Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:63/20.2BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/01/2020
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:LIBERDADE DE EXPRESSÃO;
ARTIGO 10.º DA CEDH;
JURISPRUDÊNCIA SOBRE LIBERDADE DE EXPRESSÃO DO TEDH;
DEVER DE RESPEITO E URBANIDADE;
PROTECÇÃO DOS BENS PESSOAIS AO BOM NOME E REPUTAÇÃO DE TERCEIROS;
DESRESPEITO;
INJÚRIA;
DIFAMAÇÃO;
GROSSERIA;
DISCURSO DIFAMATÓRIO;
OPINIÃO PESSOAL SUPORTADA NA INVOCAÇÃO DE FACTOS;
CRÍTICAS A ÁRBITROS DE FUTEBOL;
ART.º 136.º, N.º 1, DO REGULAMENTO DISCIPLINAR DAS COMPETIÇÕES ORGANIZADAS PELA LIGA PORTUGUESA DE FUTEBOL.
Sumário:
I - Entre a publicitação de uma opinião – direito que integra a liberdade de expressão – e a protecção dos bens pessoais ao bom nome e reputação de terceiros, há que fazer uma ponderação quando estes direitos entrem em conflito, devendo-se aferir em que moldes aquela opinião, pelas expressões que usa e pelas imputações que faz, ataca desproporcionadamente a honra e consideração desses terceiros. Nesta aferição há que ter em conta todo o contexto em que os direitos são exercidos para se encontrar o limite do razoável ou aceitável;
II – O TEDH vem defendendo que quando estão em causa questões de interesse público, ou de interesse alargado e figuras públicas, ou com uma actuação escrutinada por uma massa de pessoas, como ocorre com a actuação dos árbitros de futebol e dirigentes de clubes e da Liga, os limites da crítica admissível têm de ser apreciados de uma forma muito mais lata que aqueles que envolvem a crítica de um cidadão comum, anónimo. Por seu turno, estando em causa juízos de opinião, a aferição da proporcionalidade da conduta – face ao direito à liberdade de expressão, que está a ser exercido – há que aferir-se atendendo aos factos de que se detém conhecimento e que estão na base dos juízos que se formulam. O TEDH tem também defendido que só em face da inexistência de factos, as afirmações produzidas podem ser consideradas delituosas, porque difamatórias. O TEDH também vem distinguindo afirmações puramente factuais – que exige alicerçadas em factos concretos – da manifestação de meras opiniões ou de juízos subjectivos, que aceita que não tenham por base uma prova real, existente, que confirme a sua verdade ou veracidade, por se entender que tal exigência aniquilaria a própria liberdade de expressão;
III - Neste contexto jurisprudencial, um discurso alicerçado na invocação de diversos factos, que, na perspectiva do declarante, justificam as suas suspeitas e imputações, é um discurso suportado numa base factual mínima, que ainda que possa não corresponder a factos realmente provados, concede ao declarante fundamento bastante para que, em boa fé, acredite nas afirmações que produz;
IV - O art.º 136.º, n.º 1, do RD, deve ser interpretado e enquadrado atendendo à realidade que enquadra o mundo desportivo e futebolístico, pelos que as expressões contantes daquele RD relativas ao “desrespeito”, à “injúria”, à “difamação” ou à “grosseria” terão, necessariamente, que ajustar-se àquela mesma realidade;
V - Um discurso em clara oposição com uma dada arbitragem, que se apresenta como uma opinião pessoal, subjectiva, suportada pela invocação de diversos factos que, na óptica do declarante, apontam para aquela mesma opinião, não é um discurso objectivamente difamatório, por se pretender apenas denegrir a imagem e a honra do árbitro, sem qualquer base factual e apreensível.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO

A Federação Portuguesa de Futebol (FPF) interpôs recurso do Acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), de 06/07/2020, que julgou procedente a acção proposta pelo F............, Futebol SAD (F....) e F...., mantendo a decisão proferida em 18/06/2019, pela Secção Profissional do Conselho Disciplinar (CD) da FPF, que aplicou aos Recorridos a sanção disciplinar de multa.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:”1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitrai do Desporto, notificado em 8 de Julho de 2020, que julgou procedente o recurso apresentado pelo ora Recorrido, que correu termos sob o n.º 38/2019.
2. Em concreto o presente recurso versa sobre a decisão do Colégio Arbitral (por maioria) em anular a multa aplicada pelo Conselho de Disciplina no processo disciplinar n........, que correu termos naquele órgão, por aplicação dos artigos 136.º, ex vi 112.º, n.º 1 e 4, do RD da LPFP.
3. Em causa nos presentes autos estão declarações produzidas pelo Recorrido F......., 14 de Maio de 2019, no programa televisivo "Universo Porto-Da Bancada" transmitido na estação televisiva Porto Canal, imprensa privada da Recorrida F............ - Futebol, SAD, passíveis de ofender o bom nome e reputação dos visados, e bem assim, a integridade, verdade e credibilidade da competição, designadamente e de forma não exaustiva, com o seguinte teor:
"Alguns senhores árbitros decidiram entregar o título de campeão ao B........ (...) Mais tarde, árbitro e VAR viram o que mais ninguém viu, uma falta sobre o J........ (...) Mais uma vez, na dúvida, e este nem sequer é de dúvida, foi decidido a favor do B........ (...) Quem são os autores, os responsáveis, por estas decisões que adulteram a verdade do campeonato? São os árbitros. E quem os nomeou. (...) Todos estes árbitros têm um passado e esse é pró-B........ Quando decidem nomear estes árbitros estão a ajoelhar perante o L....... por causa do que foi dito na meia-final da Allianz Cup. (...) Em Vila do Conde, ou estes senhores não sabem as regras ou validaram o golo de propósito. (...) Há uma equipa que tem um regime de exceção. Este jogo em Vila do Conde foi uma vergonha. (...) Isto é uma vigarice inaceitável. (...) Era uma boa altura para mostrarem o áudio. Para mostrar de há vigarice ouse é só incompetência. (...) Isto é um fartar de vilanagem. Foi entregar o campeonato. Ninguém põe mão nisto. (...) Vão todos deixar-se endrominar pela máquina de propaganda do B....... "
4. O Acórdão recorrido padece de graves erros na aplicação do Direito, com os quais a Recorrente não se pode conformar.
5. Ora, desde logo, cabe chamar à colação que o bem jurídico a proteger no âmbito disciplinar é distinto daquele que se visa proteger no âmbito penal, ainda que existam normas punitivas semelhantes, por vezes coincidentes, que possam induzir o aplicador em erro. Deste modo, a análise subjacente num e noutro caso tem, também, de ser muito distinto.
6. A afirmação de que a responsabilidade disciplinar é independente e autónoma da responsabilidade penal está, desde logo, presente na Lei e nos Regulamentos Federativos.
7. Assim, quando analisados os artigos 112.º e 136.º do RD da IPFP é possível vislumbrar, em abstrato, indícios do ilícito penal correspondente à injúria ou difamação.
8. Por outro lado, não se pode olvidar que os Recorridos têm deveres concretos que têm de respeitar e que resultam de normas que não pode ignorar.
9. Os Recorridos têm, designadamente, o dever de "manter uma conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva" (artigo 19.n.ºs 1 e 2, do RDIPFP18); "usar de correção, moderação e respeito relativamente a outros promotores de espetáculos desportivos e organizadores de competições desportivas, associações, clubes), sociedades desportivas, agentes desportivos, adeptos, autoridades públicas, elementos da comunicação social e outros intervenientes no espetáculo desportivo" (artigo 35.º, n.º 1 alínea h) do RD da LPFP); de "zelar por que dirigentes, técnicos, jogadores, pessoal de apoio, ou representantes dos clubes ajam de acordo com os preceitos das alíneas h) e i)" (artigo 35.º, n.º 1 alínea h) do RC da LPFP); de "incentivar o respeito pelos princípios éticos inerentes e implementar procedimentos e medidas destinados a prevenir e reprimir fenómenos de (...) intolerância nas competições" (Regulamento de Prevenção da Violência da Liga Portugal); e de manter comportamento de urbanidade e correção entre si, bem como para com os representantes da Liga Portugal e da FPF, os árbitros e árbitros assistentes." (artigo 51.9, n.9 1 do Regulamento de Competições da LPFP).
10. Naturalmente que as sociedades desportivas, clubes e agentes desportivos não estão impedidos de exprimir pública e abertamente o que pensam e sentem. Contudo, os mesmos estão adstritos a deveres de respeito e correção que os próprios aceitaram determinar e acatar mediante aprovação do RD e RC da LPFP.
11. Quando uma pessoa (singular ou coletiva), qualquer que seja, aceita aderir a determinada associação ou grupo organizado, aceita também as suas regras, deontológicas, disciplinares, sancionatórias, etc..
12. Com efeito, para que os Recorridos sejam condenados pela prática dos ilícitos disciplinares previsto no artigo 112.º e 136.º, ambos do RD da LPFP, é essencial indagar se as declarações respetivas violam, pelo menos, um dos bens jurídicos visados pelas normas disciplinares: a honra e bom nome dos visados ou a verdade e a integridade da competição, particularmente evidenciados pela imparcialidade e isenção dos desempenhos dos elementos das equipas de arbitragem.
13. Ao contrário daquilo que entende o TAD, não estamos, obviamente, perante a prática de um ilícito disciplinar que pretende, exclusivamente, proteger a honra e o bom nome dos árbitros visados, nem muito menos perante uma questão que deva ser analisada da perspetiva do direito penal.
14. Em suma, o Acórdão recorrido erra ao analisar a questão sub juáice sob a perspetiva do direito penal e não da perspetiva do direito disciplinar, pelo que se impõe que o TCA proceda a uma correta aplicação do direito ao caso.
15. Ademais, a questão em apreço é suscetível de ser repetida num número indeterminado de casos futuros, porquanto este tipo de casos são cada vez mais frequentes, o que é facto público e notório.
16. O TAD entendeu, no seu aresto, que o conteúdo das declarações produzidas pelo Recorrido F....... e difundidas em órgão da imprensa privada da Recorrida F............ - Futebol, SAD - Porto Canal -, não têm qualquer relevância disciplinar pois não configuram uma lesão da honra e reputação dos órgãos ou equipas de arbitragem, mas sempre tendo por referência às normas penais que sancionam condutas típicas dos crimes de injúria ou difamação.
17. E é aí que reside o grande equívoco dos Exmos. Árbitros. Com efeito, a questão deve ser colocada, como acima se referiu, no âmbito da apreciação no campo disciplinar e não no campo do direito penal, autónomo e distinto deste.
18. Conforme já deixámos bem patente na parte inicial deste recurso, o valor protegido pelos ilícitos disciplinares em causa, à semelhança do que é previsto nos artigos. 180.º e 181.º, do Código Penal, é o direito "ao bom nome e reputação", cuja tutela é assegurada, desde logo, pelo artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, mas que visa em primeira linha, e ao mesmo tempo, a proteção das competições desportivas, da ética e do fair play.
19. A nível disciplinar, como é o caso, os valores protegidos com estas normas (artigos 112.º e 136.º do RD da LPFP) são, em primeira linha, os princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva, da lealdade e da probidade e, de forma mediata, o direito ao bom nome e reputação dos visados, mas sempre na perspetiva da defesa da competição desportiva em que se inserem. 
20. Atenta a particular perigosidade do tipo de condutas em apreço, designadamente pela sua potencialidade de gerar um total desrespeito pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem, disciplinam e gerem o futebol em Portugal, o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros encontra fundamento na tarefa de prevenção da violência no desporto, enquanto fator de realização do valor da ética desportiva.
21. Os Recorridos sabiam ser o conteúdo das declarações proferidas e produzidas adequado a prejudicar a honra e reputação devida aos demais agentes desportivos, na medida em que tais declarações indiciam uma atuação dos árbitros e de quem os nomeia - Conselho de Arbitragem da FPF - a que não presidiram critérios de isenção, objetividade e imparcialidade, antes colocando assim e intencionalmente em causa o seu bom nome e reputação.
22. Com efeito ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo e como supra se demonstra, as declarações em crise não se limitam a remeter para erros das equipas de arbitragem, referindo e deixando a entender claramente que tais erros são premeditados, conscientes e com o intuito de beneficiar outro competidor, a S...... e B......., Futebol SAD;
23. Para além de imputar a tais equipas de arbitragem a prática de atos ilegais, as expressões sub judice encerram em si um juízo de valor sobre os próprios árbitros que, face às exigências e visibilidade das funções que estes desempenham no jogo, colocam em causa a sua honra, pelo menos, aos olhos da comunidade desportiva.
24. Neste sentido, o STA já se pronunciou em processo cuja matéria era muito idêntica à dos presentes autos, tendo entendido, de forma clara que imputações destas "atingem não só os árbitros envolvidos, como assumem potencialidade para gerar um crescente desrespeito pela arbitragem e, em geral, pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem e disciplinam o futebol em Portugal, sendo o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros necessário para a prevenção da violência no desporto, já que tais imputações potenciam comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva que é o bem jurídico protegido pelas normas em causa.".
25. Ainda nesse sentido, a mais recente jurisprudência do STA afirma que "Este Tribunal não tem dúvidas de que o texto publicado na edição n.s 22 do jornal eletrónico "News B......." é lesivo da reputação dos árbitros que arbitraram as partidas da primeira volta da Liga Portugal que nele são objeto de análise, nomeadamente quando nele se lança a suspeição de que os apontados erros de arbitragem prejudiciais à Recorrida foram cometidos com a intenção de beneficiar o seu clube rival." e ainda “o respeito estrito pelos deveres de lealdade, probidade, verdade e retidão inerentes ao regime disciplinar estabelecido pelas normas em apreciação é indispensável à prevenção da violência no desporto, que é também um valor constitucional legitimador da compressão da liberdade de expressão e de informação dos clubes desportivos, nos termos do n° 2 do artigo 79.º da CRP. O que nos permite responder afirmativamente à questão colocada no Acórdão Preliminar proferido neste autos, sobre «(...) até que ponto se pode disciplinarmente reagir - com base em normas disciplinares, aliás similares às do estrangeiro - contra declarações dos clubes que, para além de excitarem anormalmente os ânimos dos seus adeptos e assim induzirem comportamentos rudes, contribuam para o descrédito das competições desportivos e do negócio que as envolve». Não só se pode, como se deve reagir sempre que os clubes extravasem o âmbito estrito da mera informação ou opinião, e ofendam a honra e a reputação dos árbitros e de todos aqueles que intervém nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional."
26. Assim, não podemos deixar de considerar que se é legítimo o direito de crítica dos Recorridos à atuação dos árbitros, já a imputação desonrosa não o é, e aquelas expressões usaram esse tipo de imputação sem que se revele a respetiva necessidade e proporcionalidade para o fim visado.
27. Não se nega que expressões como a usada pelos Recorridos são corriqueiramente usadas no meio do desporto em geral e do futebol em particular, como aliás, sustentou o Tribunal a quo, para justificar o sentido da sua decisão.
28. Porém, já não se pode concordar que por serem corriqueiramente usadas não são suscetíveis de afetar a honra e dignidade de quem quer que seja ou de afetar negativamente a competição, ademais quando nos referimos a uma suspeita de falta de isenção por parte de agentes de arbitragem, uma vez que tais afirmações têm intrinsecamente a acusação ou pelo menos a insinuação de que eventuais erros dos árbitros são intencionais. Deste modo, vão muito para além da crítica ao desempenho profissional do agente.
29. O facto de os visados serem figuras públicas, sob maior escrutínio não pode legitimar que tudo se diga, não os destituindo do direito à honra e consideração, sob pena de se negar a proteção da honra das figuras públicas, conforme sufragou já o Tribunal da Relação;
30. Não se tratará nesta sede do legítimo exercício do direito à liberdade de expressão, este deverá ser harmonizado com outro direito fundamental, o direito ao bom nome e à reputação, na esteira do que entende a melhor doutrina do Professor Gomes Canotilho e também do Professor Jorge Miranda, que alerta que deve ter-se em consideração o direito geral de personalidade, bem como a jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa nesta matéria (Acórdão de 26-03-2014 - RP201403262163/10.8TAPVZ.P1), onde se afirma que deve atender-se ao princípio jurídico- constitucional da proporcionalidade, segundo o qual se deve procurar obter a harmonização ou concordância prática dos bens em colisão, a sua otimização, traduzida numa mútua compressão por forma a atribuir a cada um a máxima eficácia possível, razão pela qual, afirmamos nós, se é legítimo o direito de crítica por parte do arguido, já a imputação desonrosa não o é, como se verificou nos presentes autos.
31. O mesmo entendimento tem sido seguido e sufragado nalgumas decisões tiradas deste TCA supra mencionadas, e bem assim, pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão tirado do processo 66/2018.7BCLSB e 154/19.2BCLSB, com objeto semelhante ao dos presentes autos;
32. Em apreço nas declarações em crise, estão afirmações de que os agentes de arbitragem visados erraram intencional e premeditadamente no sentido de beneficiar outr competidor, a S...... e B......., Futebol, SAD, remetendo-se para a premeditação intencionalidade de tais erros e dos respetivos agentes e de quem os nomeia - Conselho de Arbitragem - lesando-se o bom nome a reputação dos visados, e bem assim, a integridade e verdade da competição, aludindo a um "adulterar" do campeonato, utilizando as palavras das declarações em crise.
33. O futebol não está numa redoma de vidro, dentro da qual tudo pode ser dito sem que haja qualquer consequência disciplinar, ao abrigo do famigerado direito à liberdade de expressão, muito menos se pode admitir que o facto de tal linguarejo ser comum torne impunes quem o utilize e que retire relevância disciplinar a tal conduta.
34. É aliás de salientar que as declarações dos agentes desportivos têm grande relevância e podem fomentar fenómenos de intolerância e violência no mundo do desporto em geral e no futebol em particular, sendo um assunto de grande relevância social e de grande importância na consciencialização dos diversos "atores" desportivos, sobre a sua acrescida responsabilidade junto das massas que notoriamente influenciam.
35. O TAD apenas poderia alterar a sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina da FPF se se demonstrasse a ocorrência de uma ilegalidade manifesta e grosseira - limites legais à discricionariedade da Administração Pública, neste caso, limite a atuação do Conselho de Disciplina da FPF.
36. Face ao exposto, deve o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ser revogado por erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 112.º, e 136.º, do Regulamento Disciplinar da LPFP.”

Os Recorridos nas contra-alegações formularam as seguintes conclusões: “A decisão recorrida não merece qualquer reparo ou censura porquanto não se mostram preenchidos os requisitos exigíveis para a punição pelo ilícito disciplinar p. e p. pelo art. 112.° do RD, em virtude de estar em causa um juízo crítico plenamente reconduzível ao legítimo exercício da liberdade de expressão que assiste aos demandantes.
B. Uma avaliação isenta e imparcial das afirmações propaladas, conduzirá a uma única conclusão: as declarações proferidas pelo recorrido F...... não colidem com a honra e bom nome de quem quer que seja, nem se manifestam como um comportamento incorrecto ou indecoroso de tal modo inapropriado que manifesta e objectivamente viole a verdade e integridade da competição.
C. Ao contrário do que pretende fazer transparecer a Recorrente, resume-se o presente caso à emissão de um juízo crítico opinativo que, desde logo pela ausência de gravidade que evidencia, não deverá merecer qualquer censura disciplinar. As críticas tecidas, pese embora possam considerar-se acutilantes. são. ainda assim, totalmente fundadas e legitimas, reflectindo. tão somente, a avaliação dos recorridos face à actuação profissional dos árbitros visados.
D. Quer isto dizer, que não estamos perante um qualquer ataque mesquinho, pessoal e gratuito, com um intuito meramente injurioso. Mas antes perante afirmações que se ancoram num determinado desempenho (ou juízo valorativo sobre esse desempenho), não contendendo com o “núcleo essencial das qualidades morais" dos visados; e que têm. além do mais. uma base factual, concreta e real, que legitima a formulação de tais afirmações, ainda que abstractamente lesivas da honra e da reputação de terceiro.
E. Não podendo descurar-se que para a formação dos concretos juízos de valor em apreço concorreram diversas realidades que se têm como objectivas e públicas, e que fundaram e reforçaram a convicção manifestada nas afirmações formuladas, evidenciando a existência de erros grosseiros de arbitragem, e um desempenho profissional que fica muito aquém daquele que seria o esperado de árbitros desta categoria.
F. Face aos factos que lhe estão subjacentes, a opinião emitida não deixa de ter, pois, uma base factual mínima (dir-se-á. inclusive, mais do que suficiente). Pelo que, sendo este o circunstancialismo contextuai que envolveu as declarações em apreço, não poderia o Tribunal a quo deixar de o valorar positivamente a favor dos recorridos, assim fazendo prevalecer o direito à liberdade de expressão que aos mesmos assiste.
G. Até porque, como vem sublinhando o TEDH, o único limite, fundado na protecção da honra, que há-de reconhecer-se à manifestação de juízos de valor desprimorosos da personalidade do visado pela crítica é o da crítica caluniosa sob a forma de um "ataque pessoal gratuito" (TEDH: Lopes Gomes da Silva c. Portugal).
H. Nesta esteira aberta pelo TEDH, o nosso Supremo Tribunal de Justiça pronuncia-se no sentido de que "tratando-se de juízos de valor exclui-se a prova da sua exactidão (acórdão do Tribunal constitucional de 24 de Março de 2004, n. 201/04), impossível de realizar e atentatória da liberdade de expressão, importando somente que não se encontrem totalmente desprovidos de base factual caso em que podem revelar-se excessivos (acórdão proferido no caso Rizos, acima mencionado)" (AC. do STJ de 13-01-2005, Proc. 04B3924, www.dgsi.pt).
I. Mobilizando este parâmetro de aferição de ilicitude tipica da infracção p. e p. pelo art. 112.° do RD para as afirmações em apreço, terá de convir-se que as falhas de arbitragem grosseiras em que os visados incorreram nos jogos em apreço são por si só suficientes para que sobre eles pudesse ser lançado o juízo de suspeição nos termos em que o foi.
J. Ademais, por muito que possa ferir susceptibilidades alheias, criticar implica censurar negativamente. Censura essa que - enquanto manifestação da liberdade individual - só deixa de ser legítima quando exprime uma antijuricidade objectiva, violando direitos que são personalíssimos. O que claramente não sucede in casu.
K. De modo que, a conduta dos demandantes não consubstanciou a prática de qualquer facto disciplinarmente relevante, seja porque nem sequer assumiu relevo típico, seja porque (embora típica) não chegou a ser ilícita, uma vez que realizada no exercício legítimo do direito fundamental à liberdade de expressão.
L. Sendo certo que, quando estão em causa condutas expressivas adoptadas em contexto futebolístico - em particular no que concerne a debates que confrontam clubes rivais e que se consubstanciem em denúncias de práticas de actos ilícitos ou censuráveis para conquistar competições nacionais ou internacionais - deve, inclusive, ser atribuída uma garantia reforçada ao exercício da liberdade de expressão (TEDH: Axel Springer AG v. Germanv, 2012. § 90).
M. Face ao exposto, impõe-se a conclusão de que a conduta dos recorridos não merece qualquer censura, não podendo subsumir-se nas normas disciplinares imputadas, nem em qualquer outra, assim se exigindo a improcedência do presente recurso, devendo manter- se na íntegra o sentido e teor da decisão absolutória proferida.
Sem prescindir, e sempre subsidiariamente,
-II-
N. Compulsadas as alegações apresentadas aos autos, parece ser entendimento da Recorrente, na esteira da mais recente jurisprudência exarada pelo STA. que toda a crítica que afecte directamente as qualidades pessoais do visado, mesmo que sustentada em base factual mínima, não pode ser expressada porque atenta contra o bom nome e reputação do visado, além de afectar ainda a credibilidade e prestígio da própria competição desportiva.
O. Sucede que, uma tal proibição, representa uma compressão do conteúdo essencial de direito fundamental, constitucionalmente consagrado, não permitida pela Constituição da República Portuguesa (art. 18.°, n.° 3 da Lei Fundamental).
P. O conteúdo/ núcleo essencial de cada direito fundamental representa um mínimo intocável, isto é. uma barreira intransponível que constitui a razão de ser da previsão da norma e, por isso, não pode ser sacrificado perante outros valores comunitários. Quer isto significar que, as restrições aos direitos fundamentais não podem ofender aquele mínimo para além do qual o direito fundamental deixa de o ser, ficando esvaziado enquanto tal.
Q. Por ser assim, a interpretação da norma prevista no art. 112.°-1 do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional no sentido de que constitui uma lesão intolerável do direito à honra do visado a propalação de afirmações (escritas ou verbais) que contendam com as suas qualidades morais e pessoais, mesmo quando haja base factual suficiente que sustente tais imputações, é manifestamente inconstitucional por violação do conteúdo essencial do direito fundamental à liberdade de expressão dos arguidos (art. 37.° e 18.° daCRP).
R. É inconstitucional, por representar uma diminuição da extensão e alcance do conteúdo essencial (cf. art. 18.°, n.° 3 da Constituição) do direito fundamental à liberdade de expressão previsto no artigo 37.°, n.° 1, da Constituição, a interpretação do art. 112°. n.° 1, do RDLPFP no sentido de que constitui infração disciplinar o uso de expressões difamatórias para com árbitros e outros agentes desportivos independentemente da existência de base factual que dê suporte ao uso de tais expressões.
S. Com efeito, o entendimento / interpretação do art. 112.°, n.° 1. do RDLPFP no sentido de que na verificação da comissão da infracção de ”Lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros", prevista naquele preceito, não interessará saber se existe ou não uma base factual que possa suportar ou justificar o uso de expressões difamatórias para com árbitros e outros agentes desportivos, devendo a eventual existência dessa base factual ser desconsiderada, configura uma compressão do núcleo essencial do direito à liberdade de expressão, proibida pelo art. 18.°, n.° 3. da Constituição, e representa assim uma restrição inconstitucional desse direito fundamental, violadora do artigo 37.°. n.° 1. daCRP.
T. Norma que por isso deve ser desaplicada por este Tribunal ad quem.

O DMMP não apresentou a pronúncia.
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Na decisão recorrida foram dados por assentes, por provados, os seguintes factos, factualidade que não vem impugnada em recurso:
1. No dia 7 de abril de 2019, pelas 17h30, realizou-se no Estádio Marcolino de Castro, em Santa Maria da Feira, o jogo n.- 12802, entre a C...... - Futebol, SAD e a S...... e B....... - Futebol, SAD, a contar para a 28.â jornada da "Liga NOS” - cf. a fls. 177 do processo administrativo;
2. Para o jogo referido no número anterior, foi nomeado, como árbitro principal, J......, como árbitro assistente n.º 1, B........., como árbitro assistente n.º 2, N........., como 4.º árbitro, P......... e, como VAR, B......... - cf. a fls. 177 do processo administrativo;
3. No dia 28 de abril de 2019, pelas 17h30, realizou-se no Estádio Municipal de B........., o jogo n.- 13101, entre a S......... - Futebol, SAD e a S...... e B....... - Futebol, SAD, a contar para a 31.s jornada da "Liga NOS" - cf. a fls. 177 do processo administrativo;
4. Para o jogo referido no número anterior, foi nomeado, como árbitro principal, T........., como árbitro assistente n.- 1, A........., como árbitro assistente n.º 2, P........., como 4° árbitro, H......... e, como VAR, J...... - cf. a fls. 177 do processo administrativo;
5. No dia 12 de maio de 2019, pelas 20h30, realizou-se no Estádio do R........., em Vila do Conde, o jogo n.9 13302, entre a R......... - Futebol, SAD e a S...... e B....... - Futebol, SAD, a contar para a 33.ª jornada da "Liga NOS" - cf. a fls. 177 do processo administrativo;
6. Para o jogo referido no número anterior, foi nomeado, como árbitro principal, H........., como árbitro assistente n.º 1, A........., como árbitro assistente n.º 2, R........., como 4.º árbitro, C......... e, como VAR, L......... - cf. a fls. 177 do processo administrativo;
7. Na sequência dos mencionados jogos e tendo-os por referência, no dia 14 de maio de 2019, no programa televisivo "Universo Porto - Da Bancada", transmitido na estação televisiva Porto Canal, F.... proferiu as seguintes declarações - cf. a fls. 177 do processo administrativo:
"Alguns senhores árbitros decidiram entregar o título de campeão ao B........ Chamam-se J......, T........., B........., L........., B........., H........., são os árbitros das três saídas do B........ Nestas três saídas, na Vila da Feira, em B......... e em Vila do Conde, houve nove lances de polémica, nove decisões polémicas. Foram todas decididas a favor do B........ Não há nestes três jogos um lance de dúvida que tenha sido em desfavor do B........ Estamos a falar de um golo retirado ao F........., que dava o 2-0, sem razão aparente, do penálti do P........., que é muito duvidoso e que foi decidido a favor do B........ Há um lance na área do B......., de um suposto penálti, que não é assinalado. Mais uma vez, a favor do B........ No B........., com o jogo em 0-0, o lance que dá o empate ao B....... é menos grave que um lance de pé em riste sobre o P........." - cf. a fls. 177 do processo administrativo.
"Mais tarde, árbitro e VAR viram o que mais ninguém viu, uma falta sobre o J........ Foi assinalado penálti a favor do B........ Mais uma vez na dúvida, e este nem sequer é de dúvida, foi decidido a favor do B........ Mas este árbitro e o VAR não conseguiram ver o pisão do J........ Significava o segundo amarelo. Mais um lance polémico a favor do B........ E finalmente chegámos ao jogo de Vila do Conde. Há um lance na área do B....... que não é assinalado e no contra ataque há um golo que é decidido a favor do B........ Não há uma decisão contra o B........ Foram todas. Quem são os autores, os responsáveis por estas decisões que adulteram a verdade do campeonato? São os árbitros. E quem os nomeou" - cf. a fls. 178 do processo administrativo.
''Todos estes árbitros têm um passado e esse é pró-B........ Quando decidem nomear estes árbitros estão a ajoelhar perante o L....... por causa do que foi dito na meia-final da Allianz Cup. Há um antes e depois. 0 CA interveio? Sim senhor. Os árbitros intervieram? Sim senhor. E foram decisivos. Nos 18 jogos perdeu 13 pontos, nos 15 jogos seguintes perdeu dois. Jogavam bem? Com certeza que há uma parte que sim, mas há outra que não. Vimos os jogos em B........., Feira e Vila do conde. Em B........., a segunda parte foi de sonho? Não, há a intervenção do binómio T......... e J....... Decisões que alteram a verdade do jogo. Isto égrave" - cf. a fls. 178 do processo administrativo. 
"Em Vila do Conde, ou estes senhores não sabem as regras ou validaram o golo de propósito. Se foi de propósito, a justiça tem de atuar e terão de ser julgados e condenados. Se não fizeram, não podem ser árbitros. Não é um lance de dúvida. Não há um argumento em defesa deles. 0 jogador está fora-de-jogo e depois vai marcar em recarga. Até ouvimos uma teoria da cartilha... 0 que é que aconteceu para além do que é público nas chamadas do L....... para esta mudança? Todas as saídas da 2.- volta têm casos. 0 que aconteceu na ponta final do campeonato? 0 F......... foi muito prejudicado em Vila do Conde com dois penáitis muito evidentes. A mão não marcada em Vila do Conde é bem mais evidente que a marcada em B......... no mesmo fim-de-semana. Andamos a brincar? Há uma equipa que tem um regime de exceção. Este jogo de Vila do Conde foi uma vergonha. Nestes lances e nestes jogos o grande prejudicado foi o F.......... Estes prejuízos são sempre contra o mesmo. Isto é uma vigarice inaceitável" - cf. a fls. 178 do processo administrativo.
"Temos um lance de um jogo para mostrar desta época, arbitrado por H........., em que o árbitro assistente era o mesmo. Um B........ - F.......... Um lance idêntico. Há um remate, golo e o H........ estava em fora-de-jogo. Lance bem assinalado. Em Vila do Conde porque não assinalaram? Qual é a desculpa do VAR para não ter agido? Era uma boa altura para mostrarem o áudio. Para mostrar se há vigarice ou se é só incompetência. Mostrem os áudios. Devem ser todos conhecidos. Isto é um fartar de vilanagem. Foi entregar o campeonato. 0 significado disto são 40 milhões de euros de acesso à Liga dos Campeões. Isto é grave. Ninguém põe mão nisto? Vão todos deixar-se endrominar pela máquina de propaganda do B.......?"- cf. a fls. 178 do processo administrativo. 
8. F.... exercia, à data dos factos, a função de Diretor de Comunicação da F............ - Futebol SAD - cf. a fls. 178 do processo administrativo.
9. Houve outras vozes críticas à arbitragem dos jogos referidos na factualidade elencada sob os n.os 1, 3 e 5 - cf. as fls. 131 a 141 do processo administrativo.

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste processo são:
- aferir do erro decisório, porque as afirmações produzidas por F....... em 14/05/2019, no programa televisivo “Universo Porto – Da Bancada” e difundidas pelo F...., colocam em causa a honra, o bom nome e a reputação dos titulares do Conselho de Arbitragem e das equipas de arbitragem e configuram um ilícito disciplinar, previsto e punido pelos art.ºs 112.º e 136.º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela LPFP (RD), aprovado em Assembleia-Geral, em 27/06/2011, na versão dada pela sua última alteração.

Questão similar à ora em apreciação, já foi julgada no Ac. do TCAS n.º 18/19.0BCLSB, de 04/04/2019, pelo mesmo Relator e um dos Adjuntos deste recurso.
Aí é defendido o seguinte: ”Entre a publicitação de uma opinião – direito que integra a liberdade de expressão do Recorrente – e a protecção dos bens pessoais ao bom nome e reputação de terceiros, há que fazer uma ponderação quando estes direitos entrem em conflito, devendo-se aferir em que moldes aquela opinião, pelas expressões que usa e pelas imputações que faz, ataca desproporcionadamente a honra e consideração desses terceiros. Nesta aferição há que ter em conta todo o contexto em que os direitos são exercidos para se encontrar o limite do razoável ou aceitável.
Assinale-se, a este propósito, o Ac. do TEDH Colaço Mestre e SIC - Sociedade Independente de Comunicação, SA c. Portugal, P. n.º 11182/03 e 11319/03, de 26-04-2007, em que se discutiu um caso que versava sobre o crime de difamação, por se insinuar num programa televisivo que um Presidente da Liga e de um Clube de Futebol controlava árbitros. O TEDH considerou que tal crime não se verificava face às circunstâncias do caso e que as liberdades de expressão e imprensa haviam de sair, aqui, em preponderância. Mais se aduziu que “o debate sobre as questões de corrupção no futebol era à data a que os factos se reportam muito intenso e era com regularidade notícia de primeira página na imprensa generalista. O próprio processo judicial suscitou ao tempo, como as partes salientaram, uma ampla cobertura mediática.
(…) Estando em causa, em particular, a expressão «patrão dos árbitros», à qual as jurisdições internas deram muita importância, e admitindo mesmo que tal expressão seria, tomada isoladamente, objectivamente difamatória, o Tribunal sublinha que decorre claramente de toda a entrevista que o objectivo do requerente era obter do Secretário-Geral da UEFA um comentário sobre a acumulação de funções do Sr. P........ à época. Quanto à questão relativa aos dois árbitros que teriam sido insultados pelo queixoso, também parece um pouco excessivo considerá-la, como tal e sem a situar no contexto, objectivamente difamatória, tendo sido claramente suscitada pelo primeiro requerente para ilustrar a sua pergunta anterior.”
Mais se assinale, que a jurisprudência do TEDH também vem defendendo que quando estejam em causa assuntos relativos ao debate politico, ou de interesse geral, que se relacionem com políticos ou figuras públicas, os limites da crítica admissível são mais largos que aqueles que se admitem para um simples particular, para alguém relativamente anónimo. Para o TEDH os políticos ou as figuras públicas “expõem-se inevitavelmente e conscientemente a um controlo atento dos seus actos e gestos, quer pelos jornalistas, quer pela massa de cidadãos” (in Ac. do TEDH, Ac. Sampaio e Paiva de Melo c. Portugal, n.º 33287/10, de 23-10-2013, tradução nossa, a partir do original em francês; vide, no mesmo sentido, os Acs. ali citados e, em especial, os Ac. do TEDH Lopes Gomes da Silva c. Portugal, P. nº 37698/97, de 28-09-2000 e Laranjeira Marques da Silva c. Portugal, P. n.º 16983/06, de 19-01-2010).
No Ac. do TEDH Steel and Morris c. Reino Unido, P. n.º 68416/01, de 15-02-2005, pronunciando-se sobre o crime de difamação, este Tribunal defende que estando em causa juízos de opinião, a aferição da proporcionalidade da conduta terá de aferir-se com base na respectiva sustentação, atendendo aos factos existentes. Assim, a conduta só será desproporcional quando não haja factos que a sustentem. Ao invés, existindo tais factos, a opinião, enquanto manifestação da liberdade de expressão, tem de ser admitida.
Em sentido similar pronunciou-se o TEDH no Ac. Público – Comunicação Social, SA. e outros c. Portugal, P. n.º 39324/07, de 07-12-2010, em que também se discutiu o crime de difamação relativamente a uma notícia de imprensa sobre dívidas de clubes de futebol. Aqui, decidiu o TEDH que tendo a notícia uma base factual, ainda que desmentida por um dos visados, a sua veiculação não constituía um crime de difamação.
(…)A liberdade de expressão e de informação vem consagrada no art.º 37.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), ali se estipulando que “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações”. No n.º 3 do mesmo artigo estipula-se que “as infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aso princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social (…).”
O exercício deste direito está, porém, limitado pela salvaguarda dos direitos de personalidade e designadamente pelo respeito do direito ao bom nome, à reputação e à imagem, que também vêm consagrados no art.º 26.º, n.º 1, da CRP. Assim, o direito de expressão tem necessariamente de conviver com estes direitos pessoais.
Em caso de conflito entre os dois direitos há que recorrer ao critério da proporcionalidade e operar a uma compatibilização ou concordância prática entre os direitos em colisão.
Como se refere no Ac. do STJ n.º 3017/11.6TBSTR.E1.S1, de 13-07-2017, em caso de conflito entre estes dois direitos “Importa essencialmente operar uma compatibilização ou concordância prática entre os valores fundamentais da defesa da honra, do direito ao crédito, ao bom nome e privacidade dos cidadãos e o exercício das liberdades de expressão, opinião e de imprensa, obrigando naturalmente a convocar, não apenas as normas constitucionais e legais internas, mas também as que integram a CEDH, tal como vêm sendo reiteradamente interpretadas e aplicadas pelo TEDH - órgão jurisdicional especificamente criado pela Convenção para zelar pela respectiva interpretação e aplicação.
(…) E, nesta busca de realização de uma satisfatória concordância prática entre os direitos em conflito ou colisão, face `as circunstâncias do caso concreto, não pode naturalmente o intérprete e aplicador do Direito deixar de atender e conferir o devido relevo às normas de Direito Internacional convencional, vinculativas do Estado Português, tal como são qualificadamente interpretadas e aplicadas pelo órgão jurisdicional a que a própria Convenção confiou uma tarefa de realização prática dos princípios nela contidos.
Este indispensável apelo à jurisprudência do TEDH é imposto, desde logo, no plano normativo, pelo valor reforçado que as normas da Convenção assumem no nosso sistema jurídico, caracterizado pela prevalência das normas internacionais, vinculativas do Estado Português, sobre as normas legais, sejam anteriores ou posteriores (CRP Anotada, Jorge Miranda/Rui Medeiros, 2017, pag. 133).”
Na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), o direito de expressão vem consagrado no art.º 10.º, n.º 1, como garantia de uma sociedade democrática.
Conforme o art.º 136.º, n.º 1, do RD, os agentes desportivos que desrespeitem ou usem expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com os membros dos órgãos da estrutura desportiva, elementos da equipa de arbitragem, dirigentes, jogadores, demais agentes desportivos ou espectadores, são punidos com sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de 1 mês e o máximo de 1 ano e, acessoriamente, com sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 25 UC e o máximo de 200 UC.
Resulta evidente do citado artigo art.º 136.º, n.º 1, do RD, que para preenchimento do ilícito disciplinar em questão, “as expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros” têm de ser imputadas a alguém, têm de ser dirigidas a uma determinada pessoa, ou pessoas, concretamente identificadas ou identificáveis. Não basta a afirmação ou proclamação de uma grosseria, sem a imputabilidade a nenhum dos membros dos órgãos da estrutura desportiva, dos elementos da equipa de arbitragem, dos dirigentes, dos jogadores, dos demais agentes desportivos ou dos espectadores, para o tipo da norma (punitiva) estar preenchido.
O art.º 136.º, n.º 1, do RD, é uma norma disciplinar que encontra paralelo na lei criminal através do art.º 180.º do Código Penal (CP), relativo ao crime de difamação. Conforme o indicado art.º 180.º, do CP, para preenchimento do tipo criminal é preciso que alguém “dirigindo-se a terceiro” impute “a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo”.
Assim, a referência à grosseria constante do art.º 136.º, n.º 1, do RD, não pode ser entendida como visando punir os agentes desportivos que afirmem, proclamem ou expressem, sem se dirigirem a ninguém em concreto, algo indelicado, ordinário, boçal ou menos cortês.
Como decorre da epígrafe do artigo, através daquela norma visa-se punir as condutas que lesem a honra e a reputação de alguém ou os casos de denúncia caluniosa. Não se visa punir a afirmação ou expressão de grosserias, de ordinarices ou de vulgaridades, quando tais afirmações ou a expressões não tiverem nenhum concreto destinatário.
(…)Mais se refira, que o art.º 136.º, n.º 1, do RD, deve ser interpretado e enquadrado atendendo à realidade que enquadra o mundo desportivo e futebolístico, pelo que as expressões contantes daquele RD relativas ao “desrespeito”, à “injúria”, à “difamação” ou à “grosseria” terão, necessariamente que ajustar-se àquela mesma realidade.
(…)A afirmação do roubar de golos não pode ser tida como ofensiva da honra e consideração das pessoas que fazem parte daquelas equipas de arbitragem, por ofender seriamente as suas qualidades morais e profissionais e lhes provocar uma real humilhação ou o desprezo de terceiros. Atendendo ao meio desportivo em questão, haverá uma condescendência e uma aceitação generalizada relativamente ao uso do termo “roubar” para se indicar uma perspectiva ou uma opinião pessoal relativa à má ou errada arbitragem. Assim, atendendo a esse mesmo meio, afirmar o roubo de golos não chega para atingir a honra e reputação das pessoas visadas. Logo, o referido comportamento não pode ser entendido como uma conduta delituosa, porque lesiva da honra e reputação das equipas de arbitragem dos últimos jogos de futebol, em que jogou o ……….., ali se incluindo o árbitro L…………………. e a equipa do jogo de 07-04-2018, não se havendo de subsumir tal comportamento, por isso, na previsão dos art.ºs 112.º, n.º 1 e 136.º, n.º 1, do RL.
Será pacífico para a generalidade das pessoas que se integram no meio sócio-económico-cultural em questão - ou para um homem médio, colocado na posição de um destinatário normal e razoável - que a afirmação de um roubo de golos por banda das equipas de arbitragem do futebol, feita numa página pessoal do FB, por um Oficial de Ligação, não deve ser entendida como representando uma ofensa directa à honra e consideração dessas equipas e seus árbitros.
Aquelas declarações têm de ser enquadradas no contexto da correspondente página pessoal do FB e integradas no indicado mundo do futebol e de suas claques, que, como acima referimos, se caracteriza pela animosidade, pouca urbanidade e indelicadeza dos comentários.
Tal caracterização é um facto que resulta do conhecimento geral e das regras da experiência comum, constituindo, por essa via, uma presunção judicial – cf. art.ºs. 349.º e 351.º do Código Civil (CC).
Assim, analisando-se objectivamente as declarações produzidas, nas circunstâncias do caso e no correspondente envolvimento sócio-económico-cultural, não serão as mesmas ofensivas da honra e consideração de terceiros, identificados e identificáveis, por lhes ser directamente imputável uma afirmação da prática de um crime, ou e uma dada ilicitude, ou de um desvalor moral grave. Neste caso, as declarações produzidas por F………………… não atingem o núcleo essencial das qualidades morais de certas pessoas, que sejam identificadas, implicando uma humilhação para essas pessoas ou provocando o desprezo de terceiros.
Como se refere no Ac. do TRL n.º 0315188, de 26-11-2003, relativamente ao crime de difamação, que está na base da punição disciplinar prevista no art.º 136.º, n.º 1, do RD, “É próprio da vida em sociedade haver alguma conflitualidade entre as pessoas. Há frequentemente desavenças, lesões de interesses alheios, etc., que provocam animosidade. E é normal que essa animosidade tenha expressão ao nível da linguagem. Uma pessoa que, por exemplo, se sente prejudicada por outra pode compreensivelmente manifestar o seu descontentamento através de palavras azedas, acintosas ou agressivas. E o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa possa ter apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse, a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função.”
Igualmente, no Ac. do TRP n.º 10/11.2TAVRL.P1, de 08-02-1012, afirma-se: “É consabido e aceite por toda a comunidade que um árbitro, pela exposição a que se coloca pelas funções que exerce, na maior parte das vezes, não agradando à equipa perdedora, não pode ser um individuo com uma sensibilidade idêntica ao cidadão médio e comum, antes tem de estar mais “aberto”, receptivo e imune, a críticas ferozes e comentários, por vezes, infelizes. Por outro lado, são conhecidas as paixões e controvérsias que as questões relativas ao futebol frequentemente geram.”
Da mesma forma, o TRE no Ac. n.º 756/13.0TATVR.E1, de 07-01-2016, num contexto em que se discutia a prática dos crimes de difamação praticados por dirigentes desportivos, refere: ”no domínio da «luta» desportiva há uma redução da dignidade penal e da carência da tutela penal da honra, havendo que assegurar uma verdadeira dimensão da liberdade de expressão e da crítica, pois só assim se pode afastar uma atmosfera de intimidação, benéfica neste domínio.
Daí que os juízos e imputações feitas, embora exageradas, não excedem o que, em geral, se considera tolerável no contexto da luta e disputa desportiva.”
(…) No âmbito de um viver social desportivo, em contexto social específico de relações entre dirigentes desportivos, existe alguma tolerância social (que não aceitação social) em relação a uma certa margem de aspereza de linguagem e de confrontação de palavras e de ideias.
Excessos de linguagem e de atitude que convivem com um correspondente “poder de encaixe” por parte de quem frequenta e se move nesses mesmos espaços e nesses mesmos meios, de “luta desportiva”. (cf. ainda, entre outros, em situações similares, em que se discutia a prática do crime de difamação, os Acs. do TRE n.º 80-16.7GGBJA.E1, de 23-01-2018, do TRG n.º 1469/06.5TAGMR.G3, de 12-03-2012 ou do TRP n.º 0817143, de 25-02-1009).
(…) Em suma, sem embargo de se estar a punir disciplinarmente – e não por um ilícito criminal – ainda aqui há que interpretar o art.º 136.º, n.º 1, do RD, atendendo à realidade sócio-económica-cultural que envolve a discussão futebolística e das correspondentes claques. A verificação de uma situação de “desrespeito”, de “injúria”, de “difamação” ou de “grosseria” tem, pois, que se coadunar àquela realidade, sob pena de se passar a punir uma grande maioria dos comportamentos que vêm a público e praticados pelos agentes desportivos. A afirmação de roubo de golos, ainda que possa ser uma afirmação um tanto rude ou vulgar não pode, no contexto da punição que ora se analisa, ser considerada uma afirmação desrespeitosa, injuriosa, de difamação ou de grosseria, para com os árbitros e as equipas de arbitragem dos jogos em que interveio o ……….., punível nos termos do indicado RD.
(…) O discurso de F ………………, de clara oposição com a arbitragem de L…………….., configura a emissão de uma opinião pessoal, subjectiva, que, no entanto, vem suportada pela invocação de diversos factos que, na óptica do declarante, apontam para aquela mesma opinião.
Na verdade, o declarante afirma a sua conclusão quanto à dualidade de critérios do árbitro e ao benefício do …………, fundado-a nas circunstâncias de não ter sido assinalada “uma grande penalidade sobre B …………”, de não ter expulso o “P………….. num lance menos grave do que as entradas do R ………….. em Setúbal”, por J…….., R………… e F……… não estarem a “cumprir castigo”, este último por “saltar com o cotovelo e (..) ver cartão amarelo” e por L ……….. ter sido colocado “internacional” por “F ………….”, razões que o declarante tem por certas e demostrativas da invocada situação de parcialidade na arbitragem.
Por conseguinte, as imputações de parcialidade do árbitro não foram feitas pelo declarante em termos puramente gratuitos, com o fito de o ofender e difamar, mas terão de ser entendidas como integrando um discurso contundente e agressivo relativamente à arbitragem preconizada por L …………….. e à percepção que o declarante tinha da mesma. O declarante opõe-se àquela arbitragem, que afirma de errada e parcial, mas também indica os indícios, que na sua óptica, apontam para os invocados erros e para a parcialidade.
Como já se referiu, o art.º 136.º, n.º 1, do RD, é uma norma disciplinar que tem o seu paralelo em termos criminais no art.º 180.º do CP.
Nos termos do art.º 180.º, do CP, “1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido…
(...). 2 – A conduta não é punível quando: a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.
(...) 4 – A boa fé referida na alínea b) do número 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.”
Face às invocações discursivas de F ………………. é admissível entender que o mesmo afirma a sua percepção acerca do erro na actuação e acerca da parcialidade do árbitro, por ter fundamento sério – que invocou expressamente no discurso – para, em boa fé, reputar tal erro e parcialidade como factos verdadeiros.
Como vem sendo defendido pelo TEDH, estando em causa questões de interesse público, ou de interesse alargado e figuras públicas, ou com uma actuação escrutinada por uma massa de pessoas, como ocorre com a actuação de um árbitro de futebol, os limites da crítica admissível têm de ser apreciados de uma forma muito mais lata que aqueles que envolvem a crítica de um cidadão comum, anónimo. Por seu turno, estando em causa juízos de opinião, a aferição da proporcionalidade da conduta – face ao direito à liberdade de expressão que está a ser exercido – há que aferir-se atendendo aos factos de que se detém conhecimento e que estão na base dos juízos que se formulam. O TEDH tem também defendido que só em face da inexistência de factos, as afirmações produzidas podem ser consideradas delituosas, porque difamatórias. Mais se recorde, que o TEDH também vem distinguindo afirmações puramente factuais – que exige alicerçadas em factos concretos – da manifestação de meras opiniões ou de juízos subjectivos, que aceita que não tenham por base uma prova real, existente, que confirme a sua verdade ou veracidade, por se entender que tal exigência aniquilaria a própria liberdade de expressão (cf. nesse sentido os acima indicados Acs. do TEDH Colaço Mestre e SIC - Sociedade Independente de Comunicação, SA c. Portugal, P. n.º 11182/03 e 11319/03, de 26-04-2007, Ac. Sampaio e Paiva de Melo c. Portugal, n.º 33287/10, de 23-10-2013, Ac. Lopes Gomes da Silva c. Portugal, P. nº 37698/97, de 28-09-2000, Ac. Laranjeira Marques da Silva c. Portugal, P. n.º 16983/06, de 19-01-2010, Ac. Steel and Morris c. Reino Unido, P. n.º 68416/01, de 15-02-2005 e Ac. Público – Comunicação Social, SA. e outros c. Portugal, P. n.º 39324/07, de 07-12-2010).
Neste contexto jurisprudencial, o discurso de F………….. não se apresenta como objectivamente difamatório, por se pretender apenas denegrir a imagem e a honra do árbitro, sem qualquer base factual e apreensível. Diversamente, na decorrência do seu discurso F ……………. foi alicerçando as suas imputações na invocação de diversos factos, que, na sua perspectiva, justificavam as suas suspeitas. Existia, no caso, uma base factual mínima, que é invocada no próprio discurso, base que ainda que não corresponda a factos realmente provados, concede ao declarante fundamento bastante para que, em boa fé, acredite nas afirmações que produz.
Como é referido no Ac. do STJ n.º 3017/11.6TBSTR.E1.S1, de 13-07-2017, “o TEDH vem entendendo que – particularmente no âmbito dos artigos que visam essencialmente a expressão da opinião e a crítica a aspectos ligados à vida pública e a temas de manifesto interesse público - está coberta pela liberdade de expressão, não apenas a discordância respeitosa, a crítica puramente objectiva e moldada pela elevação do debate – mas também a crítica contundente, sarcástica, mordaz, com uma carga exageradamente depreciativa ou caricatural da acção e capacidades do visado – justificando a necessidade de uma particular tolerância deste às opiniões adversas que criticam acerbamente, chocam, ofendem ou exageram , envolvendo porventura o uso de expressões agressivas ou virulentas”.
Assim, atendendo a todo o discurso de F …………… e ao contexto em que o mesmo está inserido – no mundo do futebol e da arbitragem futebolística, que é pautado pelas expressões fortes, sem “punhos de renda”, como invocam os Recorrentes, em que os envolvidos não se orientam pela contenção e delicadeza verbal – pelas razões já explanadas nesta decisão, não se poderá entender que tal discurso se subsume no art.º 136.º, n.º 1, do RD, por se tratar de um discurso injurioso ou difamatório para com o árbitro L ……………, a quem se queria ofender de forma gratuita e despropositada (cf. também neste sentido, para uma situação próxima, o Ac. do TCAS n.º 85/18.3BCLSB, de 07-02-2019).”
No mesmo sentido já se pronunciou, posteriormente ao supra-referido Acórdão, o TCAS nos Acs. 154/19.2BCLSB, de 16/01/2020, n.º 139/19.9BCLSB, de 30/01/2020, ou n.º 155/19.0BCLSB, de 13/02/2020.
Não desconhecemos que o STA tem vindo a firmar jurisprudência em sentido divergente ao que vem acima indicado (vg. os Acs. do STA n.º 0154/19.2BCLSB, de 04/06/2020, n.º 038/19.4BCLSB, de 10/09/2020 ou n.º 0139/19.9BCLSB, de 02/07/2020).
Sem embargo, não existindo ainda nenhuma decisão do STA de uniformização de jurisprudência, não consideramos, neste momento, ser de rever a posição antes assumida e que tem vindo a ser defendida por este TCAS.
A jurisprudência que perfilhamos ancora-se na jurisprudência do TEDH, que ficou expressa no Acórdão supra transcrito e perfilha ainda aquela que é a jurisprudência dos tribunais comuns, designadamente no STJ, para situações similares.
Importa, pois, para justificar a manutenção do nosso sentido decisório, acentuar a jurisprudência do TEDH que exige que o direito à liberdade de expressão seja apreciado em equilíbrio com os direitos ao bom nome, à reputação e à imagem, visando a salvaguarda de uma sociedade democrática e considerando a envolvência de cada caso concreto, numa óptica de proporcionalidade.
Para o efeito, remetemos para a publicação deste Tribunal Europeu “Guide sur l’article 10 de la Convention européenne des droits de l’homme. Liberté d’expression.” Conseil de l’Europe/Cour européenne des droits de l’homme. Première édition – 31 mars 2020 [em linha] disponível em https://www.echr.coe.int/Documents/Guide_Art_10_FRA.pdf, da qual consta uma vastíssima resenha da citada jurisprudência do TEDH sobre a matéria.
Nessa publicação do TEDH, referem-se como cabendo no âmbito do direito de liberdade de expressão diversos casos em que há críticas contundentes e agressivas a figuras públicas, que se entendem como não provocando um “prejuízo importante” atendendo à sua proeminência social, vg, os casos n.º 2611/10, Eon c. França, de 14/06/2013, ou n.º 155449/09, Margulev c. Rússia, de 08/10/2019 ou n.º 19219/07, Sylka c. Polónia, de 03/06/2014 (cf. fls. 17 da mencionada publicação).
Nessa mesma publicação, salienta-se a necessidade de distinguir um juízo de valor gratuito e ofensivo de um juízo de valor alicerçado em factos e proferido no âmbito de um debate de ideias, remetendo-se para o Ac. Lopes Gomes da Silva c. Portugal, P. nº 37698/97, de 28/09/2000, ou para o Ac. n.º 733/06, Lombardo e outros c. Malta, de 24/07/2007, ou n.º 25968/02, Dyuldin e Kislov c Russia, de 31/10/2007 (cf. pp. 39 e 40 da indicada publicação).
Sobre uma maior amplitude na admissão da crítica a políticos e personalidades públicas, é numerosa a jurisprudência referida naquela publicação, a saber, entre muitos, os Acs. n.º 9851/82, Lingens c. Áustria, de 08/07/1986, n.º 20834/92, Oberschlick c. Áustria, de 01/07/1997, n.º 35839/97, Pakdemirli c. Turquia, de 22/05/2005, n.º 48176/99, Turhan c. Turquia, de 19/08/2005, n.º 71343/01, Brasilier c. França, de 11/07/2006, n.º 15601/02, Kuliœ c. Polónia, de 18/06/2008, n.º 17265/05, Brunet Lecomte et Lyon Mag c. França, de 06/08/2010, n.º 32131/08 e 41617/08, Tuþalp c. Turquia, de 21/05/2012, n.º 20981/10, Mladina DD Ljubljana c. Eslovénia, de 17/04/2014, n.º 48311/10, Axel Springer AG c. Alemanha, de 10/10/2014, n.º 25217/08, Morar c. Roménia, de 07/10/2015, ou n.º 38010/05, Nadtoka c. Rússia, de 17/10/2016 (cf. p. 43 da indicada publicação).
De destacar, igualmente, o Ac. n.º 49418/99, Hrico c. Eslováquia, em que o TEDH discutiu a publicação de críticas relativamente a julgamentos produzidos por um juiz do supremo tribunal e onde considerou que tais criticas correspondiam a juízos de valor que tinham uma base factual suficiente para se considerarem no âmbito da liberdade de expressão (cf. p. 39 da indicada publicação).
Entre as afirmações que foram consideradas pelo TEDH como ainda cabendo na liberdade de expressão salientam-se, vg. a declaração de que um determinado politico era “imbecil” (Ac. Oberschlick c. Áustria, de 01/07/1997, n.º 35839/97), o apelidar de um titular de um cargo público de “mentiroso completo e sem complexos”, ou de “intolerante e perseguidor” (cf. Ac. n.º 43924/02, Almeida Azevedo c. Portugal, de 23/01/2007), o apelidar de um titular de um órgão de um clube futebolístico de “patrão dos árbitros” (cf. Ac. do TEDH Colaço Mestre e SIC - Sociedade Independente de Comunicação, SA c. Portugal, P. n.º 11182/03 e 11319/03, de 26/04/2007), a afirmação de que os dirigentes de dois clubes de futebol cometeram um crime de abuso de confiança fiscal (cf. Ac. Público – Comunicação Social, SA. e outros c. Portugal, P. n.º 39324/07, de 07/12/2010), a afirmação de que o presidente de um clube de futebol era “o campeão nacional dos arguidos” e um “inimigo figadal” da selecção” (cf. Ac. do TEDH, Ac. Sampaio e Paiva de Melo c. Portugal, n.º 33287/10, de 23/10/2013), o apelidar, num artigo de opinião, de um presidente de um instituto público de “mentiroso reles” e “pobre diabo” (tradução nossa, a partir do texto em inglês, do Ac. n.º 53139/11, Do Carmo de Portugal e Castro Câmara c. Portugal, de 04/10/2016), ou o apelidar de um Secretário de Estado da Agricultura e Florestas como “o político mais idiota que conheço” e a referência a um partido político e seus dirigentes como um partido “onde parece que toda a gente competente saiu de férias e só sobraram as galinhas” (tradução nossa, a partir do texto em inglês, do Ac n.º 75637/13 e 8114/14, Antunes Emídio and Soares Gomes da Cruz c. Portugal, de 24/09/2019).
No Ac. n.º 43924/02, Almeida Azevedo c. Portugal, de 23/01/2007, o TEDH refere o seguinte: “23. O Tribunal lembra que, de acordo com a sua jurisprudência constante, a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 10.º, é válida não só para as «informações» ou «ideias» acolhidas ou consideradas inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ferem, chocam ou ofendem. Assim o querem o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura sem os quais não há «sociedade democrática». Tal como estabelece o artigo 10.º da Convenção, o exercício desta liberdade está sujeito a excepções que devem interpretar-se estritamente, devendo a sua necessidade ser estabelecida de forma convincente. A condição do carácter «necessário numa sociedade democrática» impõe ao Tribunal averiguar se a ingerência litigiosa correspondia a uma «necessidade social imperiosa». Os Estados Contratantes gozam de uma certa margem de apreciação para determinar se existe uma tal necessidade, mas esta margem anda de par com um controlo europeu que incide tanto na lei como nas decisões que a aplicam, mesmo quando estas emanam de uma jurisdição independente (vide Lopes Gomes da Silva c. Portugal, n.º 37698/97, acima referido, § 30).
18. No exercício do seu poder de controlo, o Tribunal aprecia a ingerência litigiosa à luz do caso no seu conjunto, atendendo ao conteúdo das afirmações imputadas ao requerente e ao contexto em que foram proferidas. Incumbe-lhe, em particular, determinar se a restrição à liberdade de expressão dos requerentes era «proporcional ao fim legítimo prosseguido»…
(…) 28. Ao examinar, come se deve, o contexto do caso, bem como o conjunto das circunstâncias em que as expressões ofensivas foram proferidas, o Tribunal observa antes de mais que o debate em questão relevava claramente do interesse geral.
(…) os limites da crítica admissível são mais amplos em relação a um homem político que actua na sua qualidade de figura pública do que de um simples particular. O primeiro expõe-se inevitável e conscientemente a um controlo atento dos seus actos e gestos, tanto pelos seus adversários políticos como pelos jornalistas e a massa dos cidadãos, e deve mostrar uma maior tolerância, sobretudo quando ele próprio faz declarações públicas que podem ser objecto de crítica (Jerusalem c. Autriche, no 26958/95, § 38, TEDH 2001-II)
(…) 30. Ao analisar as referidas expressões, o Tribunal admite que o requerente utilizou uma linguagem provocadora e, no mínimo, deselegante para com o seu adversário político. Todavia, tal como o Tribunal já teve ocasião de assinalar, neste domínio a invectiva política extravasa muitas vezes o plano pessoal: são estes os contratempos do jogo político e do livre debate de ideias, garantes de uma sociedade democrática (Lopes Gomes da Silva supra referenciado, § 34). Lidas globalmente, as expressões em causa dificilmente podem passar por excessivas…”.
Por seu turno, no Ac. n.º 53139/11, Do Carmo de Portugal e Castro Câmara c. Portugal, de 04/10/2016, o THDH condenou Portugal e no texto do acórdão “recorda que quem participa de um debate em que se discutem assuntos de interesse geral, é-lhe permitido recorrer a algum grau de exagero ou de provocação ou, noutras palavra, de fazer declarações um tanto imoderadas (veja-se Marian Maciejewski c. Poland, n.o. 34447/05, § 79, 13 Janeiro 2015, com demais referências). Inexistindo base factual, tais declarações podem, admite-se, apresenta-se como excessivas; mas à luz dos factos apurados, tal não ocorre no caso em apreço (ver, mutatis mutandis, Lopes Gomes da Silva, supracitado, § 34)” (tradução nossa, a partir do original em inglês).
Referimos, da mesma forma, o Ac. do TEDH n.º 37840/10, Amorim Giestas e Jesus Costa Bordalo c. Portugal, de 03/04/2014, em que se discutia uma publicação em que se afirmava que Misericórdia estava “sob o peso da suspeita” e a existência de “privilégios”, que lançava a suspeita de favoritismos ilegais do Estado a interesses particulares. Neste Acórdão n.º 37840/10, Amorim Giestas e Jesus Costa Bordalo c. Portugal, de 03/04/2014, o TEDH afirma: “6. Por último, o Tribunal recorda que a natureza e a gravidade das sanções impostas também são factores a ter em consideração quando se trata de medir a proporcionalidade da interferência (Cumpãnã e Mazãre c. Roménia ([GC], no 33348/96, §§ 113-115, ECHR 2004-XI; Kubaszewski c. Polônia, no 571/04, § 46, 2 de fevereiro de 2010)” (tradução nossa, a partir do original em inglês).
Em suma, é abundante a jurisprudência do TEDH que aponta para a solução que o TCAS tem vindo a preconizar, isto é, que defende que ainda caí no âmbito do direito à liberdade de expressão a emanação de juízos de valor e opiniões relativamente a figuras públicas, ou conhecidas de um leque alargado de pessoas, proferidas em sede de debate público ou de artigos de opinião dirigidos à sociedade, que configuram uma crítica agressiva, contundente, apaixonada, exagerada e depreciativa, se alicerçada num discurso em que se invocam factos bastantes para aqueles juízos, que são lidos pelo declarante à luz da sua percepção – ainda que tendenciosa - da situação.
Como já referimos, o TEDH tem entendido que estando em causa figuras públicas ou conhecidas de um leque alargado de pessoas - como ocorre com os titulares dos órgãos dos clubes de futebol em causa e respectivos árbitros – os limites para se considerar que ocorre um ataque à sua honra e consideração têm de ser mais alargados que aqueles que se aplicam a um cidadão comum, relativamente anónimo.
Segundo a jurisprudência do TEDH, na aferição desses limites há também que atender ao contexto em que as declarações são feitas. No caso dos autos, o contexto é do debate futebolístico e das arbitragens ocorridas em diversos jogos.
Tal debate expressa também a luta entre clubes de futebol, a afiliação clubística dos respectivos interlocutores e a discordância nos actos de arbitragem, que se dizem terem sido prejudiciais à equipa que se apoia abertamente.
Na verdade, as afirmações constantes do facto 7. são enquadradas pelo seu declarante num determinado contexto de jogo, que discute e que diz erradamente percepcionado pelos árbitros em causa. O declarante está a apreciar aquelas arbitragens à luz das concretas jogadas e penalizações atribuídas pela arbitragem. Emite uma opinião pessoal de discordância relativamente a tais avaliações, que crítica abertamente, por não corresponderem à arbitragem que considera a mais justa ou correcta. Portanto, as afirmações em causa não são feitas em termos gratuitos, visando difamar ou ofender o CA ou os árbitros.
Não há aqui uma crítica caluniosa, gratuita, que tem em vista afectar as qualidades pessoais dos visados. Há apenas uma crítica contundente, feroz, que se opõe frontalmente às posições assumidas pelos árbitros e que contesta essas posições e as escolhas que foram feitas relativamente às arbitragens, crítica ancorada nos factos que são invocados pelo declarante e que se dizem apontar para um sentido diverso daquele que foi o adoptado e que, na perspectiva do declarante, conduziu a um resultado injusto e benéfico só para os outros clubes, que não o seu.
Neste contexto, seguindo a indicada jurisprudência do TEDH, não se pode considerar ultrapassado o limite do exercício da liberdade de expressão, pelo que os Recorridos não haviam de ser punidos disciplinarmente por ofensa à honra e consideração dos árbitros e pessoas visadas nas declarações em questão.
As declarações em questão apenas colocam em causa a correcção da arbitragem e a escolha dos árbitros, que se afirma polémica, duvidosa, beneficiadora de uma das partes na partida de futebol, “sem razão aparente” (conforme palavras do próprio declaratário), para depois concluir que os resultados foram favoráveis a um clube rival ao que defende. Duvida-se e critica-se as arbitragens invocando factos concretos, ocorridos nos vários jogos, que na perspectiva do declaratório deviam ter sido sinalizados pelos árbitros de forma diversa. Para suporte à critica invoca-se os registos existentes, não apenas os que estão nas memórias das pessoas presentes nos jogos, mas também os que estão nos registos áudio, que se pedem para serem mostrados. Afirma-se as ligações entre as pessoas dos árbitros e o clube rival, invocando-se factos passados, que se dizem relevar naquela escolha. O discurso em causa não é grosseiro ou ofensivo, é apenas agressivo, acusatório. Referem-se as palavras “vigarice”, “fartar de “vilanagem”, endrominagem ou incompetência, não relativamente a pessoas concretas, visando ofende-las pessoalmente, mas em relação ao geral da arbitragem nos jogos assinalados, contra os quais se pretende reagir e relativamente aos quais se quer colocar em causa a justeza dos resultados.
Como se refere na decisão recorrida, que se subscreve na íntegra: ”…a condenação (administrativa) assenta no pressuposto da censurabilidade disciplinar das declarações em causa nos presentes autos. Porém, adiante-se, no entender do Tribunal, tudo aponta em sentido inverso. Não se tratando de declarações desgarradas de qualquer enquadramento fáctico, e tendo as mesmas sido proferidas num contexto muito particular (como é o caso do universo desportivo/futebolístico), é de concluir, em confirmação do juízo perfunctório proferido em sede cautelar, que tais declarações devem ser vistas como correspondendo ao exercício da liberdade de expressão (do seu autor), que conhece, desde logo, proteção constitucional (cf. o artigo 37. , n.21 da Constituição da República Portuguesa).
Com efeito, se lidas (depois de transcritas) ou se imediatamente ouvidas as declarações em causa (e vistas as respetivas imagens), percebe-se que o Demandante F.... as contextuaíiza factualmente. Não são, nesse sentido, declarações gratuitas (ou, como se referiu, desgarradas), ainda que se possa, naturalmente, discordar do respetivo teor, dado o subjetivismo que naturalmente as marca. São inegavelmente declarações com destinatários diretos (dirigem-se, em particular, aos árbitros dos jogos em causa), mas encontram-se subjetivamente fundamentadas pelo seu autor.
Essa realidade é bem visível no primeiro trecho de declarações supra transcrito (cf. a factualidade elencada e dada como provada sob o n.- 7): o Demandante F.... começa por emitir uma opinião conclusiva ("Alguns senhores árbitros decidiram entregar o título de campeão ao B........ Chama-se J......, T........., B........., L........., B........., H………"}, mas, em momento imediatamente subsequente, fundamenta a mesma, por referência a concretos jogos e a concretos lances ocorridos nesse quadro (“são os árbitros das três saídas do B........ Nestas três saídas, na Vila da Feira, em B......... e em Vila do Conde, houve nove lances de polémica, nove decisões polémicas. Foram todas decididas a favor do B........ Não há nestes três jogos um lance de dúvida que tenha sido em desfavor do B........ Estamos a falar de um golo retirado ao F........., que dava o 2-0, sem razão aparente, do penálti do P........., que é muito duvidoso e que foi decidido a favor do B........ Há um lance na área do B......., de um suposto penálti, que não é assinalado. Mais uma vez, a favor do B........ No B........., com o jogo em 0-0, o lance que dá o empate ao B....... é menos grave que um lance de pé em riste sobre o P.........’’).
Exercício semelhante pode ser feito quanto às demais declarações.
Veja-se, desde já, o segundo trecho de declarações (cf. a factualidade elencada e dada como provada sob o n.Q 7). O Demandante F.... critica incisivamente a arbitragem ["Mais tarde, árbitro e VAR viram o que mais ninguém viu, uma falta sobre o J........ Foi assinalado penálti a favor do B........ Mais uma vez na dúvida, e este nem sequer é de dúvida, foi decidido a favor do B......."), mas procura fundamentar as acusações críticas que promove ["Mas este árbitro e o VAR não conseguiram ver o pisão do J........ Significava o segundo amarelo. (...)"].
O mesmo se diga do derradeiro segmento deste segundo trecho de declarações: "E finalmente chegámos ao jogo de Vila do Conde. Há um lance na área do B....... que não é assinalado e no contra ataque há um golo que é decidido a favor do B........ Não há uma decisão contra o B........ Foram todas. Quem são os autores, os responsáveis por estas decisões que adulteram a verdade do campeonato? São os árbitros. E quem os nomeou". Critica-se ["Não há uma decisão contra o B........ Foram todas. Quem são os autores, os responsáveis por estas decisões que adulteram a verdade do campeonato? São os árbitros. E quem os nomeou,r), mas precede-se esse exercício de enquadramento factual, aludindo-se ao jogo em causa e a específicos momentos do mesmo (um lance e o correspondente contra-ataque, gerador de golo].
Os segmentos críticos do terceiro trecho de declarações (Todos estes árbitros têm um passado e esse é pró-B........ Quando decidem nomear estes árbitros estão a ajoelhar perante o L....... por causa do que foi dito na meia-final da Allianz Cup. Há um antes e depois. 0 CA interveio? Sim senhor. Os árbitros intervieram? Sim senhor. E foram decisivos. (...) há a intervenção do binómio T......... e J....... Decisões que alteram a verdade do jogo. Isto é grave") devem ser examinados à luz do quadro fáctico que o Demandante F.... não se dispensa de efetuar, conforme resulta do próprio trecho em alusão. Há, nesse quadro declarativo, uma referência ao número de jogos e aos pontos perdidos. Constata-se, ainda, uma referência concreta aos "jogos em B........., Feira e Vila do conde", e à segunda parte do jogo em B..........
Por relação ao quarto trecho de declarações, mantém-se a linha vista até aqui. Critica-se (duramente], mas enquadra-se a crítica. A primeira frase é disso exemplo. Primeiro alude-se ao jogo, para imediatamente se criticar: "Em Vila do Conde, ou estessenhores não sabem as regras ou validaram o golo de propósito. Se foi de propósito, a justiça tem de atuar e terão de ser julgados e condenados. Se não fizeram, não podem ser árbitros. Não é um lance de dúvida. Não há um argumento em defesa deles.”. 0 enquadramento fáctico continua ("0 jogador está fora-de-jogo e depois vai marcar em recarga."), para se voltar à crítica, sempre com uma base factual mínima oferecida pelo declarante ["Até ouvimos uma teoria da cartilha... 0 que é que aconteceu para além do que é público nas chamadas do L....... para esta mudança? Todas as saídas da 2.- volta têm casos. 0 que aconteceu na ponta final do campeonato? 0 F......... foi muito prejudicado em Vila do Conde com dois penáltis muito evidentes. A mão não marcada em Vila do Conde é bem mais evidente que a marcada em B......... no mesmo fim-de-semana. Andamos a brincar? Há uma equipa que tem um regime de exceção. Este jogo de Vila do Conde foi uma vergonha. Nestes lances e nestes jogos o grande prejudicado foi o F.......... Estes prejuízos são sempre contra o mesmo. Isto é uma vigarice inaceitável”).
Por fim, releva o quinto trecho de declarações, no qual merece destaque a presente crítica: "Isto é um fartar de vilanagem. Foi entregar o campeonato. 0 significado disto são 40 milhões de euros de acesso à Liga dos Campeões. Isto é grave. Ninguém põe mão nisto? Vão todos deixar-se endrominar pela máquina de propaganda do B.......?". Também aqui se enquadra, em termos fácticos, os comentários críticos: "Temos um lance de um jogo para mostrar desta época, arbitrado por H........., em que o árbitro assistente era o mesmo. Um B........ - F.......... Um lance idêntico. Há um remate, golo e o H........ estava em fora-de-jogo. Lance bem assinalado. Em Vila do Conde porque não assinalaram? Qual é a desculpa do VAR para não ter agido? Era uma boa altura para mostrarem o áudio. Para mostrar se há vigarice ou se é só incompetência. Mostrem os áudios. Devem ser todos conhecidos.”
As críticas em consideração são duras e contundentes (como os Demandantes, aliás, reconhecem, no artigo 26 ° do seu articulado), mas não se pode dizer que as palavras proferidas se encontrem desprovidas de base fáctica. As declarações do Demandante F.... encontram-se, de um prisma fáctico, enquadradas em termos mínimos, logo, enquanto opiniões que são - concorde-se ou não com as mesmas - devem ser vistas como correspondendo ao exercício da liberdade de expressão do seu autor, não se constatando uma violação do direito ao bom nome e reputação dos árbitros visados, com assento no artigo 26.9, n.9 1 da Constituição da República Portuguesa. Árbitros que, como é sabido, participam num campeonato público, adquirindo, por esse facto, exposição pública.
Aliás, conexo com o que acabou de ser dito, não pode ser olvidado que o campo futebolístico é um terreno fortemente adversaria/, sendo habitual haver declarações de discordância quanto às decisões de arbitragem.
Por relação ao caso concreto, note-se ainda que não foi apenas o Demandante F.... a emitir declarações de crítica à arbitragem (cf. a factualidade elencada e dada como provada sob o n.9 9), o que comprova o que acabou de se afirmar, quanto ao ambiente de crítica (constante, aliás) que se vivência no mundo futebolístico.”
Estas declarações não são feitas de forma gratuita, visando ferir a honra, o bom nome e a reputação dos visados, mas são a expressão de uma opinião ou de um juízo de valor do declarante. As referidas declarações configuram uma crítica, uma posição de desagrado e a expressão de um sentimento de prejuízo relativamente ao clube futebolístico que o declarante pertence, face à arbitragem que vivenciou, tomando por base os correspondentes actos de arbitragem e sua consequência nos resultados dos jogos.
Ademais, o discurso do declarante tem de ser enquadrado no mundo desportivo e futebolístico, que não se caracteriza por uma retórica calma, correcta, parcimoniosa, de procura de consensos e harmonias, mas, sim, por um discurso vigoroso, apaixonado, inflamado, parcial, de emulação ou histriónico, por vezes agressivo, exagerado, provocador, em que os ânimos apresentam-se frequentemente exaltados por banda de todas as partes envolvidas, que se atacam mutuamente.
Por seu turno, os dirigentes e titulares dos órgãos desportivos, futebolísticos, os respectivos árbitros ou outras pessoas que se envolvem nas respectivas estruturas, pelos cargos e funções que aceitaram desempenhar, terão consciência da atenção que passam a despertar, da proeminência da sua figura e da publicidade que angariam por esta via, que aceitam, tendo também de aceitar, como contrapartida, que deixarão de ser cidadãos anónimos e serão alvo de escrutínio público, de críticas e comentários alheiros, que lhes podem trazer incómodos e desconforto.
Tais criticas e comentários, na medida em que se insiram num debate de ideias e se baseiem em factos suficientes, a partir dos quais se retire a percepção do declaratário e na medida em que não correspondam a um ataque gratuito e ofensivo, terão de ser suportados pelos respectivos visados, considerando-se que os incómodos e desconfortos que daí derivam não podem ser considerados um “prejuízo importante”, ou suficientemente importante, para justificar uma condenação disciplinar dos declarantes por ofensa à honra, reputação e bom nome dos visados. No caso, as pessoas visadas, pela proeminência, exposição ou notoriedade que aceitaram assumir, terão de ser mais imunes à crítica e aos comentários que o cidadão anónimo. Para elas, as criticas e comentários, ainda que agressivos, infelizes ou desmerecidos, não podem ser considerados como configurando um “prejuízo importante” da sua honra, reputação e bom nome.
Mais se indique, que nestes casos, a generalidade das pessoas que se integram no meio sócio-económico-cultural em questão - ou o homem médio, colocado na posição de um destinatário normal e razoável – também não considerará que tais críticas e comentários mais agressivos, ferozes ou desmerecidos, são um ataque à honra, à consideração e ao bom nome dos visados, mas entenderá essas afirmações como apenas fazendo parte do debate aguerrido, exagerado e histriónico que prolifera neste âmbito e que se tende a auto-alimentar.
Nessa mesma medida, não se pode considerar violados os art.ºs 112.º, n.ºs 1 e 4 e 136.º, n.º 1 e 4, do RD, não ocorrendo, no caso, uma conduta injuriosa, difamatória ou grosseira, que implique a lesão da honra e reputação dos órgãos da estrutura desportiva, dos seus membros, das equipas de arbitragem, dos clubes ou dirigentes.
Está pois correcta a decisão do TAD, havendo o presente recurso de claudicar tout court.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida;
- custas pelo Recorrente (cf. art.ºs. 77.º, n.º 4, da Lei n.º 74/2013, de 06/09, 2.º, n.ºs 2, 4, 5, Anexo I à Portaria n.º 301/2015, de 22/09, e 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 1 de Outubro de 2020.
(Sofia David)
O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art.º 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Dora Lucas Neto e Pedro Nuno Figueiredo.