Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08733/15
Secção:CT
Data do Acordão:06/29/2016
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DOS SÓCIOS DA SOCIEDADE EXTINTA POR ESCRITURA DE DISSOLUÇÃO.
Sumário:a) Perante a extinção da sociedade, são os sócios intervenientes na escritura de dissolução e partilha que assumem a responsabilidade pelos créditos tributários resultantes da actividade daquela, mas vencidos apenas em momento posterior – artigo 147.º/2, do CSC.
b) A falta de notificação dos responsáveis pela dívida tributária, os sócios da sociedade extinta, impossibilitou o exercício do direito ao contraditório e à audição prévia, no decurso do procedimento inspectivo (artigo 60.º/1/e), da LGT), o que constitui preterição de garantia contribuinte, invalidante do acto de liquidação.
c) Em face da publicidade do registo e das regras sobre responsabilidade tributária, que impõem aos sócios de sociedade extinta o dever de responder pelas dívidas fiscais desta última, cabia a AT notificar os responsáveis tributários, ou seja, os sócios da sociedade dos actos do procedimento inspectivo, bem como do acto de liquidação do imposto em causa.
d) A falta da referida notificação torna inválido e insubsistente o acto tributário.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:I- Relatório
António…, na qualidade de revertido, na execução que corre termos contra a sociedade devedora originária, “C…, Lda.”, interpõe o presente recurso jurisdicional da sentença proferida a fls. 411/415, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida, contra a liquidação de IRC de 2004, no montante de €192.709,61.
Nas alegações de recurso de fls. 136/141, o recorrente formula as conclusões seguintes:
1) Com a devida respeitabilidade, parece ter ficado claro que a sociedade originária devedora não foi, nunca, notificada para exercer como devia e era legalmente exigível, o direito de audição prévia relativamente ao projecto de relatório da I.T.
2) Parece igualmente ter ficado claro que tendo a sociedade originária devedora ficado dissolvida e liquidada a partir de 10/11/2004, aquando do início da acção de fiscalização, ocorrido no ano de 2008, já não possuía a sede no …, nem em qualquer outro lugar, a sua inexistência era já uma realidade.
3) Sendo verdade ter a sociedade, sido dissolvida e liquidada, ficou comprovadamente impossibilitada de ter qualquer tipo de acção ou iniciativa própria, e, mesmo que quisesse apresentar qualquer declaração de alterações relativa à mudança de sede, não o podia fazer, não só porque deixou de ter personalidade jurídica e tributária, mas também por já não existir TOC, nunca aquela declaração seria recebida pela Administração tributária, sem a sua VINHETA.
4) Nesta medida, tendo a liquidação impugnada sido realizada cerca de 4 anos depois da sociedade estar dissolvida, ainda se questiona se a reversão foi legal e se, se, deve manter na ordem jurídica, tendo em vista a doutrina firmada no Acórdão 05.948/12, de 27 de Novembro de 2012, do TCA Sul, disponível para consulta em www.dgsi.pt
5) Consequentemente, a ideia do gerente da sociedade originária devedora apresentar um requerimento a informar a Administração Tributária do local onde podia e devia ser contactada, na -"Rua…", foi, salvo melhor opinião, a forma única e a mais correcta e revelou boa-fé e espírito de colaboração aberta e,
6) Não tendo a anterior morada sido averbada oficiosamente no cadastro das pessoas colectivas da Autoridade Tributária e Aduaneira, a falta não poderá ser imputável à sociedade e seus gerentes, mas tão só e apenas à Administração Tributária, que se "alheou completa e incompreensivelmente", da sociedade já inexistente e dos seus gerentes e,
7) Nesta medida, como nenhuma das tentativas para notificar a sociedade originária devedora, no caso concreto, só se teriam por validamente concretizadas se tivessem sido realizadas, na pessoa de um dos seus gerentes, e como isso, efectivamente, nunca aconteceu, também nesta sede, não só o procedimento tributário em si mesmo, como a liquidação impugnada, estão feridos de ilegalidade.
8) Mas, independentemente de todo o acabado de referir, fica a certeza de que, mesmo a existir morada onde a sociedade fosse contactada, sempre tal falta podia muito bem ser colmatada com o conhecimento que a fiscalização tinha do paradeiro dos seus gerentes, a todo o momento, podiam e deviam ser chamados ao procedimento inspectivo, por serem os seus directos representantes legais.
9) Logo, é por demais evidente que se a Inspeção Tributária tivesse, como se entende, contactado a sociedade originária devedora, na morada participada à Administração Tributária pelo seu gerente ou a tivesse contactado através dos seus gerentes, todos dela conhecidos, teria cumprido o dever de colaboração e de boa-fé, e, com a necessária transparência teria quantificado a matéria tributária através do método da avaliação indirecta ou das presunções (lucro ou prejuízo real efectivo) e a descoberta da verdade material não se faria esperar.
10) Ora, se o Tribunal "a quo", na douta sentença, não se pronunciou sobre questões tão relevantes para a decisão, como as anteriormente expostas, passando em claro e omitindo, sem margem para dúvidas, o dever de abordar a razão pela qual as notificações oriundas da Administração tributária vs. Inspecção tributária (I.T.), dirigidas via CTT à sociedade e que foram devolvidas, não foram enviadas à citada morada - "Rua…" ou para os seus gerentes, visto serem dela conhecidos e,
11) Tendo em vista o princípio do inquisitório consagrado no artigo 58.° da LGT e artigo 91.°, n.° 2, do CPA, a Meritíssima Juiz, com o devido respeito, devia ter valorizado a obrigação, não satisfeita pelo Serviço de Fiscalização, de por todos os meios averiguar (pois disso não estava dispensada), os factos que interessavam à determinação da matéria colectável uma vez que não era crível terem as vivendas sido construídas sem custos suportados com ferro, tijolo, cimento e muitos outros artigos.
12) Assim, parece não haver qualquer dúvida de que a douta sentença, enfermará de erro de julgamento, por omissão de pronúncia e de pronúncia errada, quanto à referida notificação, aliás não concretizada, da sociedade originária devedora, para o exercício de audição prévia sobre o relatório da I.T.
Não há registo de contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr. fls. 164/165, dos autos) no qual se pronuncia no sentido da recusa de provimento ao presente recurso jurisdicional.
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Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.
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II- Fundamentação
1. De facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
A. Tendo a sociedade “C…, Ldª” apenas apresentado uma declaração periódica de imposto sem qualquer operação tributável durante o ano de 2004, a Administração Fiscal procedeu à liquidação adicional de IRC do ano de 2004, em razão da verificação da venda de três bens imóveis nesse ano não declarados e não considerados na respectiva contabilidade, tendo efectuado a cessação de actividade em 10.11.2004. – cfr “D.P.” de fls. 92 a 94, “Declaração de Cessação” de fls. 158, e “Prints Informáticos” de fls. 208, 211 e 214, do P.A. apenso.
B. A liquidação mencionada supra resultou de uma acção inspectiva cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, no qual foi efectuada a determinação directa da matéria tributável em razão da consideração enquanto proveitos dos valores das escrituras de vendas dos referidos prédios e dos valores resultantes da avaliação dos imóveis tornados definitivos, tendo-se considerado como custo das existências vendidas pelo total dos valores patrimoniais anteriores à data de alienação – cfr. Relatório da I.T., de fls. 196 a 205, do P.A. apenso.
C. Em 02.02.2006 deu entrada, no serviço de finanças de …, de um requerimento apresentado em nome da sociedade, solicitando que seja considerado a alteração de morada de contacto da sociedade – cfr. requerimento de fls. 157, do P.A. apenso.
D. Em razão da consideração das correcções ao valor de transmissão dos bens imóveis referido supra, o s.p. foi notificado por carta dirigida à sua sede constante do cadastro, para proceder à entrega da declaração de rendimentos de substituição do ano de 2004, com data de registo de 21.07.2008, a qual veio devolvida, não tendo procedido ao seu cumprimento, nem tendo apresentado qualquer declaração de alteração do registo e não constando do respectivo cadastro da Adm Fiscal qualquer documento comprovativo da inscrição de alterações no registo dos sujeitos passivos de IRC.- cfr. Oficio de fls. 215 e correspondência postal de fls. 216 a 218, e “Print Informático” de fls. 221 e 222, do P.A. apenso.
E. No âmbito da acção inspectiva referida em B) supra, foi efectuada em 12.11.2008, o envio por carta registada, de oficio de notificação para exercício do direito de audição, tendo a mesma sido devolvida aos serviços – cfr. anexo 5 e 7, do Relatório da I.T. constante de fls. 219 e 220 e de fls. 223 e 224, do P.A. apenso.
F. Do relatório da I.T. foi enviado ao contribuinte um oficio de notificação das correcções efectuadas à matéria colectável, por carta registada de 27.11.2008, tendo a mesma sido devolvida. – cfr. Oficio de fls. 225 e correspondência postal de fls. 226, do P.A. apenso.
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Em sede de fundamentação da matéria de facto, consignou-se:
«Factos Não Provados // Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita. // Motivação da decisão de facto // A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório».
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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
G. Por escritura pública de dissolução de sociedade, de 10.11.2004, os sócios da sociedade “C…, Lda.”, António …, Luís …, António … e “C…, Lda.” determinaram a dissolução da sociedade, mais referindo que «nada há a liquidar ou a partilhar» - fls. 82/83.
H. Em 23.11.2004, a sociedade, “C…, Lda.”, entregou declaração de cessação IRC/IVA, com efeitos a 10.11.2004, do qual consta: domicílio – Bairro… // Morada de contacto – … – fls. 158 do PAT.
I. Em 10.01.2006, foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade em causa – fls. 168/172.
J. Do requerimento referido em C. consta como morada de contacto a seguinte: “Rua ….
K. As notificações referidas em D., E. e F. não foram dirigidas ao endereço referido em J..
L. As notificações referidas em D., E. e F. não foram dirigidas ao endereço de cada um dos sócios da sociedade “C…, Lda.”.
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2.2. De Direito.
2.2.1. Vem sindicada a sentença proferida a fls. 411/415, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pelo recorrente, na qualidade de revertido, na execução que corre termos contra a devedora originária, “C…, Lda.”, contra a liquidação de IRC de 2004, no montante de €192.709,61.
2.2.2. Para julgar improcedente a presente impugnação, a sentença recorrida, considerou, em síntese, que não se mostrava procedente a alegação de falta de notificação da devedora originária, para o exercício do direito da audição prévia, bem com dos demais actos do procedimento inspectivo. Segundo a sentença recorrida, «[q]uanto aos vícios formais invocados pela impugnante, importa dizer que constando do cadastro das pessoas colectivas a respectiva sede e a indicação de morada de contato, não tendo sido apresentada qualquer declaração de alteração do registo ou documento comprovativo da respectiva inscrição de qualquer alteração do mesmo, não valendo como tal o requerimento mencionado em C), do probatório, atento o disposto no n.º 2, do artigo 109.º do CIRC, tendo-se oficiado correctamente ao devedor originário por meio de carta registada, tanto para efeitos da apresentação de declaração de substituição, nos termos do disposto na alínea a), do n.º 3, do art.º 58.º-A, do CIRC, como para efeitos do direito de audição relativamente ao projecto de relatório da I.T., efectuada nos termos do n.º 4 do art.º 60.º da LGT, dando assim cumprimento ao disposto nos arts.º 110.º e 111.º, daquele mesmo Código, pelo que se considera improcedentes aqueles vícios formais do procedimento tributário».
2.2.3. A presente intenção recursória centra-se sobre (i) o erro de julgamento em que terá incorrido a sentença recorrida, no que respeita à invocada preterição do dever de notificação da sociedade devedora originária/SDO, em sede de procedimento inspectivo e de acto de liquidação; (ii) erro de julgamento sobre o alegado erro na quantificação da matéria colectável.
O recorrente sustenta que a AF enviou os ofícios de notificação para uma morada correspondente à pessoa jurídica inexistente, tendo descurado a informação fornecida por um dos gerentes da mesma.
Vejamos.
Com relevo para a situação dos autos, estabelece o artigo 147.º (“Partilha imediata”) do CSC, o seguinte:
«1. Sem prejuízo do disposto no artigo 148.º, se, à data da dissolução, a sociedade não tiver dívidas, podem os sócios proceder imediatamente à partilha dos haveres sociais, pela forma prescrita no artigo 156.º.
2. As dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução não obstam à partilha nos termos do número anterior, mas por essas dívidas ficam ilimitada e solidariamente responsáveis todos os sócios, embora reservem, por qualquer forma, as importâncias que estimarem para o seu pagamento».
Estatui, por seu turno, o artigo 163.º/1, do CSC (“Passivo superveniente”) o seguinte: «Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada».
«O artº.147, nº.2, do C.S.Comerciais, estabelece um compromisso entre os interesses da Fazenda Pública e dos sócios. A existência, à data da dissolução, de dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis não obsta à partilha imediata do património social, ao contrário do que sucede com a existência naquela data de dívidas de natureza fiscal já exigíveis ou de dívidas de natureza diferente da fiscal, exigíveis ou não. Em contrapartida, a responsabilidade pelas dívidas fiscais ainda não exigíveis alarga-se a todos os sócios, ilimitada e solidariamente, portanto muito mais gravosamente do que o estabelecido no citado artº.163, do C.S.Comerciais, para o passivo superveniente. A A. Fiscal, desde a partilha do património social, beneficia da citada responsabilidade ilimitada e solidária dos sócios. Por outro lado, o sócio que efectuar à Fazenda Pública pagamento superior à sua quota-parte goza de direito de regresso contra os outros sócios, nos termos gerais (cfr.artº.524, do C.Civil)» (1).
Estabelece o artigo 1.º, n.º 1, do Código do Registo Comercial/CRC, o seguinte: «[o] registo comercial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos comerciantes individuais, das sociedades comerciais, das sociedades civis sob forma comercial e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, tendo em vista a segurança do comércio jurídico». A dissolução e encerramento da sociedade constitui facto sujeito a registo – artigo 3.º/1/t), do CRC. E, nos termos do artigo 11.º do CRC (“Presunções derivadas do registo”), «[o] registo por transcrição definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida».
Do probatório resulta que na data da realização do procedimento inspectivo (2.11.2008) (2), a sociedade devedora originária, encontrava-se extinta, por meio de escritura pública de dissolução, não tendo havido liquidação, nem partilha, desde 10.11.2004, e tendo a referida extinção sido inscrita no registo comercial, em 10.01.2006(3).
Perante a extinção da sociedade, são os sócios intervenientes na escritura de dissolução e partilha que assumem a responsabilidade pelos créditos tributários resultantes da actividade daquela, mas vencidos apenas em momento posterior – artigo 147.º/2, do CSC. A efectivação da responsabilidade em apreço exigiria a sua participação no procedimento de formação do acto tributário de liquidação adicional de IRC, tanto mais que existem divergências quanto à quantificação da matéria colectável. A falta de notificação dos responsáveis pela dívida tributária, os sócios da sociedade extinta (4), impossibilitou o exercício do direito ao contraditório e à audição prévia, no decurso do procedimento inspectivo (artigo 60.º/1/e), da LGT), o que constitui preterição de garantia contribuinte, invalidante do acto de liquidação. Mais se refere que, em face da publicidade do registo e das regras sobre responsabilidade tributária, que impõem aos sócios de sociedade extinta o dever de responder pelas dívidas fiscais desta última, cabia a AT notificar os responsáveis tributários, ou seja, os sócios da sociedade dos actos do procedimento inspectivo, bem como do acto de liquidação do imposto em causa. A falta da referida notificação torna inválido e insubsistente o acto tributário.
Donde resulta que a impugnação deve ser julgada procedente e o acto tributário anulado.
Ao julgar em sentido diverso, a sentença recorrida não se pode manter, devendo ser substituída por decisão que acolha pretensão impugnatória in judicio.
Fica prejudicado o conhecimento das demais conclusões de recurso.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.
DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação procedente.
Custas pela recorrida.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)



(Cristina Flora - 1º. Adjunto)



(Cremilde Miranda - 2º. Adjunto)

(1)Acórdão do TCAS, de 27.11.2012, P. 5948/12.

(2)Alínea E), do probatório.

(3)Alíneas G) e I), do probatório.

(4)Alíneas K) e L), do probatório.