Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:456/05.5BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:03/14/2019
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores: FACTOS NÃO PROVADOS
NULIDADE
MOTIVAÇÃO
Sumário:1. Só a falta absoluta de indicação dos factos não provados é equiparável à falta da indicação da matéria de facto provada, para efeitos da nulidade prevista no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, impondo-se neste caso que seja decretada a nulidade da sentença.
2. Quando a indicação é deficiente, escassa ou incongruente, o que se verifica é apenas um défice instrutório que apenas dá lugar à baixa do processo à primeira instância, para densificação da fundamentação omitida, visto que não estamos perante uma situação em que os poderes de substituição do tribunal ad quem podem ser exercitados por falta da necessária imediação.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
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ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

1. Relatório

1.1. As partes
L…… - A…. de N…… de Portugal. S.A., inconformada com a sentença do Mm.° Juiz do TT de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a Fazenda Pública, na qual atacou os actos de liquidação adicional do IVA, dos anos de 2001 e 2001, dela recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo.
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1.2. O Objecto do recurso
1.2.1. Alegações
A recorrente formulou, nas suas alegações de recurso, as seguintes conclusões:
1.ª A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial, tendo a sua convicção assentado no exame das informações e dos documentos, não impugnados e, quanto aos factos dados como não provados, refere apenas que “Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes nos autos e apenso, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra.” (cf. páginas 13 e 14 da sentença recorrida);
2.ª Na base daquela decisão esteve o facto de o Tribunal a quo ter considerado que, as indemnizações compensatórias pagas pelo Estado Português à Recorrente, ao abrigo do contrato de prestação de serviço público celebrado cm 26.01.2001, constituem a contraprestação da prestação de serviços realizada em benefício do Estado e, por isso, sujeita a IVA à taxa normal em vigor na data da sua realização, face ao disposto nos artigos 1.°, n.º 1, alínea a), 2.°, n.º 1, alínea a), 4.°, n.º 1, 16.° n° 1 e 18.°, n.º 1, todos do Código do IVA;
3.ª Mais se pugnou naquela sentença que, no que concerne a violação dos princípios basilares da justiça, da confiança e da boa-fé pelos actos tributários sub judice, resulta do probatório que na reclamação graciosa deduzida com referência às liquidações adicionais de IVA do exercício de 1992 estava em causa a consideração no numerador da fracção de cálculo do pro-rata dos montantes referentes ao contrato programa com o Governo do Território de Macau, e que, ainda assim, nada impedia a administração tributária de, posteriormente, ter um entendimento diferente daquele perfilhado anteriormente no âmbito da inspecção;
4.ª Quanto à violação do princípio da igualdade por força da não utilização pela administração tributária do instituto da compensação previsto no artigo 89.° do CPPT, sustenta o Tribunal Recorrido que este fundamento não está previsto no artigo 99.° do CPPT, sendo a impugnação judicial o meio adequado para se apreciar e decidir a legalidade da liquidação onde não cabe o mecanismo da compensação do imposto;
5.ª Por fim, quanto à ilegalidade das liquidações de juros compensatórios em virtude da inimputabilidade à ora Recorrente da responsabilidade pelo retardamento na liquidação do imposto, conclui-se na sentença recorrida que improcedendo a impugnação da liquidação de imposto, improcede a liquidação dos juros compensatórios;
6.ª Ora, a sentença recorrida não deve, desde logo, proceder, porquanto incorre em nulidade por falta de fundamentação de facto, decorrente da falta de discriminação dos factos não provados e da falta de apreciação crítica da prova;
7.ª Com efeito, por força do disposto no artigo 205.° da CRP e nos artigos 123.°, n.º 2 e 125.°, ambos do CPPT, o juiz tem o dever de proceder, sob pena de nulidade da sentença, não só à discriminação dos factos dados como provados, mas também à discriminação dos factos dados como não provados, porquanto só assim será possível conhecer e controlar o itinerário cognoscitivo que o juiz da causa seguiu na fundamentação da mesma e aferir sobre que factos incidiram, verdadeiramente, os juízos probatórios do Tribunal (cf. neste sentido, o acórdão proferido pelo STA, em 15.04.2009, no processo n.º 1115/08);
8.ª Como se aludiu (cf. 1.ª Conclusão), não resulta da sentença proferida pelo Tribunal a quo, com interesse para a decisão proferida, quais os factos que foram dados como não provados e, mesmo que se concluísse por um implícito juízo probatório negativo sobre todos os factos alegados e que não foram incluídos na lista de factos provados, ficar-se-ia sem se saber as razões pelas quais os mesmos não foram dados como provados;
9.ª Pelo que, em conformidade com as disposições legais acima invocadas, a sentença recorrida viola o dever de fundamentação das decisões judiciais porquanto não procede à discriminação dos factos não provados, devendo ser anulada com esse fundamento;
10.ª Também a falta de apreciação crítica da prova documental carreada para os autos pelo Recorrente e a total ausência de valoração da mesma faz incorrer a sentença recorrida em nulidade, nos termos do disposto no artigo 205.° da CRP, nos artigos 158.° e 659.° do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2.° do CPPT e nos artigos 123.° e 125.° do CPPT, impondo-se também a sua anulação por este motivo;
11.ª Efectivamente, conforme resulta unanimemente da doutrina e da jurisprudência dos tribunais administrativos e fiscais, de que é exemplo, o acórdão do STA, de 15.04.2009, proferido no processo n.º 1115/08, a falta de expressa fundamentação da matéria de facto e de direito, também inclui a obrigação de analise crítica de toda a prova produzida nos autos e especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do Tribunal, sob pena de a sentença recorrida não poder subsistir na ordem jurídica, por se encontrar ferida de nulidade decorrente da violação do dever de fundamentação das decisões judiciais, como sucede na situação sub judice;
12.ª Isto porque, no caso vertente, embora resulte dos autos a produção de prova testemunhal, certo é que não se faz qualquer tipo de referência à actividade probatória que daí decorreu, nem sequer quando se mencionam os elementos em que a decisão da matéria de facto se estribou, não sendo, assim, possível aferir se o Tribunal pura e simplesmente considerou os factos alegados e sobre os quais recaiu o depoimento da testemunha como não provados ou se nem sequer chegou a formular um juízo probatório sobre os mesmos;
13.ª Assim, a sentença recorrida padece também de manifesta nulidade por falta de fundamentação de facto decorrente da falta de apreciação crítica das provas, pelo que, também com este fundamento, deve ser anulada;
14.ª E, sendo declarada a nulidade da sentença, nos termos e condições acima mencionados, sempre se impõe, por força do disposto no artigo 712.° e no n.º 2 do artigo 731.0, ambos do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.° do CPPT, que os autos baixem à 1.ª instância para ampliação da matéria de facto, caso esse Ilustre Tribunal considere que não dispõe de elementos que lhe permitam a reapreciação da matéria de facto, bem como que a sentença é omissa em sede do probatório quanto aos factos essenciais para a decisão da causa, por impossibilidade de o Tribunal ad quem julgar em substituição (cf. acórdão do TCA Sul, proferido em 05.06.2008, no processo 2806/07);
15.ª Acresce que, a decisão recorrida é igualmente ilegal, na medida em que incorre em erro de julgamento decorrente da insuficiência da matéria de facto, porquanto, para além dos factos indicados na fundamentação da sentença recorrida, outros factos deveriam ter sido dados como provados, em face da prova produzida nos próprios autos, a qual não foi integralmente valorada pelo Tribunal a quo, designadamente no que se refere a prova documental e testemunhal produzida nos autos;
16.ª Deste modo, não pode a Recorrente deixar de impugnar os pontos 1 a 9 do probatório da sentença recorrida, por manifesta insuficiência, na medida em que, concomitantemente com os factos ali descritos, deveriam ter sido dados como provados os factos seguidamente descritos, mais se indicando, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 690.°-A do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.° do CPPT, quais os concretos meios probatórios constantes do processo que impõem tal decisão diversa da recorrida:
a. A Recorrente, a par dos serviços próprios da actividade de noticiosa que constitui o seu objecto, comprometeu-se contratualmente perante o Estado Português a assegurar um conjunto de prestações de serviço de marcado interesse público, asseverando parte substancial das funções aquele acometidas pelo artigo 38.° da CRP, na área da informação e dos meios de comunicação em geral [cf. Cláusula I do doc. n.º 6 da p.i., os pareceres juntos aos autos, do Dr. Eduardo Paz Ferreira e do Dr. Luís Máximo dos Santos (cf. pagina 4) e do Dr. António da Gama Lobo Xavier (cf. pagina 2)];
b. O serviço público prestado pela Recorrente destina-se a diversas entidades, mormente a s noticiosas, mas igualmente a todos os portugueses, em Portugal ou no estrangeiro, atento o direito que todos têm à informação (cf. depoimento da testemunha, Dra. E….., gravação da inquirição de testemunhas, dos três minutos e quarenta e seis segundos aos quatro minutos e três segundos e dos seis minutos e quinze segundos aos seis minutos e trinta e nove segundos);
c. O procedimento adoptado pela Recorrente de não liquidação de IVA sobre as indemnizações compensatórias calculadas nos termos previstos no respectivo contrato não foi, em algum momento questionado seja pelo próprio Estado, seja pela Comissão de Avaliação, a quem, no âmbito daquele contrato competia pronunciar-se sobre a estimativa da indemnização compensatória correspondente aos serviços previstos para cada ano e a qual contava, entre os seus pares, com um representante da Inspeccão-Geral de Finanças (cf. Cláusulas VII e X do doc. n.º 6 e depoimento da testemunha, Dra. E……, gravação da inquirição de testemunhas, dos dezasseis minutos e vinte e seis segundos aos dezoito minutos e onze segundos);
d. Os preços praticados pela Recorrente junto de terceiros pelos serviços prestados não sofrem qualquer influência do valor da remuneração paga pelo Estado (cf. doc. n.º 6 e depoimento da testemunha, Dra. E……, gravação da inquirição de testemunhas, dos dezanove minutos e quarenta e sete segundos aos vinte minutos e vinte e cinco segundos);
e. A indemnização compensatória recebida consubstanciava uma “ajuda” e uma “compensação” pelos custos suportados pela Recorrente no âmbito da execução do acima referido contrato, os quais se apresentavam líquidos de IVA e eram deduzidos aos proveitos (cf. depoimento da testemunha, Dra. E……, gravação da inquirição de testemunhas, dos quatro minutos e sete segundos aos quatro minutos e trinta e três segundos);
f. O montante em causa não era calculado com base no volume das prestações de serviço público efectuadas pela Recorrente nem com o próprio valor de mercado deltas últimas (cf. depoimento da testemunha, Dra. E……, gravação da inquirição de testemunhas, dos cinco minutos e vinte e um segundos aos cinco minutos e quarenta e cinco segundos);
g. Para além disso, os custos em causa foram contabilizados sem qualquer montante de IVA sobre os mesmos incidente, uma vez que as normas contabilísticas assim o determinam, tal como sucedeu com os respectivos proveitos (cf. depoimento da testemunha, Dra. E……, gravação da inquirição de testemunhas, dos dez minutos e cinquenta e nove segundos aos doze minutos e trinta e cinco segundos);
h. Ainda que a Recorrente lograsse cobrir a totalidade dos custos por si suportados com a prestação de serviço público em causa num determinado ano — o que, apenas em abstracto, admitiu como possível — não se justificaria o pagamento por parte do Estado de qualquer montante (cf. depoimento da testemunha, Dra. E……, gravação da inquirição de testemunhas, dos cinco minutos e cinquenta e cinco segundos aos seis minutos e quarenta e dois segundos e dos dezoito minutos e trinta e três segundos aos vinte minutos e vinte e cinco segundos).
17.ª De igual modo, e para os devidos efeitos, dá-se como impugnada a matéria de facto lido provada na parte em que se consideraram implicitamente como não provados os factos acima indicados;
18.ª Pelo que, em suma, deverão ser relevados como factos provados todos os supra evidenciados e, em conformidade com o exposto, ser proferida uma nova decisão que julgue a impugnação judicial deduzida pela Recorrente procedente;
19.ª Com efeito, sempre se impõe, por força do disposto no artigo 712.° do CPC, aplicável ex vi artigo 2.° do CPPT, que os autos baixem a 1.ª instância para ampliação da matéria de facto, caso esse Ilustre Tribunal considere que não dispõe de elementos que lhe permitam a reapreciação da matéria de facto, por impossibilidade de o Tribunal ad quem julgar em substituição, o que desde já se requer;
20.ª Sem prejuízo do exposto, e ainda que não se considerem procedentes os vícios acima invocados, o que apenas por cautela e dever de patrocínio se concede, cumpre referir que a decisão recorrida incorre também em erro de julgamento da matéria de direito, porquanto os fundamentos em que a mesma se alicerça são improcedentes;
21.ª Com efeito, no que concerne à alegada sujeição a IVA das contraprestações pagas pelo Estado pelo serviço público prestado, não pode a Recorrente concordar de forma manifesta com a sentença recorrida, na medida em que a mesma incorre, desde logo, em manifesta fundamentação a posteriori e violação do princípio constitucional da separação de poderes;
22.ª Efectivamente, os fundamentos invocados pelo Tribunal a quo para justificar a emissão e manutenção dos actos de liquidação em crise — quais sejam, a de que contraprestação da prestação de serviços realizada em benefício do Estado pela Recorrente está sujeita a IVA a taxa normal em vigor na data da sua realização, face ao disposto nos artigos 1.° n.º 1 alínea a), 2.° n.º 1 alínea a), 4.°, n.º 1, 16.°, n.º 1 e 18.°, n.º 1 todos do Código do IVA — não foram, em momento algum, invocados pela administração tributária nem constituíram a fundamentação daqueles actos tributários, porquanto o motivo que originou a emissão dos actos tributários sub judice foi, apenas e só, insista-se, a tributação em sede de IVA das indemnizações compensatórias recebidas pela Recorrente nos anos de 2001 e 2002 em virtude de as mesmas serem “(...) sujeitas a IVA conforme dispõe a alínea d) do n.º 2 do art.° 16.° do CIVA.” (cf. parecer do chefe de equipa, bem como a expressa menção de tal fundamentação no ponto 3 da pagina 1 e nos pontos 1.1., 1.2. e 1.6. da página 4 do relatório de inspecção tributária que a sentença recorrida deu, na respectiva fundamentação de facto, por integralmente reproduzido);
23.ª Ora, é consabido que a fundamentação do acto tem de ser contemporânea do mesmo, não sendo permitido suprir ou completar posteriormente, mesmo no decurso do procedimento, muito menos do processo, as carências e as deficiências da mesma, ainda que essa iniciativa seja promovida pelo Tribunal, conforme resulta do disposto no artigo 77.°, n.º 2 da LGT e do disposto nos artigos 36.° e 99.°, alínea c) do CPPT [cf., neste sentido, a jurisprudência dos tribunais fiscais, como se alcança, exemplificativamente, do teor dos Acórdãos do STA de 03.05.2006 (proferido no recurso n.º 0154/06), de 06.06.2007 (proferido no recurso n.º 0155/07), de 31.01.2007 (proferido no recurso 01016/06), de 17.11.2004 (proferido no recurso n.º 0772/04) ou de 09.05.2001 (proferido no recurso n.º 25832) ou do Acórdão de 19.12.2007, proferido no processo n.º 0874/07];
24.ª Assim, o Tribunal a quo errou ao conhecer da legalidade dos actos de liquidação fora dos pressupostos de direito e de facto sobre os quais os actos impugnados foram praticados, ou seja, por violação do que na lei se dispõe, pois que, sendo o contencioso de anulação, o Tribunal apenas poderá sindicar a legalidade do acto a partir da correcção jurídica dos pressupostos de facto e de direito sobre a consideração dos quais o mesmo foi praticado, pois, de contrário, o tribunal passa a ser um órgão da administração activa e viola o princípio constitucional da separação de poderes (cf. artigo 111.° da CRP);
25.ª Pelo que, em suma, tendo a sentença recorrida incorrido, nos termos acima aduzidos, em manifesta fundamentação a posteriori dos actos de liquidação em crise e na violação do princípio constitucional da separação de poderes, enferma a mesma de manifesta ilegalidade, devendo, com esse fundamento, ser revogada e, em consequência, anulados os actos tributários sub judice;
26.ª Acresce que, contrariamente ao entendimento pugnado pelos serviços de inspecção tributária, bem como pela sentença recorrida, é manifestamente ilegal a tributação em sede de IVA das indemnizações compensatórias recebidas pela Recorrente com fundamento no disposto no artigo 16.°, n.º 2, alínea d), do Código do IVA ;
27.ª Com efeito, não é, desde logo, possível afirmar simultaneamente, como o fazem os serviços de inspecção tributária, que se está perante uma subvenção ao preço [a qual seria tributada nos termos da alínea c) do n.º 5 do artigo 16.° do Código do IVA] e perante uma contraprestação obtida pela realização de uma prestação de serviços pública resultante de actos de autoridade pública, prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 16.° do Código do IVA, maxime por este artigo ter como pressuposto que se esteja perante serviços prestados pelo Estado (autoridade pública), quando na situação sub judice estão em causa serviços contratualizados pelo Estado e prestados pela Recorrente;
28.ª Isto porque, conforme decorre da doutrina e da jurisprudência do TJUE, as actividades exercidas na qualidade de autoridades públicas são as desenvolvidas pelos organismos de direito público no âmbito do regime jurídico que lhes é próprio, com exclusão das que exerçam nas mesmas condições jurídicas que os operadores económicos privados, o que delimita, claramente o universo das entidades abrangidas: o Estado e demais pessoas colectivas de direito público, estatuto que, normalmente as entidades concessionárias não têm (cf. Caso Comune di Capaneto I, reiterada nos Casos Convene di Capaneto II e Ayuntamiento de Sevilha e Clotilde Celorico Palma in “As Entidades Públicas e o IVA: Uma Ruptura no Princípio da Neutralidade”, Almedina, Coimbra, 2010);
29.ª Ora, atenta a factualidade dada como provada, a Recorrente é uma sociedade anonima, consistindo o seu objecto social a pratica de actividades de noticiosa, resultando do contrato celebrado com o Estado Português que a par das obrigações impostas à Recorrente tendentes a prossecução do serviço público, não lhe foram delegados quaisquer poderes de autoridade, pelo que, face a noção de autoridade pública acima mencionada, importa, pois concluir que, a actividade desenvolvida pela Recorrente ao abrigo do mencionado contrato não é qualificável como uma “actuação na qualidade de autoridade pública”, pelo que, consequentemente e contrariamente ao pugnado pelos serviços de inspecção tributária, não é possível a tributação das respectivas indemnizações compensatórias nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 16.° do Código do IVA;
30.ª Razão pela qual, os actos tributários sub judice são ilegais, impondo-se a sua anulação e, consequentemente, a revogação da sentença recorrida;
31.ª Por outro lado, saliente-se ainda que a Recorrente alicerça este entendimento na circunstância de que o Estado, embora intervindo na operação em apreço tendo em vista a prossecução do interesse público, não o faz no uso de poderes de autoridade que se projectem na esfera do particular — a Recorrente — e se sobrepõem à vontade deste impondo-lhe a obrigação de praticar uma qualquer prestação de serviço, tal como o exige o artigo 16.°, n.º 2, alínea d), do Código do IVA para que por força da sua aplicação ocorra a tributação nesta sede, pois consciente da relevância para o interesse público da actividade já desenvolvida pela Recorrente o Estado vem “associar-se” à mesma assegurando aquela, pela via contratual, o direito a uma subvenção que garanta a sua normal prossecução:
32.ª Logo, ao não resultar a prestação do serviço em causa de um acto de uma autoridade pública, a respectiva contraprestação não é, repita-se subsumível ao artigo 16.°, n.º 2, alínea d), do Código do IVA, contrariamente ao pugnado pelos serviços de inspecção tributária, devendo, consequentemente, os actos tributários sub judice ser anulados e, nessa medida, revogada a sentença recorrida;
33.ª Em segundo lugar, sem prejuízo do exposto e sem conceder, acresce que tais contraprestações se encontram fora do âmbito da incidência do IVA, uma vez que as indemnizações compensatórias em causa consubstanciam um apoio financeiro à exploração por força do serviço prestado, abstractamente enquadrável nas subvenções a que alude a alínea c) do n.º 5 do art. 16.° do CIVA, mas concretamente excluído de tributação nos termos deste preceito em virtude de não ser calculado com referência a preços e quantidades, em conformidade, alias, com o entendimento veiculado pela administração tributária aquando da acção inspectiva levada a cabo no ano de 1997 (cf. ponto 4 da fundamentação de facto da sentença recorrida);
34.ª Como explicita Clotilde Celorico Palma “Não existe um conceito físico ou universal de subvenção pública, mas poderemos, em linhas gerais, apontar um conjunto de elementos caracterizadores. (...) Como vimos, entre outros elementos, preenchem tal conceito a ocorrência de uma atribuição patrimonial a um sujeito passivo do IVA, que seja proveniente, ou com recurso a verbas, de um organismo internacional ou de um organismo público nacional que dependa do cumprimento de certos requisitos pela entidade que e subvencionada, normalmente associados a satisfação de um dado objectivo, a assunção de uma dada conduta ou a realização de uma certa tarefa ou projecto, indo ao encontro de uma necessidade colectiva ou visando a prossecução de um interesse de natureza pública.” (in As Entidades Públicas e o IVA: Uma Ruptura no Princípio da Neutralidade, Almedina, Coimbra, 2010, paginas 573 e 603);
35.ª Por outro lado, o Estado Português, embora parte contratante do contrato de prestação de serviços públicos, não é o directo beneficiário ou destinatário dos serviços, maxime por a Recorrente assegurar através daquele contrato as funções que aquele são acometidas nos termos do artigo 38.° da CRP, existindo, assim, no âmbito do contrato em causa a assunção pela Recorrente de um compromisso com aquele em adoptar uma determinada conduta, in casu consistente na adopção de actividades de prestação de serviço público que visam a satisfação desse mesmo interesse público considerado relevante e cujos destinatários são necessariamente terceiros, a saber: s noticiosas, órgãos locais e regionais de comunicação social, órgãos de comunicação social e público em geral, portugueses e estrangeiros (cf. Cláusula N do contrato, reproduzida no ponto 1 da fundamentação de facto da sentença recorrida, bem como a prova testemunhal produzida nos autos);
36.ª Pelo que, atento o conceito de subvenção supra, dúvidas não subsistem que as indemnizações compensatórias em causa consubstanciam um apoio financeiro à exploração por força do serviço prestado, abstractamente enquadrável nas subvenções a que alude a alínea c) do n.º 5 do artigo 16.° do IVA, mas concretamente excluído de tributação nos termos deste preceito;
37.ª Efectivamente, atentando no teor dos contratos de serviço público celebrados entre o Estado e a Recorrente, nomeadamente aquele que se encontra actualmente em vigor e o que foi celebrado em Janeiro de 2001, bem como a prova testemunhal produzida nos autos, constata-se a exclusão da tributação referida, não apenas por a referida subvenção em nada afectar o valor de mercado do serviço prestado, como a forma de cálculo da mesma não é efectuada nem por referência ao número de unidades transmitidas nem ao volume dos serviços prestados (mesmo que se verifique um aumento do volume dos serviços prestados, o valor da indemnização compensatória pode, em tese, ser nulo ou meramente residual, bastando para tal que a Recorrente consiga suportar o custo da manutenção das várias delegações no mundo através dos preços que cobra aos seus clientes, caso em que o Estado nada teria a pagar-lhe), configurando, assim, os montantes pagos pelo Estado uma “ajuda” e uma “compensação” pelos custos suportados pela Recorrente no âmbito da execução do identificado contrato, os quais se apresentavam líquidos de IVA e eram deduzidos aos proveitos;
38.ª Por outro lado, é igualmente inquestionável que os preços praticados pela Recorrente junto de terceiros não sofrem qualquer influência do valor da remuneração paga pelo Estado e que, apenas a partir do Aditamento ao contrato de prestação de serviços públicos da Recorrente, de 17 de Julho de 2003, passou este expressamente a prever que aos montantes compensatórios previstos acresce IVA à taxa legal (cf. n.º 5 da Cláusula VIII na redacção conferida por aquele aditamento ao contrato);
39.ª Ora, como a administração tributária veio a reconhecer a propósito da tributação de subsídios comunitários, até que a incidência do imposto seja tomada em conta no estabelecimento dos respectivos montantes não devem os mesmos ser tributados nos termos da alínea c) do n.º 5 do artigo 16.° do Código do IVA, sob pena daquela incidência fazer diminuir o seu montante, com incidências negativas sobre o financiamento das empresas (cf. Despacho de 15.10.1991, do Secretario de Estado dos Assuntos Fiscais, exarado na informação n.º …., de 91.10.15, do Gabinete do Subdirector-Geral, e Despacho do Sub-Director Geral dos Impostos, de 20.06.2003, exarado na Informação n.º 13…);
40.ª Pelo que, atento todo o exposto, é evidente que as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios sob impugnação, ao exigirem o pagamento de imposto sobre verbas que ao mesmo não se encontram sujeitas, se encontram feridas de manifesta ilegalidade e devem, por isso, ser anuladas e, nessa medida, revogada a sentença recorrida;
41.ª No que concerne à violação dos princípios basilares da justiça, da confiança e da boa-fé que subjazem à emissão de tais actos, também não pode a Recorrente manifestamente conformar-se com o entendimento do Tribunal a quo, porquanto do probatório fixado na sentença recorrida, bem como do parecer elaborado pelo Dr. António Lobo Xavier, resulta evidente a injustiça que decorre do comportamento do Estado enquanto Autoridade Tributária, atento, por um lado, o regime da repartição do risco da cobrança do IVA à luz da repercussão obrigatória, regra base de funcionamento do IVA e, por outro lado, a protecção da confiança e da boa-fé;
42.ª Com efeito, como bem ensina António Lobo Xavier no parecer junto aos autos, colocando em evidência o regime previsto no artigo 71.° do CIVA, a repercussão do imposto é uma regra base de funcionamento do IVA, pelo que, se porventura tal repercussão não ocorre porque falha o pagamento, a tributação tem de ser “anulada”, o mesmo sucedendo no que respeita a dedução do imposto, visto que também ela se destina a desonerar o adquirente de um encargo efectivamente suportado;
43.ª Para esse efeito, o próprio sistema do IVA consagra um esquema de repartição de riscos entre a administração tributária, fornecedor do bem ou serviço e adquirente, bem evidenciado no regime das rectificações e regularizações previsto no artigo 71.° do CIVA, sendo que é exactamente por força dos critérios de repercussão do risco fixados no aludido regime que não poderão ser consideradas validas as liquidações sob apreciação, uma vez que na situação sub judice o risco de não facturar ao Estado não decorreu de uma opção da Recorrente, mas de uma imposição da administração tributária, que interferiu, assim, nos critérios gerais de repartição do risco, afastando-os por sua iniciativa;
44.ª Assim, é justamente porque a Recorrente não correria esse risco se não tivesse confiado na estabilidade do entendimento da administração tributária e na insusceptibilidade de ele lhe ser oponível, que o juízo sobre a legalidade desta liquidação nos convoca para a questão da dimensão que os princípios da protecção da confiança e da boa-fé da actuação administrativa assumem no ordenamento jurídico-­tributário e, consequentemente, para a ilegalidade dos autos tributários em apreço por violação dos mesmos;
45.ª E nem sequer se diga, que nunca aquela, na situação concreta adoptou, nesta matéria, entendimentos diametralmente opostos, porquanto, como supra se referiu, na acção inspectiva levada a cabo com referência aos anos de 2001 e 2002 a posição assumida seja expressamente a da que as contraprestações em apreço se encontram sujeitas a IVA nos termos do art. 16.°, n.º 2, alínea d), do CIVA, já no que respeita à acção inspectiva relativa aos exercícios de 1992 e 1993, o que a Administração tributária fez foi, tão somente, “face à contabilização realizada pelo contribuinte, em enquadrar os subsídios como tributados ou não tributados.” (cf. doc. n.º 3 junto aos autos);
46.ª Acresce que, perante tal actuação da administração tributária, a confiança que a mesma, pelas circunstâncias e termos em que ocorre, e passível de gerar em qualquer contribuinte, e gerou na Recorrente, resulta evidente que quer o grau de lesão da confiança depositada naquela actuação, quer a violação do princípio da boa-fé, são por si só suficientes para fazer ceder os princípios da legalidade e da igualdade, sobretudo quando, como sucedeu no caso vertente, a administração tributária teve a oportunidade de transmitir à Recorrente — caso fosse esse efectivamente o seu entendimento nesta matéria — que as indemnizações pagas pelo Estado se encontravam sujeitas a IVA, mormente no âmbito da Comissão de Avaliação constituída para efeitos da boa execução do contrato em questão;
47.ª É, pois, manifesto que a falta de liquidação de IVA sobre os montantes pagos pelo Estado à Recorrente, por ter ocorrido em consonância com o próprio entendimento da administração tributária à data, não é, nem pode ser, censurável, antes pelo contrário, a emissão das liquidações em crise enferma de evidente ilegalidade por violação dos princípios supra mencionados, na medida em que não é aceitável que a administração tributária tenha adoptado comportamentos que indicavam que aquele era o seu entendimento e nunca tenha questionado na sede própria tal falta de liquidação de IVA;
48.ª De onde decorre que por encerrarem a violação ostensiva dos princípios basilares da justiça, da confiança e da boa-fé, materializados directamente ou indirectamente no art.º 266.°, n.º 2, da CRP, nos artigos 5.0, n.º 2 e 55.°, ambos da LGT e artigos 6.°- A, 108.° e 140.° do CPA, aplicáveis ex vi do artigo 2.° do CPPT, devem também por esta razão as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios sub judice ser anuladas e, consequentemente, revogada a sentença recorrida;
49.ª No que respeita à violação do princípio da igualdade por força da não utilização pela administração tributária do instituto da compensação, também não pode a Recorrente manifestamente concordar com o entendimento do Tribunal a quo, porquanto, desde logo, reconhecendo-se que o Estado não chegou a suportar o encargo do imposto e que a repercussão não se efectuou, é, pois, evidente que a Recorrente detém sobre o Estado um crédito no valor do imposto que não lhe debitou e que o mesmo é exigível;
50.ª Neste contexto, assume particular relevância o instituto da compensação e, em especial, o regime previsto no artigo 90.° do CPPT, uma vez que nos termos do citado preceito, é possível a extinção total ou parcial da obrigação tributária, mediante o recurso à compensação, compensação essa que tanto pode ser realizada, nos termos do artigo 90.° do CPPT, mediante a utilização de créditos de natureza tributária, quer mediante a utilização de créditos de outra natureza, como é o caso do presente;
51.ª Logo, dúvidas não restam pois que, sendo possível - como o é no caso vertente ­o recurso à compensação por forma a extinguir a obrigação tributária, o seu não accionamento constituiria ainda uma ilegalidade decorrente da violação do princípio da igualdade, atenta a circunstância de a administração tributária o já ter feito anteriormente, designadamente no caso R…T…P…, S.A., conforme se alcança do despacho proferido por Sua Excelência o Ministro das Finanças em processo desencadeado por aquela (c. cópia junta aos autos como doc. n.º 8);
52.ª Efectivamente, no âmbito daquele despacho e com referência a situação precisamente idêntica à da ora Recorrente — atestada, alias, à saciedade, no parecer emitido por Eduardo Paz Ferreira e Luís Máximo dos Santos (cf. cit. parecer, págs. 26 e segs.) - determinou-se que tratando-se de dívidas e créditos relativos ao mesmo imposto (em rigor, ao mesmo acto tributário) “...razões de simplicidade e eficácia e, também, de justiça e equidade recomendam a adopção do pagamento por compensação.” (cf. doc. n.º 8 junto aos autos);
53.ª Pelo que, contrariamente ao pugnado na sentença recorrida, não só inexiste qualquer fundamento que inviabilize o recurso ao instituto da compensação, como, pelo contrário, até o impõe, pois outra solução que não esta constituiria, no caso vertente, uma flagrante violação do princípio da igualdade ao qual a administração tributária esta expressamente vinculada nos termos do artigo 266.°, n.º 2, da CRP e dos artigos 5.°, n.º 2 e 55.° da LGT e artigo 5.° do CPA, como alias bem notam os mesmos Autores (cf. cit. Parecer, págs. 26 e segs.);
54.ª Assim, atento todo o exposto, devem pois os actos tributários sub judice serem anulados e, nessa medida, revogada a sentença recorrida;
55.ª Por fim, quanto à ilegalidade da liquidação de juros compensatórios em virtude da inimputabilidade à ora Recorrente da responsabilidade pelo retardamento na liquidação do imposto, não pode a Recorrente concordar de forma manifesta com o entendimento do Tribunal a quo, uma vez que mesmo que venha considerar-se que as liquidações adicionais de imposto sub judice não padecem de qualquer ilegalidade, o que apenas por dever de patrocínio se concede, ainda assim, as respectivas liquidações adicionais de juros compensatórios se afiguram, por si só, ilegais;
56.ª Efectivamente, o direito a juros compensatórios tem como pressuposto a existência de uma divida de imposto, de um retardamento por referência ao momento legalmente definido como oportuno para a respectiva liquidação e/ou entrega e, ainda, um nexo de causalidade adequada entre aquele retardamento e actuação do contribuinte assente num juízo de censura a este imputável, não existindo, assim, lugar a juros compensatórios se o eventual atraso na liquidação ficou a dever-se a mera divergência de critérios de dedução do IVA entre a administração tributária e o contribuinte ou a erro desculpável deste [cf. artigo 96.° do C6digo do IVA, bem como o acórdão do STA proferido em 02.10.2003 (processo n.º 1.145/02) e o acórdão do TCA Sul proferido em 14.02.2006 (processo 00138/04));
57.ª Ora, a situação sub judice é, na esteira da doutrina vertida nos citados acórdãos, subsumível na exclusão do juízo de censura necessário para o direito a liquidação de juros compensatórios, porquanto é manifesta a boa-fé e a razoabilidade do entendimento assumido pela Recorrente a respeito da norma de incidência que conduziu ao pretenso retardamento da liquidação do imposto, desde logo, porquanto, como acima se referiu, o mesmo constituía o entendimento perfilhado pela própria administração tributária e por esta expressamente transmitido a Recorrente;
58.ª Pelo que se conclui que, qualquer que seja a sorte das liquidações adicionais de imposto, os juros compensatórios liquidados em simultâneo com aquelas não lhe podem ser exigíveis, por falta de verificação dos pressupostos consagrados no artigo 35.°, n.º 1, da LGT, e no artigo 96.° do Código do IVA, razão pela qual as liquidações de juros compensatórios são ilegais, devendo, consequentemente, ser anuladas e revogada, nessa medida, a sentença recorrida.
59.ª Com efeito, por força do disposto no artigo 205.° da CRP e nos artigos 123.°, n.º 2 e 125.°, ambos do CPPT, o juiz tem o dever de proceder, sob pena de nulidade da sentença, não só à discriminação dos factos dados como provados, mas também à discriminação dos factos dados como não provados, porquanto só assim será possível conhecer e controlar o itinerário cognoscitivo que o juiz da causa seguiu na fundamentação da mesma e aferir sobre que factos incidiram, verdadeiramente, os juízos probatórios do Tribunal (cf. neste sentido, o acórdao proferido pelo STA, em 15.04.2009, no processo n.º 1115/08);
60.ª Como se aludiu (cf. 1.ª Conclusão), não resulta da sentença proferida pelo Tribunal a quo, com interesse para a decisão proferida, quais os factos que foram dados como não provados e, mesmo que se concluísse por um implícito juízo probatório negativo sobre todos os factos alegados e que não foram incluídos na lista de factos provados, ficar-se-ia sem se saber as razões pelas quais os mesmos não foram dados como provados;
61.ª Pelo que, em conformidade com as disposições legais acima invocadas, a sentença recorrida viola o dever de fundamentação das decisões judiciais porquanto não procede à discriminação dos factos não provados, devendo ser anulada com esse fundamento;
62.ª Também a falta de apreciação crítica da prova documental carreada para os autos pelo Recorrente e a total ausência de valoração da mesma faz incorrer a sentença recorrida em nulidade, nos termos do disposto no artigo 205.° da CRP, nos artigos 158.° e 659.° do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2.° do CPPT e nos artigos 123.° e 125.° do CPPT, impondo-se também a sua anulação por este motivo;
63.ª Efectivamente, conforme resulta unanimemente da doutrina e da jurisprudência dos tribunais administrativos e fiscais, de que é exemplo, o acórdão do STA, de 15.04.2009, proferido no processo n.º 1115/08, a falta de expressa fundamentação da matéria de facto e de direito, também inclui a obrigação de analise crítica de toda a prova produzida nos autos e especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do Tribunal, sob pena de a sentença recorrida não poder subsistir na ordem jurídica, por se encontrar ferida de nulidade decorrente da violação do dever de fundamentação das decisões judiciais, como sucede na situação sub judice;
64.ª Isto porque, no caso vertente, embora resulte dos autos a produção de prova testemunhal, certo é que não se faz qualquer tipo de referência à actividade probatória que daí decorreu, nem sequer quando se mencionam os elementos em que a decisão da matéria de facto se estribou, não sendo, assim, possível aferir se o Tribunal pura e simplesmente considerou os factos alegados e sobre os quais recaiu o depoimento da testemunha como não provados ou se nem sequer chegou a formular um juízo probatório sobre os mesmos;
65.ª Assim, a sentença recorrida padece também de manifesta nulidade por falta de fundamentação de facto decorrente da falta de apreciação crítica das provas, pelo que, também com este fundamento, deve ser anulada;
66.ª E, sendo declarada a nulidade da sentença, nos termos e condições acima mencionados, sempre se impõe, por força do disposto no artigo 712.° e no n.º 2 do artigo 731.0, ambos do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.° do CPPT, que os autos baixem à 1.ª instância para ampliação da matéria de facto, caso esse Ilustre Tribunal considere que não dispõe de elementos que lhe permitam a reapreciação da matéria de facto, bem como que a sentença e omissa em sede do probatório quanto aos factos essenciais para a decisão da causa, por impossibilidade de o Tribunal ad quem julgar em substituição (cf. acórdão do TCA Sul, proferido em 05.06.2008, no processo 2806/07);
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1.2.2. Contra-alegações
A Fazenda Pública não contra-alegou
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1.3. Decisão do STA
Por decisão de 26.04.2012, o STA declarou-se hierarquicamente incompetente, ordenado a remessa dos autos a este TCA-Sul a fim de se apreciar o recurso interposto.
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1.4. Parecer do Ministério Público
Neste TCAS a EMMP emitiu douto parecer no sentido do parcial provimento do recurso.
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1.5. Questões a decidir
(i) Saber se a sentença padece de nulidade por falta de discriminação dos factos provados, de apreciação crítica da prova e de insuficiência da matéria de facto face àquela que ficou provada e que é relevante para a decisão;
(ii) No caso de se não verificar essa nulidade, se padece de erro de julgamento
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2. Fundamentação
2.1. De facto
2.1.1. Factos dados como provados na sentença
a. Em 26 de Janeiro de 2001, o Estado Português e a L…. celebraram um contrato de prestação de serviço público tendo em vista, entre outros, o objectivo de regulamentar, com maior rigor e profundidade, os termos e condições em que aquele deveria ser prestado, cuja cópia foi junta aos autos como doc. n.º 6 a fls. 139 a 147 que se dá por reproduzido e segundo a cláusula I “O Estado reconhece o interesse público dos serviços noticiosos e informativos prestados pela ao abrigo do presente contrato “…” e que o Estado, na Cláusula IV estabelece que constituem obrigações da L…., S.A que nas actividades inerentes à prestação dos serviços de interesse público: “1. Manter delegações ou representações dotadas de jornalistas profissionais, com vista a garantir adequada cobertura informativa nas cidades de Lisboa, Porto, Coimbra, Faro, Évora, Funchal, Ponta Delgada, Bruxelas, Madrid, Praia, Bissau, Luanda, Maputo, S. Tome, Díli, Macau, Pequim, Brasília e S Paulo;
Manter correspondentes em Paris, Londres, Roma, Moscovo, Berlim, Goa, Sidney, Caracas, Toronto, New York, Newark, New Bedford, Providence, S. Francisco/S. Diego, Argel, Rabat e Joanesburgo, podendo estas localidades ser alteradas a solicitação de um dos outorgantes em consequência da evolução da situação que as determinou;
Digitalizar os arquivos de texto e foto em condições de serem consultados pelos órgãos de comunicação social e público em geral, portugueses e estrangeiros;
Apoiar a imprensa e em particular os órgãos locais e regionais de comunicação social, contribuindo para o esbatimento das assimetrias regionais na área da informação; 4.1. Através da concessão de condições especiais na aquisição de serviços, elaborando para o efeito tabelas anuais que se adeqúem a localização geográfica, expansão e tiragem ou audiência dos Órgão locais e regionais de comunicação social;
4.2. Através da criação de serviços noticiosos especificas, adequados as necessidades dos referidos órgãos, pela produção de um serviço noticioso denominado “Imprensa Regional” e de um serviço noticioso denominado “Rádios Locais”;
5. Enviar regularmente para o estrangeiro, via EPA - European Press Association, AMAN Alliance of Mediterranean News Agencies e outras s noticiosas estrangeiras, noticias e fotos sobre a realidade informativa nacional e internacional, neste caso, especialmente relacionada com Portugal. “
b. Na prestação dos serviços de interesse público a que se obriga, a L…., S.A. fica vinculada a observar um conjunto de princípios de gestão (Cláusula V). A Cláusula VI, por seu turno, indica diversas informações, documentos e relatórios que a L…., S.A. terá de apresentar ao Ministro das Finanças, ao membro do Governo que tutela a comunicação social e a chamada Comissão de Avaliação (prevista na Cláusula X).
c. Na Cláusula VIII (n.º 1) do referido contrato estipulou-se que “o Estado compensa a A.... pelos encargos líquidos anuais decorrentes das obrigações da prestação de serviços de interesse público”, correspondendo a indemnização compensatória, nos termos do n” 2, “aos custos das obrigações com os serviços de interesse público segundo os critérios fixados, deduzidos dos proveitos considerados relevantes segundo os critérios fixados, ambos homologados pelo Estado tendo por base proposta da Comissão de Avaliação” (fl.140 a 147 dos autos);
d. Tendo subjacente a ordem de Serviço n.º 24 … de 3/12197, face a informações relevantes, em sede de IVA relativo ao ano de 1992, na sequência da análise fiscal efectuada pela Inspeccão-Geral de Finanças, relativo as indemnizações compensatórias recebidas pelo Sujeito Passivo, por parte do Estado foi efectuada uma acção de inspecção cujo relatório a fls. 117 a 127 que se dá por reproduzido e de onde resultou o seguinte:
1 - O Sujeito Passivo acima identificado desenvolve uma actividade de prestação de serviço noticioso e informativo de interesse público: nos termos de um contrato-programa celebrado, em 5 de Junho de 1991, com o Estado Português.
2 - As indemnizações compensatórias recebidas pelo Sujeito Passivo no ano de 1992 somam o montante de 1.437.508.388$00. O referido valor está contabilizado na conta 74 SUBSIDIOS À EXPLORAÇÃO (POC). Estes subsídios, face a sua natureza configuram um apoio financeiro à exploração por força do serviço prestado, não se enquadrando na alínea c) no 5 do artigo 16° do CIVA, pois não são calculados com referência a preços e quantidades vendidas e que, consequentemente, não são tributáveis em sede de IVA.
3 - As subvenções não tributáveis, de acordo com o n” 1 e n” 4 do artigo 23° do CIVA, com a nova redacção dada pelo Dec.-Lei n” 195/89 de 12 de Junho, devem incluir-se no denominador de fracção para o cálculo da percentagem de dedução “pro-rata, salvo se a empresa optar pela sujeição a imposto nas lermos do n” 7 do art” 16° do CIVA, contudo, o Sujeito Passivo não utilizou o respectivo método perceptual na dedução do IVA
4 - Assim, em face do exposto no ponto anterior e nos termos do artigo 23° do CIVA determinasse a percentagem de dedução (pra-rata), referida no n.º 1 e nos temos dos n.os 4 e 5,do citado artigo:
4.1 - Serviços prestados tributados em IVA e isentos com direito a dedução, valor declarado na modelo 22 do IRC do ano de 1992 - 580.810.847$00
4.2 -Cálculo das subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento (n° 4 do ativo 23°):
Subsidio a Exploração - total conta741.437.508.338$00
Subsidio de rends Mm Finanças- 2 652.188$00
Out. Subsídios - Pres. Cons. Minist. (repar. Equip.-5.713.000$00
1.429.143.200$00
e. A Impugnante foi objecto de uma acção inspectiva, externa, inserida no código 22…… do Plano de Actividade da Inspecção Tributária para o exercício de 2003 e teve como suporte as ordens de serviço n.os 84….. e 85…. emitidas com o objectivo de dar cumprimento ao Oficio n.º 17… de 18/3/03 da Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária (DSPIT) que remeteu a Direcção de Finanças de Lisboa a informação n° … SER10… daqueles serviços (cf. relatório das inspecção a fl. 151 e seguintes que se dá por reproduzido);
f. A citada Informação n.º … SER10… refere-se as indemnizações compensatórias pagas pela Direcção-Geral do Tesouro a sociedade anonima L… A…. de N….. de Portugal, SA, enquadrada para efeitos fiscais na actividade das A…. de N….. que corresponde o CAE 92…. (fls. 156);
g. No âmbito do referido relatório a Administração Tributária fez constar o que para os devidos efeitos se transcreve;
1. Atribuição das indemnizações compensatórias:
2. O orçamento de Estado para 2001 contemplou uma dotação para indemnizações compensatórias a atribuir a empresas que prestam serviço público, tendo ficado determinado na Resolução do Conselho de Ministros aprovada em 19 de Dezembro de 2001 a atribuição da verba de 2.529.333.000$00 (12.616.259,81 Euros) à L….., decorrente das obrigações assumidas no contrato celebrado em 26 de Janeiro de 2001 entre o Estado português e esta empresa.
1.2. O valor a atribuir pelo Estado em cada um dos anos de vigência do contrato (3 anos) resulta de proposta fundamentada elaborada pela L…… na qual são apresentados os critérios de imputação de custos relativos aos serviços de interesse público prestados pela empresa no âmbito do supracitado contrato deduzidos dos correspondentes proveitos a eles associados, proposta esta que é posteriormente sujeita a parecer duma Comissão de Avaliação nomeada pelo Estado.
1.3. Assim, a verba atribuída a L…… pretende compensar a empresa pelos encargos líquidos mais decorrentes das obrigações da prestação de serviços de interesse público.
1.4. Em traços gerais, os serviços públicos prestados no âmbito do referido contrato obrigam a empresa a manter delegações e correspondentes em determinadas cidades nacionais e estrangeiras, a apoiar a imprensa e em particular os órgãos locais e regionais de comunicação social e a enviar regularmente para o estrangeiro noticias e fotos da realidade informativa nacional e internacional especialmente relacionada com Portugal, comprometendo-se a orientar todas as actividades inerentes a prestação destes serviços por adequados padrões de economicidade, eficiência e eficácia (Ver Anexo I).
1.5. O valor total de 2.529.333.000S00 (12.616.259,81 Euros) foi pago pela Direcção Geral do Orçamento duma só vez, em 2 de Janeiro de 2002, embora nos termos da cláusula IX do contrato tenha sido definido o pagamento em quatro parcelas, três delas durante o respectivo ano, a última no ano seguinte.
1.6. No exercício de 2002, o valor atribuído pelo Estado a empresa a título de indemnização compensatória ascendeu a 12.957.580 Euros, pago em duas tranches, uma em 31 de Dezembro de 2002 por 75% daquele valor e a outra em 31 de Marco de 2003 pelo valor remanescente.
2. Analise contabilístico-fiscal das indemnizações compensatórias recebidas em 2001 e em 2002 pela L….. .
2.1. As indemnizações compensatórias recebidas foram contabilizadas na conta de proveitos 74…. -”P.C.M/Contrato-Programa” por contrapartida da conta 27…. - “Outros acréscimos de proveitos” e tratadas como subvenções não tributadas para efeitos do cálculo da percentagem de dedução do IVA suportado na aquisição de bens e serviços (pro-rata), nos termos do art.° 23.° do código do IVA.
2.2. Em 2001 foi utilizado o pró-rata provisório de 28% (pro-rata definitivo do ano anterior), tendo, no final do exercício, sido calculado o pro-rata definitivo de 25% e regularizadas a favor do Estado, na declaração periódica de Dezembro, as importâncias deduzidas a mais, no valor total de 4.409.766$00 (21.996 Euros).
2.3. Em 2002 foi utilizado o pro-rata provisório de 25% (pro-rata definitivo do ano anterior), tendo, no final do exercício, sido calculado o pro-rata definitivo de 26% e regularizado a favor do sujeito passivo, na declaração periódica de Dezembro, o valor total de 8.663,12 Euros, não obstante a regularização a efectuar com base no critério adoptado pela empresa devesse ter sido apenas de 8.236,04 Euros.
2.4. Para efeitos do cálculo dos valores regularizados no final dos exercícios de 2001 e 2002, do IVA deduzido durante o ano na percentagem provisoria foi acrescido o valor das regularizações efectuadas durante o ano a favor do sujeito passivo e deduzido o valor das regularizações efectuadas durante o ano a favor do Estado.
2.5. Em termos contabilísticos, o IVA deduzido na percentagem do pro-rata calculado pela empresa foi contabilizado na respectiva conta da classe 2 e o restante IVA não dedutível) foi contabilizado numa conta de custos 63…. - “Imposto sobre o Valor Acrescentado” (fl. 156 a 158)
h. No âmbito da acção inspectiva referida no ponto anterior a Administração Tributária fundamentou correcções que denominou de técnicas nos seguintes termos: “Natureza das indemnizações compensatórias:
Conforme já anteriormente referido, as verbas recebidas sob a forma de indemnizações compensatórias foram tratadas pela empresa como subvenções não tributadas e como tal excluídas do numerada para efeitos do cálculo do pro-rata nos termos do art. 23° do Código do IVA, não tendo, por este motiva, sido liquidado imposto nos termos do art° 16° do mesmo diploma legal
Resta saber, contudo, se de acordo com a sua natureza não deveriam ter sido tipificadas para efeitos de tributação em sede de IVA ao abrigo do disposto no art. 16° do mesmo código.
O enquadramento fiscal em questão reflecte a natureza das próprias verbas, ou seja, caso se tratem de subvenções não tributadas devem afectar o cálculo do pró-rata diminuindo a percentagem de dedução imposto suportado nas aquisições, enquanto, tratando-se de subvenções tributadas, deve-lhes ser aplicada a disciplina prevista no art. 16° do Código do IVA.
Estas indemnizações compensatórias revestem a forma de compensações financeiras destinadas a pagar o custo das obrigações inerentes à prestação dum serviço público, nos termos da cláusula um do próprio contrato, constituindo, por isso, uma compensação por uma contraprestação.
As verbas em causa pretendem ressarcir a empresa dos custos suportados no âmbito da realização de determinadas operações (obrigações contratuais), estando o valor atribuído directamente ligado ao preço das referidas operações (custos previstos na realização das operações deduzidos dos proveitos associados, posteriormente corrigidos).
Pelo exposto, tratando-se duma contrapartida pela prestação de serviços ao Estado remunerando assim operações tributáveis, as indemnizações compensatórias devem ser sujeitas a IVA conforme prevê a alínea d) do n.° 2 do art.° 16°do C6digo do IVA “
i. Tendo em conta os factos enunciados nos pontos anteriores a Administração Tributária apurou o imposto em falta nos seguintes termos (fl. 159 e 160):
Exercício de 2001
2.1. Nos termos da fundamentação exposta, a L…… deveria ter liquidado, pelas indemnizações compensatórias recebidas com referência ao exercício de 2001 o valor total de NA de 1.833.131,77 Euros (12.616.259,81/1,17x0,17=1.833.131,77).
2.2. Não obstante o recebimento efectivo das verbas relativas a 2001 ter ocorrido somente em 2002, optou-se por proceder as correcções com referência ao próprio ano a que dizem respeito (2001), já que vão afectar, em obediência ao princípio da especialização, esse mesmo exercício.
2.3. Nestes termos, procedendo a correcção referida no anterior ponto 2.1., a percentagem de dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços praticada em 2001 altera-se, passando de 25% utilizado pela empresa para 95% decorrente da inclusão no numerador da fracção para efeitos do cálculo do pr6 rata do valor de 12.616.259,81 Euros relativo as indemnizações compensatórias recebidas.
2.4. Do novo cálculo resulta que a empresa deveria ter deduzido para efeitos do pro-rata o valor de IVA de 696.534,37 Euros em vez de 183.298,52 Euros (Anexo 2). Da diferença entre estas duas parcelas resulta o valor de 513.235,85 Euros que será deduzido ao valor de 1.833.131,77 Euros para efeitos de apuramento do imposto em falta de 1.319.895,92 Euros (1.833.131,77 - 696.534,37 + 183.298,52 = 1.319.895,92) Exercício de 2002
2.5. De igual modo, em 2002 a L…… deveria ter liquidado, pelas indemnizações compensatórias recebidas com referência aquele ano o valor total de NA de 1.882.725,30 Euros (12.957.58011, 17x0, 17=1.882.725,30).
2.6. Consequentemente, a percentagem de dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços praticada em 2002 altera-se, passando de 26% utilizado pela empresa para 99% decorrente da inclusão no numerador da fracção para efeitos do cálculo do pro-rata do valor de 12.957.580 Euros relativo as indemnizações compensatórias recebidas (Ver Anexo 3).
2.7. Do novo cálculo resulta que a empresa deveria ter deduzido para efeitos do pro-rata o valor de IVA de 815.368,36 Euros em vez de 214.137,14 Euros (Anexo 2). Da diferença entre estas duas parcelas resulta o valor de 601.231,22 Euros que será deduzido ao valor de 1.882.725,30 Euros para efeitos de apuramento do imposto em falta de 1.281.494,08 Euros (1.882.725,30 - 815.368,36 + 214.137,14 = 1.281.494,08)
j. Foram emitidas as liquidações n.º 040….., 040….. e 040…. de imposto e juros compensatórios dos anos de 2001 e 2002 (fl. 55 a 58).
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2.1.2. Motivação:
A sentença motivou os factos provados e não provados nestes termos:
Dos factos com interesse para a boa decisão da causa, constantes dos autos e apenso, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra.
A convicção do tribunal efectuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório”.
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2.2. De Direito
2.2.1. Intróito
A recorrente principia por atacar a sentença com base num vício de nulidade, aduzindo dois argumentos: falta de discriminação dos factos não provados e falta de apreciação crítica da prova.
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2.2.2. Da nulidade da sentença por falta de discriminação dos factos não provados
Decorre do disposto no artigo 668.º, n.º 1, al. b), do CPC (na redacção vigente à data da prolação da sentença), aplicável ao processo judicial tributário ex vi do artigo 2.º do CPPT, que a sentença é nula quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
A exigência de fundamentação das sentenças e despachos judiciais resulta do comando constitucional previsto no artigo 205.º, n.º 1, da CRP, que impõe que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”, norma esta densificada no artigo 158.º, n.º 1, do CPC, de acordo com o qual as decisões proferidas sobre qualquer questão controvertida devem ser sempre fundamentadas.
A fundamentação consiste, segundo a doutrina de Antunes Varela, em expressar o conjunto de razões, de facto e ou de direito, em que se funda a decisão; por outras palavras, em indicar os motivos pelos quais se decide num determinado sentido. Visa, essencialmente, permitir aos destinatários sindicar a motivação do julgador.
Constitui opinião pacífica da comunidade jurídica que este vício da sentença só se verifica em presença de uma falta absoluta dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão, mas não quando essa é deficiente, incompleta, pouco convincente ou medíocre ou mesmo errada, caso em que se pode verificar um erro de julgamento mas não qualquer nulidade.
Mas há que reconhecer também que, por vezes, a fundamentação exarada é de tal modo insuficiente que não permite aos destinatários da decisão, neles se incluindo um destinatário médio imbuído de razoáveis conhecimentos jurídicos, apreender qual as efectivas razões de facto e de direito que suportam a decisão. Ou seja, embora a fundamentação consubstancie aquele mínimo formal que a jurisprudência e a doutrina entendem que afasta a nulidade por falta de fundamentação, tal fundamentação não permite apreender o iter cognoscitivo subjacente à decisão, ainda que de modo imperfeito.
Nestas situações a sanção não pode ser outra que não seja a que está reservada para a ausência absoluta de fundamentação. Porque num caso e noutro se trata, em rigor, de uma obliteração total da exteriorização das razões em que se fundou a decisão.
Decorre do disposto no artigo 659.º, n.º 2, do CPC que o juiz tem o dever de especificar os factos que julga provados. A norma utiliza o vocábulo discriminar, que tem o significado de diferenciar, distinguir, destrinçar, discernir, separar, especificar. Por isso, não oferece dúvidas que o legislador do CPC, quando consagrou a redacção da norma supra citada teve como intuito que fosse observada, como regra, a enunciação, descrição ou exposição dos factos que o julgador considera provados.
E nessa discriminação devem ser considerados não só os factos provados na audiência de julgamento, mas também os factos cuja prova seja imposta por lei, nomeadamente aqueles que estejam contidos em documentos com força probatória plena. Bem como os demais factos provados por documentos ou por outro meio de prova, designadamente pericial.
A singela leitura da norma que vimos dissecando poderia inculcar a ideia de que bastaria a indicação dos factos provados para se ter por satisfeita a exigência de fundamentação em matéria factual da sentença.
Mas não é assim.
Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.
Da conjugação das duas normas – o n.º 2 e o n.º 3 do artigo 659.º do CPC – concluiu-se que na sentença, em matéria de fundamentação de facto, deve discriminar os factos que o julgador considera provados, incluindo aqueles admitidos por acordo e os que se encontrem provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, procedendo exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer a respeito desses factos provados.
Não resulta destas normas que a sentença deve discriminar os factos não provados e que deva fazer um exame crítico negativo acerca dos mesmos.
Contudo, não pode olvidar-se que o quadro legal que disciplina a elaboração da sentença no processo judicial tributário assenta no artigo 123.º do CPPT, que estabelece uma regulação bastante aproximada àquela que o actual artigo 607.º, n.os 2 e 3, do CPC, consagra, já que o seu n.º 2 estabelece que “o juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões”.
Embora uma leitura apressada da norma possa redundar numa interpretação menos exigente, no sentido de apenas impor uma separação entre a matéria de facto provada da não provada, uma leitura mais atenta, que considere as razões que justificaram a edição da norma nos termos em que foi construída e que Lopes de Sousa enuncia, leva a concluir que no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, se estabelece um dever declarativo que abrange os factos provados e não provados, de tal sorte que a sentença “expresse o mais fielmente possível a realidade histórica tal como esta, pela prova produzida, se revelou nos autos”.
É portanto incontroverso que, na elaboração da sentença, quer no processo tributário, quer actualmente em processo civil, o juiz tem o dever de declarar quais os factos que julga não provados.
No entanto, não se pode ir muito longe nas exigências de descriminação relativamente aos factos não provados, pois o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, não exige uma descrição textual e exaustiva de cada facto.
A simples remissão para os factos alegados, considerados não provados, será em princípio suficiente para possibilitar às partes ou a qualquer destinatário da sentença apreender com facilidade os factos que o julgador considerou como tal, visto que a descrição de tais factos se destina, fundamentalmente, a divulgar e delimitar a verdade material subjacente ao litígio, a qual irá justificar a construção do silogismo judiciário em que assenta o dispositivo.
Por outro lado, tendo em conta os parâmetros de interpretação consagrados no artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil, considerando que a fórmula legal determina que “o juiz discriminará também a matéria provada da não provada” (negrito nosso), concluiu-se que o legislador do CPPT apenas quis autonomizar a matéria provada da não provada mas não pretendeu impor uma descriminação exaustiva desta, bastando portanto apenas a sua indicação.
Isto é, o art.º 123.º, n.º 2, do CPPT, deve ser interpretado no sentido de que a referência à matéria de facto não provada se basta com a declaração dos correspondentes factos, de modo semelhante à solução acolhida pelo actual Código de Processo Civil.
Revertendo ao caso sub judice constata-se que a Senhor Juíza a quo se limitou, quanto aos factos não provados, a exarar o seguinte:
Dos factos com interesse para a boa decisão da causa, constantes dos autos e apenso, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra”.
Um raciocínio desta natureza comporta necessariamente dois momentos: o primeiro, respeitante à selecção dos factos considerados “com interesse para a boa decisão da causa”; no segundo momento, a selecção de entre tais factos, por via da análise crítica da prova, daqueles que se consideram provados.
O problema é que um raciocínio desta natureza não permite determinar quais os factos não provados por mera exclusão, como sucedeu. Se fosse feita a indicação de todos os factos com interesse para a boa decisão da causa, então sim seria fácil apurar:
(i) Quais os factos com interesse para a boa decisão da causa;
(ii) Quais os factos provados e,
Por exclusão de parte,
(iii) Quais os não provados.
Do modo como a descriminação dos factos provados foi feita na sentença não é possível identificar os factos não provados porque não é possível saber, em primeiro lugar, quais os factos com interesse para a boa decisão da causa que a Senhora juíza teve em mente e que permitiriam apurar o que constituiu em seu juízo matéria conclusiva ou de direito. E como não se consegue determinar o universo dos factos com interesse para a boa decisão da causa segue-se que a indicação dos factos não provados por recurso ao mecanismo de exclusão utilizado não permite determinar em concreto quais os factos não provados.
Não foi feito assim qualquer esforço de discriminação da matéria de facto não provada que poderia ter sido integrada através de simples remissão para pontos concretos dos articulados.
A sentença padece, pois, de um vício que importa dissecar.
O art.º 125.º, n.º 1, do CPPT enumera as causas de nulidade da sentença no processo tributário, em que os fundamentos desse vício são assim apresentados:
(i) Falta de assinatura do juiz;
(ii) Não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão
(iii) Oposição dos fundamentos com a decisão;
(iv) Omissão de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
Com excepção do primeiro fundamento, a lei processual tributária não permite a correcção oficiosa das irregularidades. Contudo, sendo a lei processual civil aplicável subsidiariamente ao processo tributário nos termos do art.º 2.º, al. e), do CPPT, parece que nenhum obstáculo se levanta à aplicação do regime de supressão das nulidades, previsto no art.º 617.º do CPC.
A nulidade decorrente da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando legal que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
Mas, como é jurisprudência pacífica, só a absoluta falta de fundamentação gera nulidade, dado que a fundamentação obscura, incongruente, deficiente ou escassa não integra tal vício, constituindo apenas uma mera irregularidade, que pode dar lugar à supressão do segmento vicioso da sentença mas não à total ineptidão desta.
É o que se passa no caso em apreço. Com efeito, ao utilizar o conceito de exclusão como mecanismo declarativo dos factos não provados a Senhora Juíza a quo delimitou, ainda que de modo bastante impreciso, o acervo de factos que considerou não provados.
Contudo, essa imprecisão não permite que qualquer destinatário da sentença apreenda, sem risco de errar, o acervo dos factos não provados, que a Mm.ª Juíza a quo teve em mente ao exarar a fórmula que utilizou. Isto é, ao referir-se de forma genérica aos factos não provados a sentença em crise não padece de absoluta falta de fundamentação mas apenas de muito deficiente exteriorização do iter cognoscitivo do julgador, que não permite saber quais os factos não provados que elegeu como tal.
Essa deficiente exteriorização é equiparável, nos seus efeitos práticos e jurídicos, ao da nulidade por deficiência instrutória, uma vez que se consubstancia na escassa exteriorização dos factos não provados, com reflexos na própria compreensibilidade da sentença e na impossibilidade do tribunal de recurso julgar o recurso.
Concluindo, verificando-se uma situação de défice instrutório impõe-se a baixa dos autos ao tribunal a quo [artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, na redacção actual; artigo 712.º, n.º 4, do CPC, na redacção então vigente] tendo em vista a supressão da irregularidade cometida, pois, só dessa forma é possível sindicar a decisão recorrida.
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2.2.3. Da alegada nulidade da sentença por falta de apreciação crítica da prova.
Mas as nulidades assacadas à sentença não se ficam por aqui.
Alega também a recorrente que a sentença é nula porque inexiste também “falta de apreciação crítica da prova documental carreada para os autos pelo Recorrente e a total ausência de valoração da mesma faz incorrer a sentença recorrida em nulidade”
De facto, a sentença limita-se a referir que “A convicção do tribunal efectuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório...”.
É certo que esta formulação é muito singela e que uma maior explicitação seria conveniente. Todavia, como já se salientou, a jurisprudência uniformemente entende que para que exista uma nulidade por falta de fundamentação, é necessário que a mesma seja absoluta. Não o sendo, isto é, se a fundamentação existe, ainda que escassa, pouco perceptível ou contraditória, a irregularidade degrada-se em mero défice instrutório relacionado com a deficiente exteriorização do pensamento do julgador.
No caso concreto, nem sequer se pode afirmar que inexiste falta de fundamentação com esta amplitude. Se bem que a informação quanto à convicção do tribunal seja muito sucinta, a mesma permite saber quais os suportes probatórios que justificaram a prova dos factos considerados provados. Logo não há falta de fundamentação, mas apenas (eventualmente), um défice dessa fundamentação.
E quanto ao exame crítico das provas?
A recorrente alega que houve violação do dever de exame crítico da prova produzida. A existir uma omissão dessa natureza ela geraria nulidade, nos termos do disposto nos artigos 125.° do CPPT e 659.°, n.º 2 e n.º 3 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.°, alínea e) do CPPT.
As causas de nulidade da sentença estão consagradas, para o processo tributário, no art.º 125.º, n.º 1, do CPPT. E no processo civil no art.º 659.°, n.º 2 e n.º 3 do CPC (na redacção vigente na data da sentença). Nestas normas, porém, não é contemplada qualquer nulidade autónoma (em relação à falta de fundamentação da matéria de facto) relativa ao de exame crítico da prova produzida. Este exame é uma operação intelectual produzida no íntimo do julgador, que se exterioriza pelo dever de fundamentação ou motivação quanto à matéria de facto. Não implica uma descrição dessa operação intelectual nem uma exteriorização específica desse exame mental.
No caso sub judice a fundamentação exarada a propósito da prova é suficiente para se perceber que existiu esse exame crítico. Na verdade, a Mm.ª Juíza a quo exteriorizou, ainda que algo minguadamente, os elementos de prova em que se apoiou para considerar provada a factualidade que considerou relevante. É o suficiente para se concluir que fez esse exame crítico, na medida em que a prova de um facto com suporte num determinado meio de prova envolve, necessariamente, uma análise que conduz a uma opinião estruturada sobre a prova produzida.
Não se verifica, pois, qualquer nulidade a este nível.
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2.2.4. Da insuficiência do material probatório
Alega a recorrente que deveriam ter sido dado como provados, com base nos depoimentos das testemunhas que apresentou, os “factos” que indica na 16.ª conclusão.
Alude, até, à passagem das gravações dos respectivos depoimentos, que em seu entender consubstanciam essa prova.
Embora nem toda a matéria constante da conclusão 16.ª se possa considerar matéria de facto, - quer por na sua maioria se trata de matéria conclusiva quer porque, na parte restante, a extracção da matéria de facto requer uma filtragem da redacção utilizada na petição inicial – o certo é que a sentença exarou a convicção do tribunal com base, unicamente, no exame das informações e dos documentos.
Omitiu total alusão à produção probatória testemunhal, o que nos impede de sindicar a bondade da não inclusão dos factos em relação aos quais foi feita prova – no sentido de meio de prova, entenda-se – por essa via.
Mas, tendo sido colocado em crise o acervo factual plasmado na sentença, com o argumento de que tal acervo é insuficiente ou fica aquém daquele que deveria ser tido em consideração, entende-se que a baixa do processo ao tribunal a quo deverá possibilitar, não só a rectificação da motivação da matéria de facto nos moldes sobreditos, mas também uma eventual rectificação dos factos considerados provados, tendo em consideração a prova testemunhal produzida, mas apenas se, em face dessa rectificação, for considerada pertinente alguma alteração da matéria de facto anteriormente fixada.
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2.2.5. Em conclusão:
1. Só a falta absoluta de indicação dos factos não provados é equiparável à falta da indicação da matéria de facto provada, para efeitos da nulidade prevista no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, impondo-se neste caso que seja decretada a nulidade da sentença.
2. Quando a indicação é deficiente, escassa ou incongruente, o que se verifica é apenas um défice instrutório que apenas dá lugar à baixa do processo à primeira instância, para densificação da fundamentação omitida, visto que não estamos perante uma situação em que os poderes de substituição do tribunal ad quem podem ser exercitados por falta da necessária imediação.
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O recurso merece, pois, parcial provimento, o que determina abaixa do processo ao tribunal a quo para os fins sobreditos e prejudica, para já, o conhecimento das demais questões alegadas.
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3 - Dispositivo:
Em face de todo o exposto acordam em conceder parcial provimento ao recurso, anulando a sentença recorrida por défice instrutório e ordenando-se a baixa do processo ao tribunal a quo para fundamentação dos factos não provados e para eventual rectificação do probatório nos termos acima indicados.
Sem custas.
D.n.
Lisboa, 2019-03-14
(Benjamim Barbosa)
(Anabela Russo)
(Ana Pinhol)

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[1]A sentença é datada de 28-06-2011.
[2]Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Ed.ª, 2.ª ed., p. 688
[3]Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado, I vol., 6.ª ed., Lisboa, Áreas Ed.ª, 2011, p. 320.
[4]Paulo Pimenta, Os Temas da Prova, p. 25, documento disponível na Web in URL:
http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/Texto_comunicacao_Paulo_Pimenta.pdf
[5]Por isso a descrição da matéria de facto provada deve concretizar-se numa narrativa enxuta, depurada de quaisquer valorações jurídicas, de expressões figurativas ou de adjectivação. Daí que seja tecnicamente incorrecto aplicar aos factos provados o “expediente” da descrição por remissão.