Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 203/05.1BESNT |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 12/16/2020 |
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Relator: | SUSANA BARRETO |
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Descritores: | IRS AJUDAS DE CUSTO |
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Sumário: | I- A característica essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que suportou a favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ao serviço desta, e a inexistência de qualquer correspetividade entre a sua perceção e a prestação do trabalho. II- Tais ajudas de custo não se consideram retribuição e não se encontram sujeitas a IRS na parte em que não excedam os limites legais [artigo 2º nº3 alínea e) do CIRS]. III- É sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar que as quantias declaradas como ajudas de custo constituem retribuição. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I - Relatório A Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M... e M..., contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) referente ao ano 2000, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul. Nas alegações de recurso apresentadas, formulam as seguintes conclusões: A) Visa o presente recurso demonstrar à evidência o desacerto dos supracitados excertos da douta decisão, a qual deriva não só da incorreta perceção e valoração da factualidade, como também da errónea interpretação e violação do artigo 2.º do CIRS e do artigo 74.º da LGT. B) No caso das correções efetuadas, inconforma-se a Fazenda Pública com os segmentos da decisão e sua fundamentação, que estão na base decaimento da Fazenda nos presentes autos impugnatórios. C) Decidiu o douto tribunal a quo, na sentença ora recorrida, que a AT não coligiu os elementos suficientes que permitissem a emissão das liquidações impugnadas. É com esta conclusão e com a fundamentação expressa na sentença, de que se recorre que a Fazenda Pública não pode deixar de dissentir. D) Ao contrário da decisão recorrida, considera a Fazenda Pública, que não foi produzida prova que, de forma minimamente concreta ou credível, permita estabelecer com fiabilidade que efetivamente estamos perante ajudas de custo, pois estas encontram-se insuficientemente justificadas, pela própria entidade patronal, que não apresentou provas concludentes que aqueles valores foram pagos por deslocações efetivas. E) Constata-se que, os recibos de vencimento não referem as deslocações efetuadas pelo recorrido, nem de qualquer modo foi feita prova que estas deslocações correspondessem a um qualquer serviço efetuado no interesse da empresa, ou sequer, que as mesmas tenham ocorrido, pelo que não se poderá considerar como provado o facto nos termos em que a sentença recorrida considera. F) A inexistência de elementos de prova que permitam concluir à AT, no exercício do seu poder/dever de controlo do cumprimento da legalidade fiscal, a realização das deslocações justificativas do pagamento das ajudas de custo, é, no entender da Fazenda Pública e salvo melhor opinião, suficiente para englobar os respetivos montantes nos restantes rendimentos remuneratórios sujeitos a tributação. G) Para que tal não sucedesse, o recorrido poderia demonstrar que tais quantitativos correspondiam, efetivamente, à compensação por despesas de deslocação que suportou, fazendo-o mesmo em substituição da sua entidade patronal, o que não ocorreu. H) Perante a inexistência de prova que contrariasse a veracidade das correções realizadas em sede de inspeção, a AT entendeu que o montante recebido pelo impugnante da sua entidade patronal, era a título de remuneração. I) No que concerne à decisão do Tribunal a quo sobre a fundamentação do ato e, em clara discordância com o decidido, reitera-se que quer no relatório de inspeção, quer na contestação apresentada, a AT sempre assentou a sua posição numa fundamentação clara, concreta e concisa, referindo sempre as razões de facto e de direito que justificam as correções propostas e a decisão levada a cabo, permitindo aos sujeitos passivos perceberem sempre a motivação daqueles atos. J) Afigurando-se-nos que a liquidação controvertida respeita os requisitos de fundamentação legalmente exigidos, permitindo perceber a sua natureza, as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e aos destinatários a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente e defender-se nos termos em que o fizeram. K) No caso sub judice, torna-se evidente que as verbas mensais, abonadas a título de ajudas de custo, não se destinavam a reembolsar o impugnante por despesas que tivesse de efetuar em serviço e a favor da sua entidade patronal, constituindo antes uma prestação regular e periódica, quando muito um complemento de salário, correspetivo da sua prestação de trabalho, expressiva de uma forma de retribuição, sujeita a tributação em sede de IRS, de acordo com o artigo 2.º do CIRS. L) Deste modo, para ficar afastada a incidência do imposto sobre aquele montante, seria necessário que, o mesmo, não só fosse “qualificado” como ajudas de custo pela entidade patronal, como também que preenchesse os requisitos legais indispensáveis a ser considerado como ajuda de custo, de molde a sair do campo de incidência previsto no art. 2° do CIRS. M) A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos acima assinalados, não merecendo por isso ser confirmada. Termos em que com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo Douto Tribunal “a quo”, assim se fazendo a costumada Justiça! A Recorrida contra-alegou, pugnando pela sua improcedência, com base no seguinte quadro conclusivo: A) As conclusões apresentadas pela Recorrente — conclusões que, como é bem-sabido, limitam o âmbito do presente recurso — não contêm qualquer justificação factual e de direito que imponha a alteração da matéria factual dada como provada e a aplicação do direito aos factos; B) Quer a jurisprudência, quer a doutrina têm entendido só haver lugar à tributação de montantes reembolsados a título de despesas de deslocação quando estes são subsumidos no conceito de rendimento do trabalho dependente, nos termos e para os efeitos do artigo 2° n° 3 alínea e) do Código do IRS e apenas na parte em que excedem os limites legais; C) A jurisprudência e a doutrina têm vindo a defender que a característica essencial destes montantes é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador por despesas que teve de suportar a favor da sua entidade patronal, por motivos de deslocações ao serviço desta; D) Foi feita prova inequívoca de que, em 2000, o Recorrido exercia funções de Diretor Comercial de Exportação, função que a obrigava a deslocar-se com muita frequência para contactar com organismos oficiais, tais como o ICEP, com fornecedores e com clientes nacionais e estrangeiros que se deslocassem a Portugal; E) Provou-se ainda que o montante de ajudas de custo e das despesas de deslocação pago aos trabalhadores era o constante da Portaria aprovada para os funcionários públicos (nada mais, nada menos); F) O ónus da prova de que os montantes percebidos pelo ora Recorrido não têm finalidade compensatória compete à Administração fiscal nos termos da regra do artigo 100° do CPPT, pelo qual se estabelece o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos sobre quem os invoque; G) A Administração fiscal num primeiro momento, e a Representante da Fazenda Pública num segundo momento, nunca lograram fazer prova cabal do carácter remuneratório dos montantes reembolsados a titulo de despesas de deslocação; H) Administração fiscal não junta ao processo qualquer prova documental, designadamente os boletins de itinerário dos quais retira a conclusão de que nenhuma deslocação foi efetuada pelo ora Recorrido, escusando-se ainda à produção de qualquer prova testemunhal que sustente as suas alegações; I) Em suma, a Administração fiscal falha não só em efetivamente provar a legitimidade das suas pretensões, como até em diligenciar no sentido de que a prova, que lhe compete, seja feita; J) Aliás, em todo o caso, sempre teria a Administração fiscal que demonstrar, caso a caso (i.e., deslocação a deslocação), em que dias constantes dos mapas de quilómetros como dias em que o Recorrido se deslocou não houve, efetivamente qualquer deslocação, efetuando correções apenas quanto a essas quantias devidamente especificadas e não tributando o Recorrido como se esta nunca se tivesse deslocado; Termos em que, a decisão a quo não merece qualquer censura devendo ser mantida no que respeita à anulação da liquidação adicional de IRS e juros compensatórios, ‘com as devidas consequências legais. Só nestes termos será respeitado o DIREITO e feita JUSTICA. O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II – Fundamentação Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber: se incorre em erro de julgamento de facto e de direito a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, respeitante ao ano de 2000, por a Autoridade Tributária e Aduaneira ter comprovado, ou não, que as quantias pagas ao trabalhador a título de ajudas de custo têm caracter remuneratório. II.1- Dos Factos O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade: A) O Impugnante marido, M..., trabalhou para a sociedade “I..., S.A.” (adiante, N...), entre 1992 e 2002 (facto não controvertido); B) Em 2000, o Impugnante desempenhava funções de “export manager” da N..., encontrando-se adstrito ao respetivo departamento comercial (facto não controvertido); C) O Impugnante tinha a seu cargo o planeamento e gestão das vendas a clientes estrangeiros da N..., em especial de Espanha e dos PALOP, tendo regularmente deslocações para reuniões aos escritórios distritais, com organismos oficiais, nomeadamente com o ICEP e Alfândegas, com fornecedores e com clientes nacionais e estrangeiros que se deslocassem a Portugal (cfr. depoimento das testemunhas J... e M...); D) A N... tinha uma frota de veículos que eram utilizados pelos seus trabalhadores (facto não controvertido); E) Cada veículo estava afeto a um trabalhador, que era responsável pelo mesmo, mas não tinha a sua utilização exclusiva, podendo haver trocas por vários motivos, v. g. condições do veículo, trajetos, tipo de cliente, tipo de contacto etc. (cfr. depoimento da testemunha J... e M...); F) Cada veículo tinha um cartão G... Frota (cfr. depoimento da testemunha J...); G) No exercício de 2000, o Impugnante, ou algum subordinado seu, a seu pedido, preencheu as fichas “Ajudas de custo ou km”, na qual eram indicados os itinerários e datas da realização das deslocações (cfr. anexo 2 do RIT, a fls. 70 a 183 do PAT apenso, complementado com o depoimento das testemunhas J... e M...); H) Estes boletins não eram sempre preenchidos no dia do regresso, por questões práticas (por exemplo, hora de chegada tardia) podendo haver lapsos no preenchimento dos mesmos (cfr. depoimento das testemunhas J... e M...); I) Durante o ano de 2000, o Impugnante recebeu, para além da remuneração do trabalho prestado, quantias referentes a despesas de representação e ajudas de custo, nos valores de: 77.245 PTE, em janeiro; 99.315 PTE, em fevereiro; 88.280 PTE, em março; 66.210 PTE, em abril; 77.245 PTE, em maio; 67.866 PTE em junho; 56.555 PTE, em julho; 90,488 PTE em agosto; 79.177 PTE, em setembro; 67.866 PTE, em outubro; 90.488 PTE, em novembro; e 79.177 PTE, em dezembro (cfr. anexo 1 do RIT, a fls. 57 a 69 do PAT apenso); J) Ao abrigo das Ordens de Serviço n.º 24535 e 23749, de 31.03.2003 e 26.11.2002, e n.º 12502, de 16.03.2004, foi realizada uma ação inspetiva à N... e ao Impugnante, com o objetivo de ser fiscalizado o pagamento de ajudas de custo e quilómetros percorridos em viatura própria, com referência ao ano de 2000 (cfr. relatório de inspeção tributária, RIT, a fls. 42 a 274 do PAT apenso); K) Em 05.05.2004, foi elaborado RIT, no qual se afirma, nomeadamente o seguinte: “(…) CAPÍTULO III DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL 1 – Pagamentos de ajudas de custo (…) Por recurso aos boletins itinerários, constatou-se que este colaborador recebia as ajudas de custo por deslocações efetuadas dentro do território português, conforme se pode verificar no mapa resumo elaborado, Anexo 2. Assim, este empregado utilizava, no ano de 2000, a viatura FIAT MAREA (…), com a matrícula 5..., Anexo 3 à qual estava atribuído o identificador do sistema de portagens Via Verde nº 6..., Anexo 4 e o Cartão G... Frota, nº 7…, Anexo 5. Após análise dos boletins itinerários, respeitantes à atribuição das ajudas de custo, elaborados por este empregado, e da documentação da empresa N... com referência a deslocações e estadas, portagens – sistema Via Verde -, e combustível – G... Frota -, tendo em conta que este utilizava a viatura suprarreferida, descrevem-se as seguintes situações, entre outras, como exemplos de divergências detetadas: - Entre os dias 01-02-2000 a 04-02-2000 declarou estar deslocado no Porto (1 a 3) e Coimbra (4) e de 07-02-2000 a 10-02-2000 declarou estar deslocado em Marvão (7), Elvas-Badajoz (8,9, 10). No entanto a fatura nº 9639 (…) e as despesas de alimentação e alojamento pagas pela N..., confirmam que este deslocado em Luanda entre os dias 27 de janeiro e 7 de fevereiro, Anexo 6. - Entre os dias 13-03-2000 e 17-03-2000 declarou estar deslocado em Lisboa e Sul do Pais. O documento interno nº 20007038PV (…) confirma que este efetivamente deslocado, mas em Cabo Verde (…). As despesas de alojamento e alimentação foram pagas pela N..., Anexo 7. - (…) - Entre os dias 07-09-2000 a 08-09-2000 declarou estar deslocado no Porto e de 11-09-2000 a 13-09-2000 em Setúbal. No entanto os documentos internos nº 210001406 PV e 21000451UA (…) confirmam que este deslocado em Maputo entre os dias 29/08/00 e 11/09/00, com todas as despesas pagas pela empresa N...; Anexo 9. - Entre os dias 25-10-2000 e 26-10-2000 declarou estar deslocado em Coimbra e Porto. A fatura nº 9945 (…) confirma que esteve deslocado, mas em Paris, de 20 a 27 de outubro, Anexo 10. (…) - No mês de dezembro recebeu ajudas de custo no valor de 79.177 PTE, no entanto esteve de baixa médica durante este mês. Conclui-se, deste modo o seguinte: - Que os locais indicados nos boletins itinerários, não coincidem, em inúmeras situações, nem os locais de passagem nas portagens das autoestradas, nem com os locais em que a viatura é abastecida. - São declaradas deslocações em território português quando este colaborador se encontra fora deste território, mas com todas as despesas inerentes a essas deslocações pagas pela empresa N.... - As despesas com as refeições e alojamento são pagas pela empresa N..., em períodos em que são recebidas ajudas de custo. Deste modo, existem indícios que os boletins de itinerários respeitantes à atribuição de ajudas de custo não correspondem à verdade, sendo o pagamento das ajudas de custo efetuado como complemento de vencimento, devendo, assim, tais importâncias - € 4.688,26 (939.912 PTE) – serem englobadas aos restantes rendimentos auferidos no ano de 2000, para efeitos de tributação em IRS, nos termos do artigo nº 2 do artigo 2º do Código do IRS. (…)”. (cfr. RIT); L) Na sequência da ação inspetiva, em 07.10.2004, foi emitida em nome do Impugnante a demonstração de compensação de IRS, referente ao ano de 2000, n.º 2004 00001…, com o valor a pagar de € 1.936,66, com data limite de pagamento a 15.11.2004 (cfr. doc. 1 junto com a p.i., a fls. 31 dos autos, que se dá por reproduzido). Quanto a factos não provados, a sentença exarou o seguinte: Não existem factos que importe registar como não provados. E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consigna: A decisão da matéria de facto provada baseou-se nos documentos juntos aos autos e ao PAT apenso, não impugnados, e no depoimento das testemunhas inquiridas, conforme remissão feita em cada alínea do probatório. As testemunhas arroladas pelo Impugnante, J... e M..., colegas de trabalho na empresa N..., demonstraram ter um conhecimento direto dos factos sobre os quais foram inquiridos. Afirmaram que o Impugnante, sendo responsável pela área das exportações, efetuava, ao serviço N..., diversas deslocações, quer em território nacional, quer ao estrangeiro. Explicaram que eventuais discrepâncias nas datas constantes das fichas de itinerário se deviam a meros lapsos de preenchimento e que, à data, a N... não tinha procedimentos internos eficientes de controlo, mas que havia uma relação de confiança, em especial porque os trabalhadores que exerciam as funções comerciais tinham deslocações frequentes. II.2 Do Direito Alega a Recorrente que a sentença recorrida que julgou procedente a impugnação judicial e anulou a liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 2000, incorreu em erro na de julgamento na apreciação da matéria de facto e de direito, por a Autoridade Tributária e Aduaneira ter reunido indícios a seu ver suficientes para se concluir que os montantes pagos pela entidade patronal ao trabalhador a título de ajudas de custo, constituíam antes verdadeiras remunerações do trabalho prestado. Nos termos do artigo 2/3.e) do código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), na redação anterior à dada pela Lei nº 3-B/2000, de 4 de Abril, estavam sujeitas a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares: as ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício. Para determinação do conceito de ajudas de custo, antes da alteração introduzida Pela Lei 3-B/2000 de 4 de abril, temos de nos socorrer da legislação e doutrina do direito de trabalho. Dispunha o artigo 82° do Decreto Lei n. ° 49408, de 24 11 69 – Regime Jurídico do Contrato Individual do Trabalho: 1 - Só se considera retribuição aquilo que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho. 2 - A retribuição compreende a remuneração base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie. 3 - Até prova em contrário, presume se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador. A noção legal de retribuição era, portanto, de acordo com a lei então vigente o conjunto dos valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade de força do trabalho por ele oferecida). Neste caso, importa, então, sublinhar: para que haja retribuição é necessário que exista correspetividade entre as prestações da entidade patronal e a situação de disponibilidade do trabalhador. Significa isto que as prestações recebidas não podem ter uma causa específica e individualizável, diferente da mera disponibilidade imediata da força do trabalho. Com efeito, o artigo 87° do mesmo diploma legal estipulava: Não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas aos trabalhadores por deslocações ou novas instalações feitas em serviço da entidade patronal, salvo quando, sendo tais deslocações frequentes, essas importâncias, na parte em que excedam as despesas normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da remuneração do trabalhador. Estamos em condições de concluir, por conseguinte, que as ajudas de custo visam compensar o trabalhador por despesas efetuadas ao serviço e em favor da entidade patronal, mas que por razões práticas foram satisfeitas pelo trabalhador: não há a correspetividade, mas esta existe incontornavelmente na retribuição entre as prestações da entidade patronal e a situação de disponibilidade laboral do trabalhador. As ajudas de custo representam a compensação ou o reembolso pelas despesas a que o trabalhador foi obrigado na sequência de deslocações fortuitas de serviço. Por isso mesmo, não fazem parte da retribuição, salvas as situações mencionadas na última parte do artigo 87°: - no caso de deslocações frequentes, na parte em que as importâncias excedam as despesas normais; - tenham sido previstas no contrato; ou - se devam considerar pelos usos como retribuição. Ora, em consonância com esta linha de raciocínio, o artigo 2° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares estabelece uma ampla regra de incidência, fazendo recair o imposto sobre qualquer tipo de rendimentos de trabalho, excluindo embora as ajudas de custo que não excedam os limites legais. É consabido que em sede do procedimento administrativo tributário de liquidação, recai sobre a administração fiscal indagar sobre a verificação do facto tributável e demais elementos pertinentes à liquidação do imposto, e tal procedimento só pode culminar com a liquidação em sentido estrito quando, face aos elementos constantes do processo administrativo, estiver adquirida a convicção da existência e conteúdo do ato tributário, de acordo com os artigos 55° e 74° da Lei Geral Tributaria. Cabe, assim, à Autoridade tributária e Aduaneira o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alega como fundamento do seu direito. Ponderou, e bem, a sentença recorrida que ao tempo a lei não exigia a elaboração de boletins de itinerário semelhantes aos previstos para os funcionários do Estado para que as prestações efetuadas a trabalhadores por conta de outrem assumam a natureza de ajudas de custo ou, sequer, para que seja feita a prova da natureza dessas prestações. Não havendo qualquer exigência formal especial para prova da natureza de ajudas de custo de pagamentos efetuados a trabalhadores é admissível qualquer meio de prova, em conformidade com o preceituado (…) à data. Considerou ainda que o Impugnante, ora Recorrido, tinha de realizar diversas deslocações, quer em território nacional, quer ao estrangeiro. Para as deslocações em território nacional, eram preenchidas fichas de itinerário, podendo ocorrer algum lapso no registo das datas, em virtude de o seu preenchimento não ser feito no próprio dia em que ocorreu a deslocação ou, como esclareceram as testemunhas, ser feito por um subordinado, a pedido do Impugnante. Competindo à entidade patronal o processamento e pagamento das ajudas de custo, a mesma devia fazer a verificação dos boletins de itinerário, de forma a evitar eventuais lapsos de preenchimento. No caso dos autos, face à prova produzida, apenas se pode concluir que, à data, a N... não tinha instituído procedimentos de controlo suficientemente eficazes, capazes de detetar atempadamente estas falhas. Tal não impede, porém, nem permite retirar a conclusão a que chegou a Administração Tributária que as importâncias pagas a título de ajudas de custo constituem complemento da remuneração e que devem ser tributadas como rendimento de trabalho à luz do art. 2.º, n.º 2 do Código do IRS. Para este efeito, a Administração Tributária teria, desde logo, de invocar, como fundamento do seu procedimento, que o Impugnante não realizava deslocações, em território nacional, ao serviço da entidade patronal ou que, sendo essas deslocações de tal modo frequentes, que a remuneração contratualmente prevista tinha em conta as despesas previsivelmente incorridas com tais deslocações ou que, no caso concreto, foram ultrapassados os limites previstos no art. 2.º, n.º 3, e) do referido Código. Constata-se, porém, que a Administração Tributária nada alegou e provou nesse sentido. Assim, tendo ficado demonstrado que o Impugnante realizou, durante o ano de 2000, diversas deslocações ao serviço e no interesse da entidade patronal, a várias localidades, nomeadamente para reuniões com fornecedores, clientes e com organismos oficiais, resulta das regras da experiência comum que tais deslocações implicam a realização de despesas. Os meros lapsos de preenchimento dos boletins de itinerário não permitem, sem melhor prova, concluir que o Impugnante não suportou despesas com tais deslocações ou que as quantias abonadas excedem o valor normal das deslocações ao serviço da entidade patronal e, nessa medida, que constituíram um ganho real para o Impugnante, que deve ser tributado como retribuição, pelo que havendo dúvidas, as mesmas teriam de ser resolvidas contra a Administração Tributária, nos termos previstos no art. 100.º n.º 1 do CPPT. Assim, se a questão poderá estar bem caracterizada no que se refere à contabilidade da empresa, já não estará no que se refere a este trabalhador em concreto. Na verdade, o relatório elaborado pela inspeção e relativo ao Impugnante, ora Recorrido, refere que este utilizava a viatura automóvel com a matrícula 5... e detinha o supra identificado cartão de abastecimento de combustíveis, mas em lado algum refere que apenas o ora Recorrido, era o único trabalhador da empresa que podia usar aquela viatura, com exclusão de qualquer outro. Aliás, da alínea E) do probatório foi dado como provado: cada veículo estava afeto a um trabalhador, que era responsável pelo mesmo, mas não tinha a sua utilização exclusiva, podendo haver trocas por vários motivos, v. g. condições do veículo, trajetos, tipo de cliente, tipo de contacto etc. De todo o modo se as irregularidades detetadas pela Inspeção Tributária, podem, no limite, comprovar que o trabalhador em causa não se encontrava deslocado em território nacional ao serviço da empresa nos dias e lugares indicados nas fichas de itinerário ((Porto, Coimbra, Marvão, Elvas e Badajoz), mas que no mesmo dia se encontrava efetivamente deslocado no estrangeiro (Angola, Moçambique e Cabo Verde), tal, porém, por si só, não afasta o pagamento da ajuda de custo diária para compensação da despesa normal com a deslocação, nomeadamente com tranfers e táxis, nem vem alegado que as despesas suportadas pelo trabalhador era muito inferior aos montantes pagos para as compensar. Tal poderia permitir a correção relativamente aqueles dias e aquelas importâncias, mas não autoriza a desconsideração do total das ajudas de custo contabilizadas e pagas ao trabalhador durante todo o ano de 2000. A sentença recorrida não merece, pois, a censura que lhe foi feita e fez uma correta apreciação dos factos e do direito. Improcede, pois, o recurso. Sumário/Conclusões: I- A característica essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que suportou a favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ao serviço desta, e a inexistência de qualquer correspetividade entre a sua perceção e a prestação do trabalho. II- Tais ajudas de custo não se consideram retribuição e não se encontram sujeitas a IRS na parte em que não excedam os limites legais [artigo 2º nº3 alínea e) do CIRS]. III- É sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar que as quantias declaradas como ajudas de custo constituem retribuição. III - Decisão Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso. Custas pela Recorrente, que decaiu. [Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13 de março, o Relator atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores Vital Lopes e Luísa Soares - têm voto de conformidade.] Lisboa, 16 de dezembro de 2020 Susana Barreto |