar a mesma incompleta e insuficiente, o que acarretou numa consequência jurídica injusta e desmedida, a qual merece censura. I. Pelo que é firme convicção da ora Recorrente, que a sentença, enferma de erro na interpretação dos factos e, consequentemente na aplicação do Direito aos mesmos, razão pela qual apresenta o presente recurso, com os fundamentos que se aduzem. III - DA DECISÃO RECORRIDA J. Com vista à decisão se, a quantificação da matéria coletável, para efeitos de liquidação do IRC referentes aos anos de 2006 e 2007, com a invocação de existência de relações especiais entre a Recorrida e um terceiro está provada e fundamentada, entendeu o Tribunal a quo, o seguinte: “(...) O artigo 45. ° do CIRC com a epígrafe Reinvestimento dos valores de realização, na redação em vigor, nos anos de 2006 e 2007, a dada pela Lei n. ° 109-B/2001 de 27/12 previa: Em suma, para aplicação do regime dos preços de transferência previsto no artigo 58. °, n.° 4 do CIRC é necessário cumulativamente, o preenchimento de três requisitos: A Jurisprudência sobre esta temática também se tem pronunciado, como por exemplo no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo 01508/02 de 12-03-2003: “I - Nos termos do disposto no art. ° 57° do CIRC (artigo 58. ° do CIRC), a Administração Fiscal pode proceder a correcções ao lucro tributável declarado desde que existam relações especiais entre o contribuinte e outra empresa que levou ao estabelecimento de condições diferentes das que se fixariam entre pessoas independentes. Aplicando o direito ao caso concreto dos autos verifico que, os Serviços de Inspeção Tributária não aceitaram o benefício de 50% das mais valias previsto no artigo 45.°, n.° 1 do CIRC, por considerar existir relações especiais previstas no artigo 58. °, n.° 4 do CIRC, por o reinvestimento do valor de realização ter sido utilizado, na aquisição de prédio, a sócio da Impugnante. O fundamento da correção ao IRC, dos anos de 2006 e 2007 consiste na existência de relações especiais. E, os Serviços de Inspeção Tributária fundamentam a verificação de relações especiais, pelo facto de o reinvestimento do valor de realização ter sido aplicado, na aquisição de um prédio a um sócio da Impugnante, como consta do relatório de inspeção (cfr. facto F). K. Mais referindo e concluindo a douta sentença recorrida que: “(...) Pelo que, o facto de a Impugnante adquirir um prédio a um sócio não configura só por si, uma relação especial. Os Serviços de Inspeção titulares do ónus da prova, nos termos do artigo 74.°, n.° 1 da LGT, teriam de fazer constar no relatório fundamento da correção, a descrição das relações especiais existentes, por causa dessas relações especiais foi adquirido o prédio em condições /preço diferente se fosse adquirido a outra pessoa independente, o que conduziu ao apuramento de uma base tributária distinta, da que seria apurada na ausência de tais relações, Ora a Autoridade Tributária não deu cumprimento às especificidades de fundamentação das relações especiais previstas no citado artigo 77. °, n.° 3 da LGT, nem definiu relações especiais, em obediência ao disposto no artigo 58. ° n.°4 do CIRC. Em suma, alegar que há relações especiais, por o valor de realização ser reinvestido na aquisição de bem, a sócio da Impugnante não constitui só por si relação especial, nos termos definidos no artigo 58.°, n.° 4 do CIRC. E, as correções à matéria tributável com base em relações especiais, carecem de especial fundamentação, nos termos expressos do artigo 77. °, n.° 3 da LGT. Não tendo sido cumprido o disposto no artigo 58.°, n.° 4 do CIRC, nem o artigo 77.° da LGT, o ato de correção da matéria tributável padece de ilegalidade motivando a anulabilidade das liquidações ora impugnadas, que têm por base correção ilegal (cfr. artigo 163. °, n.° 1 do Código do Procedimento Administrativo). (...)”. E contra a sentença recorrida convocamos a seguinte argumentação: Ø DO ERRO DE JULGAMENTO QUANTO À FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DAS RELAÇÕES ESPECIAIS L. Resulta dos elementos junto aos auto, que a Recorrida encontra-se coletada, desde 30/09/1994, para o exercício da atividade com o CAE 041200 Construção de Edifícios (Residenciais e Não Residenciais). M. Por consulta à Certidão Comercial da Recorrida, verifica-se que a mesma apresenta como gerentes designados: o M......... (titular de uma quota no valor de €6.111,00, de uma no valor de € 5.861,00 e de uma no valor de € 998,00); o J......... (titular de uma quota no valor de € 6.111,00 de uma no valor de €5.861,00 e de uma no valor de €999,00). o E……….; o A………….. (data do óbito:08/03/2002). N. Na sequência dos procedimentos inspetivos realizados foram efetuadas correções à matéria tributável da Recorrida no valor de € 103.327,90, para o exercício de 2006 e €361.988,90 para o exercício de 2007. O. Conforme descrito e apurado no Relatório da Inspeção, os serviços de inspeção apuraram mais valias, do qual se destaca o seguinte: - Quanto ao ano de 2006 o A Recorrida vendeu ao Espírito Santo Reconversão Urbana - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, conforme escritura publica de 21/09/2006, lavrada no Cartório Notarial de C........., em Lisboa, a fração com a letra C do lote ……., pelo valor de €185.000,00, que tinha sido adquirida em 1979 por €12.892,00; o Da referida alienação apuraram os Serviços de Inspeção uma mais valia contabilística no montante de € 176.865,33 e uma mais valia fiscal de € 103.327,92. - Quanto ao ano de 2007 o Recorrida vendeu ao Espírito Santo Reconversão Urbana - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, conforme escritura publica de 22/05/2007, lavrada no Cartório Notarial de Lisboa da notária J........., frações A, B, C, E do lote ….. pelo valor global de € 668.482,63, sendo atribuído o montante de €187.115,65, a cada uma. Estas frações foram adquiridas em 03.03.1979 pelo valor global de €47.663,65. - Quanto ao ano de 2008 o Relativamente ao ano de 2008, a Recorrida adquiriu por escritura pública lavrada em 04/04/2008, no cartório notarial de M......... em Vila Nova de Cerveira, um imóvel denominado M........., localizado em Vila Nova de Cerveira, composto por um prédio urbano a que corresponde o artigo ….., pelo valor de €500.000,00 e um prédio rústico a que corresponde o artigo 417, pelo valor de 10.000,00, tendo outorgado como vendedores os 3 sócios da Recorrida e, designadamente o sócio M........., outorgando por si e em representação da Recorrida. P. Da alienação das frações anteriormente descriminadas, resultaram mais valias fiscais que de acordo com o disposto no artigo 45.° do Código do IRC, poderão ser acrescidas no Quadro 07 da Declaração Modelo 22, em apenas 50% do seu valor, se o contribuinte tiver procedido ao reinvestimento do valor de realização, no ano anterior à alienação ou nos dois exercícios subsequentes, na aquisição, fabricação ou construção de elementos do ativo imobilizado corpóreo afetos à exploração, com exceção dos bens adquiridos em estado de uso a sujeitos passivos de IRS ou IRC, com o qual existam relações especiais nos termos definidos no n.°4 do artigo 58.° do Código do IRC. Q. E de acordo com os elementos refletidos na contabilidade, a Recorrida reinvestiu no ano de 2008 os seguintes valores: o montante de € 510.000,00, com a aquisição de um imóvel denominado M........., localizado em Vila Nova de Cerveira, composto por um prédio urbano a que corresponde o artigo …….., pelo valor de €500.000,00 e um prédio rústico a que corresponde o artigo 417, pelo valor de €10.000,00. R. Ora, uma vez que a referida aquisição foi efetuada ao sócio da empresa concluíram os Serviços da AT, pela exclusão da referida operação do benefício a que alude o artigo 45.° do Código do IRC. (Sublinhado nosso). A) S. Ora, o artigo 45.° do Código do IRC (atual artigo 48.°) contempla um benefício fiscal em sede Deste imposto, ao contemplar o reinvestimento do valor de realização de bens do ativo imobilizado das empresas. T. Neste sentido, o artigo 45.° do Código do IRC (à data dos factos) tinha a seguinte redação: “(...) 1 - Para efeitos de determinação do lucro tributável, a diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias, calculadas nos termos dos artigos anteriores, realizadas mediante a transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado corpóreo, detidos por um período não inferior a um ano, ou em consequência de indemnizações por sinistros ocorridos nestes elementos, é considerada em metade do seu valor, sempre que, no exercício anterior ao da realização, no próprio exercício ou até ao fim do segundo exercício seguinte, o valor de realização correspondente à totalidade dos referidos elementos seja reinvestido na aquisição, fabricação ou construção de elementos do activo imobilizado corpóreo afectos à exploração, com excepção dos bens adquiridos em estado de uso a sujeito passivo de IRS ou IRC com o qual existam relações especiais nos termos definidos no n.° 4 do artigo 58 °. (...)”. U. Porém, a alínea c) do n.° 4 do referido artigo considerava que caso estivesse perante transmissões onerosas, as mesmas estriam excluídas quando efetuadas com entidades: “(...) 1) Residentes de país, território ou região cujo regime de tributação se mostre claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças; ou 2) Com as quais existam relações especiais, excepto quando se destinem à realização de capital social, caso em que o reinvestimento considerar-se-á totalmente concretizado quando o valor das participações sociais assim realizadas não seja inferior ao valor de mercado daquelas transmissões (...)”. V. Em consonância esclarecia o artigo 58.° do Código do IRC (atual artigo 63.°) que em caso de relações especiais entre entidades sujeitas ou não a IRC, os termos ou condições contratadas e aceites devem ser substancialmente idênticas às que seriam contratadas, aceites e praticadas entre entidades independentes em operações comparáveis. W. A Jurisprudência tem vindo a pronunciar-se sobre a aplicação do regime dos preços de transferência, como é por exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/11 /2006, proferido no âmbito do processo n.° 0401/06, onde vem referido que para a aplicação deste regime é necessário cumulativamente o preenchimento de três requisitos: “(...) a) existência de relações especiais entre contribuinte e outra pessoa; b) que entre ambos sejam estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes; c) que tais relações sejam causa adequada das ditas condições; d) que aquelas conduzam a um lucro diverso do que se apuraria na sua ausência (...)”. X. Em consonância esclarecia o artigo 58.° do Código do IRC (atual artigo 63.°) que em caso de relações especiais entre entidades sujeitas ou não a IRC, os termos ou condições contratadas e aceites devem ser substancialmente idênticas às que seriam contratadas, aceites e praticadas entre entidades independentes em operações comparáveis. Y. Ora, o legislador fiscal adotou um conceito vago e indeterminado de relações especiais ao considerar que as mesmas existem “(...) sempre que as entidades em causa estão dependentes uma da outra (...)’. Z. No entanto, doutrinariamente, de modo a reduzir a discricionariedade que este conceito comporta tem entendido que “(...) relações especiais quando estamos perante relações entre sociedades e sócios, entre empresas mães e filiais (...)" . AA. Assim, e decompondo os pressupostos para a existência de relações especiais, e no que concerne ao estabelecimento de condições diferentes das que seriam acordadas entre entidades independentes, estas devem ser apuradas com base no princípio da plena concorrência, o qual consiste na valoração de cada transação de bens e serviços, nos termos em que o seria se efetuada por entidades independentes, atuando em circunstâncias semelhantes, num mercado concorrencial. BB. Já relativamente ao apuramento de lucro diverso do que se apuraria na ausência de relações especiais, o problema coloca-se fundamentalmente no facto de através de uma qualquer operação se transferir, por um lado proveitos ou lucros, ou por outro, custos ou prejuízos, de uma sociedade para outra. CC. Em suma, existem relações especiais, como considerada o n.° 4 do artigo 58.° do Código IRC, quando estamos perante duas entidades e uma tem o poder de exercer direta ou indiretamente uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, fazendo de seguida uma enumeração exemplificativa, criando presunções de relações especiais. E só nestes casos poderá a AT proceder à correção do mesmo nos termos do artigo 57.° do citado código. DD. Pelo que tendo apurado a AT, o reinvestimento no período de 2008 do valor de realização dos imóveis vendidos (e anteriormente melhor descritos), através da aquisição de um imóvel pelo montante total de €510.000,00, mas que essa aquisição foi efetuada ao sócio da empresa, pelo que de acordo com o disposto no artigo 45.° do Código do IRC, tal operação fica excluída para efeitos do benefício a que se refere este artigo, o que consequentemente, originou a correção ao lucro tributável declarado por via da mais valia fiscal. B) QUANTO AO ÓNUS DA PROVA DA EXISTÊNCIA DE RELAÇÕES ESPECIAIS EE. Uma nota fundamental para o presente recurso: não pode a Recorrente anuir e concordar, com o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, que refere que “ (...) a Autoridade Tributária e Aduaneira não deu cumprimento às especificidades de fundamentação das relações especiais previstas no citado artigo 77.°, n.° 3 da LGT, nem definiu relações especiais, em obediência ao disposto no artigo 58.°, n.° 4 do CIRC (...)’’. FF. E esta nota é importante, atendendo a que o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, não deu a devida importância ao factos e fundamentos contantes do Relatório da Inspeção. Se não vejamos, GG. Conforme resulta do Relatório da Inspeção, a descrita aquisição encontra-se comprovada por escritura publica que se encontra junto aos autos, onde se retira que M........., sócio da Recorrida, e atuando em sua representação, declara que vende a esta os referidos imóveis. (Sublinhado nosso). HH. Ou seja, a relação existente entre a Recorrida no âmbito da referida operação, e os alienantes é perfeitamente enquadrável no n.° 4 do artigo 58.° do Código do IRC, uma vez que têm o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da Recorrente, não existindo assim, e contrariamente ao entendimento preconizada pelo Tribunal a quo, quaisquer dúvidas quanto ao preenchimento dos pressupostos exigidos por aquela norma legal. II. Relativamente ao ónus da prova da existência de relações especiais, a Jurisprudência tem entendido, como por exemplo no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 05/07/2001, proferido no âmbito do processo n.° 04384/10 é dito que: “(...) cabe à AT o ónus da prova dessas relações especiais, bem como os termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias, que, mais não é do que a emanação do corolário geral previsto no artigo 342. ° do Código Civil, de que àquele que invocar um direito cab e fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, hoje também com assento expresso na norma do artigo 74. °, n. ° 1 da LGT(...)”. JJ. Mais longe vai o n.° 3 do artigo 77.° da LGT que exige não só a descrição das relações especiais, como a indicação das obrigações incumpridas pelos sujeitos passivos e a quantificação do montante que serviu à base de correção. KK. E mais uma vez, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, o Relatório da Inspeção Tributária resulta quer a descrição das relações especiais entre a Recorrente e os alienantes do imóvel adquirido, demonstrando-se a titularidade destes nas quotas e na gerência daquela, quer se explicita e quantifica os montantes que serviram de base às indicadas correções. LL. Assim, e salvo melhor entendimento, considera a Recorrente que cumpriu com o ónus que sobre si impendia, não podendo a Recorrida beneficiar da redução de 50%, previsto no artigo 45.°, n.° 1 do Código do IRC, por o reinvestimento ter sido efetuado em imóvel adquirido ao sócio da Recorrida, considerando existir relações especiais, nos termos definidos no artigo 58.°, n.° 4 do Código do IRC. MM. Pelo que deverá o presente Recurso ser considerado procedente e, consequentemente, ser anulada, a Sentença recorrida e substituída por uma outra que mantenha na ordem jurídica os ato de liquidação de IRC, ora afrontados. Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença na parte recorrida, como é de Direito e Justiça.» »« A recorrida, Fazenda Pública (FP), devidamente notificada para o efeito, veio apresentar as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões: «1.ª - As Alegações de Recurso apresentadas pela Recorrente/F.P. não passam de uma espécie de muro das lamentações só porque o tribunal “a quo” proferiu uma Sentença bem fundamentada de facto e de direito, e não veio dar provimento aos seus interesses; 2.ª - E vai daí aqui d’el-rei que a douta Sentença recorrida julgou injusta e imerecidamente a F.P.; 3.ª - Esquecendo, propositadamente, que o denominado RIT deveria, isso sim, fundamentar e provar as tais relações especiais por si invocadas, no negócio em causa, como era seu ónus... mas que não fez; 4.ª - Por isso bem andou a douta Sentença recorrida ao anular a liquidação tributária impugnada; 5.ª - Daí que o presente recurso esteja claramente votado ao insucesso. Assim, nestes termos, e nos demais de direito que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão deverá o presente Recurso ser considerado improcedente e não provado, mantendo-se a Sentença Recorrida em pleno vigor e nos seus precisos termos.» . »« O Exmo. Procuradora-Geral Adjunto junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º, n. º1 do CPPT, veio oferecer o seu parecer no sentido da procedência, do recurso. »« Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário para decisão. »« II – OBJECTO DO RECURSO Como sabemos, independentemente das questões que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente é pelas conclusões do recorrente nas alegações de recurso que se determina o âmbito da sua e intervenção (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil). Acresce dizer que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo. »« III – FUNDAMENTAÇÃO De facto A sentença recorrida considerou como provados e não provados os seguintes factos: A) Em 18-04-2012 (data de assinatura do aviso de receção), a Impugnante foi notificada do despacho de indeferimento do recurso hierárquico relativo ao IRC de 2006 - cfr. fls. 55 a 57 do processo de recurso hierárquico relativo ao IRC de 2006, no processo instrutor; B) Em 03-09-2012, a petição inicial de impugnação judicial foi remetida por correio, referência CTT: RC913507541 PT - cfr. envelope, a fls. 47. * Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da exceção. * Considero os factos provados atendendo ao teor dos documentos juntos aos autos, não impugnados e indicados nas alíneas do probatório (…) Considero provados os seguintes factos, com relevância para a decisão: C) A Impugnante é uma sociedade comercial que tem por objeto social a atividade de construção civil, a que corresponde o CAE 041200 - cfr. relatório de inspeção no processo instrutor; D) Pelas Ordens de Serviço n.° ……87 de 15-07-2010, …….08 de 20-042010 e ……88 de 15-07-2010, da Direção de Finanças de Lisboa, foi a Impugnante sujeita a ação inspetiva parcial, em sede de IRC, com referência aos exercícios de 2006, 2007 e 2008 - cfr. relatório de inspeção no processo instrutor; E) Na pendência da ação inspetiva, a Impugnante regularizou voluntariamente, o lucro tributável apurado pelos Serviços de Inspeção em € 103 327,90, para o ano de 2006 e € 361 988,90 para o ano de 2007, entregando as declarações modelo 22 de IRC, de substituição, com referência aos anos de 2006 e 2007 - cfr. relatório de inspeção e declarações de IRC modelo 22, de substituição referentes aos anos de 2006 e 2007, no processo instrutor; F) Os Serviços de Inspeção apuraram e elaboraram relatório, no qual apuraram mais valias, do qual destaco o seguinte teor: "Ano de 2006 O sujeito passivo (a Impugnante) vendeu ao Espírito Santo Reconversão Urbana - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, conforme escritura pública de 21.09.2006 lavrada no cartório notarial de C........., em Lisboa, a fracção C do lote 643 pelo valor de 185.000,00 €, que tinha sido adquirida em 1979 por 12.892,00 €. Ano de 2007 Vende ao Espírito Santo Reconversão Urbana - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, conforme escritura pública lavrada em 22.05.2007, no cartório notarial de Lisboa da notária J........., as fracções A, B, C, E do Lote …… pelo valor global de 668.482,63 €, sendo atribuído o montante de 187.115,65 € a cada uma. Estas fracções foram adquiridas em 30.03.1979 pelo valor global de 47.663,65 €. Ano de 2008 Relativamente ao ano de 2008 o sujeito passivo, adquiriu por escritura pública lavrada em 01.04.2008, no cartório notarial de M......... em Vila Nova de Cerveira, um imóvel denominado M........., localizado em Vila Nova de Cerveira, composto por um prédio urbano a que corresponde o artigo ….., pelo valor de 500.000,00 € e um prédio rústico a que corresponde o artigo ….., pelo valor de 10.000,00 €. Da alienação das fracções anteriormente discriminadas, resultaram mais- valias fiscais que de acordo com o disposto no artigo 45.° do CIRC, poderão ser acrescidas no Q07 da dec. Mod 22, em apenas 50% do seu valor, se o contribuinte tiver procedido ao reinvestimento do valor de realização, no ano anterior à alienação ou nos dois exercícios subsequentes, na aquisição, fabricação ou construção de elementos do activo imobilizado corpóreo afectos à exploração, com excepção dos bens adquiridos em estado de uso a sujeito passivo de IRS ou IRC, com o qual existam relações especiais nos termos definidos no n.° 4 do artigo 58.° do CIRC. De acordo com os elementos reflectidos na contabilidade, o contribuinte reinvestiu no ano de 2008 os seguintes valores: O montante de 510.000,00€, com a aquisição de um imóvel denominado M........., localizado em Vila Nova de Cerveira, composto por um prédio urbano a que corresponde o artigo ……, pelo valor de 500.000,00 € e um prédio rústico a que corresponde o artigo ……, pelo valor de 10.000,00 €. De salientar que esta aquisição foi efectuada ao sócio da empresa, pelo que de acordo com o disposto no artigo 45.° do CIRC, fica excluída para efeitos do benefício a que se refere este artigo. APURAMENTO DAS MAIS VALIAS OBTIDAS EM CADA EXERCÍCIO Ano de 2006 MV Contabilística: 185 000,00 - [(12 892,02-4 757,35)]= 176 865,33 Da referida alienação resulta uma mais valia contabilística no montante de 176 865,33 e uma mais valia fiscal de 103 327,92, tendo o sujeito passivo aquando da entrega da correspondente declaração de rendimentos mod. 22 do IRC, referente ao ano de 2006, procedido no quadro 07 à dedução da mais valia contabilística e ao acréscimo do valor total da mais valia fiscal apurada para este exercício, no montante de 103 327,92, pelo facto do sujeito passivo não beneficiar da redução de 50% prevista no art. 45°, conforme discriminado anteriormente, esse reinvestimento foi efectuado num imóvel adquirido ao sócio desta empresa. Ano 2007 Valor de realização - 668 482,63 MV Contabilística: 668 482,63 - [(47 663,65 - 17 588,59)]= 638 397,57 Da referida alienação resulta uma mais valia contabilística no montante de 638 397,57 e uma mais valia fiscal de 357 195,76, tendo o sujeito passivo aquando da entrega da correspondente declaração de rendimentos mod. 22 de IRC, do exercício de 2007, procedido no quadro 07, à dedução da mais valia contabilística e ao acréscimo da mais valia fiscal apurada para este exercício, ficando excluído o benefício previsto no art. 45.º do CIRC, já referido para o ano de 2006. CONCLUSÕES: No decurso desta ação inspectiva o sujeito passivo procedeu à regularização da contabilidade, entregando as declarações Modelo 22 de IRC, conforme o previsto no art. 1090 a 1120, com referência aos anos em análise. Das regularizações efectuadas pelo sujeito passivo resultou que o apuramento do lucro tributável declarado em 2006, 2007 e 2008 é o seguinte: - cfr. relatório de inspeção tributária no processo instrutor; G) Em 05-08-2010, a Impugnante entrega declaração modelo 22 de IRC de substituição relativa ao exercício de 2006, no qual declara lucro tributável de €51 663,95 (= € 103 327,92 x 50%) e "mais valias com intenção expressa de reinvestimento (artigo 45.0)" daquele valor - cfr. fls. 11 a 14 do processo instrutor; H) Em 05-11-2010, a Impugnante entrega declaração modelo 22 de IRC, de substituição relativa ao exercício de 2006, no qual declara lucro tributável de € 103 327,92 e "mais valias com intenção expressa de reinvestimento (artigo 45.0)" daquele valor - cfr. fls. 15 a 18 do processo instrutor; I) Em 03-09-2010, a Impugnante entregou a 1.a declaração de IRC Modelo 22, do exercício de 2007, na qual declara lucro tributável de € 147 627,34 e "mais valias com intenção expressa de reinvestimento (artigo 45°) no valor de € 214 361,57" - cfr. processo instrutor; J) Em 05-11-2010, a Impugnante entrega declaração modelo 22 de substituição, relativa ao exercício de 2007, na qual declara, o lucro tributável apurado pelos Serviços de Inspeção de € 361 988,90 e "mais valias com intenção expressa de reinvestimento (artigo 45.0) no valor de € 357 195,76" - cfr. declaração modelo 22 de substituição, a fls. 15 a 18 do processo de reclamação graciosa, no processo instrutor; K) A Impugnante foi notificada da liquidação adicional do IRC, do exercício de 2006, no montante a pagar de € 16 317,95 - cfr. documento 1 da petição inicial de impugnação; L) A Impugnante foi notificada da liquidação adicional do IRC, do exercício de 2007, no montante de € 63 191,18 - cfr. documento 2 da petição inicial de impugnação; M) Em 14-04-2011, a Impugnante remete via CTT, reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IRC do exercício de 2006, no montante de € 16 317,95 - cfr. processo instrutor com processo de reclamação graciosa, a fls. 2 a 7; N) Em 17-11-2011 (data de assinatura do aviso de receção), a Impugnante é notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa referida na alínea precedente - cfr. fls. 31 a 40 do processo instrutor com processo de reclamação graciosa; O) Em 15-12-2011 (data da remessa via CTT), foi apresentado recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa relativa a IRC de 2006 - cfr. recurso hierárquico no processo instrutor; P) Em 15-12-2011 (data da remessa via CTT), foi apresentado recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa relativa a IRC de 2007 - cfr. recurso hierárquico no processo instrutor; Q) Em 29-06-2012 (data de assinatura do aviso de receção), a Impugnante foi notificada do despacho de indeferimento do recurso hierárquico relativo ao IRC de 2007 - cfr. recurso hierárquico no processo instrutor; R) O vendedor dos bens adquiridos pela Impugnante, em 01-04-2008, M......... é sócio da Impugnante - cfr. certidão da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa no processo instrutor; S) A Impugnante junta aos autos, relatório de avaliação efetuado por perito avaliador datado de 14-08-2012 que concluiu que, o valor de mercado do prédio vendido, à data de 2008 seria de € 460 204,00 - cfr. documento 4 da petição inicial; T) A Autoridade Tributária fixou ao prédio o valor patrimonial de € 490 000,00 - cfr. documento 3 da petição inicial. * Inexistem outros factos não provados com relevância para a decisão da causa. * Considero os factos provados, atendendo ao teor dos documentos juntos aos autos e identificados nas diversas alíneas do probatório, não impugnados.» »« De direito
Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida, julgou procedente a impugnação, com a consequente anulação das liquidações impugnadas. Para assim concluir a Mma juíza a quo entendeu que a “… Autoridade Tributária não deu cumprimento às especificidades de fundamentação das relações especiais previstas no citado artigo 77.°, n.° 3 da LGT, nem definiu relações especiais, em obediência ao disposto no artigo 58.°, n.° 4 do CIRC.” Dissente do assim decidido, a recorrente, Fazenda Pública, vem dizer que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, ao não manter, na ordem jurídica os atos de liquidação em crise. – concl E. Acrescenta que apesar dos factos considerados como provados, não pode concordar que os mesmos revelem a totalidade da verdade material em causa, por se encontrar a mesma incompleta e insuficiente, o que acarretou numa consequência jurídica injusta e desmedida, a qual, em seu entender, merece censura. Donde extraí a sua “firme convicção” de que a sentença, enferma de erro na interpretação dos factos e, consequentemente na aplicação do Direito. – concls. H. e I. Ora, do que se deixa dito, parece-nos poder concluir que a reclamante pretende questionar a sentença recorrida quanto ao julgamento da factualidade apurada e, bem assim, quanto à sua insuficiência, por via da impugnação da matéria de facto Importa assim, antes de mais, verificar se à algum impedimento o que obste à apreciação do erro de julgamento da matéria de facto A alteração pelo TCA da decisão da decisão da matéria de facto, encontra-se, em primeira linha, balizada pelo disposto no artigo 640º do CPC e obedece a regras que não podem deixar de ser observadas, impondo-se, nomeadamente, ao recorrente a obrigatoriedade de especificar, nas alegações de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida, sendo que o não cumprimento do ónus fixado o recurso quanto à matéria de facto estará condenado ao insucesso. Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efetuar impugnação com este âmbito, impondo-se-lhe, por conseguinte, respeito pela plena satisfação das regras ali previstas. Por seu lado ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no artigo 662.º do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objeto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre as questões controvertidas. Acolhemos, quanto a esta matéria e, bem assim, quanto ao princípio da livre apreciação da prova pelo tribunal de recurso a posição largamente adotada neste TCA Sul transcrevendo parte do acórdão deste Tribunal, proferido em 08/05/2019 do processo n.º 838/17.0BELRS, Diz-se ali: A alteração da matéria de facto pressupõe assim a existência de nítida disparidade entre erro na sua apreciação e a divergência do sentido em que se formou a convicção do julgador, sendo que a respetiva reapreciação por parte do tribunal de recurso está limitada aos casos em que ocorreu erro manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo. Dito isto e volvendo ao caso que nos cumpre apreciar, damos conta que, na situação em análise, pese embora venha alegado erro de julgamento, a recorrente não logrou, em momento algum concretizar ou identificar o erro ou, dito por outras palavras, não consta do salvatério qualquer enunciação da situação que em seu entender poderia conduzir a situação diferente daquela a que chegou a sentença recorrida, não preenchendo, assim, o ónus de impugnação da matéria de facto, que sobre ela recaía, indicando com rigor os meios de prova, que impunham decisão diversa, ou aqueles que, complementarmente, aos que foram fixados, poderiam conduzir a outro resultado. Com efeito, a apelante, fixando-se na “falta de fundamentação das relações especiais” argui que o Tribunal a quo, não deu a devida importância ao factos e fundamentos contantes do Relatório da Inspeção, nomeadamente, à circunstância de que se encontra comprovada por escritura publica que M........., sócio da Recorrida, e atuando em sua representação, declara que vende a esta os referidos imóveis, para daqui retirar que “a relação existente entre a Recorrida no âmbito da referida operação, e os alienantes é perfeitamente enquadrável no n.° 4 do artigo 58.° do Código do IRC, uma vez que têm o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da Recorrente, não existindo assim, e contrariamente ao entendimento preconizada pelo Tribunal a quo, quaisquer dúvidas quanto ao preenchimento dos pressupostos exigidos por aquela norma legal.” – concls. FFF. a HHH. O que não contestamos, assim como também não o contestou a sentença recorrida que, como também o transcreveu a recorrente ao longo das suas extensas conclusões recursivas, assumiu e inseriu no probatório como facto provado que “[O]o fundamento da correção ao IRC, dos anos de 2006 e 2007 consiste na existência de relações especiais. E, os Serviços de Inspeção Tributária fundamentam a verificação de relações especiais, pelo facto de o reinvestimento do valor de realização ter sido aplicado, na aquisição de um prédio a um sócio da Impugnante, como consta do relatório de inspeção (cfr. facto F).” – o destacado e sublinhado, são nossos Assim como também não descoramos que, apesar da lei não elucidar, em concreto, o que deve entender-se por "relações especiais", a doutrina fiscal vem considerando que tais relações existem, entre duas entidades, sempre que se verifique quando haja situações de dependência, nomeadamente no caso de relações entre a Sociedade e os sócios, entre empresas associadas ou entre sociedades com sócios comuns ou ainda entre empresas mães e filiadas. Assim e assente que está que a existência de relação especiais entre empresas não foi olvidada pelo texto recorrido, fixemo-nos nos motivos que conduziram a Mma. Juíza do TT de Lisboa à decisão em conflito, o que não foi posto em causa pela recorrente, que se reporta às condições em que foi realizado o negócio que deu origem às correções que subjazem a liquidação impugnada e fá-lo ao epilogar na sentença que: “… o facto de a Impugnante adquirir um prédio a um sócio não configura só por si, uma relação especial. Os Serviços de Inspeção titulares do ónus da prova, nos termos do artigo 74.°, n.° 1 da LGT, teriam de fazer constar no relatório fundamento da correção, a descrição das relações especiais existentes, por causa dessas relações especiais foi adquirido o prédio em condições /preço diferente se fosse adquirido a outra pessoa independente, o que conduziu ao apuramento de uma base tributária distinta, da que seria apurada na ausência de tais relações,” – o destacado é nosso Conclui a sentença por dizer que “alegar que há relações especiais, por o valor de realização ser reinvestido na aquisição de bem, a sócio da Impugnante não constitui só por si relação especial, nos termos definidos no artigo 58.°, n.° 4 do CIRC.” E assim é. Na verdade, decorre do artigo 58.º do CIRC, na sua redação coeva(1), que a AF pode fazer correções ao lucro tributável declarado nas situações em que se verifique a existência de relações especiais entre o contribuinte e outra empresa ou seja sempre que não sejam “… contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.”(2) Por seu lado o artigo 73.º da LGT impõe que nos casos em que se verifique a “existência de operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, ou de operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo de imposto sobre o rendimento e qualquer outra entidade, sujeita ou não a imposto sobre o rendimento com a qual esteja em situação de relações especiais, e sempre que haja incumprimento de qualquer obrigação estatuída na lei para essa situação” a fundamentação da correção da matéria tributável referente aos efeitos das relações especiais deve observar entre outros requisitos a descrição das relações especiais (a) e quantificação dos respetivos efeitos (b). Dito isto forçoso será de concluir que, de acordo com as normas citadas, a AT pode proceder a correções ao lucro tributável declarado quando verifica que existem relações especiais entre o contribuinte e outra empresa, mas não sem provar que essas relações especiais conduziram ao estabelecimento de relações diferentes das que resultariam entre pessoas independentes/desconhecidas, colocadas em idênticas circunstâncias. Ou dito de outro modo competia à Fazenda Pública em sede inspetiva, o ónus da prova da existência dessas relações especiais, bem como dos termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias. nomeadamente quanto a valores(3). Emo suma, o que importaria aferir, seria a adequação do preço e o modo de pagamento da transmissão questionada e se tal preço e, bem assim, se tais meios de pagamento diferiam das condições que normalmente seriam acordadas entre entidades independentes, à luz do principio do preço de plena concorrência estatuído no regime dos preços de transferência ínsito no artigo 58º do CIRC, cabendo à Administração Fiscal fundamentar as eventuais correções ao abrigo do referido regime legal e do artigo 77º da LGT, o que não fez. Sendo certo que, no trilho da fundamentação da correção levada a efeito no RIT, também as conclusões recursivas se limitam a demonstrar a existência de relações especiais entre a recorrente e os alienantes do imóvel adquirido, sem cuidar de, em momento algum demonstrar o modo como essas relações especiais condicionaram o negócio em causa de modo a colocar os intervenientes em posição mais favorável do que aquela que resultaria caso entre os intervenientes não existisse essas relações de dependência. Termos em que, in casu, o recurso não pode deixar de estar condenado ao insucesso dada a manifesta falta de cumprimento do ónus a que se reporta o artigo 640.º do CPC, desde logo, por falta de análise critica da prova e da indicação daquela que, em seu entender impunham decisão diferente da adotada pela decisão recorrida. Assim, sem necessidade de mais amplas ponderações, resta-nos julgar improcedente o presente recurso e, em consequência, manter a decisão recorrida a qual não padece dos vícios lhe veem assacados, ao que se procederá na parte do dispositivo do acórdão.
IV- DECISÂO Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida que, em consequência, se mantém na ordem jurídica. Custas pela recorrente. Registe e Notifique Lisboa, 02 de fevereiro de 2023
Hélia Gameiro Silva - Relatora Ana Cristina Carvalho – 1.ª Adjunta Lurdes Toscano – 2.ª Adjunta (Com assinatura digital) (1)Na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 198/2001 de 03-07-2001. (2)Vide conjugadamente os n.ºs 1, 8, e 11 do citado artigo 58.º do CIRC. (3)Vide neste sentido o acórdão do STA proferido em 12/05/2021 do processo n.º 0766/11.2BEAVR. |