Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1834/21.8BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/05/2022
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:CONTRATAÇÃO PÚBLICA
IMPUGNAÇÃO ATO
INVALIDADE DERIVADA
ILEGALIDADE DOCUMENTOS CONFORMADORES
LIMITES DA DECISÃO CONDENAÇÃO
PRINCÍPIOS GERAIS
ART.S 18.º E 58.º, N.º 1, DA DIRETIVA 2014/24/EU
ARTS. 9.º, ALÍNEA D), 13.º, 26.º, N.º 1, 81.º, ALÍNEA F), E 266.º, NºS. 1 E 2, DA CRP ART.S 1.º-A, N.º 1, E 49.º, N.º 4, DO CCP
CONCURSO PÚBLICO
PRÉVIA QUALIFICAÇÃO
REQUISITOS MÍNIMOS DE CAPACIDADE TÉCNICA
HABILITAÇÕES LEGAIS
LEI N.º 31/2009, DE 03.07.
INSCRIÇÃO ORDEM DOS ENGENHEIROS
INSCRIÇÃO ORDEM DOS ENGENHEIROS TÉCNICOS
AC. TJUE, DE 31.03.2022, P. C 195/21
Sumário:I - O ato impugnado, praticado num procedimento em que nos documentos conformadores do mesmo se previam disposições como as que foram questionadas nos autos, configura a aplicação daquelas, porquanto foi através deste que se materializaram os respetivos efeitos restritivos.
II - A exigência de estrita inscrição na Ordem dos Engenheiros, afastando a inscrição na Ordem dos Engenheiros Técnicos, não encontra razão aparente, nem foi invocada, no objeto do contrato, in casu, de aquisição de serviços para a elaboração do projeto para o novo Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada, nos Açores, e nem a mesma se revela proporcional, atendendo ao que resulta da Lei n.º 31/2009, de 03.07., designadamente, dos seus art.s 4.º, n.º 1, 6.º, n.º 1 e 10.º, n.º 3 e Quadro 2 do Anexo III deste diploma legal.
III - Nesta medida, considera-se desproporcional a aludida exigência face ao objeto do contrato em apreço e às tarefas que o mesmo importa, razão pela qual se conclui que a mesma viola o princípio da concorrência, da proporcionalidade e da não discriminação, pois que a Recorrida não apresentou qualquer justificação para a restrição operada por via das especificações fixadas nas peças do procedimento, estribando- se, essencialmente, na margem discricionária de que beneficia na respetiva fixação. O que, e face a todo o exposto, é pouco.
IV - Devendo este tribunal de recurso conhecer em substituição, não pode acompanhar em toda a sua amplitude o pedido de condenação que foi formulado pela A., aqui Recorrente, de que seja a Recorrida condenada «à prática dos atos devidos em conformidade com o quadro legal exposto, a saber: admitir a proposta da Recorrente, proceder à sua adjudicação, por ser legalmente devido e por se tratar da única proposta apresentada, e celebrar o correspondente contrato de prestação de serviços.», em suma, por duas ordens de razões:
V - O invocado imperativo da prevalência da Diretiva e dos princípios conformadores do Direito da União Europeia, assim como o CCP, apenas impõem limites a eventuais exigências de capacidade técnica e/ou financeira e a determinadas especificações técnicas, designadamente, a sua adequação ao necessário e desejável cumprimento do contrato a adjudicar e de que todos estes requisitos estejam ligados e sejam proporcionais com o seu objeto.
VI - Cumpridos estes limites, a entidade adjudicante pode conformar o procedimento com as exigências que considere necessárias, desde que cumpra também, no momento da determinação dos critérios de seleção, os princípios fundamentais da contratação pública enunciados no artigo 18.º, n.º 1, da Diretiva 2014/24, e no art. 1.º-A, do CCP, tratando os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação, bem como atuando de maneira transparente e proporcionada, assim se garantindo, designadamente, que a organização do contrato não tem o intuito de reduzir artificialmente a concorrência ou de favorecer ou desfavorecer indevidamente determinados operadores económicos.
VII - No caso, este desiderato deve ser alcançado com a repetição do procedimento e não através de uma interpretação conforme das peças do procedimento sub judice.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

M…, S.A., interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, de 21.01.2022, que julgou totalmente improcedente a ação de contencioso pré-contratual por si intentada contra o INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA E EQUIPAMENTOS DA JUSTIÇA, I. P. (IGFEJ), peticionando que fossem declaradas nulas, ou anuladas, as deliberações do Conselho Diretivo do IGFEJ, que procederam à exclusão da sua proposta, à não adjudicação e à revogação da decisão de contratar e, consequentemente, a condenação à prática do ato administrativo legalmente devido de admissão e adjudicação da sua proposta e de celebração do correspondente contrato de prestação de serviços.

Em sede de alegações, a Recorrente concluiu como se seguecfr. fls. 578 e ss., do SITAF:

«(…)

Nas seguintes conclusões, permitimo-nos dar por reproduzidas, para todos os efeitos legais, as conclusões do Parecer Jurídico do Senhor Professor Mário Aroso de Almeida.

I – Equiparação e Igualdade entre Engenheiros e Engenheiros Técnicos

A) Resulta da Lei 31/2009, de 3 de julho, designadamente do n.º 1 do art. 4º, do n.º 1 do art. 6.º e do n.º 3 do art. 10.º, um regime de equiparação entre engenheiros e engenheiros técnicos para o exercício de funções da mesma natureza, não existindo também uma definição diferenciada dos atos próprios da profissão de engenheiro e de engenheiro técnico, nem tão pouco a mesma Lei distingue os atos pertencentes a cada uma das duas categorias profissionais. A Lei n.º 31/2009 não faz depender, de modo diferenciado, a prática de certos atos de engenharia da titularidade da habilitação de engenheiro ou de engenheiro técnico, mas sim, de modo indiferenciado, da titularidade de um desses dois títulos profissionais.

B) Assim, os projetos das especialidades de engenharia referidos nos pontos 1.2.10 e 1.2.12 do Anexo 1 do Caderno de Encargos relativos a “Projetos de Segurança e Emergência” e “Projetos de AVAC, Certificação Térmica, Gás e Transporte” podem ser elaborados, indistintamente, por Engenheiros Técnicos inscritos na Ordem dos Engenheiros Técnicos ou por Engenheiros inscritos na Ordem dos Engenheiros, conforme se retira do Quadro 2 do Anexo III da Lei 31/2009:

E

C) A Eng. M… encontra-se inscrita no Colégio de Engenharia de Energia e Sistemas de Potência da Ordem dos Engenheiros Técnicos e o Eng. F… encontra-se inscrito no Colégio de Engenharia Mecânica da Ordem dos Engenheiros Técnicos, conforme resulta da matéria de facto assente, detendo ambos as qualificações profissionais legalmente exigíveis e necessárias para serem autores dos aludidos projetos de especialidades, em situação de igualdade com um Engenheiro inscrito na Ordem dos Engenheiros.

II – Requisitos Adicionais impostos pela Recorrida

D) Ora, na situação concreta:

a. A Recorrida, enquanto entidade adjudicante, realizou uma diferenciação entre engenheiros e engenheiros técnicos, em detrimento destes, muito embora exista uma equiparação legal entre ambos, incluindo e em especial para a prática dos atos em causa;

b. A Recorrida não indicou, nos elementos patenteados a concurso, um único motivo, fundamento ou alegação para, no caso concreto, exigir que os engenheiros em causa devessem encontrar-se inscritos na Ordem dos Engenheiros;

c. A Recorrida também não indicou um único motivo, fundamento ou alegação para, no caso concreto, justificar a razão para não aceitar como autores dos projetos em causa engenheiros licenciados, com a especialização e experiência requeridas, que tivessem inscritos na Ordem dos Engenheiros Técnicos.

d. Sendo que os engenheiros indicados pela Recorrente:

(i) São licenciados,

(ii) São especialistas na sua área de atuação,

(iii) Têm a experiência profissional requerida pela Recorrida,

(iv) São detentores das qualificações/habilitações legais exigíveis para o exercício das respetivas funções e para serem autores dos projetos para os quais foram indicados, emitidas pelas respetivas ordens profissionais, segundo o quadro legal referido no capítulo anterior em condições de equiparação com os engenheiros inscritos na Ordem dos Engenheiros.

III - Requisitos adicionais impostos pela Recorrida e sua desconformidade com o Direito da União Europeia, a Constituição da República e os princípios e normas legais da contratação pública

No âmbito do Direito da União Europeia:

E) No âmbito do Direito da contratação pública, vigora o princípio favor participationis, que obriga, quer o legislador, quer as entidades adjudicantes, a assegurarem uma igualdade efetiva no que toca à participação dos operadores económicos nos procedimentos de formação dos contratos públicos. E, por conseguinte, que as restrições que são admitidas a este princípio são objeto de previsão taxativa, têm âmbito limitado e são objeto de aplicação restritiva, no respeito por princípios gerais como o da concorrência e da proporcionalidade.

F) A imposição de requisitos adicionais de participação deve, contudo, respeitar o bloco de juridicidade, decorrente dos princípios jurídicos constitucionais e europeus aplicáveis no âmbito do Direito da contratação pública, designadamente os princípios da concorrência, proporcionalidade, igualdade de tratamento e não discriminação, e liberdade de iniciativa económica. O princípio da proporcionalidade exige, em termos gerais, que as entidades adjudicantes adotem comportamentos adequados, necessários e proporcionais aos fins prosseguidos. E, no domínio da contratação pública, constitui um importante mecanismo de salvaguarda de outros princípios, como os da igualdade de tratamento e o da concorrência, postergando comportamentos discriminatórios e restritivos da concorrência.

G) Por conseguinte, a imposição, pelo legislador ou pelas entidades adjudicantes, de requisitos adicionais de participação nos procedimentos de contratação pública deve limitar-se ao mínimo indispensável para tutelar os interesses públicos que vise satisfazer, sob pena de dever ser considerada desproporcional e, consequentemente, restritiva da concorrência.

H) De acordo com os princípios do Direito europeu da contratação pública e o disposto nos artigos 18.º e 58.º, n.º 1, da Diretiva 2014/24/UE, a exigência de habilitações para o exercício de atividades profissionais, no âmbito de procedimentos de contratação pública, deve ser objetivamente justificada, à luz do quadro normativo disciplinador do exercício das atividades profissionais que estiverem em causa, em função da natureza das prestações que são objeto do contrato a celebrar, e que só em situações estritamente exigidas por razões atinentes à específica natureza das prestações a realizar em execução do contrato a celebrar se pode admitir que as entidades adjudicantes imponham diferenciações entre operadores económicos, designadamente quanto às habilitações profissionais que lhes exijam como requisito de participação nos procedimentos de contratação pública.

I) Diferenciações que não se mostrem devidamente justificadas, em termos de adequação e necessidade, em função da natureza específica das prestações a realizar, estarão em desconformidade com o princípio da proporcionalidade, consubstanciando-se, assim, numa restrição indevida da concorrência.”

Ao nível do direito interno da contratação pública:

J) Ora, se, no nosso ordenamento jurídico, os serviços de engenharia tanto podem ser executados por engenheiros como por engenheiros técnicos, deve, a nosso ver, entender-se que, à partida, não existem fundamentos consistentes que permitam impor o estabelecimento de uma diferenciação entre as duas categorias profissionais.

K) Com efeito, os fundamentos a invocar para o efeito de sustentar a diferenciação estão sujeitos aos testes do princípio da proporcionalidade, de modo que incorrerão em violação deste princípio, por inadequação e desnecessidade, diferenciações que não se sustentem em fundamentos que, demonstradamente, as justifiquem, do ponto de vista da sua estrita necessidade para assegurar a execução, de modo adequado, das prestações a contratar.

L) Ora, se o legislador não distingue e, pelo contrário, equipara diferentes categorias profissionais, de modo a reconhecer-lhes igual idoneidade para o efeito da realização do mesmo tipo de atos profissionais, não se vê que fundamentos poderão permitir sustentar a estrita necessidade de que esses atos sejam realizados por profissionais de apenas uma dessas categorias.

M) Por outro lado, vimos de início que decorre do princípio da concorrência o princípio favor participantis, que obriga as entidades adjudicantes a assegurar a máxima abertura à concorrência, permitindo, desse modo, uma igualdade efetiva entre operadores económicos no que toca à participação nos procedimentos de adjudicação (nesse sentido, cfr. artigo 18.º, n.º 1 da Diretiva 2014/24/UE).

N) Por conseguinte, também violará o princípio da concorrência e, em especial, o princípio favor participantis, a exclusão, sem justificação adequada e suficiente, de engenheiros técnicos, em sede de habilitação, quando a lei lhes confere competência para o exercício das funções às quais se dirige o contrato a celebrar no termo do procedimento de contratação, em igualdade de circunstâncias com os engenheiros. Estaremos, na verdade, nesse caso, perante uma restrição indevida da concorrência, como também o estaríamos na hipótese de serem excluídos engenheiros, sem justificação adequada e suficiente, em concursos dirigidos ao exercício de funções que eles podem desempenhar em igualdade de circunstâncias com engenheiros técnicos.

No quadro do direito constitucional:

O) “O princípio da igualdade está consagrado, em termos gerais, no artigo 13.º da Constituição, como um parâmetro estruturante do Estado de Direito, e, em particular, no artigo 266.º da Constituição, como um princípio conformador da atuação das entidades administrativas. Por conseguinte, mesmo que não existisse a União Europeia, nem Portugal estivesse nela integrado, o princípio da igualdade sempre teria de constituir, do estrito ponto de vista do Direito de fonte interna português, um princípio conformador do Direito da contratação pública, que, como tal, se encontra explicitado no artigo 1.º-A, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos.

P) Não suscita, pois, qualquer dúvida que, no âmbito dos procedimentos de contratação pública que promovem, as entidades adjudicantes se encontram vinculadas ao respeito do princípio da igualdade.

Q) Qualquer eventual diferenciação de tratamento a introduzir no plano da nossa análise não pode ser, pois, arbitrária nem desproporcionada, mas deve ser fundada em razões que a justifiquem e imponham em função das exigências de interesse público que lhe estão subjacentes. Nesse sentido, é necessário assegurar um equilíbrio entre a diferenciação e a sua relevância para o interesse público.

R) Sucede, porém, que, no caso em presença, a circunstância de a Lei n.º 31/2009 ter optado por consagrar um regime de tratamento indiferenciado no que diz respeito à qualificação para a prática de atos profissionais de engenheiros e engenheiros técnicos, sem estabelecer qualquer diferenciação funcional objetiva entre as duas categorias profissionais, permite concluir que o legislador entendeu dever tratar de forma igual as duas categorias profissionais, em termos que não se vê que margem possam deixar a uma entidade adjudicante para introduzir diferenciações.

S) Não se vê em que argumento se possa sustentar a afirmação de que os profissionais de uma das categorias profissionais são os adequados — o que implica um juízo de inadequação dos demais — e, mais do que isso, os necessários — porque só este juízo permite justificar a exclusão dos demais — para a prática de atos profissionais de maior complexidade.

T) A tudo o que vem de ser dito acresce, entretanto, que o direito subjetivo à participação em procedimentos pré-contratuais é objeto da tutela que decorre da consagração, no artigo 61.º da Constituição, da liberdade de iniciativa económica e, mais precisamente, da liberdade de empresa como um direito fundamental. Deste modo, a discriminação a favor dos detentores da habilitação profissional de engenheiro, nas circunstâncias descritas, configura, a nosso ver, uma restrição injustificada de um direito fundamental.

U) De todo o exposto resulta que, no caso em apreço, a exigência do título de habilitação profissional de engenheiro, com exclusão dos profissionais detentores da habilitação de engenheiros técnicos, para a realização de prestações que, à face da lei, se deve entender que os titulares de ambas as habilitações profissionais estão em condições de realizar nas mesmas condições, configura violação do princípio constitucional da igualdade e uma restrição injustificada do direito fundamental de liberdade de empresa. Para além de que, como tínhamos visto no primeiro segmento da exposição, é desconforme com o Direito da União Europeia, por violação do artigo 58.º, n.º 1, da Diretiva 2014/24/UE e dos princípios da proporcionalidade e da concorrência.

V) O imperativo da prevalência da Diretiva e dos princípios conformadores do Direito da União Europeia impõe, entretanto, que se proceda a uma interpretação em conformidade do Caderno de Encargos, para o efeito de se admitir que onde se exige que os técnicos a indicar para as especialidades referidas nos pontos 1.2.10 e 1.2.12 do respetivo Anexo I estejam inscritos na Ordem dos Engenheiros, se considere suficiente a inscrição na Ordem dos Engenheiros Técnicos, o que, além do mais, não prejudica terceiros, uma vez que a Consulente é a única concorrente presente no concurso.”

W) Por força da totalidade do exposto, torna-se lógico e forçoso concluir que, quer a deliberação da Recorrida de excluir a proposta da Recorrente, de não adjudicar e de revogar a decisão de contratar, quer a sentença recorrida, violam os princípios basilares da concorrência, de favor participationis, da proporcionalidade, igualdade de tratamento e não discriminação, e liberdade de iniciativa económica e prossecução do interesse público consagrados nos artigos 18.º e 58.º, n.º 1, da Diretiva 2014/24/EU, nos arts. 9º, alínea d), 13.º, 26.º, n.º 1, 81.º, alínea f), e 266.º, nºs. 1 e 2, da Constituição da República, assim como no art.1.º-A, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos, assim como os normativos da Lei 31/2009 referidos no capítulo precedente destas Conclusões.

X) De igual modo e pelas mesmas razões, o entendimento do Tribunal Recorrido quanto à alegada necessidade de formulação de pedido de declaração de ilegalidade daqueles parâmetros contidos no Caderno de Encargos, viola as normas supra invocadas, porquanto, na situação concreta, o que há a fazer é uma interpretação da norma do Caderno de Encargos em causa conforme os princípios e as regras do Direito da União Europeia, os princípios da Constituição portuguesa e os princípios e regras emergentes do regime português da contratação pública, que necessariamente devem conduzir à admissão da proposta da Recorrente e subsequente adjudicação.

Y) Pelo que, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que declare nulas ou, assim se não entendendo, anule as deliberações tomadas pela Recorrida de exclusão da proposta da Recorrente, de não adjudicação e de revogação da decisão de contratar, condenando-se a Recorrida à prática dos atos devidos em conformidade com o quadro legal exposto, a saber: admitir a proposta da Recorrente, proceder à sua adjudicação, por ser legalmente devido e por se tratar da única proposta apresentada, e celebrar o correspondente contrato de prestação de serviços. (…)».

Por seu turno, a Recorrida contra-alegou, concluindo como se segue - cfr. fls. 659 e ss., do SITAF:

«(…)
1. A Autora não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, vem apresentar recurso, alegando que a mesma “padece de vários vícios de raciocínio e desconsidera ainda quer o Direito da União Europeia em matéria de contratação pública, assim como vários princípios constitucionais e legais e, ainda, várias normas legais específicas sobre a matéria.”,
2. A ora Recorrente já havia acusado a ora Recorrida de violação dos princípios fundamentais constitucionalmente consagrados, como os da Legalidade, Igualdade, Proteção Legal contra qualquer forma de discriminação, Liberdade de Associação, Liberdade de escolha da profissão e ainda os Princípios da Contratação Pública previstos no artigo 1.º do CCP.
3. No entanto, em sede de contestação, foi afirmado que a Recorrente pautou a sua atuação em todo o procedimento concursal pelo respeito de tais princípios invocados.
4. Efetivamente, desde o primeiro momento que a Recorrida elaborou as Peças do procedimento e publicitou o mesmo por forma a permitir que um maior número de candidatos, pudessem apresentar-se a concurso e vir a celebrar contrato para execução de um projeto das dimensões do objeto do contrato a celebrar.
5. Ora, o procedimento decorreu sem que nenhuma ilegalidade lhe tivesse sido imputada por qualquer um dos candidatos e concorrentes ao procedimento, incluindo a agora Recorrente.
6. Pelo que a Recorrente conhecia deste o início todas as exigências da entidade adjudicante e com elas sempre se conformou até à apreciação da proposta.
7. Deste modo, fica demonstrado que a Recorrida pautou a sua atuação em conformidade com os princípios da Legalidade, da Transparência e da Prossecução do interesse público.
8. Efetivamente, a Recorrida cumpriu com todas as disposições legais a que se encontra vinculada por força das regras da contratação pública, designadamente as que por força do Direito Europeu têm previsão legal no ordenamento jurídico português.
9. Neste seguimento, a Recorrida agiu em conformidade com o disposto na Lei n.º 31/2019, na sua redação atual, optando pela qualificação dos técnicos para a realização dos dois projetos em específico dentro do quadro legal previsto por aquele normativo.
10. E desta forma, atuou dentro das possibilidades do quadro legal em referência, com respeito pela legalidade e sem qualquer descriminação entre profissionais da mesma área.
11. A Recorrida fez uma opção clara em função da complexidade do projeto e dentro do quadro legal em vigor.
12. Pelo que bem decidiu a Recorrida, ao conformar o seu ato de decisão com a proposta do Júri sobre a exclusão da proposta da Recorrente.
13. Neste sentido foi a Sentença recorrida, ao entender que outra não poderia ser a atuação da Recorrida.
14. Pois, a agir de outra forma, designadamente não cumprindo com o estipulado nas próprias peças do procedimento, estaria a Recorrente a violar o princípio da Estabilidade das peças do procedimento, da Concorrência, da Transparência, da Igualdade de Tratamento e da não discriminação, uma vez que todos os outros candidatos entretanto excluídos e que concorreram com base neste Caderno de Encargos e Programa Preliminar, ficariam prejudicados face à Recorrente.
15. Pelo que, repete-se, mal andaria a entidade adjudicante se nesta fase e ao arrepio de todos os princípios subjacentes à contratação pública, ultrapassasse uma exigência que estipulou para todos aqueles que concorreram e tiveram conhecimento das peças do procedimento e, no final “do jogo”, mudasse as regras para acomodar a exigência do concorrente qualificado.
16. A Recorrida respeitou não só todos os princípios constitucionais a que pela sua natureza legal pública está obrigada, como agiu em respeito do princípio da concorrência e, consequentemente, em elevado respeito do referido princípio “favor participantis”, princípios tão protagonizados pelo Direito da União Europeia.
17. Atuando deste modo e em coerência, a Recorrida tomou a decisão de exclusão da proposta da Autora, seguiu as regras fundamentais da transparência e da oportunidade, atuou em respeito pela igualdade efetiva de participação de todas as entidades que estiveram a escrutínio.
18. Em conclusão e em face a tudo o exposto, as deliberações tomadas pelo Conselho Diretivo do IGFEJ são legais e válidas nos termos da legislação vigente.
19. Em conclusão, a Sentença colocada em crise bem apreciou o procedimento e a atuação da Recorrida à luz das normas do ordenamento jurídico português, as quais inserem em si a primazia do Direito da União Europeia, em respeito pelo prevista na Constituição da República Portuguesa.
20. Em face do que não podem proceder os fundamentos da Recorrente, ainda que escudados em tão douto parecer, da autoria do Professor Doutor Mário Aroso de Almeida.
21. Face ao que deve a Sentença manter os seus termos decisórios, designadamente a absolvição da Recorrida de todos os pedidos da ora Recorrente. (…)».

Neste tribunal, o DMMP, não emitiu pronúncia.

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, mas com entrega prévia do texto do acórdão aos Mmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

I. 1. Questões a apreciar e decidir

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito ao ter mantido a deliberação da Recorrida de excluir a proposta da Recorrente, de não adjudicar e de revogar a decisão de contratar, por violação dos princípios da concorrência, de favor participationis, da proporcionalidade, igualdade de tratamento e não discriminação, e liberdade de iniciativa económica e prossecução do interesse público consagrados nos artigos 18.º e 58.º, n.º 1, da Diretiva 2014/24/EU, de 26.02.2014 (Diretiva), nos arts. 9º, alínea d), 13.º, 26.º, n.º 1, 81.º, alínea f), e 266.º, nºs. 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), assim como no art.1.º-A, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos (CCP), assim como dos arts. 4.º, n.º 1, 6.º, n.º 1 e 10.º, n.º 3 da Lei n.º 31/2009, de 03.07.

II. Fundamentação

II.1. De Facto

A matéria de facto constante da sentença recorrida é aqui transcrita:
«(…)
1. A Entidade Demandada lançou o Concurso Limitado por Prévia Qualificação tendente à aquisição dos “serviços de elaboração do projeto do novo Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada”;
(cfr. doc. 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido)

2. Ao procedimento foi dada publicidade através de anúncio de procedimento n.º 12845/2020, publicado no Diário da República, n.º 218, II série, de 9 de novembro de 2020, e no JOUE com a referência 2020/S 218-535571, de 9 de novembro de 2020;
(cfr. doc. 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido)

3. O procedimento de contratação, e o contrato daí resultante, foram objeto de classificação de segurança, com o Grau CONFIDENCIAL - Marca Nacional, por Despacho de 28 de fevereiro de 2020, proferido por Sua Excelência a Ministra da Justiça;
(cfr. fls. 1 a 4 do processo administrativo – ficheiro 1, cujo teor se dá por reproduzido)

4. Aberto o procedimento pré-contratual para a fase de qualificação dos candidatos foram disponibilizadas as peças do procedimento, designadamente, o Caderno de Encargos e o Programa do Procedimento, na plataforma Vortal;
(cfr. processo administrativo – ficheiro 1, cujo teor se dá por reproduzido)

5. Na sequência daquela disponibilização foram apresentados doze pedidos de esclarecimento, apreciados pelo júri do procedimento, os quais foram respondidos a 07.01.2021, na plataforma Vortal;
(cfr. fls. 13 a 22 do processo administrativo – ficheiro 3, cujo teor se dá por reproduzido)
6. Consta do Programa do Procedimento, nomeadamente:
«(…)
Artigo 16.º Modelo de qualificação
1. A qualificação dos candidatos assenta no modelo simples de qualificação, previsto no artigo 179° do CCP, sendo qualificados todos os candidatos que preencham os requisitos de capacidade técnica e de capacidade financeira.
(…)
Artigo 17.º Requisitos mínimos de capacidade técnica
Os candidatos devem cumprir obrigatoriamente os requisitos mínimos de capacidade técnica indicados no Anexo III do presente programa de concurso.
(…)
Artigo 27.º Documentos que instruem a proposta
1. A Proposta elaborada de acordo com o modelo constante do ANEXO I do programa de procedimento, será redigida em língua portuguesa, sem rasuras, entrelinhas ou palavras riscadas e com a menção de CONFIDENCIAL deverá ser instruída com os seguintes documentos: (…)
e) Declarações de Inscrição da respetiva Ordem profissional de todos elementos da equipa exigidos no ANEXO I do Caderno de Encargos;
(…)
Artigo 30.º Análise das propostas
1. O critério no qual se baseará a apreciação das Propostas e a subsequente adjudicação será o do mais baixo preço, nos termos da alínea b) do n.° 1 e n.° 2 do artigo 74.° do Código dos Contratos Públicos.
(…)
Anexo III
(…)
Requisitos Mínimos de Capacidade Técnica
Os Candidatos devem, obrigatoriamente, comprovar:
1. A execução nos últimos três anos de, pelo menos, 3 projetos com as seguintes características:
1.1 projetos realizados com uma área bruta de construção superior a 11.500m2;
1.2 projetos realizados para obra com valor superior a 19.500.000€;
2. Possuir um número maior ou igual a 12 trabalhadores efetivos;
3. Dispor dos seguintes técnicos a afetar à prestação de serviços, com as seguintes qualificações mínimas:
3.1 Coordenador Geral de Projeto - Licenciatura em arquitetura ou Engenharia Civil com 10 anos de experiência profissional, inscrito na Ordem dos Arquitetos na Ordem dos Engenheiros ou na Ordem dos Engenheiros Técnicos, e que tenha coordenado pelo menos 3 (três) projetos de dimensão ou valor superior a 50% do posto a concurso.
3.2 Coordenador do Projeto de Arquitetura, Sinalética, Mobiliário, Plano de Acessibilidades e Sustentabilidade - Licenciatura em Arquitetura com 10 anos de experiência profissional comprovada, inscrito na Ordem dos Arquitetos e tenha elaborado pelo menos 3 (três) projetos de execução de dimensão ou valor superior a 50% do posto a concurso
3.3 Coordenador das Especialidades - Licenciatura em Engenharia com 10 anos de experiência profissional, inscrito na Ordem dos Engenheiros ou na Ordem dos Engenheiros Técnicos e tenha coordenado, pelo menos, 3 (três) projetos de execução de dimensão ou valor superior a 50% do posto a concurso».
(cfr. doc. 2 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido)

7. O Caderno de Encargos contém, nomeadamente, as seguintes cláusulas:
«Cláusula 1.ª OBJETO DO PROCEDIMENTO
1. O presente procedimento tem por objeto a “Aquisição de serviços para elaboração de projeto para o novo Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada”, e para prestação de assistência técnica no decurso da empreitada de obra que venha a ser formalizada, nos termos do disposto no Caderno de Encargos e no Programa Preliminar e anexos ao Caderno de Encargos.
(…)
4. Para efeitos de satisfação do objeto do presente procedimento, o prestador de serviços deverá mobilizar e integrar os técnicos com as aptidões e qualificações profissionais indispensáveis à integral e rigorosa execução da presente prestação de serviços, e legalmente exigíveis ao exercício das respetivas atividades, no âmbito da legislação aplicável à elaboração dos projetos, nos termos definidos no Caderno de Encargos.
(…)
Cláusula 4.ª PRAZO DE EXECUÇÃO
1. Os serviços objeto do presente procedimento e descritos no n.º 1 da cláusula seguinte devem ser executados no prazo de 450 (quatrocentos e cinquenta) dias (…)
Cláusula 6.ª PREÇO BASE
O preço base do procedimento, nos termos e efeitos do disposto no artigo 47.º do Código dos Contratos Públicos, é de 1.000.000,00 € (um milhão de euros).
(…)
ANEXO I – ESPECIFICAÇÕES DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
1.1 A equipa de projeto deverá ser constituída, pelo menos, com os seguintes técnicos: [transcrevem-se todos os itens deste anexo, por relevantes para a decisão do presente recurso, e que foram apenas dados por reproduzidos na decisão recorrida]:

1.2 Os técnicos a propor devem possuir as seguintes habilitações:
1.2.1 Coordenador Geral de Projeto
 Licenciatura em arquitetura ou Engenharia Civil com 10 anos de experiência profissional,
inscrito na Ordem dos Arquitetos ou Ordem dos Engenheiros e que tenha coordenado pelo menos 3 (três) projetos de dimensão ou valor superior a 50% do posto a concurso.
1.2.2 Coordenador do Projeto de Arquitetura, Sinalética, Mobiliário, Plano de Acessibilidades e Sustentabilidade
 Licenciatura em Arquitetura com 10 anos de experiência profissional comprovada, inscrito na
Ordem dos Arquitetos e tenha elaborado pelo menos 3 (três) projetos de execução de dimensão ou valor superior a 50% do posto a concurso.
1.2.3 Arquitetos – Projetos de Arquitetura, Sinalética, Mobiliário e Plano de Acessibilidades
 Licenciatura em Arquitetura com 5 anos de experiência profissional comprovada, inscrito na Ordem dos Arquitetos e tenha elaborado pelo menos 3 (três) projetos de execução de dimensão ou valor superior a 20% do posto a concurso.
1.2.4 Arquiteto Sustentabilidade
 Licenciatura em Arquitetura com 5 anos de experiência profissional comprovada, inscrito na Ordem dos Arquitetos e tenha elaborado pelo menos 3 (três) projetos de execução de dimensão ou valor superior a 30% do posto a concurso. Cumulativamente deverá ter elaborado projetos que se encontrem certificados por sistema de certificação ambiental, nomeadamente LiderA, HQE, BREEAM, LEED e que incorporem sistema de arquitetura bioclimática, passive house ou similar.
1.2.5 Arquiteto Paisagístico
 Licenciatura em Arquitetura Paisagística com 5 anos de experiência profissional comprovada, inscrito na respetiva Ordem e tenha elaborado, pelo menos, 3 (três) projetos de execução, na especialidade correspondente, de dimensão ou valor superior a 20% do posto a concurso.
1.2.6 Coordenador das Especialidades
 Licenciatura em Engenharia com 10 anos de experiência profissional, inscrito na Ordem dos Engenheiros e tenha coordenado, pelo menos, 3 (três) projetos de execução de dimensão ou valor superior a 50% do posto a concurso.
1.2.7 Engenheiros Civis – Projeto de Fundações e Estruturas
 Licenciatura em Engenharia Civil com 5 anos de experiência profissional, inscrito na Ordem dos Engenheiros e tenha elaborado, pelo menos, 3 (três) projetos de execução, na especialidade correspondente, de dimensão ou valor superior a 20% do posto a concurso.
1.2.8 Engenheiros Civis – Projetos de Águas e Esgotos
 Licenciatura em Engenharia Civil com 5 anos de experiência profissional, inscrito na Ordem dos Engenheiros e tenha elaborado, pelo menos, 3 (três) projetos de execução, na especialidade correspondente, de dimensão ou valor superior a 20% do posto a concurso.
1.2.9 Engenheiros Eletrotécnicos – Projetos de Eletricidade e ITED
 Licenciatura em Engenharia Eletrotécnica com 5 anos de experiência profissional, inscrito na Ordem dos Engenheiros e tenha elaborado, pelo menos, 3 (três) projetos de execução, na especialidade correspondente, de dimensão ou valor superior a 20% do posto a concurso.
1.2.10 Engenheiro Eletrotécnico – Projetos de Segurança e Emergência (Safety e Secure)
 Licenciatura em Engenharia Eletrotécnica com 5 anos de experiência profissional, inscrito na Ordem dos Engenheiros e tenha elaborado, pelo menos, 3 (três) projetos de execução, na especialidade correspondente, de dimensão ou valor superior a 20% do posto a concurso.
1.2.11 Engenheiro Eletrotécnico – Projetos de Gestão Técnica Domótica
 Licenciatura em Engenharia Eletrotécnica com 5 anos de experiência profissional, inscrito na Ordem dos Engenheiros e tenha elaborado, pelo menos, 3 (três) projetos de execução, na especialidade correspondente, de dimensão ou valor superior a 20% do posto a concurso.
1.2.12 Engenheiros Mecânicos – Projetos de AVAC, Certificação Térmica, Gás e Transporte - Licenciatura em Engenharia Mecânica com 5 anos de experiência profissional, inscrito na Ordem dos Engenheiros e tenha elaborado, pelo menos, 3 (três) projetos de execução, na especialidade correspondente, de dimensão ou valor superior a 20% do posto a concurso.
1.2.13 Engenheiro Mecânico – Plano de Manutenção e Operação e Plano de Comissionamento
 Licenciatura em Engenharia com 5 anos de experiência profissional, inscrito na Ordem dos Engenheiros e tenha elaborado, pelo menos, 3 (três) Planos de Comissionamento e Planos de Manutenção e Operação, de dimensão ou valor superior a 20% do posto a concurso.
1.2.14 Perito Qualificado – Projeto e Certificação de Acústica
 Licenciatura em engenharia e especialista em Engenharia Acústica da Ordem dos Engenheiros
ou similar, de acordo com a legislação, com 5 anos de experiência profissional e que tenha elaborado, pelo menos, 3 (três) projetos de execução e certificação acústica de projetos de dimensão ou valor superior a 20% do posto a concurso.
1.2.15 Perito Qualificado – Certificação LiderA
 Licenciatura em Engenharia ou Arquitetura e certificação pelo Sistema LiderA com 5 anos de
experiência profissional e tenha certificado pelo menos 3 (três) projetos.
1.2.16 Outras especialidades
 Para as restantes especialidades deverão ser designados técnicos com experiência necessária e suficiente para o desenvolvimento dos projetos que lhe forem atribuídos, não podendo ter qualificações inferiores a licenciatura e pelo menos 5 anos de experiência e já ter realizado projetos da mesma natureza e dimensão. (…)
(cfr. doc. 3 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido)

8. A proposta da A. indicava como técnicos para preencherem estes requisitos:
«1.2.10 Engenheiro Eletrotécnico:
A Eng. M…, que se encontra inscrita no Colégio de Engenharia de Energia e Sistemas de Potência da Ordem dos Engenheiros Técnicos conforme Declaração emitida por esta entidade, e licenciada em Engenharia Eletrotécnica pelo Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, conforme certidão de conclusão de concurso, documentos incluídos na proposta da A.;
e
▪ 1.2.12 Engenheiros Mecânicos
O Eng. F…, que se encontra inscrito no Colégio de Engenharia Mecânica da Ordem dos Engenheiros Técnicos conforme Declaração emitida por esta entidade, documento incluído na proposta da A., licenciado em Engenharia Mecânica pela Escola Superior de Tecnologia de Setúbal, conforme certidão de conclusão de concurso, documentos incluídos na Proposta da A.;
E
O Eng. J… que se encontra inscrito na Ordem dos Engenheiros, na especialidade de Mecânica conforme Declaração emitida por esta entidade, licenciado em Engenharia Mecânica pelo Instituto Superior Técnico, conforme certidão de conclusão de concurso, documentos incluídos na proposta da A.;
E ainda
O Eng. G… que também se encontra inscrito na Ordem dos Engenheiros, na especialidade de Mecânica conforme Declaração emitida por esta entidade, licenciado em Engenharia Mecânica pela Universidade Nova de Lisboa, conforme certidão de conclusão de concurso, documentos igualmente incluídos na proposta da A.;
(cfr. docs. 17 a 23 juntos com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido, e documentação junta aos autos em suporte físico pela Entidade Demandada)

9. O júri do concurso procedeu, em 05.02.2021, à publicitação da seguinte lista dos candidatos na plataforma eletrónica utilizada pela R.:
1- Q…, S.A.
2 – V…, S.A.
3 – M…, S.A.
(cfr. fls. 23 do processo administrativo – ficheiro 3, cujo teor se dá por reproduzido)

10. Analisadas as candidaturas apresentadas, o Júri do Concurso emitiu o Relatório Preliminar da Fase de Qualificação, em 09.03.2021, tendo proposto a exclusão das três candidaturas apresentadas;
(cfr. fls. 26 a 29 do processo administrativo – ficheiro 3, cujo teor se dá por reproduzido)

11. Em sede de audiência prévia foram apresentadas pronúncias pelos candidatos, incluindo a ora Autora, que pugnou pela admissão da sua candidatura e exclusão das demais;
(cfr. doc. 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido)

12. Em 12.4.2021, o Júri elaborou o Relatório Final da Fase de Qualificação, no qual qualifica o candidato n.º 3 – M…, SA e mantém a exclusão das outras duas candidaturas;
(cfr. doc. 7 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido)

13. A 20.04.2021, o candidato n.º 1 – Q…, S.A. apresentou nova pronúncia e, após ponderação desta, o Júri procedeu à elaboração do Relatório Final II da Fase de Qualificação, de 11 de maio, decidindo manter a proposta de qualificação do candidato nº3-M…, S.A”, e a exclusão das candidaturas dos candidatos nº 1- Q…, S.A e nº 2- V…, S.A.
(cfr. doc. 8 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido)

14. Por deliberação do seu Conselho Diretivo de 14.05.2021, o IGFEJ decidiu, sob proposta do Júri, qualificar apenas a ora A. e excluir as restantes candidaturas, no âmbito do procedimento, e aprovar o envio do convite para apresentação de proposta conforme previsto no artigo 189.º do CCP;
(cfr. doc. 9 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido)

15. Nessa sequência, foi enviado o convite à ora Autora, o qual predispõe, nomeadamente:
(…)
Artigo 11.º Documentos que instruem a proposta
1. A Proposta elaborada de acordo com o modelo constante do ANEXO I do programa de procedimento, será redigida em língua portuguesa, sem rasuras, entrelinhas ou palavras riscadas e com a menção de CONFIDENCIAL deverá ser instruída com os seguintes documentos:
e) Declarações de Inscrição da respetiva Ordem profissional de todos elementos da equipa exigidos no anexo I do Caderno de Encargos;
(…)»
(cfr. doc. 4 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido)

16. A Autora apresentou a sua proposta;
(admitido por acordo)

17. Em 06.07.2021 o Júri do procedimento solicitou esclarecimentos à Autora, nos termos seguintes:
“Nos termos do artigo 72.º do CCP, solicita-se a entrega de documento que comprove a inscrição na Ordem dos Engenheiros dos técnicos indicados para as especialidades referidas no ponto 1.2.10 e 1.2.12 do Anexo I do Caderno de Encargos, conforme solicitado na alínea e) do nº 1 do artigo 27º do programa de concurso.
Dado o carater confidencial deste procedimento os documentos deverão ser entregues pessoalmente, entre as 10.00 e as 12.00h do dia 8 de julho de 2021, nas instalações do IGFEJ, I.P. (…)”.
(cfr. doc. 10 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido)

18. Por comunicação de 8 desse mês de julho, a A. respondeu ao Júri nos seguintes termos:
«Em resposta ao V. pedido de esclarecimentos no sentido de se proceder à "a entrega de documento que comprove a inscrição na Ordem dos Engenheiros dos técnicos indicados para as especialidades referidas no ponto 1.2.10 e 1.2.12 do Anexo I do Caderno de Encargos, conforme solicitado na alínea e) do n° 1 do artigo 27° do programa de concurso", vem o Concorrente M…, Lda.:
1) Relativamente às especialidades referidas no ponto 1.2.10 do Anexo I do Caderno de Encargos (1.2.10 Engenheiro Eletrotécnico - Projetos de Segurança e Emergência (Safety e Secure):
Junto se anexa Declaração da OET - Ordem dos Engenheiros Técnicos a confirmar a inscrição profissional nesta ordem profissional da Eng.ª M… (Doc. 1), licenciada em Engenharia Eletrotécnica, conforme certificado de habilitações junto como Doc. 1-A.
Junta-se ainda Declaração Geral da OET Ordem dos Engenheiros Técnicos na qual estão detalhados todos os atos de Engenharia habilitados a ser praticados pela Eng.ª M…
(Doc. 1-C).
2) Relativamente às especialidades referidas no ponto 1.2.12 do Anexo I do Caderno de Encargos (1.2.12 Engenheiros Mecânicos - Projetos de AVAC, Certificação Térmica, Gás e Transporte) junto:
a) Declaração da OET - Ordem dos Engenheiros Técnicos a confirmar a inscrição profissional nesta ordem profissional do Eng. F… (Doc. 2).
b) Declaração da OE - Ordem dos Engenheiros Região Sul a confirmar a inscrição profissional nesta ordem profissional do Eng. G… (Doc. 3).
c) Declaração da OE - Ordem dos Engenheiros Região Sul a confirmar a inscrição profissional nesta ordem profissional do Eng. J… (Doc. 4).
Mais informamos que, desde 2018, a Ordem dos Engenheiros deixou de emitir declarações especificas relativas aos projetos de Elevadores, os quais se incluem nos projetos das especialidades de engenharia mecânica.
Por último, a alínea e) do n.º 1 do art. 27.º do Programa de Concurso reporta-se a "Declarações de Inscrição da respetiva Ordem profissional", sendo, assim, suficientes as declarações supra, incluindo as da Ordem dos Engenheiros Técnicos, nas valências requeridas, em conformidade, aliás, com o disposto, designadamente nos arts. 4°, 100 e. Anexo III (quadro 2) da Lei 40/2015, de 1 de junho, que estabelece a qualificação profissional exigível aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projetos, coordenação de projetos, assim se dando cumprimento a todas as exigências constantes do Programa de Concurso, do Caderno de Encargos e do Convite».
(cfr. doc. 11 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido)

19. Em 09.07.2021, o Júri do procedimento elaborou o Relatório Preliminar, da Fase de Adjudicação, remetido à empresa qualificada via plataforma eletrónica, no qual deliberou:
“Em 08.07.2021 o candidato respondeu ao solicitado apresentando documentos que não comprovam a inscrição na Ordem dos Engenheiros (OE) de M… e F…, e apresentam ambos o comprovativo de inscrição na OET.
Assim,
A proposta apresentada pelo candidato qualificado n.º 3- M…, S.A”, com o preço total de 988000,00€, não cumpre todas as condições fixadas, uma vez que não apresenta os documentos que comprovem a exigência constante do Anexo I do Caderno de Encargos, conforme solicitado na alínea e) do nº 1 do artigo 27º do programa de concurso e alínea e) do nº 1 do artigo 11º do convite, incorrendo em causa de exclusão nos termos da alínea d) do nº 2 do artigo 146º do CCP.
III – CONCLUSÃO
3.1. – Face ao exposto, o júri delibera excluir a proposta do candidato nº 3 – M…, S.A.
3.2. – Nos termos e para os efeitos do artigo 147º do Código dos Contratos Públicos, será o presente relatório preliminar remetido ao candidato qualificado, fixando-se-lhe um prazo de 5 (cinco) dias, para se pronunciar, por escrito, ao abrigo do direito de audiência prévia dos interessados”.
(cfr. doc. 12 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido)

20. Notificada do Relatório Preliminar, em Fase de Adjudicação, a ora Autora apresentou pronúncia, em sede de audiência prévia, pugnando pela aceitação da sua Proposta e consequente adjudicação;
(cfr. doc. 13 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido)

21. O Júri não acolheu os argumentos apresentados pela A. e, em 03.09.2021, emitiu o Relatório Final, propondo a exclusão da proposta desta, com os seguintes fundamentos:
«O júri ponderou as observações apresentadas pelo concorrente, tendo deliberado o seguinte:
- O júri delibera não aceitar as observações apresentadas uma vez que considera que:
- O PP, o Convite e o CE definem quais as habilitações profissionais exigidas aos técnicos que irão elaborar o projeto a concurso;
- Que as cláusulas técnicas do Caderno de Encargos correspondem a aspetos essenciais subjacentes à decisão de contratar e não submetidos à concorrência; - Para os projetos de Segurança e Emergência (Safety e Secure) e de AVAC, Certificação Térmica, Gás e Transporte, a entidade adjudicante definiu no CE que os técnicos para elaborar o projeto tinham que possuir a qualificação profissional de Engenheiro.
- O concorrente apresentou a sua proposta no prazo estipulado para o efeito e após interpelação do Júri, em sede de esclarecimentos, veio apresentar declarações que comprovam a inscrição dos técnicos, na Ordem dos Engenheiros Técnicos para a realização dos projetos supra identificados;
- As qualificações exigidas aos técnicos, nos termos do disposto na Lei n.º 31/2009, na sua atual redação para elaborar os projetos de especialidades de Engenharia são qualificações mínimas;
O concorrente não instrui a sua proposta com os documentos que comprovem a qualificação exigida para os técnicos indicados para as especialidades referidas nos pontos 1.2.10 e 1.2.12 do Anexo I ao Caderno de Encargos, ou seja a inscrição na Ordem dos Engenheiros.
III – CONCLUSÃO
Face ao exposto, o júri mantém a decisão de propor a exclusão a proposta do candidato M…, S.A.»
(cfr. doc. 14 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido)

22. Em 16.09.2021, o Conselho Diretivo do IGFEJ, órgão com competência para contratar, deliberou concordar com a exclusão da proposta da empresa qualificada “M…, S.A.”, não adjudicando e, em consequência, revogando a decisão de contratar, com os seguintes fundamentos:

«Imagem no original»
«Imagem no original»
«Imagem no original»
«Imagem no original»


(cfr. doc. 15 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido)

23. A deliberação citada no parágrafo anterior foi notificada à A. no dia 23.09.2021;
(cfr. doc. 16 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido)
***
2. Factos não provados
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.
***
3. Motivação da matéria de facto
A decisão da matéria de facto teve por base o exame crítico da posição das partes (art. 83.º, n.º 4 do CPTA) e dos elementos documentais não impugnados juntos com os articulados das partes e o processo administrativo instrutor, a que foi sendo feita referência em cada uma das alíneas do probatório, e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do Tribunal.(…)».

De Direito
i) Do erro de julgamento de direito em que incorreu a sentença recorrida ao ter mantido a deliberação da Recorrida de excluir a proposta da Recorrente, de não adjudicar e de revogar a decisão de contratar, por violação dos princípios da concorrência, de favor participationis, da proporcionalidade, igualdade de tratamento e não discriminação, e liberdade de iniciativa económica e prossecução do interesse público consagrados nos artigos 18.º e 58.º, n.º 1, da Diretiva n.º 2014/24/EU, de 26.02.2014 (Diretiva), nos arts. 9º, alínea d), 13.º, 26.º, n.º 1, 81.º, alínea f), e 266.º, nºs. 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), assim como no art.1.º-A, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos (CCP), assim como dos arts. 4.º, n.º 1, 6.º, n.º 1 e 10.º, n.º 3, e anexo III, da Lei n.º 31/2009, de 03.07.

Sopesando, para o efeito, e claro está, qual a margem de liberdade de que a Recorrida dispunha para estabelecer os requisitos de capacidade técnica e financeira no concurso em apreço.

Antes, porém, de entramos na análise estrita destas questões, importa ainda, de igual modo, e pelas mesmas razões, esclarecer que, contrariamente ao entendimento aduzido pelo tribunal a quo, a Recorrente não teria de ter formulado um expresso pedido de declaração de ilegalidade dos referidos parâmetros do Caderno de Encargos e demais documentos do concurso, por violação das normas supra identificadas, pois que ao impugnar a deliberação em causa, que a excluiu do concurso, não adjudicou e revogou a decisão de contratar, invocou, a título incidental, que a ilegalidade desse ato resulta da ilegalidade das citadas disposições do CE.

E, na verdade, o invocado efeito restritivo da concorrência, com influência, desde logo, no número de restrito de três candidaturas e de uma única proposta admitida, tem decisiva e indesmentível repercussão no conteúdo e sentido da deliberação impugnada.

Assim, o ato de exclusão da proposta da Recorrente, de não adjudicação e de revogação da decisão de contratar, praticado num procedimento em que se previam disposições como as que foram questionadas nos autos, configura, pois, no caso, a aplicação daquelas, porquanto assim se materializam os seus efeitos restritivos do universo de potenciais candidatos e propostas, cujo expoente máximo foi, efetivamente, a exclusão de todas elas, como sucedeu no caso em apreço.

O que é o que basta, para que este tribunal de recurso possa conhecer do objeto do recurso nesta perspetiva, que não a do tribunal a quo, e daí retirar as devidas consequências quanto à validade do ato sub judice (1).

Neste pressuposto, avancemos então.

O procedimento escolhido pela Recorrida, ao abrigo do art. 18.º do CCP, foi o concurso limitado por prévia qualificação, regulado nos seus art.s 162º a 192.º do mesmo diploma legal.

Trata-se de um procedimento a que só podia ter acesso quem preenchesse os requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira estabelecidos, os quais, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 164.º, n.º 1, alíneas h) e 165.º, n.º 1, ambos do CCP, devem ser «adequados à natureza das prestações objecto do contrato a celebrar».

Neste tipo de procedimento, a entidade adjudicante pode, assim, logo à partida, afastar uma parte dos potenciais interessados ao concurso, não só porque este modelo de procedimento o permite, mas também porque a escolha de determinados requisitos técnicos e financeiros têm essa consequência lógica.

Por esse motivo, a legislação nacional, designadamente, o art. 38.º do CCP, e europeia, designadamente, art.s 18.º e 58.º, da Diretiva 2014/24, exigem que tais poderes sejam usados de forma criteriosa e fundamentada, assim se pretendendo evitar que por via disso se incorra em violações não desejadas dos princípios da concorrência, da proporcionalidade, da igualdade e da imparcialidade, invalidantes do procedimento.

Por ser assim, a Recorrida, previamente à escolha do procedimento, embora pudesse e devesse ter feito uma ponderação valorativa de todos os requisitos que se propunha elencar como condição do acesso ao mesmo, não poderia, no entanto, eleger requisitos sem base racional e sem fundamento legal, que se apresentassem como um injustificado entrave à concorrência, pois que seriam aptos a afastar eventuais interessados num cumprimento satisfatório do contrato. Só desse modo se garante, pois, que a escolha do procedimento e os requisitos do seu acesso estejam de acordo com a lei e contribuam para a real satisfação do interesse público.

E o que ficou dito é essencial na economia das questões a resolver no âmbito do presente recurso, pois que a Recorrente insurge-se contra o facto de a Recorrida exigir a inscrição na Ordem dos Engenheiros, e não apenas na Ordem dos Engenheiros Técnicos, enquanto requisito mínimo da capacidade técnica, no âmbito de um concurso limitado por prévia qualificação para a construção de um estabelecimento prisional, não tendo, para o efeito, aduzido qualquer justificação e sendo certo que a legislação nacional não distingue uns e outros, quanto à elaboração e subscrição dos projetos das especialidades de engenharia – cfr. Lei n.º 31/2009, de 03.07., alegando, e em suma, que «A) Resulta da Lei 31/2009, de 3 de julho, designadamente do n.º 1 do art. 4º, do n.º 1 do art. 6.º e do n.º 3 do art. 10.º, um regime de equiparação entre engenheiros e engenheiros técnicos para o exercício de funções da mesma natureza, não existindo também uma definição diferenciada dos atos próprios da profissão de engenheiro e de engenheiro técnico, nem tão pouco a mesma Lei distingue os atos pertencentes a cada uma das duas categorias profissionais.

A Lei n.º 31/2009 não faz depender, de modo diferenciado, a prática de certos atos de engenharia da titularidade da habilitação de engenheiro ou de engenheiro técnico, mas sim, de modo indiferenciado, da titularidade de um desses dois títulos profissionais.

B) Assim, os projetos das especialidades de engenharia referidos nos pontos 1.2.10 e 1.2.12 do Anexo 1 do Caderno de Encargos relativos a “Projetos de Segurança e Emergência” e “Projetos de AVAC, Certificação Térmica, Gás e Transporte” podem ser elaborados, indistintamente, por Engenheiros Técnicos inscritos na Ordem dos Engenheiros Técnicos ou por Engenheiros inscritos na Ordem dos Engenheiros, conforme se retira do Quadro 2 do Anexo III da Lei 31/2009» - cfr. alíneas A) e B) das conclusões de recurso.

Vejamos por partes.

É pacificamente aceite caber à Administração – e, portanto, no caso, à Recorrida – a definição dos termos do concurso e a fixação dos critérios que o enformarão por essa tarefa constituir uma competência sua, reservada, inserida na margem de livre apreciação ou das prerrogativas de avaliação de que dispõe. Como também se não discute que esse poder não pode ser usado arbitrariamente visto a liberdade de que a Administração dispõe para esse efeito lhe ter sido concedida para melhor defender o interesse público e não para, injustificadamente, afastar do procedimento uma parte dos potenciais interessados.

O que, de resto, se afeiçoa com uma verdade que, também, não sofre contestação: a de que o poder discricionário, enquanto margem de livre atuação, em virtude de ser um poder fundado na lei, só pode ser exercido dentro dos limites por ela traçados, desde logo, os decorrentes dos já citados princípios gerais da contratação pública e, bem assim, da atividade administrativa.

Daí que o mesmo não esteja a salvo de sindicância judicial a qual, porém, não é plena, pois que, sob pena de violação do princípio da separação de poderes, não pode sobrepor-se ao juízo da Administração quando ele se contenha dentro de coordenadas técnicas ou de planos que não extravasam a sua margem de decisão nas situações de não vinculação.

Esta contenção do juiz administrativo só pode, deve, ser preterida, quando for visível que a Administração agiu com erro grosseiro ou manifesto, que mereça uma censura particular, ou quando seja visível que a invocação de regras técnicas e a formulação de tais juízos foi feita com violação dos princípios gerais a que a sua atividade está subordinada.

Neste pressuposto, resta apurar se, no caso em apreço, ocorreu a alegada violação dos invocados princípios da concorrência, de favor participationis, da proporcionalidade, igualdade de tratamento e não discriminação, e liberdade de iniciativa económica e prossecução do interesse público consagrados nos artigos 18.º e 58.º, n.º 1, da Diretiva n.º 2014/24/EU, de 24.02.2014 (Diretiva), nos arts. 9.º, alínea d), 13.º, 26.º, n.º 1, 81.º, alínea f), e 266.º, nºs. 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), assim como no art.1.º-A, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos (CCP), assim como dos arts. 4.º, n.º1, 6.º, n.º1 e 10.º, n.º 3, e respetivo anexo III, da Lei n.º 31/2009, de 03.07.

Atentemos, pois, na matéria de facto provada nos autos.

Do Anexo III do Programa do Procedimento (PP), sob a epígrafe «requisitos mínimos de capacidade técnica», foi estabelecido, para o que aqui interessa, que os engenheiros coordenadores dos projetos poderiam estar inscritos quer na Ordem dos Engenheiros, quer na Ordem dos Engenheiros Técnicos – cfr. facto n.º 6 supra que aqui se transcreve, em parte:

«(…) 3. Dispor dos seguintes técnicos a afetar à prestação de serviços, com as seguintes qualificações mínimas:

3.1 Coordenador Geral de Projeto - Licenciatura em arquitetura ou Engenharia Civil com 10 anos de experiência profissional, inscrito na Ordem dos Arquitetos na Ordem dos Engenheiros ou na Ordem dos Engenheiros Técnicos, e que tenha coordenado pelo menos 3 (três) projetos de dimensão ou valor superior a 50% do posto a concurso.

3.2 Coordenador do Projeto de Arquitetura, Sinalética, Mobiliário, Plano de Acessibilidades e Sustentabilidade - Licenciatura em Arquitetura com 10 anos de experiência profissional comprovada, inscrito na Ordem dos Arquitetos e tenha elaborado pelo menos 3 (três) projetos de execução de dimensão ou valor superior a 50% do posto a concurso

3.3 Coordenador das Especialidades - Licenciatura em Engenharia com 10 anos de experiência profissional, inscrito na Ordem dos Engenheiros ou na Ordem dos Engenheiros Técnicos e tenha coordenado, pelo menos, 3 (três) projetos de execução de dimensão ou valor superior a 50% do posto a concurso».

Já no Anexo I do Caderno de Encargos (CE), sob a epígrafe «especificações da prestação de serviços», são estabelecidas as habilitações/qualificações que os técnicos a propor devem possuir, constando, na parte que interessa, que todos os engenheiros indicados na proposta, e não apenas nos itens que suscitaram o presente dissídio, deveriam estar inscritos na Ordem dos Engenheiros e não na Ordem dos Engenheiros Técnicos - cfr. facto n.º 7 supra que aqui se transcreve:

«(…)

1.2 Os técnicos a propor devem possuir as seguintes habilitações:

1.2.1 Coordenador Geral de Projeto

 Licenciatura em arquitetura ou Engenharia Civil com 10 anos de experiência profissional,

inscrito na Ordem dos Arquitetos ou Ordem dos Engenheiros e que tenha coordenado pelo menos 3 (três) projetos de dimensão ou valor superior a 50% do posto a concurso.

1.2.2 Coordenador do Projeto de Arquitetura, Sinalética, Mobiliário, Plano de Acessibilidades e Sustentabilidade

 Licenciatura em Arquitetura com 10 anos de experiência profissional comprovada, inscrito na

Ordem dos Arquitetos e tenha elaborado pelo menos 3 (três) projetos de execução de dimensão ou valor superior a 50% do posto a concurso.

1.2.3 Arquitetos – Projetos de Arquitetura, Sinalética, Mobiliário e Plano de Acessibilidades

 Licenciatura em Arquitetura com 5 anos de experiência profissional comprovada, inscrito na Ordem dos Arquitetos e tenha elaborado pelo menos 3 (três) projetos de execução de dimensão ou valor superior a 20% do posto a concurso.

1.2.4 Arquiteto Sustentabilidade

 Licenciatura em Arquitetura com 5 anos de experiência profissional comprovada, inscrito na Ordem dos Arquitetos e tenha elaborado pelo menos 3 (três) projetos de execução de dimensão ou valor superior a 30% do posto a concurso. Cumulativamente deverá ter elaborado projetos que se encontrem certificados por sistema de certificação ambiental, nomeadamente LiderA, HQE, BREEAM, LEED e que incorporem sistema de arquitetura bioclimática, passive house ou similar.

1.2.5 Arquiteto Paisagístico

 Licenciatura em Arquitetura Paisagística com 5 anos de experiência profissional comprovada, inscrito na respetiva Ordem e tenha elaborado, pelo menos, 3 (três) projetos de execução, na especialidade correspondente, de dimensão ou valor superior a 20% do posto a concurso.

1.2.6 Coordenador das Especialidades

 Licenciatura em Engenharia com 10 anos de experiência profissional, inscrito na Ordem dos Engenheiros e tenha coordenado, pelo menos, 3 (três) projetos de execução de dimensão ou valor superior a 50% do posto a concurso.

1.2.7 Engenheiros Civis – Projeto de Fundações e Estruturas

 Licenciatura em Engenharia Civil com 5 anos de experiência profissional, inscrito na Ordem dos Engenheiros e tenha elaborado, pelo menos, 3 (três) projetos de execução, na especialidade correspondente, de dimensão ou valor superior a 20% do posto a concurso.

1.2.8 Engenheiros Civis – Projetos de Águas e Esgotos

 Licenciatura em Engenharia Civil com 5 anos de experiência profissional, inscrito na Ordem dos Engenheiros e tenha elaborado, pelo menos, 3 (três) projetos de execução, na especialidade correspondente, de dimensão ou valor superior a 20% do posto a concurso.

1.2.9 Engenheiros Eletrotécnicos – Projetos de Eletricidade e ITED

 Licenciatura em Engenharia Eletrotécnica com 5 anos de experiência profissional, inscrito na Ordem dos Engenheiros e tenha elaborado, pelo menos, 3 (três) projetos de execução, na especialidade correspondente, de dimensão ou valor superior a 20% do posto a concurso.

1.2.10 Engenheiro Eletrotécnico – Projetos de Segurança e Emergência (Safety e Secure)

 Licenciatura em Engenharia Eletrotécnica com 5 anos de experiência profissional, inscrito na Ordem dos Engenheiros e tenha elaborado, pelo menos, 3 (três) projetos de execução, na especialidade correspondente, de dimensão ou valor superior a 20% do posto a concurso.

1.2.11 Engenheiro Eletrotécnico – Projetos de Gestão Técnica Domótica

 Licenciatura em Engenharia Eletrotécnica com 5 anos de experiência profissional, inscrito na Ordem dos Engenheiros e tenha elaborado, pelo menos, 3 (três) projetos de execução, na especialidade correspondente, de dimensão ou valor superior a 20% do posto a concurso.

1.2.12 Engenheiros Mecânicos – Projetos de AVAC, Certificação Térmica, Gás e Transporte - Licenciatura em Engenharia Mecânica com 5 anos de experiência profissional, inscrito na Ordem dos Engenheiros e tenha elaborado, pelo menos, 3 (três) projetos de execução, na especialidade correspondente, de dimensão ou valor superior a 20% do posto a concurso.

1.2.13 Engenheiro Mecânico – Plano de Manutenção e Operação e Plano de Comissionamento

 Licenciatura em Engenharia com 5 anos de experiência profissional, inscrito na Ordem dos Engenheiros e tenha elaborado, pelo menos, 3 (três) Planos de Comissionamento e Planos de Manutenção e Operação, de dimensão ou valor superior a 20% do posto a concurso.

1.2.14 Perito Qualificado – Projeto e Certificação de Acústica

 Licenciatura em engenharia e especialista em Engenharia Acústica da Ordem dos Engenheiros

ou similar, de acordo com a legislação, com 5 anos de experiência profissional e que tenha elaborado, pelo menos, 3 (três) projetos de execução e certificação acústica de projetos de dimensão ou valor superior a 20% do posto a concurso. (…)».

Por seu turno, na sua proposta, a Recorrente identificou, nos itens 1.2.10 e 1.2012, os seguintes técnicos:

«1.2.10 Engenheiro Eletrotécnico:

A Eng. M…, que se encontra inscrita no Colégio de Engenharia de Energia e Sistemas de Potência da Ordem dos Engenheiros Técnicos conforme Declaração emitida por esta entidade, e licenciada em Engenharia Eletrotécnica pelo Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, conforme certidão de conclusão de concurso, documentos incluídos na proposta da A.;

e

▪ 1.2.12 Engenheiros Mecânicos

O Eng. F…, que se encontra inscrito no Colégio de Engenharia Mecânica da Ordem dos Engenheiros Técnicos conforme Declaração emitida por esta entidade, documento incluído na proposta da A., licenciado em Engenharia Mecânica pela Escola Superior de Tecnologia de Setúbal, conforme certidão de conclusão de concurso, documentos incluídos na Proposta da A.;

E

O Eng. J… que se encontra inscrito na Ordem dos Engenheiros, na especialidade de Mecânica conforme Declaração emitida por esta entidade, licenciado em Engenharia Mecânica pelo Instituto Superior Técnico, conforme certidão de conclusão de concurso, documentos incluídos na proposta da A.;

E ainda

O Eng. G… que também se encontra inscrito na Ordem dos Engenheiros, na especialidade de Mecânica conforme Declaração emitida por esta entidade, licenciado em Engenharia Mecânica pela Universidade Nova de Lisboa, conforme certidão de conclusão de concurso, documentos igualmente incluídos na proposta da A.;(…)».

Atendendo a que o critério de adjudicação fixado no Programa do Procedimento - cfr. facto n.º 6 supra – era o do mais baixo preço, dúvidas não há que o preço era o único atributo da proposta sujeito a avaliação.

De onde decorre que os itens supra transcritos consubstanciam aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência e que, em situações normais, da sua observância depende a admissão da proposta em sede de análise.

Porém, decorre também da matéria de facto provada nos autos que nem no Programa do Procedimento (PP) – cfr. facto n.º 6 supra -, nem no Cadernos de Encargos (CE) – cfr. facto n.º 7 supra -, e, bem assim, nem na presente ação e recurso, a Recorrida, apresentou qualquer tipo de justificação para, em primeiro lugar, admitir a inscrição em ambas as ordens profissionais, dos engenheiros coordenadores do projeto – Cfr. Anexo III do PP - e admitir exclusivamente a inscrição na Ordem dos Engenheiros no Anexo I do CE, quando à elaboração dos projetos, sabendo que Lei n.º 31/2009, de 03.07, designadamente do n.º 1 do art. 4º, do n.º 1 do art. 6.º e do n.º 3 do art. 10.º, e anexo III, estabelece um regime de equiparação entre engenheiros e engenheiros técnicos para o exercício de funções da mesma natureza e que não existe uma definição diferenciada dos atos próprios da profissão de engenheiro e de engenheiro técnico. Os projetos das especialidades de engenharia referidos nos pontos 1.2.10 e 1.2.12 do Anexo 1 do Caderno de Encargos (CE), aqui postos em causa, relativos a projetos de Segurança e Emergência e a projetos de AVAC, Certificação Térmica, Gás e Transporte, podem ser elaborados, indistintamente, por engenheiros técnicos inscritos na Ordem dos Engenheiros Técnicos ou por engenheiros inscritos na Ordem dos Engenheiros, conforme se resulta do Quadro 2 do Anexo III, ex vi art. 10.º, n.º 3, da citada Lei n.º 31/2009.

Além de que, também surpreende, com efeito, que em sede de requisitos mínimos da capacidade técnica, se admitam uns e outros e que, apenas em sede de especificações da prestação do serviço se restrinja à inscrição na Ordem dos Engenheiros.

Restrição essa a que a Recorrida não deu resposta, invocando apenas a sua margem de livre conformação das peças do procedimento, o que, e face a todo o exposto, é pouco.

Sobre questão similar à que aqui nos ocupa, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), em recente decisão, de 31.03.2022, P. C 195/21 (2), chamado a pronunciar-se, em sede de reenvio prejudicial, sobre a seguinte questão, entre outras, «(…) Deve o artigo 58.o, n.º 4, da Diretiva [2014/24] ser interpretado no sentido de que os requisitos impostos nos critérios de seleção de capacidade profissional do pessoal do operador económico para um contrato especializado no setor da construção podem ser mais estritos do que os requisitos mínimos de formação e qualificação profissional estabelecidos pela legislação nacional especial (artigo 163.º, n.º 4, da [Lei do Ordenamento do Território]), sem que isso constitua, por si, uma restrição da concorrência? Mais concretamente: a exigência de «proporcionalidade» dos requisitos estabelecidos de participação em relação ao objeto do contrato: a) obriga o órgão jurisdicional nacional a apreciar a proporcionalidade com base nas provas recolhidas e nos parâmetros concretos do contrato, mesmo nos casos em que a legislação nacional indica uma série de especialidades profissionais que, em princípio, são qualificadas para exercer as atividades estabelecidas no contrato, ou b) permite que a fiscalização jurisdicional seja limitada à apreciação da questão de saber se os requisitos para a participação são demasiado estritos tendo em conta os que, em princípio, são previstos pela legislação nacional especial?» (negritos e sublinhados nossos), respondeu nos seguintes termos:

«(…)

47 - Importa observar que a resposta a esta questão decorre claramente da própria redação do artigo 58.o da Diretiva 2014/24.

48 - Em conformidade com o artigo 58.o, n.o 1, segundo parágrafo, dessa diretiva, uma autoridade adjudicante só pode impor aos operadores económicos, a título de condições de participação, os critérios referidos no artigo 58.o, n.os 2, 3 e 4, da referida diretiva, relativos, respetivamente, à habilitação para o exercício da atividade profissional, à capacidade económica e financeira e à capacidade técnica e profissional. Por outro lado, as mencionadas condições devem limitar-se às que são adequadas para assegurar que um candidato ou proponente disponha da capacidade legal e financeira e das habilitações técnicas e profissionais necessárias para o cumprimento do contrato a adjudicar. Além disso, todos estes requisitos devem estar ligados e ser proporcionados ao objeto do contrato.

49 - A autoridade adjudicante deve cumprir ainda, no momento da determinação dos critérios de seleção, os princípios fundamentais da contratação pública enunciados no artigo 18.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24. Incumbe-lhe também, em primeiro lugar, tratar os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação, bem como atuar de maneira transparente e proporcionada, e, em segundo lugar, garantir que a organização do contrato não tem o intuito de que não seja abrangido pelo âmbito de aplicação dessa diretiva ou de reduzir artificialmente a concorrência, organizando-o no intuito de favorecer ou desfavorecer indevidamente determinados operadores económicos.

50 - No entanto, uma vez que a autoridade adjudicante é quem está mais bem colocada para avaliar as suas próprias necessidades, o legislador da União reconheceu-lhe um amplo poder de apreciação para a determinação dos critérios de seleção, o que está patente, nomeadamente, na utilização recorrente do verbo «poder» no artigo 58.o da Diretiva 2014/24. Assim, em conformidade com o n.o 1 deste artigo, esta autoridade beneficia de uma certa latitude para definir os requisitos de participação num procedimento de contratação pública que considere deverem estar ligados e ser proporcionados ao objeto do contrato, bem como adequados para assegurar que um candidato ou proponente disponha da capacidade legal e financeira e das habilitações técnicas e profissionais necessárias para cumprir o contrato a adjudicar. Mais concretamente, segundo o n.o 4 do referido artigo, a autoridade adjudicante aprecia livremente os requisitos de participação que considera apropriados, do seu ponto de vista, a assegurar, nomeadamente, um nível de qualidade adequado na execução do contrato.

51 - Por conseguinte, quando um requisito de qualificação encontre justificação no objeto do contrato, seja proporcionado a este e cumpra igualmente com os demais requisitos recordados nos n.os 48 e 49 do presente acórdão, o artigo 58.o da Diretiva 2014/24 não pode impedir uma autoridade adjudicante de impor esse requisito no anúncio de concurso pelo simples facto de exceder o nível de exigência mínimo imposto pela legislação nacional. Para este efeito, incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais interpretar, tanto quanto possível, o seu direito interno em conformidade com o direito da União (v., neste sentido, Acórdãos 24 de junho de 2019, Pop³awski, C-573/17, EU:C:2019:530, n.o 57, e de 6 de outubro de 2021, Sumal, C-882/19, EU:C:2021:800, n.o 70).

(…)

53 - Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão prejudicial que o artigo 58.o, n.os 1 e 4, da Diretiva 2014/24 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que, no âmbito de um procedimento de contratação pública, uma autoridade adjudicante possa estabelecer, nos critérios de seleção relativos à capacidade técnica e profissional dos operadores económicos, requisitos mais rigorosos do que os requisitos mínimos impostos pela legislação nacional, desde que sejam adequados a garantir que um candidato ou um proponente dispõe da competência técnica e profissional necessária para cumprir o contrato a adjudicar, estejam ligados ao objeto do contrato e sejam proporcionados a este.» (negritos e sublinhados nossos).

Aderindo inteiramente à doutrina que dimana do citado aresto, podemos concluir com segurança que, no caso em apreço, a exigência de estrita inscrição na Ordem dos Engenheiros não encontra razão aparente, nem foi invocada, no objeto do contrato, in casu, de aquisição de serviços para a elaboração do projeto para o novo Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada, nos Açores – cfr. facto n.º 1 supra -, e nem a mesma se revela proporcional, atendendo ao que resulta da Lei n.º 31/2009, de 03.07., designadamente, dos seus art.s 4.º, n.º 1, 6.º, n.º 1 e 10.º, n.º 3 e supra referido Quadro 2 do Anexo III deste diploma legal.

Não tendo sido cumpridos, também, na situação em apreço, os demais requisitos enunciados nos n.ºs 48 e 49 do citado acórdão do TJUE, e excedido, assim, os poderes que detêm as entidades adjudicantes, enunciados, também, no n.º 50, do mesmo acórdão do TJUE, todos supra transcritos.

Nesta medida, considera-se desproporcional a aludida exigência face ao objeto do contrato e às tarefas que o mesmo importa, bem como se concluir que a mesma viola o princípio da concorrência.

De notar que, em relação à referida exigência que, nos termos supra expostos, violam a legislação da União, os princípios da proporcionalidade e da concorrência e não discriminação e, bem assim, o art. 49.°, n.° 4, do CCP, a Recorrida não apresentou justificações suficientes e adequadas para as restrições operadas por via das especificações fixadas, estribando- se, essencialmente, na margem discricionária de que beneficia na respetiva fixação.

Assim sendo, e face a todo o exposto, em virtude de a referida exigência contida no Anexo I, do CE – cfr. facto n.º 7 supra – de inscrição na Ordem dos Engenheiros de todos os engenheiros que fazem parte da equipa identificados na proposta da Recorrente – não conter, indubitavelmente, uma ligação com o objeto do contrato em causa e, bem assim, a mesma exceder a margem de apreciação de que dispõe a autoridade adjudicante, face que resulta, designadamente, da Lei n.º 31/2009, de 03.07., imperioso se torna concluir que a sentença recorrida incorreu no suscitado erro de julgamento, não podendo, por esse motivo, manter-se.

Não obstante, devendo este tribunal de recurso conhecer em substituição, não pode acompanhar em toda a sua amplitude o pedido de condenação que foi formulado pela A., aqui Recorrente, de que seja a Recorrida condenada «à prática dos atos devidos em conformidade com o quadro legal exposto, a saber: admitir a proposta da Recorrente, proceder à sua adjudicação, por ser legalmente devido e por se tratar da única proposta apresentada, e celebrar o correspondente contrato de prestação de serviços.» - Cfr. alínea Y) das conclusões de recurso.

E isto por duas ordens de razões:

A primeira, porque não é verdade que o «imperativo da prevalência da Diretiva e dos princípios conformadores do Direito da União Europeia impõe, entretanto, que se proceda a uma interpretação em conformidade do Caderno de Encargos, para o efeito de se admitir que onde se exige que os técnicos a indicar para as especialidades referidas nos pontos 1.2.10 e 1.2.12 do respetivo Anexo I estejam inscritos na Ordem dos Engenheiros, se considere suficiente a inscrição na Ordem dos Engenheiros Técnicos, o que, além do mais, não prejudica terceiros, uma vez que a Consulente é a única concorrente presente no concurso»- cfr. alínea V) das conclusões de recurso.

Pois que, como vimos, tal imperativo de direito da União, assim como o CCP, apenas impõem limites a eventuais exigências de capacidade técnica e/ou financeira e a determinadas especificações técnicas, designadamente, a sua adequação ao necessário e desejável cumprimento do contrato a adjudicar e de que todos estes requisitos estejam ligados e sejam proporcionais com o seu objeto. Cumpridos estes limites, a entidade adjudicante pode conformar o procedimento com as exigências que considere necessárias, desde que cumpra também, no momento da determinação dos critérios de seleção, os princípios fundamentais da contratação pública enunciados no artigo 18.º, n.º 1, da Diretiva 2014/24, e no art. 1.º-A, do CCP, tratando os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação, bem como atuando de maneira transparente e proporcionada, assim se garantindo, designadamente, que a organização do contrato não tem o intuito de reduzir artificialmente a concorrência ou de favorecer ou desfavorecer indevidamente determinados operadores económicos.

Desiderato esse que deve ser alcançado com a repetição do procedimento e não com a desejada interpretação conforme das peças do procedimento sub judice, o que nos leva para a segunda ordem de razões, que enunciaremos de seguida.

De facto, assentando a exclusão da proposta da Recorrente em disposições das peças do procedimento aqui julgadas ilegais, a consequência da respetiva anulação, terá de ser a aprovação de novas peças, expurgadas das disposições que este tribunal de recurso considerou inválidas e não o aproveitamento deste procedimento.

Anulada a decisão de exclusão da proposta da A., ora Recorrente, e, bem assim, a decisão de não adjudicação por força das ilegalidades de que padecem, a consequência necessária de tal anulação determina a repetição do procedimento, bem como a aprovação pela Recorrida de novas peças do procedimento, expurgadas de tais invalidades e a prática de todos os atos subsequentes no âmbito de tal procedimento.

O princípio da legalidade, que vincula a Administração e os tribunais, assim o obriga.

A doutrina (3) e a jurisprudência, seguem, aliás, este sentido, como resulta, entre muitos, do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.01.2013, P. 0993/12 (4).

Ali, como aqui, qualquer outra solução faria perigar os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência – cfr. art. 1.º -A, do CCP -, pois que, e ao contrário do que conclui a Recorrente, não é objetivamente demonstrável que, no caso de ser conhecido de antemão o carácter indevido da exigência de inscrição de todos os engenheiros na Ordem dos Engenheiros, não teria havido mais concorrência e mais propostas qualificadas.

Sem a referida demonstração, não pode concluir-se que o resultado final do procedimento seria inelutavelmente o mesmo, ou que não haja prejuízo para terceiros, como aduz a Recorrente, razão pela qual não pode este tribunal aproveitar o procedimento, afastando o seu efeito invalidante que decorre da violação das normas que impõem a estabilidade das regras concursais (5).

De notar que ao presente procedimento apenas se candidataram três empresas e apenas uma proposta se qualificou, sendo que, a final, foi também excluída – cfr. resulta da matéria de facto.

Além de que, no caso concreto, não são conhecidos quaisquer outros motivos, de celeridade, urgência ou relativos à prossecução do interesse público que justifiquem, em qualquer medida, a compressão dos princípios da concorrência, igualdade e transparência, pois que, inclusivamente, o resultado foi, inclusivamente, a revogação da decisão de contratar.

Assim, no caso, o conteúdo concreto da presente decisão terá inevitáveis repercussões nos deveres que dela dimanam para a Recorrida, condicionando determinantemente os poderes de reinstrução do procedimento, uma vez que impede que sejam repetidas as invalidades detetadas, nos termos da fundamentação que antecede.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e, conhecendo em substituição:

a) Anular o ato que determinou a exclusão da proposta da Recorrente, a decisão de não adjudicação e, no mesmo âmbito, a revogação da decisão de contratar, no âmbito do procedimento em apreço;

b) Condenar a Recorrida a aprovar novas peças do procedimento, expurgadas das ilegalidades apontadas, e a praticar todos os atos subsequentes no âmbito do mesmo.

Custas pela Recorrida.

Lisboa, 05.05.2022

Dora Lucas Neto (Relatora)

Pedro Nuno Figueiredo

Ana Cristina Lameira

______________________

(1) Neste sentido, v. acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 04.11.2010, P. 0795/10 e de 20.12.2011, P. 0800/11 e deste Tribunal Central Administrativo Sul, de 17.02.2011, P. 6985/10, de 27.10.2011, P. 7952/11 e de 21.04.2014, P.13034/16.
(2) Disponível aqui: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:62021CN0195
(3) Entre outros, v. MARGARIDA OLAZABAL CABRAL, Habilitação v. qualificação e as consequências da exigência de requisitos ilegais (art. 51.0 do CCP) (Ac. do STA - 1.ª Secção, de 30/1/2013, P. 993/12) in Cadernos de Justiça Administrativa n.° 109. pg 13.
(4) Disponível em www.dgsi.pt
(5) A propósito, v. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, in Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, pg. 3219.