Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:333/08.8 BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:01/27/2022
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:RECURSO HIERÁRQUICO
INDEFERIMENTO TÁCITO
IMPUGNABILIDADE AUTÓNOMA
PRAZO
AÇÃO ADMINISTRATIVA
Sumário:I. Para efeitos de cômputo do prazo para formação de indeferimento tácito de recurso hierárquico apresentado, o prazo aplicável é o de 60 dias, previsto no n.º 5 do art.º 66.º do CPPT, contado nos termos do art.º 279.º do Código Civil.

II. O indeferimento, expresso ou tácito, de recurso hierárquico, que teve por objeto o indeferimento, total ou parcial, de reclamação graciosa, é um ato autonomamente impugnável.

Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

M. M. C. A. C. C. (doravante Recorrente ou A.) veio apresentar recurso (primitivamente apresentado como reclamação para a conferência, convolada em recurso) da decisão proferida a 22.03.2019, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, na qual foi julgada procedente a exceção de caducidade do direito de ação e absolvido o Ministério das Finanças e Administração Pública (doravante Recorrido ou R.) da instância.

Nas alegações apresentadas, a Recorrente concluiu nos seguintes termos:

1. A presente reclamação para a conferência é apresentada tempestivamente, ao abrigo do disposto no art.º 29.º do CPTA Antigo conjugado com o disposto no art.º 145.º, n.º 5 al. b) do CPC.

2. A apresentação da reclamação para a conferência é feita ao abrigo do disposto nas normas conjugadas do art.º 97.º, n.º 2 do CPPT, 27.º, n.º 2 do CPTA Antigo e 40.º, n.º 3 do ETAF/2002, dos quais resulta que, do despacho saneador sentença proferido nos presentes autos cabe reclamação para a formação de três juízes a quem competia o julgamento da matéria de facto e da matéria de direito.

3. Sendo este o entendimento perfilhado pela jurisprudência uniformizada firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, amplamente citada nas alegações supra, que mereceu, igualmente, concordância do Tribunal Constitucional (acórdão de 10-12-2013, proferido no Proc. N.º 846/13, citado supra).

4. Sem prescindir, caso assim não se entenda, atenta desde logo a revogação do n.º 3 do art.º 40.º do ETAF operada pelo DL n.º 214-G/2015, que entrou em vigor em 03/10 e é de aplicação imediata aos processos pendentes, cfr. art.º 15.º, n.º 4 do citado decreto-lei, a jurisprudência recente do TCA Norte relativa às consequência de tal revogação, mormente a extinção do mecanismo da reclamação para a conferência, e, bem assim, a jurisprudência recente do TCA sobre a não aplicação do art.º 27.º, n.º 1 e 2 do CPTA Antigo aos tribunais de 1.ª instância, supra citada, desde já se requer a convolação da presente reclamação em recurso, para ser apreciado pelo Tribunal Central Administrativo Sul, e a consequente notificação da Autora para pagamento do acréscimo devido da taxa de justiça.

5. A decisão recorrida decretou a exceção dilatória de caducidade do direito de ação, por ter considerado que a Autora intentou a presente ação contra um indeferimento tácito inexistente e não cumpriu o prazo estabelecido no artigo 70.º e 58.º, n.º 2 b) ambos do CPTA.

6. Salvo o devido respeito, que é muito, a douta sentença recorrida padece dos seguintes vícios:

a. Vício de violação de lei, por violar o disposto no art.º 66.º, n.º 5 do CPPT conjugado com o n.º 3 do art.º 175.º do CPA, aqui supletivamente aplicável, e, bem assim, o disposto no art.º 20.º da CRP;

b. Vício de erro nos pressupostos na parte em que decidiu que o prazo estabelecido no art.º 58.º, n.º 2 b) do CPTA não foi cumprido, quer pela notória insuficiência da matéria de facto para concluir nesse sentido, quer ainda porque os factos que a douta sentença levou em conta impunham a conclusão contrária;

c. Vício de violação de lei, por violar o disposto no art.º 70.º do CPA, que é interpretado de forma errónea e em desconformidade com o princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no art.º 20.º da CRP e no art.º 7.º do CPTA.

7. No que toca ao primeiro vício, é inequívoco, face aos termos da lei, que, existindo um prazo legal específico para a emissão de decisão sobre o recurso hierárquico – prazo de 60 dias consagrado no art.º 66.º, n.º 5 do CPPT – é esse prazo de decisão o prazo a considerar para a formação do indeferimento tácito, conforme decorre das normas supletivas ao caso aplicáveis constantes do art.º 109.º do CPA e, em especial, do n.º 3 do art.º 175.º do CPA, norma específica para o recurso hierárquico.

8. A presunção de indeferimento tácito prevista no citado art.º 57.º, n.º 1 da LGT apenas se aplica aos procedimentos tributários de 1.º grau, pois é desses procedimentos que é possível interpor “recurso hierárquico, recurso contencioso ou impugnação judicial.”

9. No sentido de que a presunção de indeferimento tácito se forma decorridos os 60 (sessenta) dias referidos se tem igualmente pronunciado a doutrina e a jurisprudência, amplamente citadas supra.

10. De acordo com a doutrina e a jurisprudência, o art.º 57.º, n.º 1 e 5 da LGT consagra um prazo geral de indeferimento tácito, mas, nos casos em que a lei impõe prazos especiais para a decisão, como é o caso do recurso hierárquico abordado nos presentes autos, aquela presunção forma-se decorrido o prazo legal para a decisão (de 60 dias).

11. Assim, tendo a petição de recurso hierárquico sido apresentada em 09/11/2007, a formação da presunção de indeferimento tácito deste recurso ocorreu em 09/01/2008, pelo que aquando da apresentação da presente ação (em 09/04/2008), já se tinha formado a presunção de indeferimento tácito do referido recurso hierárquico.

12. A douta sentença recorrida enferma, assim, de erro de julgamento, por violação do disposto no art.º 66.º, n.º 5 do CPPT e no art.º 175.º, n.º 3 do CPA, aplicável supletivamente, pois destas normas resulta que, o recurso hierárquico deverá ser decidido no prazo máximo de 60 dias e, não sendo decidido nesse prazo, considera-se o mesmo tacitamente indeferido, não tendo aqui aplicação o disposto no art.º 57.º da LGT, indevidamente aplicado na douta sentença recorrida, que deverá, em conformidade, ser revogada.

13. Ao decidir como decidiu, e ao ter feito a aplicação e interpretação que fez do art.º 57.º da LGT, a douta sentença recorrida violou ainda o art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que, na prática, como o assim decidido, está a recusar à Autora o acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, motivos pelos quais deve a decisão recorrida ser revogada.

14. Quanto ao segundo vício, de acordo com a decisão recorrida, na pendência da lide foi proferido ato expresso de indeferimento do recurso hierárquico, notificado à Autora por ofício de 19-06-2008, e que a Autora veio apresentar nos autos em 15-10-2008, muito posteriormente ao prazo estabelecido no art.º 70.º, n.º 3 do CPTA, para se proceder à alteração da instância, e ao prazo estabelecido no art.º 58.º, n.º 2 al. b) do CPTA.

15. Existe erro nos pressupostos baseado desde logo na insuficiência da matéria de facto porque, para aferir do cumprimento do prazo estabelecido no art.º 58.º, n.º 2, al. b) do CPTA, em conformidade com o disposto no art.º 59.º, n.º 1 do CPTA, impunha-se conhecer a data em que a Autora foi notificada da referida decisão de indeferimento expresso, facto que não foi levado ao processo e, como tal, tomado em consideração na decisão.

16. Revelando os documentos juntos à presente reclamação que o ofício de 19-06-2008, através do qual foi a Autora notificada da referida decisão expressa, apenas foi rececionado em 01-07-2008 (vide Documentos n.º 2 e 3).

17. Em todo o caso, mesmo considerando a factualidade dada por provada na decisão recorrida, não se poderia ter concluído pelo incumprimento do prazo estipulado no citado art.º 58.º do CPTA.

18. Conforme resulta do n.º 3 do art.º 58.º do CPTA Antigo, o prazo de 3 meses, contado desde a data da notificação, deveria ser contado nos termos da lei processual civil, ou seja, nos termos do art.º 144.º do CPC, que determina a suspensão deste prazo durante as férias judiciais.

19. Ora, mesmo considerando (erradamente) que a Autora foi notificada do ato expresso em 19-06-2008, e que a Autora comunicou tal decisão autos em 25-10-2008, face às disposições conjugadas dos arts. 58.º, n.º 2, al. b) e 59.º n. 1, do CPTA, 144.º, n.º 1, do CPC, art.º 12.º da Lei n.º 3/99, de 13/01 (LOFTJ) e 279.º, al. c), do CCivil, haveria forçosamente que concluir que, contrariamente ao decidido, a referida comunicação não foi feita para além do referido prazo de três meses.

20. Pois, o prazo de 3 (três meses), convertido em prazo de 90 dias, para efeitos da respetiva contagem durante o prazo das férias judiciais (que ocorreram entre 01-08-2008 e 31-08-2008), iniciou-se em 20-06-2008, suspendeu-se entre 01-08-2008 e 31-08-2008, e apenas se completou em 19/10/2008 (11 dias do mês de junho + 30 dias do mês de julho + 30 dias do mês de setembro + 19 dias do mês de outubro de 2008).

21. Nestes termos, a decisão recorrida padece de erro nos pressupostos, pois, conforme demonstrado, a Autora comunicou a decisão de indeferimento expresso do recurso hierárquico nos presentes autos, em 15-10-2008, quando ainda não tinha decorrido o prazo de três meses (90 dias) estabelecido no art.º 58.º, n.º 2 do CPTA, na redação vigente àquela data.

22. Sendo que esse prazo de 3 (três) meses era o prazo de que a Autora dispunha para impugnar a decisão de indeferimento expresso do recurso hierárquico, conforme consta da notificação dessa decisão.

23. Deve, pois, a douta sentença recorrida ser reformada, já que, contrariamente ao que dela se fez constar, por erro nos pressupostos, a Autora cumpriu o prazo estabelecido no art.º 58.º, n.º 2, al. b) do CPTA.

24. Relativamente ao terceiro vício alegado, entende a Autora que, ao caso, não tem aplicação o disposto no art.º 70.º, e muito menos o n.º 3 do referido preceito legal.

25. A presente ação configura uma ação administrativa especial de condenação à prática do ato devido, que visa a condenação da Administração Tributária na apreciação do mérito da reclamação apresentada pela Autora contra a liquidação de IRS, que foi recusada por questões formais.

26. Como claramente se estipula no artigo 66.º, n.º 2 do CPTA, “Ainda que a prática do ato devido tenha sido expressamente recusada, o objeto do processo é a pretensão do interessado e não o ato de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta da pronúncia condenatória.”

27. Assim, mesmo nos casos em que tenha sido praticado um ato de indeferimento na pendência do processo, como foi o caso nos presentes autos, o objeto do processo não se define, portanto, por referência a esse ato, mas sim por referência à pretensão do interessado.

28. Acresce que, a decisão sobre o recurso hierárquico, proferida na pendência da ação, manteve a decisão recorrida, com a mesma fundamentação.

29. Ou seja, não estamos perante um ato revogatório com efeitos retroativos mas sim perante um ato meramente confirmativo do ato anterior que, nessa medida, não é por si lesivo de direitos ou interesses legalmente protegidos, não sendo suscetível, por isso, de gerar a decretada exceção de caducidade do direito da ação.

30. A Autora não tinha, assim, que requerer a alteração da instância, prevista no art.º 70.º do CPTA, pois a sua pretensão já tinha sido indeferida por ato primário expresso, sendo o ato secundário proferido na pendência da ação um ato meramente confirmativo do primeiro, que, por isso, nem sequer comportava a alegação de novos fundamentos, nem a apresentação de novos meios de prova.

31. Tal como invocado pela Autora no seu requerimento de fls. 289 a 290 dos autos, a que a própria decisão recorrida alude.

32. Em qualquer caso, a apresentação de novo articulado no prazo de 30 (trinta) dias é uma mera faculdade – Mário Esteves de Oliveira/Rodrigo Esteves de Oliveira, in Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Anotado, Almedina, Vol. I, pág. 432 - já que a razão de ser do normativo legal do art.º 70º do CPTA, é a de possibilitar ao interessado sustentar melhor a condenação já pedida no processo, quando a decisão de indeferimento da Administração contenha novos elementos. Trata-se, segundo CARLOS CADILHA e VIEIRA DE ANDRADE, de um alargamento da causa de pedir.

33. A interpretação que a douta sentença recorrida faz das normas aplicáveis, em concreto, do estipulado no art.º 70.º do CPTA não se poderá, pois, manter, pois tal interpretação é violadora do princípio da efetividade da tutela jurisdicional consagrada no art.º 20.º da CRP.

34. Foi, aliás, para garantir a efetividade desta tutela que se consagrou no art.º 7.º do CPTA que: «Para efetivação do direito de acesso à justiça as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas.»

35. Disposições que a douta sentença recorrida violou, motivo pelo qual deverá ser revogada, ordenando-se o prosseguimento dos autos com vista à emissão de decisão final de mérito sobre a pretensão da Autora”.

O Recorrido apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

“A. O Recurso vem apresentado da douta sentença de 22/03/2019 que considerou verificada a excepção de caducidade do direito de acção e absolveu a Autoridade Tributária da instância.

B. Desde já se afirma que, a douta decisão recorrida, ao julgar procedente a excepção de caducidade de Direito de acção fez uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos, motivo pelo qual deve ser mantida.

C. A Recorrente no seu Recurso, aponta três vícios à Douta Sentença Recorrida, e conclui do seguinte modo:

«Disposições que a douta sentença recorrida violou, motivo pelo qual deverá ser revogada, ordenando-se o prosseguimento dos autos com vista à emissão de decisão final de mérito sobre a pretensão da Autora.»

D. Ora, a entidade recorrida não pode concordar com os fundamentos do presente Recurso Jurisdicional; desde logo, porque, mesmo atendendo aos argumentos da Recorrente, mesmo assim se verificaria a caducidade do direito de acção por intempestividade, excepção esta que, por ser de conhecimento oficioso, também teria de ser conhecida por este douto Tribunal.

E. Na verdade, a Recorrente pugna pela aplicação do artigo 66º n.º5 do CPPT e assim, que o Recurso Hierárquico devia ter sido decidido no prazo de 60 dias e de facto, aplicando esta disposição legal ao caso em apreço, o indeferimento tácito ocorreu em 24/01/2008.

F. Por seu turno, a Recorrente pretende contrariar a sentença recorrida afirmando que não considerou que o indeferimento tácito já tinha ocorrido quando apresentou a Acção, e entende que a sentença recorrida andou mal e não fez uma aplicação correcta do artigo 58º do CPTA e do artigo 70º do CPTA, mas não tem razão, mais uma vez.

G. Ao contrário, a Sentença recorrida fez uma correcta interpretação do artigo 58º do CPTA, aliás, considera que “a presente acção também já não poderia ser deduzida tempestivamente nos termos do artigo 102° n.° 1 al. a) do CPPT, ou artigo 58.º do CPTA, caso pretendesse a acção especial de anulação”.

H. Deste modo, o prazo para intentar a presente Acção iniciou-se com a notificação da decisão da reclamação graciosa, em 10/10/2007, acto este que é directamente impugnável judicialmente, conforme notificação efectuada à agora Recorrente.

I. Mas a ora Recorrente optou pela via de recurso administrativa, e não pela via judicial directa, pelo que, tratando-se de um recurso hierárquico facultativo como consta do artigo 76ºn.º1 do CPPT que que remete para o artigo 66º n.º2 relativamente ao prazo de recurso, e quanto aos efeitos para o artigo 67º n.º 1 todos do CPPT.

J. Entende a Recorrente que a sentença recorrida mas salvo o devido respeito, tal interpretação das normas legais aplicáveis seria completamente ilegal.

K. Razão pela qual a sentença recorrida não poderia ter considerado que o prazo para intentar a acção se contaria da notificação do acto expresso de indeferimento do Recurso Hierárquico, como pretende a Recorrente

L. Ora, no caso dos autos o recurso hierárquico apresentado é meramente facultativo e tem efeito devolutivo, pelo que o prazo para intentar a acção começou a contar na data da notificação da Reclamação Graciosa.

M. Sucede que o acto que indefere o recurso hierárquico, confirmando o anterior acto de indeferimento é acto confirmativo, como tal, necessário é atender ao disposto no n.º 4 do artigo 59º do CPTA.

N. Neste sentido, encontramos por exemplo o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 03/06/2016, processo nº 0221/15.1BEBRG, e o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23/02/2017, processo nº 01268/16, do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, supra mencionados e ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.

O. A jurisprudência é clara quanto ao critério aplicável para determinar o evento que faz cessar a suspensão da contagem do prazo de impugnação, ou seja, a contagem do prazo de impugnação contenciosa só se suspende até à ocorrência de um dos seguintes eventos: a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou o término do prazo legal de decisão, consoante o que ocorra em primeiro lugar!.

P. Retomando o caso em apreço, não há dúvida de que o evento que ocorre em primeiro lugar é o indeferimento tácito do Recurso hierárquico em 24/01/2008, como se verá, pois a decisão Reclamação Graciosa foi notificada a 10/10/2007.

Q. O prazo para intentar acção administrativa especial iniciou em 11/10/2007, e suspendeu-se, em 09/11/2007 com a interposição do recurso hierárquico.

R. Nos termos do artigo 66º do CPPT, começa então a contar-se o prazo para determinar o momento em que ocorre o indeferimento tácito do Recurso, o qual ocorreu em 24/01/2008 - por nessa data terem ocorrido 60 dias a que acrescem mais 15 dias, sobre a apresentação de recurso a 09/11/2007 sem decisão expressa - nos temos do artigo 66º n.º3 e n.º5 do CPPT, e contados nos termos do artigo 20º do CPPT.

S. Como o prazo para intentar a presente acção administrativa se suspendeu çom a interposição do Recurso hierárquico conforme alínea b) do n.º 1 do art.º 58º do CPTA e já haviam decorrido 29 dias, então a contagem do prazo restante continua a partir do dia seguinte, ou seja a 25.01.2008; pelo que os três meses se esgotaram em 25.03.2008.

T. Atendendo a que o prazo se suspendeu durante o período de férias judiciais de Páscoa, o prazo para intentar a presente acção administrativa conforme alínea b) do n.º 1 do art.º 58º do CPTA terminou a 02/04/2008, pelo que a presente acção é manifestamente extemporânea.

U. Assim, e ainda que a sentença recorrida não tenha incorrido nos vícios e ilegalidades apontados pela Recorrente, caso o recurso fosse procedente, sempre seria de manter a decisão de caducidade de direito de acção pois, por ambas as vias, se verificaria a caducidade do direito de acção.

V. Por tudo o supra exposto e por a sentença recorrida não padecer nem dos vícios, nem das ilegalidades apontadas deve o presente Recurso Jurisdicional ser considerado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida com as legais consequências.

Nestes termos e nos mais de direito que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo a sentença recorrida, ou caso assim não se entenda, deve ser mantida a procedência da excepção de caducidade de direito de acção mas com os fundamentos indicados,que são de conhecimento oficioso, com todas as legais consequências”.

O Ilustre Magistrado do Ministério Público neste TCAS foi notificado nos termos do art.º 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi art.º 279.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro de julgamento, por violação do disposto no art.º 66.º, n.º 5, do CPPT, conjugado com o n.º 3 do art.º 175.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), supletivamente aplicável, e, bem assim, o disposto no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)?

b) Verifica-se erro de julgamento, na parte em que o Tribunal a quo decidiu que o prazo estabelecido no art.º 58.º, n.º 2, al. b), do CPTA não foi cumprido?

c) Há erro de julgamento, por violação do disposto no art.º 70.º do CPA, interpretado de forma errónea e em desconformidade com o princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no art.º 20.º da CRP e no art.º 7.º do CPTA?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. Em 29/12/2005, a Autora foi notificada pelo Serviço de Finanças de Almada para apresentar a declaração modelo 3 de IRS, relativa ao exercício de 2002.

2. Em 18/1/2006, a Autora apresentou a declaração de IRS relativa ao ano de 2002 (cf. fls. 82 a 89 dos autos em suporte de papel).

3. Em 10/7/2006, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2006 5002257095, relativa ao exercício de 2002, no valor de EUR 15.586,44 (cf. liquidação a fls. 89 dos autos).

4. Em 13/2/2007, a Autora apresentou reclamação graciosa da Liquidação de IRS do anos de 2002 e da liquidação de juros compensatórios, nos termos constantes de fls. 149 a fls. 166 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

5. Em 10/10/2007, a Direcção de Finanças de Setúbal emitiu a decisão de indeferimento da reclamação apresentada pela ora Autora, com fundamento na sua intempestividade, nos termos constantes de fls. 100 a 136 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

6. Em 9/11/2007, a ora Autora apresentou Recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa nos termos constantes de fls. 138 a 166 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

7. Em 9/4/2008, a presente acção foi apresentada no TAF de Almada (cf. fls. 1 dos autos).

8. Em 29/5/2008, a Direcção de Serviços do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares proferiu a decisão de indeferimento do Recurso hierárquico apresentado pela Autora, nos termos constantes de fls. 247 a 251 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

9. Em 19/6/2008, o Serviço de Finanças de Almada emitiu o ofício n.º 5175, enviado à Autora por carta registada com AR, com o assunto “Notificação – Recurso Hierárquico n.º 05/2007” no qual comunica a decisão descrita no ponto que antecede”.

II.B. Refere-se ainda na decisão recorrida:

“Inexistem factos não provados com interesse para a decisão das questões prévias suscitadas”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais dos autos, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 140.º, n.º 3, do CPTA, ex vi art.º 279.º, n.º 2, do CPPT, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada:

10. O recurso hierárquico referido em 6. foi remetido à direção de serviços do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares a 19.11.2007 (cfr. fls. não numeradas do processo administrativo).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que a sentença recorrida padece de:

a. Vício de violação de lei, por atentar contra o disposto no art.º 66.º, n.º 5, do CPPT, conjugado com o n.º 3 do art.º 175.º do CPA, supletivamente aplicável, e, bem assim, o disposto no art.º 20.º da CRP;

b. Vício de erro nos pressupostos, na parte em que decidiu que o prazo estabelecido no art.º 58.º, n.º 2, al. b), do CPTA não foi cumprido, quer pela notória insuficiência da matéria de facto para concluir nesse sentido, quer ainda porque os factos que a douta sentença levou em conta impunham a conclusão contrária;

c. Vício de violação de lei, por atentar contra o disposto no art.º 70.º do CPA, que é interpretado de forma errónea e em desconformidade com o princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no art.º 20.º da CRP e no art.º 7.º do CPTA.

Vejamos então.

Em termos de factualidade pertinente a considerar, temos que:

a) A 13.02.2007, a A. apresentou reclamação graciosa de liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), que veio a ser indeferida, por intempestividade, a 10.10.2007;

b) A 09.11.2007, a A. apresentou recurso hierárquico do referido indeferimento;

c) A 19.11.2007, o recurso hierárquico foi remetido à direção de serviços do IRS;

d) A 09.04.2008, a A. apresentou a presente ação, peticionando a condenação à praticado do ato considerado devido, consubstanciado na apreciação do mérito da pretensão formulada, na sequência do silêncio da administração em sede de recurso hierárquico;

e) A 29.05.2008, foi proferida a decisão de indeferimento expresso do recurso hierárquico em causa.

In casu, o Tribunal a quo considerou que a ação era intempestiva, em virtude de a mesma ter sido proposta antes de formado o indeferimento tácito do recurso hierárquico. Quanto ao ato expresso, considerou que o mesmo foi junto aos autos extemporaneamente, para lá do limite do prazo estabelecido no art.º 70.º e no art.º 58.º, n.º 2, alínea b), ambos do CPTA.

Apreciando.

Nos termos do art.º 66.º do CPPT:

“1 - Sem prejuízo do princípio do duplo grau de decisão, as decisões dos órgãos da administração tributária são suscetíveis de recurso hierárquico.

2 - Os recursos hierárquicos são dirigidos ao mais elevado superior hierárquico do autor do ato e interpostos, no prazo de 30 dias a contar da notificação do ato respetivo, perante o autor do ato recorrido.

3 - Os recursos hierárquicos devem, salvo no caso de revogação total do ato previsto no número seguinte, subir no prazo de 15 dias, acompanhados do processo a que respeite o ato ou, quando tiverem efeitos meramente devolutivos, com um seu extrato.

4 - No prazo referido no número anterior pode o autor do ato recorrido revogá-lo total ou parcialmente.

5 - Os recursos hierárquicos serão decididos no prazo máximo de 60 dias”.

Existindo norma própria em termos de definição de prazo de decisão, não é aplicável o regime geral previsto no art.º 57.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), então de 6 meses, mas sim o prazo especial de 60 dias, consagrado no n.º 5 do mencionado art.º 66.º do CPPT [neste sentido, v., v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 30.04.2013 (Processo: 0122/13) e de 27.11.2013 (Processo: 0962/13)].

O prazo de 60 dias em causa conta-se do momento em que se completa o prazo de 15 dias para o autor do ato recorrido o revogar ou o fazer subir ou da sua remessa ao órgão competente para dele conhecer, se esta ocorrer anteriormente e for notificada ao administrado recorrente [v. a este respeito o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 10.03.2021 (Processo: 0118/13.0BEPRT)].

In casu, esta remessa deu-se a 19.11.2007. No entanto, não resulta do processo administrativo que de tal facto tenha sido notificado a A., não obstante tal ser exigível, atento o disposto no então art.º 172.º, n.º 1, in fine, do CPA, nesta parte aplicável, ex vi art.º 2.º, al. d), do CPPT.

Assim, in casu, não tendo sido a A. notificada da remessa do recurso hierárquico, é a partir do decurso integral do prazo de 15 dias que é contado o mencionado prazo de 60 dias [cfr., v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 06.10.2021 (Processo: 0878/13.8BEAVR) e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 13.01.2011 (Processo: 00816/10.0BEPRT)], porquanto só desta forma o administrado poderá aferir qual o momento da formação do indeferimento tácito.

Atento o disposto no art.º 57.º, n.º 3, da LGT e no art.º 20.º, n.º 1, do CPPT, os prazos no procedimento tributário são contínuos e contam-se nos termos do disposto no art.º 279.º do Código Civil.

Sendo contínuo, o referido prazo de 15 dias completou-se a 24.11.2007.

Tendo este dia sido um sábado, o seu termo transita para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, 26.11.2007 [cfr. art.º 279.º, al. e), do Código Civil].

Contando-se o prazo de 60 dias para formação do indeferimento tácito desta data, tal formação ocorreu a 25.01.2008.

Assim, ao contrário do que refere o Tribunal a quo, na data da propositura da presente ação (09.04.2008) já se formara o indeferimento tácito do recurso hierárquico.

Por outro lado, sendo objeto da ação administrativa especial em causa o ato considerado devido pela A., na sequência do silêncio da administração no âmbito do recurso hierárquico, não há que apelar ao disposto no art.º 59.º, n.º 4, do CPTA, ao contrário do defendido pela Recorrida.

Com efeito, há que sublinhar que o art.º 76.º, n.º 2, do CPPT, sistematicamente integrado no capítulo VI, atinente ao procedimento de reclamação graciosa, prevê a possibilidade de impugnação direta da decisão do recurso hierárquico que tenha sido apresentado contra o ato de indeferimento total ou parcial da reclamação graciosa – seja tal decisão expressa ou tácita e seja ela confirmativa ou não de decisão anterior, dado que o legislador não distingue uma situação da outra.

Aliás, quando esteja em causa a apreciação da legalidade de uma liquidação, o legislador reiterou esse entendimento, concretamente na al. d) do n.º 1 do art.º 102.º do CPPT, reabrindo a decisão proferida no âmbito de um recurso hierárquico o prazo de impugnação judicial.

Como refere Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, Vol. I, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, p. 593, nota 1017), “[n]o contencioso tributário, há um caso de recurso hierárquico em que, apesar de facultativo, a decisão é susceptível de impugnação contenciosa, que é o que tiver por objecto decisão proferida em reclamação graciosa (art. 76.º, n.º 2, do CPPT)”.

Prossegue o mesmo autor (ob. cit., p. 668):

“[S]e a decisão do recurso hierárquico interposto de acto de indeferimento de reclamação graciosa não apreciar efectivamente a legalidade do acto de liquidação que aquela tem por objecto (por exemplo, por existir alguma questão prévia, como a tempestividade ou a falta de legitimidade do recorrente, que obstem ao conhecimento do mérito da reclamação), essa decisão será um acto administrativo que não conhece da legalidade de acto de liquidação, pelo que o meio processual adequado para a sua impugnação será o recurso contencioso (actualmente, a acção administrativa especial), como decorre do n.° 2 do art. 97.º do CPPT”.

Ou seja, sendo impugnável autonomamente o indeferimento, expresso ou tácito, do recurso hierárquico, que teve por objeto o indeferimento de uma reclamação graciosa, como o art.º 76.º, n.º 2, do CPPT prevê expressamente, quando o seja através de ação administrativa, não é de atender ao regime previsto no n.º 4 do art.º 59.º do CPTA, ao contrário do que considera a Recorrida.

Com efeito, este regime do CPTA respeita a situações de impugnação de ato administrativo, relativamente ao qual foi apresentada impugnação administrativa facultativa [cuja decisão, se redundar em ato confirmativo, não é, em regra, impugnável autonomamente (cfr. o art.º 53.º do CPTA)], sem prejuízo da existência de regimes específicos distintos.

Ora, se o próprio CPPT consagra a impugnabilidade autónoma da decisão, expressa ou tácita, do recurso hierárquico, nos termos já referidos, trata-se de norma que prevalece sobre o regime do CPTA, apenas subsidiariamente aplicável, sendo esta a interpretação que se afigura consonante com a tutela jurisdicional efetiva, prevista no art.º 20.º da nossa Lei Fundamental.

Em suma, o objeto dos presentes autos é a pretensão da A. face ao silêncio da administração, na sequência de apresentação de recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, o que é passível de impugnação autónoma, nos termos do art.º 76.º, n.º 2, do CPPT.

Ou seja, ao contrário do que refere a Recorrida, a Recorrente insurgiu-se diretamente, como lhe permite a citada disposição legal, face ao silêncio da administração na sequência do recurso hierárquico e não diretamente contra o indeferimento proferido em sede de reclamação graciosa. No caso, como resulta da petição inicial, foi intentada ação administrativa especial de condenação à prática de ato devido, em virtude do silêncio da administração, face à apresentação de recurso hierárquico e num momento em que já decorrera o prazo para a mesma proferir tal decisão.

Nesse contexto, face ao referido silêncio da administração, cujo prazo de decisão, como referimos, terminou a 25.01.2008, atento o disposto no art.º 58.º, n.º 2, do CPTA, a presente ação, apresentada a 09.04.2008, foi-o tempestivamente.

Carece, nesta sequência, de relevância o constante da sentença, a propósito do art.º 70.º do CPTA, porquanto trata-se de mera faculdade que assiste à A.

Como tal, assiste razão à Recorrente, devendo ser revogada a decisão na parte recorrida, resultando prejudicada a apreciação dos demais fundamentos invocados.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder provimento ao recurso, revogar a decisão na parte recorrida, julgando-se improcedente a exceção da caducidade do direito de ação;

b) Determinar a baixa dos autos, para a prossecução dos demais termos até final;

c) Custas pelo Recorrido, porque contra-alegou;

d) Registe e notifique.


Lisboa, 27 de janeiro de 2022

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)