Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08248/14
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:03/19/2015
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO TRIBUNAL.
MATÉRIA DE FACTO. MATÉRIA DE DIREITO.
CRITÉRIO JURÍDICO PARA DESTRINÇAR SE ESTAMOS PERANTE UMA QUESTÃO DE DIREITO OU UMA QUESTÃO DE FACTO.
I.R.C.
NOÇÃO DE CUSTOS.
REQUISITO DA INDISPENSABILIDADE DE UM CUSTO.
REALIZAÇÕES DE UTILIDADE SOCIAL (CFR.ARTº.40, DO C.I.R.C.).
ARTº.40, Nº.2, DO C.I.R.C.
ÂMBITO DA EXPRESSÃO "DESPESAS COM O PESSOAL ESCRITURADAS A TÍTULO DE REMUNERAÇÕES, ORDENADOS OU SALÁRIOS".
Sumário:1. Nos termos do artº.280, nº.1, C. P. P. Tributário, das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, por previsão explícita do artº.16, nº.1, do C. P. P. Tributário, a incompetência absoluta do tribunal, ao qual é, indevidamente, dirigido o recurso.
2. A competência do tribunal afere-se face à pretensão formulada pelo autor na petição inicial, traduzida no binómio pedido/causa de pedir, ou seja, face ao “quid disputatum” e não em função do “quid decisum”, isto é, a competência determina-se pelo pedido do autor, irrelevando qualquer tipo de indagação acerca do mérito do mesmo.
3. Nos termos do artº.26, al.b), do E.T.A.F., atribui-se competência à Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. para conhecer dos recursos interpostos das decisões dos Tribunais Tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito. Por sua vez, o artº.38, al.a), do E.T.A.F., atribui competência à Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo para conhecer dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, ressalvando-se o disposto no citado artº.26, al.b), do mesmo diploma.
4. O recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas suas conclusões se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos.
5. São factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os reais, como os simplesmente hipotéticos. São ainda de equiparar aos factos os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido e que sejam de uso corrente (v.g.”pagar”; “vender”; “arrendar”). Existe matéria de facto quando o apuramento das realidades se faz todo à margem da aplicação directa da lei, isto é, quando se trata de averiguar factualidade cuja existência, ou não existência, não depende da interpretação a dar a nenhuma norma jurídica. Por sua vez, existe matéria de direito sempre que, para se chegar a uma solução, se torna necessário recorrer a uma disposição legal, ainda que se trate unicamente de fixar a interpretação duma simples palavra constante de uma norma legal concreta, seja de direito substancial, seja de direito processual.
6. O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação, ou se, por outro lado, também apela à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso.
7. A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”. Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
8. Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.
9. O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário.
10. Sob a epígrafe “realizações de utilidade social” o legislador fiscal, no artº.40, do C.I.R.C. (actual artº.43) elencou um conjunto de contribuições efectuadas pelas empresas, sociedades ou grupos económicos com o objectivo de beneficiar, indirecta e indiscriminadamente, os trabalhadores e, nalguns casos, também os seus familiares (pese embora a circunstância de haver sempre, pelo menos, indirectamente e de algum modo o benefício de familiares). Na redacção do respectivo preceito o legislador, através da consagração do regime de dedutibilidade ao lucro tributável, terá querido consagrar preocupações, de natureza extrafiscal, designadamente de melhoria da segurança social dos trabalhadores e familiares, igualmente ponderando a hipótese de haver trabalhadores sem direito a pensões da segurança social e a justificar assim a elevação para 25% do limite estabelecido no nº.2, do mesmo preceito (cfr.nº.3 da norma em exame). As despesas consagradas neste preceito são as registadas na contabilidade da empresa - à data, conta 64 do Plano Oficial de Contabilidade (POC).
11. Na definição que o legislador faz de "despesas de remunerações, ordenados ou salários", constante do artº.40, nº.2, do C.I.R.C., o mesmo procede à delimitação deste tipo de despesas por simples referência a que as mesmas sejam "escrituradas" a esse título (como remunerações, ordenados ou salários). Quer isto dizer que, relevantes para o efeito da norma em causa, mais concretamente para o cálculo do limite de 15% aí fixado, são as despesas com o pessoal que, em termos contabilísticos, devam ser escrituradas como remunerações, ordenados ou salários. Inexistindo na lei outro critério de distinção ou delimitação daquelas apontadas despesas. Trata-se de critério suficientemente claro ou explícito para cálculo do citado limite de 15%, o critério contabilístico, ou seja, o que resulta da escrituração ou inscrição contabilística dessas despesas com o pessoal. Assim, a interpretação admissível, porque a única que resulta de forma directa e aceitável da norma legal em causa é a de que as despesas aí referidas são as que assim devam ser registadas na contabilidade da empresa, independentemente do seu tratamento em sede de Segurança Social.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.160 a 172 do presente processo, através da qual julgou totalmente procedente a impugnação intentada pela sociedade recorrida, “........................................, S.A.”, tendo por objecto liquidação adicional de I.R.C., relativa ao ano de 2007 e no montante total de € 260.948,60.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.194 a 196 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação apresentada pela ora recorrida e condenou a Fazenda Pública ao pagamento de custas;
2-A fundamentação da sentença recorrida assenta, em síntese que os Serviços da DSIT procederam às correcções em crise, sem qualquer fundamento, ao considerar que apenas são ilegíveis para o cálculo do limite de 15% a que se refere o n.º 2 do artigo 40 do CIRC, as despesas que tenham sido objecto de descontos obrigatórios para a Segurança Social ou qualquer outro regime substantivo;
3-Enfermando a liquidação impugnada de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, devendo a mesma ser anulada na parte em que resulta da correcção sindicada;
4-Declarando-a ilegal na parte que resulta do acréscimo ao lucro tributável no montante de € 905.883,26, decidindo, anular igualmente os juros compensatórios correspondentes ao imposto resultante da referida correcção;
5-Em suma, entende o Tribunal "a quo" que o montante pago, na parte impugnada, não era legalmente devido, condenando a Fazenda Pública a restituir à ora recorrida o valor de imposto indevidamente pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios;
6-No caso em apreço está em discussão saber se a correcção efectuada pela DSIT no âmbito da acção inspectiva levada a cabo ao exercício de 2007, a coberto da Ordem de Serviço n.º ......................... datada de 09.JUL.2009, no montante de € 905.883,26, referente às "realizações de utilidade social" (art. 40, n.º 2 do CIRC) a que está subjacente o acto de liquidação de IRC n.º ............................, referente ao exercício de 2007, padece de invalidade por violação do sobredito preceito legal;
7-No âmbito da predita acção inspectiva os Serviços da DSIT constataram que a ora recorrida relativamente às "realizações de utilidade social não dedutíveis", acresceram para efeitos de determinação do lucro tributável o montante de € 673.376,48 (art. 40, n.º 2 do CIRC);
8-Analisados os custos mencionados, verificaram que os mesmos não reuniam o carácter de indispensabilidade previsto no art. 23 do CIRC e, atendendo ao objectivo do art. 40 do CIRC - Realizações de utilidade social - devem considerar-se como "despesas com pessoal" todas as despesas que tendo a natureza genérica de remunerações (aquelas que nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho) sejam objecto de descontos obrigatórios para a segurança social ou para qualquer regime substitutivo;
9-Face a este posicionamento, solicitaram à ora recorrida a descriminação do valor sujeito a descontos obrigatórios para a segurança social ou para qualquer regime substitutivo;
10-Tendo resultado o anexo 1 de 3 fls. junto ao Relatório de lnspecção, no qual se pode constatar que a massa salarial (remunerações, ordenados ou salários) sujeita a descontos obrigatórios passou de € 24.232.157,24 para € 18.192.935,54;
11-Do exposto resulta que o limite dos 15% previsto no art. 40, n.º 2 do CIRC, ascende a € 2.728.940,33;
12-Tendo a ora recorrida escriturado como custos de utilidade social o montante de € 4.308.200,07 e o limite previsto no predito artigo ascender a € 2.728.940,33, as realizações de utilidade não dedutíveis, atingem o valor de € 1.579.259,74;
13- Em suma "(...) dado que as realizações de utilidade social não dedutíveis atingem o valor de € 1.579.259,74 (€ 4.308.200,07- € 2.728.940,33), e o sujeito passivo apenas acresceu, para efeitos de determinação do lucro tributável, o montante de € 673.376,48, é efectuada a presente correcção no montante de € 905.883,26 (€ 1.579.259,74 - € 673.376,48) de acordo com o n.º 2 do art. 40 do CIRC - Anexo 1 (3 folhas)";
14-Face ao exposto, deve a douta Sentença ser revogada e substituída por outra que considere que se encontra bem efectuada a correcção em crise, não sendo por isso, devidos juros indemnizatórios a favor da ora recorrida, como dispõe o art. 43 da LGT;
15-Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência ser revogada a sentença ora sindicada.
X
A sociedade recorrida produziu contra-alegações nas quais termina pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão do Tribunal "a quo" (cfr.fls.197 a 199 dos autos), estruturando as seguintes Conclusões:
1-O Tribunal "ad quem" é incompetente, em razão da hierarquia, para julgar o presente recurso, por violação do disposto número 1 do artigo 280 (recursos das decisões proferidas em processos judiciais) do CPPT;
2-Se assim não se considerar, o que se admite por dever de patrocínio - sem conceder, a correcção de € 905.883,26 levada a cabo pela Autoridade Tributária resultante da respectiva não aceitação como custo fiscal - ao abrigo do disposto no número 2 do artigo 40 do CIRC - por desconsideração para o cômputo do limite dos 15% aí previsto de despesas com o pessoal que não tenham sido objecto de descontos para a Segurança Social ou para outro regime substitutivo, foi bem anulada pela douta sentença do Tribunal "a quo" porquanto aquela correcção assenta numa deficiente interpretação da lei, sem qualquer fundamento, enfermando, consequentemente, de vício de violação de lei;
3-Se assim não se entender, o que se admite por dever de patrocínio - sem conceder-, seria sempre bem anulada a mesma correcção pela douta sentença do Tribunal a quo porquanto aquela correcção violou frontalmente o número 2 do artigo 68-A (Orientações Genéricas) da Lei Geral Tributária;
4-Pelo exposto, deve ser negado in totum provimento ao recurso interposto pela recorrente, por improcedente e não provado, devendo consequentemente manter-se na íntegra a douta sentença do Tribunal a quo, a qual não merece qualquer censura no julgamento da matéria de facto e na interpretação e aplicação do Direito. Assim agindo cumprirão V.Ex.as, Venerandos Desembargadores, a Lei, fazendo a costumada e sã JUSTIÇA!
X
O recorrente foi notificado do conteúdo das contra-alegações apresentadas (cfr.fls.214 dos autos), não se tendo pronunciado sobre a excepção de incompetência hierárquica alegada.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de se conceder provimento ao presente recurso (cfr.fls.218 a 221 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.162 a 165 dos autos - numeração nossa):
1-A impugnante acresceu ao lucro tributável do exercício de 2007, no quadro 07, campo 209, da sua declaração de rendimentos modelo 22 relativa ao referido exercício, o valor de € 673.376,48, relativo a custos com realizações de utilidade social não dedutíveis (cfr. relatório de inspecção e documentos anexos juntos a fls.74 a 91 e 93 a 95 dos presentes autos e a fls.118 a 135 e 137 a 139 do processo administrativo apenso);
2-Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º ....................., de 09/07/2009, foi efectuada uma acção de inspecção à ora impugnante (cfr.relatório de inspecção junto a fls.74 a 91 dos presentes autos e a fls.118 a 135 do processo administrativo apenso);
3-Da acção de inspecção referida no número anterior resultou um relatório de inspecção, datado de 11/12/2009, do qual consta, para o que aqui importa, o seguinte:








4-Em 21/06/1996, foi proferido despacho pelo Secretário de Estado da Administração Fiscal, exarado no processo n.º 695/1996, publicado no site da Administração Tributária, que fixou a seguinte doutrina:

"Para efeito do limite previsto no nº 2 do artigo 40 do Código do IRC, são consideradas despesas com o pessoal todas as despesas que, tendo a natureza genérica de remunerações, sejam objecto de descontos obrigatórios para a Segurança Social ou para qualquer regime substitutivo.";
(cfr.documento junto a fls.146 do processo administrativo apenso);

5-Em resultado, em parte, da correcção identificada no nº.3 supra - acréscimo ao lucro tributável do montante de € 905.883,26 relativo a custos com realizações de utilidade social não dedutíveis - a Administração Tributária efectuou, em 21/12/2009, a liquidação adicional de IRC do exercício de 2007, com o n.º ............................., no valor de € 260.948,60, do qual € 15.063,01 correspondem a juros compensatórios (cfr.documentos juntos a fls.102 a 104 dos presentes autos);
6-Em 2/02/2010, a impugnante efectuou o pagamento da liquidação mencionada no número anterior (cfr.documento junto a fls.104 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “...não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão…”.
X
A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e do processo administrativo apenso, não impugnados, com destaque para os referidos a propósito de cada uma das alíneas do probatório…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar totalmente procedente a impugnação pela sociedade recorrida intentada, assim anulando parcialmente a liquidação de I.R.C. objecto dos presentes autos, na parte correspondente à correcção sindicada (cfr.nº.5 do probatório).
X
Deve, antes de mais, resolver-se a questão da competência em razão da hierarquia, por força do disposto no artº.13, do C. P. T. Administrativos, aplicável “ex vi” artº.2, al.c), do C. P. P. Tributário, excepção esta aduzida pela sociedade recorrida nas contra-alegações.
Nos termos do artº.280, nº.1, C.P.P.Tributário, das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, por previsão explícita do artº.16, nº.1, do C.P.P.Tributário, a incompetência absoluta do Tribunal, ao qual é, indevidamente, dirigido o recurso.
Como decorre do artº.641, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (aplicável “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), o despacho que admitiu o recurso não vincula o Tribunal Superior, pelo que nada obsta a que se aprecie e decida a questão prévia suscitada pelo Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal e, igualmente, de conhecimento oficioso, a qual se consubstancia na incompetência do T.C.A.Sul em razão da hierarquia.
A competência do Tribunal deve aferir-se pelo “quid disputatum” ou “quid decidendum”, em antítese com aquilo que será mais tarde o “quid decisum”. Por outras palavras, a competência do Tribunal afere-se face à pretensão formulada pelo autor na petição inicial, traduzida no binómio pedido/causa de pedir, ou seja, face ao “quid disputatum” e não ao “quid decisum”, isto é, a competência determina-se pelo pedido do Autor, irrelevando qualquer tipo de indagação acerca do mérito do mesmo (cfr.Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.91; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.223 e seg.).
Nos termos do artº.26, al.b), do E.T.A.F., atribui-se competência à Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. para conhecer dos recursos interpostos das decisões dos Tribunais Tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito.
Por sua vez, o artº.38, al.a), do E.T.A.F., atribui competência à Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo para conhecer dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, ressalvando-se o disposto no citado artº.26, al.b), do mesmo diploma.
Da concatenação das aludidas normas do E.T.A.F. deve concluir-se que, para o conhecimento dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos Tribunais Tributários de 1ª. Instância, é competente o S.T.A. quando o recurso tiver por fundamento exclusivamente matéria de direito e, pelo contrário, é competente a secção de contencioso tributário de um dos Tribunais Centrais Administrativos se o fundamento não for exclusivamente de direito.
Na delimitação da competência do S.T.A. em relação à dos Tribunais Centrais Administrativos, a efectuar com base nos fundamentos do recurso, deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações, as quais fixam o objecto do recurso (cfr.artº.684, nº.3, do C.P.Civil), o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa. Por outras palavras, o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas suas conclusões se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos factos provados (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 29/9/2010, rec.446/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/3/2013, proc.5971/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/6/2013, proc.6465/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.223 e seg.).
São factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os reais, como os simplesmente hipotéticos. São ainda de equiparar aos factos os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido e que sejam de uso corrente (v.g.”pagar”; “vender”; “arrendar”). Existe matéria de facto quando o apuramento das realidades se faz todo à margem da aplicação directa da lei, isto é, quando se trata de averiguar factualidade cuja existência, ou não existência, não depende da interpretação a dar a nenhuma norma jurídica. Por sua vez, existe matéria de direito sempre que, para se chegar a uma solução, se torna necessário recorrer a uma disposição legal, ainda que se trate unicamente de fixar a interpretação duma simples palavra constante de uma norma legal concreta, seja de direito substancial, seja de direito processual (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/6/2013, proc.6465/13; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, III, Coimbra Editora, 1985, pág.206 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.406 e seg.; Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, Almedina, 1982, pág.268 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.264 e seg.).
O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação, ou se, por outro lado, também apela à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso. Nessa óptica, o que é verdadeiramente determinante é o efeito que o recorrente pretenda retirar de tais asserções cujo conhecimento envolva a elaboração de um dado juízo probatório que não se resolva por meio de uma simples constatação sobre se existiu ofensa de uma disposição legal expressa que implique uma dada espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de certo meio de prova, caso em que a competência já não caberá ao Tribunal de revista (cfr.artº.12, nº.5, do E.T.A.F.), mas ao Tribunal Central Administrativo por força do artº.38, al.a), do E.T.A.F., o mesmo se devendo referir sempre que, em fase de recurso, for pedida a apreciação da necessidade de realização de diligências de prova ou da sua determinação.
Ora, a identificação dos fundamentos do recurso colhe-se nas conclusões das alegações, conforme se alude supra, porque é nelas que o recorrente tem de condensar as causas de pedir que tenham susceptibilidade jurídica para, segundo o seu prisma, justificar a censura da decisão recorrida.
No caso “sub judice”, conforme se retira das conclusões do recurso explanadas supra, o apelante discorda da decisão recorrida, apelando a boa parte da factualidade constante do relatório de inspecção, factualidade esta que é descrita, nomeadamente, nas conclusões 6 e 10 a 13, destas premissas retirando o desenlace de que se deve revogar a sentença objecto do presente recurso.
Em tais conclusões o recorrente apela à consideração de factos materiais ou ocorrências da vida real, os quais estão para além da mera interpretação de normas ou princípios jurídicos que tenham sido na decisão recorrida, supostamente, violados na sua determinação. Concluindo, os fundamentos do presente recurso não versam exclusivamente matéria de direito, pelo que a competência para o seu conhecimento pertence a este Tribunal, por força do artº.38, al.a), do E.T.A.F., e não ao S.T.A.-2ª.Secção, atento o disposto nos artºs.12, nº.5, e 26, al.b), do E.T.A.F.
Sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente a excepção de incompetência absoluta deste Tribunal (em razão da hierarquia), aduzida pela sociedade recorrida.
X
Passemos à apreciação do fundamento do recurso.
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese e como supra se alude, que a correcção efectuada pela A. Fiscal relativa a realizações de utilidade social não dedutíveis no montante de € 905.883,26, está de acordo com o limite dos 15% previsto no artº.40, nº.2, do C.I.R.C. Que a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que considere que se encontra bem efectuada a rectificação impugnada (cfr.conclusões 1 a 14 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal pecha.
No exame do presente recurso, desde logo, se deve recordar que o apelante não impugna a factualidade provada constante da sentença recorrida no âmbito do salvatério que deduz para este Tribunal (cfr.artº.640, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), nos termos previstos na lei.
Avancemos.
A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.).
Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/3/2006, rec.1236/05; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 17/7/2007, proc.1107/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13).
Refira-se, igualmente, que as empresas são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, a qual permita o controlo do lucro tributável (cfr.artº.115, do C.I.R.C., na versão em vigor em 2007; artºs.29 e 31, do C.Comercial).
Revertendo ao caso dos autos, defende, em resumo, a Fazenda Pública que a correcção efectuada relativa a realizações de utilidade social não dedutíveis no montante de € 905.883,26, está de acordo com o limite dos 15% previsto no artº.40, nº.2, do C.I.R.C.
Por seu lado, a decisão recorrida concluiu que a correcção em causa enferma de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, assim devendo ser anulada.
Vejamos quem tem razão.
A este título, dir-se-á, antes de mais, que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C.Civil; artº.11, da L.G.Tributária; José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Editorial Verbo, 4ª. edição, 1987, pág.335 e seg.; J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1989, pág.181 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de C.T.Fiscal, nº.174, 1996, pág.363 e seg.).
O artº.40, do C.I.R.C. (cujo título se consubstancia em “Realizações de utilidade social”), na redacção em vigor em 2007 (corresponde ao artº.43, da redacção actual), consagrava o seguinte, na parte que ora interessa:
Artigo 40.º
(Realizações de utilidade social)

(...)
2 - São igualmente considerados custos ou perdas do exercício, até ao limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício, os suportados com contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, benefícios de saúde pós-emprego, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa.
3 - O limite estabelecido no número anterior é elevado para 25%, se os trabalhadores não tiverem direito a pensões da segurança social.
(...)
Sob a epígrafe “realizações de utilidade social” o legislador fiscal elencou um conjunto de contribuições efectuadas pelas empresas, sociedades ou grupos económicos com o objectivo de beneficiar, indirecta e indiscriminadamente, os trabalhadores e, nalguns casos, também os seus familiares (pese embora a circunstância de haver sempre, pelo menos, indirectamente e de algum modo o benefício de familiares). Na redacção do respectivo preceito o legislador, através da consagração do regime de dedutibilidade ao lucro tributável, terá querido consagrar preocupações, de natureza extrafiscal, designadamente de melhoria da segurança social dos trabalhadores e familiares, igualmente ponderando a hipótese de haver trabalhadores sem direito a pensões da segurança social e a justificar assim a elevação para 25% do limite estabelecido no nº.2, do mesmo preceito (cfr.nº.3 da norma em exame). As despesas consagradas neste preceito são as registadas na contabilidade da empresa - à data, conta 64 do Plano Oficial de Contabilidade (POC) - independentemente do seu tratamento em sede de segurança social ou de qualquer outro tributo (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/9/2012, proc.5073/11; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.326; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. edição, Rei dos Livros, 2000, pág.282 e seg.).
Atento o teor do supra transcrito normativo legal, em análise nos autos, desde logo resulta patente da sua leitura que do mesmo não decorre qualquer limitação ao conceito de "despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício" de forma a limitar essas despesas às que tenham sido "objecto de descontos obrigatórios para a Segurança Social ou para qualquer outro regime substitutivo.
De facto, não se vislumbra que a interpretação dada pela Administração Tributária ao artº.40, nº.2, do C.I.R.C., restringindo o seu campo de abrangência, encontre na sua letra qualquer acolhimento ou expressão verbal. Não existindo outra qualquer norma legal a partir da qual se possa chegar a tal entendimento.
Na verdade, na definição que o legislador faz de "despesas de remunerações, ordenados ou salários", o mesmo procede à delimitação deste tipo de despesas por simples referência a que as mesmas sejam "escrituradas" a esse titulo (como remunerações, ordenados ou salários). Quer isto dizer que, relevantes para o efeito da norma em causa, mais concretamente para o cálculo do limite de 15% ai fixado, são as despesas com o pessoal que, em termos contabilísticos, devam ser escrituradas como remunerações, ordenados ou salários. Inexistindo na lei outro critério de distinção ou delimitação daquelas apontadas despesas. Trata-se de critério suficientemente claro ou explícito para cálculo do citado limite de 15%, o critério contabilístico, ou seja, o que resulta da escrituração ou inscrição contabilística dessas despesas com o pessoal.
Assim, a interpretação admissível, porque a única que resulta de forma directa e aceitável da norma legal em causa é a de que as despesas aí referidas são as que assim devam ser registadas na contabilidade da empresa, independentemente do seu tratamento em sede de Segurança Social.
Efectivamente, não tendo a A. Fiscal colocado em causa o registo contabilístico dos valores das despesas com remunerações, salários ou ordenados, aceitando, assim, os valores escriturados pela sociedade recorrida, não poderá depois efectuar uma interpretação restritiva do normativo legal em causa de forma a abarcar somente na sua previsão as despesas com remunerações, salários ou ordenados com descontos obrigatórios para o regime da Segurança Social ou outros regimes substitutivos, fazendo, desta forma, uma distinção entre estas despesas e as derivadas de remunerações, salários, ou ordenados sem tal obrigatoriedade contributiva, para concluir pela exclusiva admissibilidade dos primeiros para efeitos de cálculo do citado limite de 15%, pois esta distinção não se encontra prevista, directa ou indirectamente, no referido normativo.
Parte, portanto, esta distinção de uma interpretação restritiva sem qualquer correspondência na letra e, mesmo, no espírito da lei.
E recorde-se que remetendo o artº.11, da L.G.T., quanto à interpretação das normas tributárias, para as regras e princípios gerais de interpretação das leis, os quais são fixados no artº.9, do C.Civil, neste artigo estipula-se que o intérprete não pode admitir uma interpretação que não tenha um mínimo de expressão ou correspondência verbal no texto da lei, ainda que imperfeitamente expresso (nº.2). Devendo o intérprete, na fixação do sentido e alcance da lei, presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº.3).
Por último, a interpretação dada ao preceito pela Fazenda Pública é contraditória com o estabelecido no nº.3, do examinado artº.40, o qual eleva a percentagem prevista no nº.2 para 25%, em caso de inexistência do direito a pensões da Segurança Social.
Podemos, assim, concluir com o Tribunal "a quo", que a Administração Tributária procedeu à correcção sindicada nos autos partindo de uma interpretação restritiva inadmissível da lei, sem qualquer fundamento no texto e espírito da norma em causa, ao considerar que apenas são elegíveis para o cálculo do limite de 15% a que se refere o artº.40, nº.2, do C.I.R.C., as despesas que tenham sido objecto de descontos obrigatórios para a Segurança Social ou para qualquer outro regime substitutivo. Tal correcção somente teve por base a informação vinculativa produzida no âmbito do processo nº.695/1996, através do despacho de 21/06/1996, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Todavia, escusado será reafirmar que estamos perante doutrina administrativa que, como é incontroverso, não tem força de lei, nem eficácia externa, não vinculando, designadamente, os Tribunais (cfr.nºs.3 e 4 da factualidade provada).
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 19 de Março de 2015



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Cremilde Miranda - 2º. Adjunto)