Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2266/23.9 BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:02/08/2024
Relator:LINA COSTA
Descritores:IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
INFORMAÇÃO
CERTIDÕES
FALTA DE OBJECTO
Sumário:I- Na impugnação da decisão da matéria de facto o requerente tem de observar os ónus previstos no artigo 640º do CPC, ex vi o nº 3 do artigo 140º do CPTA;
II- A alteração da decisão da matéria de facto só se justifica se puder implicar decisão de mérito também ela diferente, mormente no sentido propugnado pelo impugnante/recorrente;
III- A acção de intimação, prevista nos artigos 104º e seguintes do CPTA, visa a satisfação integral dos pedidos de informação procedimental e não procedimental;
IV- Se o pedido de informações se reporta a um procedimento concursal que a entidade requerida afirma não existir, não dispondo, por isso, em arquivo documentação relativamente ao mesmo, não pode a acção de intimação a satisfazer aquele pedido proceder por falta de objecto.
Votação:COM VOTO VENCIDO
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Subsecção Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

A…………., S.A., melhor identificada como requerente nos autos de acção de intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões instaurados contra o Ministério da Administração Interna, inconformada interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida em 16.8.2023, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que decidiu julgar improcedente, por não provado, o presente processo, e absolveu a entidade requerida do pedido.
Nas respectivas alegações, a Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«1. O Tribunal a quo decidiu julgar a presente intimação improcedente, tendo considerado, na Sentença recorrida, que não existia objeto do processo e que, por isso, os autos não poderiam prosseguir – decisão com que a Recorrente não se conforma.
2. No que concerne ao recurso de matéria de facto, resulta do Documento n.º 2 junto com o Requerimento Inicial que, no dia 16 de março de 2023, a Recorrida prorrogou por 2 meses o prazo de satisfação do pedido de informação administrativa, ao abrigo do disposto no artigo 15.º, n.º 4 da LADA.
3. Resulta também do Documento n.º 3 junto com o Requerimento Inicial que, no dia 16 de junho de 2023, a Recorrida se recusou a prestar as informações solicitadas pela Recorrente.
4. Estes factos são essenciais para demonstrar (i) que a ANSR foi capaz de identificar o pedido formulado pela Recorrente, e que, se não disponibilizou as informações solicitadas, não foi por considerar que inexistia o objeto do pedido formulado, nem por não ser possível dar satisfação ao mesmo, mas sim porque estaríamos perante uma situação de abuso do direito de acesso; e, bem assim, (ii) a postura da Recorrida no decorrer do procedimento administrativo, e o prazo de que a mesma dispunha para responder ao pedido, ambos elementos essenciais para concluir que não existiu abuso de direito por parte da Recorrente.
5. Assim sendo, deverá o Tribunal dar como provado, nos termos do disposto no artigo 640.º, n.º 1 do CPC, que:
a) “No dia 16 de março de 2023, a Recorrida, fazendo uso da prerrogativa constante do artigo 15.º, n.º 4 da LADA, prorrogou o prazo de entrega da documentação solicitada pela Recorrente por 2 meses a contar do último dia do prazo inicial de 10 dias úteis previsto por este diploma (cf. documento n.º 2 junto com o Requerimento Inicial).
b) “No dia 16 de junho de 2023 a Recorrida, no último dia do prazo para prestar a referida informação, veio recusar a entrega da referida documentação, alegando que o referido pedido correspondia a uma situação de abuso de direito (Cf. Documento n.º 3 junto com o Requerimento Inicial)
6. No que concerne ao recurso de matéria de direito, o Tribunal a quo incorre em erro de julgamento, desde logo, por considerar que inexiste objeto do processo.
7. Ora, ANSR identificou o concurso em causa; disponibilizou uma parte das informações solicitadas; comprometeu-se a diligenciar pela localização dos documentos em falta; e não se recusou a prestar as informações e documentos pedidos por entender que os mesmos não existiam, posição que mantém na sua oposição, na qual nunca é invocada a inexistência do objeto do processo.
8. Pelo que não só existe objeto do processo, como é possível satisfazer a pretensão da Recorrente, incorrendo o Tribunal a quo, deste modo, em evidente erro de julgamento.
9. O Tribunal incorre, ainda, em erro de julgamento ao não decidir expressamente sobre o facto de o pedido da Recorrente não constituir uma situação de abuso de direito.
10. Quanto ao alegado caráter sistemático e abusivo dos pedidos formulados pela Recorrente, o artigo 15.º, n.º 3 da LADA não poderia ter sido invocado na presente situação, cf. resulta do Parecer n.º 342/2022 da CADA, de 19 de outubro.
11. A Recorrente é alheia, desde logo, ao número de pedidos de informação formulados e apresentados por outras pessoas coletivas, aspeto que não é relevante para a aplicação do artigo 15.º, n.º 3 da LADA, tal como não é relevante o facto de a Recorrida ter vindo a ser confrontada com outras intimações judiciais referentes à não disponibilização de documentos.
12. Por outro lado, a apresentação de um pedido de informação deste tipo a uma entidade administrativa (informação essa que existe, por regra, em formato eletrónico e pode, por isso, facilmente ser disponibilizada), não pode ter levado à “paralisação” dos serviços da Recorrida, nem pode isso ser fundamento para a restrição de um direito constitucionalmente consagrado como é o direito à informação.
13. Não tendo essa paralisação sido, sequer, comprovada nos autos, e sendo difícil perceber como é que o regular funcionamento dos serviços da Recorrida foi posto em causa, quando, na verdade, esta se limitou a recusar a disponibilização da informação.
14. A possibilidade de prorrogação do prazo de entrega de documentação administrativa até 2 meses (ou 60 dias úteis) prevista no artigo 15.º/4 da LADA existe precisamente para que as entidades administrativas não vejam o seu normal funcionamento ser prejudicado, à conta de pedidos de informação administrativa recebidos, não se compreendendo como é que, tendo a Recorrida exercido esta possibilidade, não foi, ainda assim capaz de dar resposta – cf. Parecer n.º Parecer da CADA n.º 342/2022 da CADA.
15. A Recorrente pode aceder a informação não procedimental sem necessidade de enunciar qualquer interesse, conforme dita o artigo 5.º da LADA, pelo que não poderia a Recorrida pressupor quais os interesses da Recorrida no pedido de informação – os quais, para todos os efeitos, se prendem com assegurar o direito à tutela jurisdicional efetiva da Recorrente – devendo antes ter concluído que se justificava o interesse e a legitimidade da Recorrente no acesso aos referidos documentos.
16. Sendo certo que o interesse da Recorrente na obtenção da referida informação é, precisamente, o controlo da atividade administrativa e a possibilidade, de usando dos mecanismos legais que lhe são oferecidos (mormente a Lei n.º 26/2016), poder participar na vida pública – cf. Parecer da CADA n.º 342/2022 e sentença proferida, a 15.03.2023, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, no proc. n.º 168/23.8BESNT.
17. Já quanto à suposta quantidade desrazoável e desproporcional de documentação solicitada pela Recorrente, não se vislumbra a dificuldade de disponibilização de documentos que, à partida, estarão arquivados digitalmente (na já referida plataforma de gestão documental) e/ou que se encontram em plataformas eletrónicas de procedimentos (sendo facilmente acessíveis e podendo, da mesma, ser facilmente disponibilizados, sem qualquer esforço que justifique a alocação em concreto de qualquer esforço significativo aos recursos humanos da Recorrida para executar somente aquelas tarefas).
18. Os procedimentos administrativos também não são (ou não devem ser) “montados” a posteriori e aquando do pedido formulado; isso sim, seria ilegal, mais trabalhoso, e, sobretudo, seria um trabalho cuja responsabilidade não pode ser imputada à Recorrente, acusada de pedir mais informações de que aquelas que a Recorrente consegue disponibilizar apenas porque a Recorrente não cumpre as obrigações legais relativas à organização de processos administrativos, nem observa as diretivas de gestão e administração da coisa pública a que está obrigada).
19. Se estas obrigações referentes à prévia organização da documentação em procedimentos administrativos tivessem sido cumpridas, pouco tempo demoraria a ser feito ou pouco esforço exigia se os documentos estiverem devidamente arquivados e organizados, conforme decorre do CPA. É absolutamente inaceitável que essa desorganização seja imputada à Recorrida, por se ter limitado a exercer o seu direito de acesso a informações.
20. Para além disso, nada impedia a Requerida de ter procurado uma solução de conciliação entre as partes, e de ter, por exemplo, notificado a Recorrente para, num quadro de colaboração mútua, encontrar uma solução com o intuito de satisfazer o pedido de informação que lhe havia sido dirigido (cf. Pareceres n.ºs 199/2022 e 275/2022 da CADA), através do envio faseado da documentação ou a tentativa de circunscrição de algum dos pedidos apresentados.
21. Em vez de atuar em conformidade com os princípios da proporcionalidade (artigo 7.º do CPA), da boa-fé (artigo 10.º) e da colaboração com os particulares (artigo 11.º), e de chegar a uma solução que não prejudicasse nenhuma das partes, a Recorrida limitou-se a recusar disponibilizar informação à Requente, em clara violação do seu direito fundamental constitucionalmente consagrado, de acesso à informação assim como dos supra referidos princípios e do principio da administração aberta e da transparência.
22. A Sentença proferida no processo n.º 2194/23.8BELSB, a 25 de agosto de 2023, já junta como documento n.º 1, deverá ser tida em consideração nos presentes autos, tendo o Tribunal, nesse caso, desconstruído argumentos semelhantes aos que foram aqui utilizados, e ordenado a disponibilização da informação solicitada.».

Nas respectivas alegações, o Recorrido formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«A. A douta sentença recorrida não merece qualquer reparo ou censura no que respeita à matéria de facto dada como provada, considerando que resulta do n.º 2 do artigo 608º do Código de Processo Civil (CPC) que, o Tribunal poderá prejudicar a apreciação de determinada alegação de facto ou documento, por considerar o mesmo irrelevante face à conclusão de direito que retira relativamente a outros igualmente ponderados, o que sucedeu no caso dos autos.
B. Acresce que, apenas decorre do teor do documento n.º 2 junto com o requerimento inicial – ofício n.º ………/2023/DADO_NAJ de 16.03.2023 – que a ANSR declarou, tão só, prorrogar o prazo para «resposta» ao pedido formulado pela A……….., por 2 meses (cfr. n.º 4 do artigo 15º da Lei n.º 26/2016 de 22 de agosto), razão pela qual, à luz do disposto no n.º 2 do artigo 9º do Código Civil jamais poderia ser considerado provado que a ANSR prorrogou o prazo de «entrega» da documentação solicitada pela Recorrente por 2 meses.
C. Quanto ao recurso da matéria de direito alegado em primeiro lugar pela A………, importa referir que o ónus de enunciar corretamente o procedimento aquisitivo cujas informações eram solicitadas à ANSR, bem como de alegar os factos essenciais que consubstanciavam a causa de pedir invocada, recaía inteiramente sobre a A………., ora recorrente, como decorre, aliás, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 03.03.2022, proferido no âmbito do processo n.º 1649/21.3BELSB (publicado in http://www.gde.mj.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/72bbf581eeda63 05802587fe00419eb9?OpenDocument), nos termos do qual:
“I- O recurso deve ser rejeitado se o recorrente violar o ónus de alegar, de formular conclusões e por falta de objeto, ou seja, violar o disposto no art 639º do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA;
II- No processo de intimação para prestação de informações deve a pretensão em juízo ser precedida de interpelação administrativa prévia, com identificação do tipo de informação bem como do procedimento objeto do pedido.”
D. Pelo que, tendo a ANSR indicado não dispor de qualquer documentação atinente ao «Concurso Público para aquisição de serviços de manutenção aplicacional e suporte técnico para o SCOT, outorgado em 2016, com a empresa A………, SA (5…………), pelo valor de 990,000,00 €» no email enviado a 17.05.2023, carece de objeto a presente ação de intimação destinada a obter informação e documentação referente ao mesmo.
E. Sem conceder, e sobre a alegada existência de erro de julgamento atinente à não apreciação do abuso de direito invocado, reiteram-se os factos enunciados e provados no requerimento de resposta apresentado pelo Ministério da Administração Interna, os quais denotam que a recorrida se empenhou, ativamente, no sentido de dar resposta aos primeiros pedidos remetidos pelas pessoas coletivas representadas por V……………, assim prosseguindo o tão chamado à colação pela recorrente “princípio de colaboração com os particulares” espelhado no artigo 11º do CPA.
F. Sendo que, pretendendo falar-se de boa-fé, cumpre salientar que este princípio mais não é do que a honestidade e respeito nas relações jurídicas, sendo a recorrente quem a ele não obedece, tendo a esta quebrado, não só princípio da boa fé, como também a tão importante confiança que visa salvaguardar os sujeitos jurídicos contra atuações injustificadamente imprevisíveis daqueles com quem se relacionem.
G. E se na esfera jurídica do recorrente se criou a expetativa de poder vir a obter a informação por si solicitada, por via do ofício n.º …………../2023/DADO_NAJ de 16.03.2023, tal deve-se, apenas e tão só, à errada interpretação que a A………… faz do n.º 4 do artigo 15º da LADA – que remete para todas as alíneas do n.º 1, sem qualquer ressalva, donde se conclui que também poderá ser prorrogado o prazo de comunicação por escrito das razões da recusa, total ou parcial, do acesso ao documento – considerando que, “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (cfr. n.º 3 do artigo 9º do Código Civil), como pretende a recorrente.
H. Relativamente à invocada sentença proferida no âmbito do processo n.º 2194/23.8BELSB da Unidade Orgânica 4 do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a mesma ainda não transitou em julgado – dado que o Ministério da Administração Interna interpôs, tempestivamente, recurso da mesma – razão pela qual não pode servir de fundamento às alegações da recorrente.
I. Concluindo-se, no mesmo sentido, no que importa ao invocado Parecer da CADA n.º 342/2022, de 19 de outubro, do qual resulta que a existência de múltiplos e reiterados pedidos “(...) que obrigaram à canalização de recursos que, de outro modo, podem ser destinados à efetiva melhora da atividade administrativa, poderão ser recusados”, o que constitui argumento que também serve a ora recorrida.
J. Mas se ainda subsistirem quaisquer dúvidas quanto à desmesurada litigância manifestada pela ora recorrente, a A……….., bastará a este Douto Tribunal aceder à consulta publica das intimações em que a mesma é requerente – nas quais se integra a alegada sentença proferida no âmbito do processo n.º 168/23.8BESNT do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra – para as desfazer.
K. A alegação da recorrente de que é alheia ao número de pedidos de informação administrativa apresentados por outras pessoas coletivas também não procede, dado que todos os pedidos de informação administrativa elencados no ofício n.º …………/2023/DADO_NAJ de 16.06.2023 foram subscritos pelo mesmo V……………, na qualidade de legal representante das sociedades comerciais as sociedades comerciais A…………., SA, (ora recorrida), C…………, SA, F…….., Lda. e A…………….Lda.
L. Assim posto, impõe-se a conclusão de que, os pedidos de informação administrativa enunciados no ofício n.º n.º ……………./2023/DADO_NAJ de 16.06.2023, revestem, nessa medida, caráter sistemático e abusivo, pugnado a ora recorrida pela desconsideração das pessoas coletivas através das quais V………….atuava.
M. Na verdade, a desconsideração da personalidade jurídica ou “disregard doctrine” tem vindo a ser amplamente sufragada pela doutrina e reconhecida jurisprudencialmente, citando-se, a título de exemplo, o Acórdão de 07.11.2017 do Supremo Tribunal de Justiça (publicado in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a28508b33795ae3a8 02581d8003c8077?OpenDocument) no qual se refere que: “Assim, quando exista uma utilização da personalidade colectiva que seja, ou passe a ser, instrumento de abusiva obtenção de interesses estranhos ao fim social desta, contrária a normas ou princípios gerais, como os da boa fé e do abuso de direito, relacionados com a instrumentalização da referida personalidade jurídica, deve actuar a desconsideração desta, depois de se ponderarem os verdadeiros interesses em causa, para poder responsabilizar os que estão por detrás da autonomia (ficcionada) da sociedade e a controlam.”
N. Sendo que, a jurisprudência ora mencionada também se apoia noutras decisões dos Tribunais superiores, referindo que, “(...) é um facto que a jurisprudência nacional tem equacionado a doutrina da desconsideração, que, por essa via, foi já recebida no seio do nosso ordenamento jurídico. Cita-se aqui, apenas a título de exemplo, extractos de alguns arestos (...): (...) - Ac. do STJ de 30-11-2010
«A desconsideração ou levantamento da personalidade colectiva das sociedades comerciais – disregard of legal entity – tem na sua base o abuso do direito da personalidade colectiva, ou seja, deve ser usado o instituto em causa quando, a coberto do manto da personalidade colectiva, a sociedade ou sócios excederem, ou utilizarem, a autonomia societária em relação a terceiros, para exercerem direitos de forma que contraria os fins para que a personalidade colectiva foi atribuída, haja em vista o princípio da especialidade.
A desconsideração, como instituto assente no abuso do direito – art. 334.º do CC –, tem em si abrangida a violação das regras da boa fé no interagir com terceiros, implica a existência de uma conduta censurável que só foi possível alcançar mediante a separação jurídica do ente societário – através da personalidade jurídica que a lei lhe atribui – e a pessoa dos sócios, para assim almejar um resultado contrário a uma recta actuação.».
(...) - Ac. do STJ de 26-06-2007
«Por trás da desconsideração ou levantamento da personalidade colectiva está, sempre, a necessidade de corrigir comportamentos ilícitos, fraudulentos, de sócios que abusaram da personalidade colectiva da sociedade, seja actuando em abuso de direito, em fraude à lei ou, de forma mais geral, com violação das regras de boa-fé e em prejuízo de terceiros».”
O. Ora, transpondo para o presente caso o instituto da desconsideração ou levantamento da personalidade coletiva, é manifesto que o representante legal da recorrente tem vindo a “abusar” da personalidade coletiva das sociedades que representa, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico do direito constitucionalmente consagrado de acesso à informação, para causar prejuízo à ANSR.
P. Também não é exigível à Administração Pública a organização de quaisquer documentos – independentemente do suporte em que se apresentem –, a elaboração de dossiers estruturados ou sínteses da documentação existente, ou sequer existe a obrigação de produzir uma nova documentação administrativa para satisfazer o pedido do requerente (conforme se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04.02.2016 – relativo ao processo n.º 1370/15 – e no Acórdão do mesmo Tribunal de 17.01.2008 – atinente ao processo n.º0896/07).
Q. Sendo igualmente referido na jurisprudência mencionada que, para satisfazer a pretensão requerida in casu, era exigível uma tarefa de organização e manuseamento de múltiplos ficheiros informáticos – que também sucede no caso da ANSR – num esforço de meios desmesurado para qualquer serviço público.
R. O acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no âmbito do processo n.º 135/17.0BEFUN de 31.01.2018 decidiu, ainda, de relevo para a presente análise, que:
“A interpretação a dar à exigência dos art.ºs. 8.º, n.º 3, primeira parte e 84.º, n.º 1 e 2, do CPTA, quando impõem ao R. o envio de um PA, sob pena de violação dos princípios da boa-fé e cooperação, no caso dos processos electrónicos – desde logo, os de contratação pública – deve rodear-se de alguma parcimónia, pois não se pode pretender que aquele R. envie para o Tribunal um PA que comporte para além de toda a documentação ali inserida, todos os fluxos e certificações que se verificaram no procedimento electrónico; Nestes casos, na falta de regras legais que clarifiquem o assunto, há que aceitar que fique a cargo da entidade pública a “criação” daquele PA, que inclua a documentação e as vicissitudes procedimentais principais e, ainda, as que importem para a discussão da causa. Nesta criação, a entidade pública dever-se-á nortear pelos princípios que parametrizam a sua actividade, desde logo os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade, da justiça, da boa-fé ou da isenção”.
S. Pelo que, em obediência ao princípio da proporcionalidade, podia a ANSR escolher dentro dos diversos meios ou medidas idóneas e congruentes de que disponha, aqueles que considerasse menos gravosos ou que causassem menos danos, por forma a conseguir compatibilizar o interesse publico e os direitos dos particulares, de modo a que o mesmo princípio jogue como um fator de equilíbrio, garantia e controlo dos meios e medidas.
T. Todas estas, razões pelas quais entende a recorrida que jamais se poderá concluir que o pedido formulado pela recorrente não padece de desrazoabilidade e de desproporcionalidade, devendo, por todas as razões enunciadas, ser considerada improcedente a alegação da recorrente que indica o contrário, assim como todas as demais enunciadas no recurso apresentado.».

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos (mas com envio prévio a estes do projecto de acórdão), por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), vem o mesmo à sessão para julgamento.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consistem, no essencial, em saber se a sentença recorrida incorreu em erros na decisão da matéria de facto e de direito, determinantes da improcedência da acção.

A sentença recorrida considerou, com interesse para a decisão, provados os seguintes factos:

1. Por comunicação datada de 02.03.2023, a A……….., S.A., (requerente), solicitou à entidade requerida, no âmbito do «Concurso Público para aquisição de serviços de manutenção aplicacional e suporte técnico para o SCOT», o acesso/reprodução dos documentos que se passam a identificar:
a) Justificação para a decisão de contratar e respetivos anexos (informações, pareceres, etc.);
b) Peças do procedimento – Programa de procedimento e Caderno de Encargos;
c) Eventuais Esclarecimentos prestados sobre as peças do procedimento;
d) Fundamentação da definição do preço base com o respetivo cálculo ou, caso tenha resultado de consulta preliminar ao mercado, cópia de toda a correspondência trocada com as entidades consultadas e respetivas respostas dadas por estas entidades;
e) Se alguma empresa prestou, a qualquer título, direta ou indiretamente, assessoria ou apoio técnico na preparação e elaboração das peças do procedimento;
f) Propostas apresentadas por todos os concorrentes;
g) Relatório(s) Preliminar(es);
h) Relatório Final;
i) Decisão de adjudicação;
j) Proposta Adjudicada;
k) Contrato celebrado e outorgado;
l) Comunicações entre o(s) gestor(es) do contrato e o cocontratante;
m) Decisões, despachos e/ou deliberações referentes à execução do contrato;
n) Toda a documentação referente ao acompanhamento da prestação do serviço previsto no Caderno de Encargos e das datas das reuniões e respetivas atas;
o) Documentação referente a subprocedimentos de modificação do contrato;
p) Pedidos de prorrogação do prazo de execução do contrato e respetivas decisões;
q) Documentação referente a subprocedimentos de aplicação de sanções contratuais por
r) incumprimento do contrato;
s) Eventuais pedidos de reposição do equilíbrio financeiro e respetivas decisões;
t) Documentação relativa a eventuais ordens de execução de serviços complementares;
u) Data de conclusão da execução do contrato e respetivo auto de receção/aceitação dos trabalhos (ou outro documento que quite a cocontratante);
v) Faturas, comprovativos de pagamento e recibos;
w) Data da publicação do contrato no portal dos contratos públicos;
x) Considerando o disposto no artigo 287.º do CCP, se existiram pagamentos antes da publicação dos contratos no portal dos contratos públicos e o nome do titular do órgão ou colaborador que os ordenou.
Cf. documento n.º 1 junto com o requerimento inicial, que consta do documento a fls. 14-18 autos em paginação eletrónica, aqui se dando o respetivo teor por integralmente reproduzido.

2. O correio eletrónico datado de 17.05.2023 17:09, remetido por «DADO», para «juridico@a………..pt», com conhecimento de «N…………….», com o «Assunto: FW: Pedido de informação administrativa sobre o concurso público para Aquisição de serviços de manutenção aplicacional e suporte técnico para o SCOT, outorgado em 2016, com a empresa A……….., SA (5………), pelo valor de 990.000,00€», é do teor que se passa a transcrever:

Exmos. Senhores
Na sequência do pedido de informação administrativa sobre o concurso público para Aquisição de serviços de manutenção aplicacional e suporte técnico para o SCOT, outorgado em 2016, com a empresa A………….SA (5………..), pelo valor de 990.000,00€, apresentado por V. Exas a 2 de março e rececionado no dia 3 de março pp, vem esta Autoridade informar de que com as referência mencionadas por V. Exas. - concurso público para Aquisição de serviços de manutenção aplicacional e suporte técnico para o SCOT, outorgado em 2016, com a empresa A………...SA (5…………), pelo valor de 990.000,00€ - não foi localizada qualquer documentação.
Partindo do princípio que terão V. Exas incorrido em lapso na identificação do processo relativamente ao qual pretendiam informação, lapso esse que incide quer no objeto do procedimento/contrato, quer na indicação da data da outorga deste último, e considerando que em 2016 apenas se encontrava em execução um único contrato entre a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária e a empresa A……………, SA, na sequência do CP ..../ANSR/2014, pese embora o objeto não seja totalmente coincidente com o referido no pedido apresentado, nesta data se procede ao envio dos elementos que foi possível coligir, para o que concorreu a colaboração da Direção de Serviços de Documentação e Relações Públicas da Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna.
Atendendo não só ao exposto como à data a que remonta o procedimento contratual e o respetivo contrato, bem como ao que ficou exposto quanto à formulação do pedido, informa-se que esta Autoridade continua a diligenciar pela localização e obtenção de outros elementos que existam relativamente ao pedido de informação efetuado.
EMC - Gabinete de Apoio à DADO
Divisão de Apoio e Desenvolvimento Organizacional
Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária
Ministério da Administração Interna
Cf. documento n.º 3 junto com a resposta, que consta do documento a fls. 119-146 autos em paginação eletrónica, aqui se dando o respetivo teor por integralmente reproduzido.

3. A requerente não respondeu à comunicação referida em (2).

Facto não controvertido.

4. O presente processo entrou em juízo em 06.07.2023.

Cf. documento a fls. 1-3 dos autos em paginação eletrónica.


*
Factualidade NÃO PROVADA:
Não existem factos não provados com interesse para a decisão do presente processo.
*
Motivação:
Na determinação do elenco dos factos considerados provados, o Tribunal considerou a posição das partes assumida nos respetivos articulados, a análise global dos documentos juntos aos autos, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.».

O juiz a quo, após efectuar um enquadramento jurídico da acção de intimação prevista nos artigos 104º e seguintes do CPTA, fundamentou a decisão recorrida nos seguintes termos:
«Aqui chegados, importa analisar se a requerente tem direito a aceder aos documentos por si requeridos por comunicação datada de 02.03.2023.
Vejamos:
No âmbito do presente processo, a requerente pede que a entidade requerida seja intimada a prestar/entregar à requerente os documentos por si requeridos por comunicação datada de 02.03.2023, e que foram levados ao ponto (1) do probatório.
Em sede de resposta, veio a entidade requerida juntar a comunicação datada de 17.05.2023, (Cf. ponto (2) do probatório), nos termos se constata que transmitiu à requerente que, no âmbito do procedimento concursal, tal como identificado pela requerente, «não foi localizada qualquer documentação».
Isto é, a entidade requerida respondeu ao pedido da requerente, indicando que não identificou o procedimento concursal, tal como identificado pela requerente, assim como não identificou o contrato de aquisição de serviços com data do ano de 2014 celebrado com a A…………., S.A., tal como identificado pela requerente.
A entidade requerida ainda coloca a possibilidade de se tratar de um lapso da requerente, na identificação do procedimento concursal em causa. Todavia, quanto a este (pretenso) lapso, a requerente não só nada disse à entidade requerida, como apresenta a presente ação, peticionado, como vimos, o acesso/reprodução de (determinados) documentos referentes ao (mesmo) «Concurso Público para aquisição de serviços de manutenção aplicacional e suporte técnico para o SCOT».
Quer isto significar que, não existindo qualquer procedimento concursal designado por «Concurso Público para aquisição de serviços de manutenção aplicacional e suporte técnico para o SCOT», inexiste objeto do processo.
Com o que se reconhece a impossibilidade de atingir o resultado visado pela requerente, porquanto não é possível intimar a entidade requerida a prestar/entregar à requerente (determinados) documentos no âmbito de um procedimento concursal que não existe, ou que, no mínimo, não foi identificado.
Por outras palavras, a pretensão da requerente não pode subsistir por motivos atinentes ao objeto do processo.
E, sempre que não é possível dar satisfação à pretensão que a requerente quer fazer valer na ação, é claro que o processo não deve continuar, mas antes cessar.
Não se olvide que:
O alcance e extensão da obrigação da Administração deve aferir-se tendo em atenção que a informação/documentos é sempre prestada em face de elementos detidos pela Administração, extraída do que consta dos seus arquivos, processos ou registos.
A prestação de informação/documentos deve, por isso, ser extraída objetivamente de elementos na posse da Administração, e não mais que isso.
Às partes ativeram-se, sobretudo, no (in)existência de abuso do direito (de acesso), mas esta questão sequer se coloca, pois que não existindo o procedimento concursal, tal como identificado pela requerente, quer no pedido que dirigiu à entidade requerida, (Cf. ponto (1) do probatório), quer depois em sede de articulado inicial, (Cf. artigo 1.º do articulado inicial), não se pode intimar a entidade requerida a entregar o que seja, ou absolver a entidade requerida por abuso do direito (de acesso), pois que se não há procedimento concursal, tal como identificado pela requerente, não lhe assiste qualquer direito.».
Discorda a Recorrente, impugnando a decisão da matéria de facto e defendendo que o tribunal fez uma errada subsunção dos factos provados ao direito, incorrendo em erro de julgamento por considerar inexistente o objecto do processo e por se abster de decidir sobre a inexistência de abuso no acesso à informação pretendida, que é a questão discutida nos autos.

Da impugnação da decisão da matéria de facto:
Alega a Recorrente que na sequência do pedido de informação que dirigiu ao Recorrido, em 2.3.2023, recebeu deste duas comunicações, em 16 de Março e 16 de Junho, de 2023, a informar que prorrogou o prazo de satisfação do pedido de informação, por não ter sido capaz de identificar o pedido que lhe dirigiu, mas comprometendo-se a disponibilizar as informações solicitadas, e de recusa de prestar a informação requerida por o pedido constituir uma situação de abuso de direito, respectivamente. Nenhum destes factos consta dos factos provados, apesar da sua relevância para a discussão do caso sub judice, que se prende com a necessidade de aferir da razoabilidade e proporcionalidade do seu pedido ou, na óptica do Recorrido, do abuso de direito no acesso à informação pretendida, não tendo ocorrido recusa por inexistência do objecto do pedido ou por não ser possível responder ao mesmo, os factos a aditar são os seguintes:
a) “No dia 16 de março de 2023, a Recorrida, fazendo uso da prerrogativa constante do artigo 15.º, n.º 4 da LADA, prorrogou o prazo de entrega da documentação solicitada pela Recorrente por 2 meses a contar do último dia do prazo inicial de 10 dias úteis previsto por este diploma (cf. documento n.º 2 junto com o Requerimento Inicial).
b) “No dia 16 de junho de 2023 a Recorrida, no último dia do prazo para prestar a referida informação, veio recusar a entrega da referida documentação, alegando que o referido pedido correspondia a uma situação de abuso de direito (Cf. Documento n.º 3 junto com o Requerimento Inicial)

De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 640º do CPC, ex vi o nº 3 do artigo 140º do CPTA, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Em face do que a Recorrente observou os ónus que lhe são impostos neste artigo ao especificar os concretos pontos do probatório que considera que deveriam estar compreendidos no mesmo, os concretos documentos em que suporta a sua alegação e a decisão [sobre os factos a conter nos pontos a aditar] diversa da proferida.
Estatui o nº 1 do artigo 662º do CPC que o tribunal de recurso só deve alterar a decisão da matéria de facto quando a prova produzida ou um documento superveniente impuser outra decisão.
Por outro lado, essa alteração da decisão da matéria de facto só se justifica se puder implicar decisão de mérito também ela diferente, mormente no sentido propugnado pelo impugnante/recorrente – v. o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22.10.2020, no proc. nº 5398/18.3T8BRG.G1, consultável em www.dgsi.pt.
Passando à análise da impugnação efectuada, importa começar por evidenciar que o fundamento de improcedência da acção consiste na falta de objecto do pedido de informação que foi dirigido ao Recorrido, por nenhuma documentação ter sido encontrada na sua posse relativa ao concurso público para Aquisição de serviços de manutenção aplicacional e suporte técnico para o SCOT, outorgado em 2016, com a empresa A………...SA (5…………), pelo valor de 990.000,00€, o indicado pela Requerente no pedido em referência.
Decisão que é suportada na factualidade considerada provada e que não foi objecto de impugnação no presente recurso, e da qual resulta que: a identificação do contrato no pedido de informação dirigido ao Recorrido em 2.3.2023 é a que consta do doc. 1; o Recorrido em 17.5.2023 informou a Recorrente que não encontrou qualquer documentação referente ao contrato constante do pedido de informação, mas, na eventualidade de ter ocorrido um lapso na sua identificação, remeteu-lhe os elementos que encontrou relativamente ao contrato que se encontrava em execução em 2016, informando que continua a diligenciar pela localização e obtenção de outros elementos relativamente ao pedido efectuado; a Recorrente não respondeu à comunicação que antecede; a presente acção foi instaurada em 6.7.2023.
Ora, no requerimento inicial [r.i.] é identificado o concurso relativamente ao qual foi solicitada informação ao Recorrido como aquele que consta do doc. 1, não sendo efectuada qualquer referência ao e-mail de 17.5.2023, à possibilidade de ter havido lapso na identificação do referido concurso e a ter-lhe sido remetida alguma informação, sendo, no final, formulado o pedido de intimação daquele a emitir e remeter à Requerente a informação/documentação solicitada nos seus pedidos de informação de 2 de Março e melhor descrita no presente r.i..
Os factos que a Recorrente pretende aditar ao probatório, em termos temporais, situam-se antes e depois do facto provado no ponto 2.
No primeiro desses factos, o Recorrido informa que se encontra a desenvolver esforços para satisfazer o pedido da Recorrente, que o procedimento tendente à localização do processo em causa é trabalhoso, moroso e complexo, pelo que, ao abrigo do nº 4 do artigo 15º da LADA, o prazo de resposta ao pedido de informação é prorrogado em 2 meses, a partir de 17 de Março.
Considerando que não está em causa, nem na decisão recorrida nem no recurso, a questão da caducidade do direito de acção, este facto é preparatório do do ponto 2. – o Recorrido procurou a documentação relativa ao concurso público identificado no pedido de informação da Requerente e não a localizou, afigurando-se, por isso, desnecessário o seu aditamento à decisão da matéria de facto.
No segundo facto a aditar, o Recorrido relaciona e agrupa todos os pedidos de informação [28, que respeitam a centenas de milhar de documentos], relativos a procedimentos de contratação pública, que recebeu desde 17.1.2023 de várias empresas, mas todos subscritos pela mesma pessoa que as representa, entre os quais se encontra o que está em apreciação nos presentes autos [v. referências expressas ao mesmo no ponto 4, 2ª fl., que identifica o contrato como concurso público para Aquisição de serviços de manutenção aplicacional e suporte técnico para o SCOT, outorgado em 2016, com a empresa A…………...SA (5………….), pelo valor de 990.000,00€e, na 6ª fl. “- no pedido apresentado em 02.03.2023 pela A……….., contabilizam-se, tal como no anterior, vinte e três categorias de elementos documentais solicitadas, as quais se traduzem em centenas de documentos”], e termina recusando o acesso pretendido em todos esses pedidos por manifestamente abusivos.
Donde, se está provado que: o pedido de informação que a Recorrente dirigiu ao Recorrido e considera que não foi satisfeito é relativo ao concurso público para Aquisição de serviços de manutenção aplicacional e suporte técnico para o SCOT, outorgado em 2016, com a empresa A…………..SA (5……………), pelo valor de 990.000,00€”; o Recorrido não encontrou qualquer documentação referente a tal concurso; a possibilidade de ter ocorrido lapso na identificação do mesmo concurso, aventada pelo Recorrido, não foi corroborada pela Recorrente nem no procedimento administrativo nem na presente acção, onde manteve a identificação do concurso constante do pedido de informação sem qualquer reparo ou referência ao e-mail de 17.5.2023.
É de concluir que o aditamento do segundo facto, de data posterior, relativo a todos os pedidos de informação elencados no documento que o suporta, dando enfoque ao volume de informação pretendida, aos recursos que terão de ser canalizados para disponibilizar tão elevado número de documentos, não irá por em causa o provado no ponto 2.: que não foi encontrada qualquer documentação relativa ao concurso público para Aquisição de serviços de manutenção aplicacional e suporte técnico para o SCOT, outorgado em 2016, com a empresa A………………...SA (5………….), pelo valor de 990.000,00€, - o único cuja satisfação a Requerente/recorrente peticiona nos presentes autos. Razão porque entendemos não se justificar o seu aditamento ao probatório.
Em face do que não procede a impugnação da decisão da matéria de facto.

Dos erros de julgamento:

Alega a Recorrente que apresentou o pedido de informações, descrito no facto 1 provado, cujo objecto, efectivamente e por lapso manifesto, não foi correctamente identificado, mas o Recorrido percebeu o lapso, identificou o concurso correcto, em causa no seu pedido de informação, disponibilizou parte das informações solicitadas, não recusou o acesso da parte restante por entender que os documentos não existiam, posição que mantém na oposição, onde nunca é invocada a inexistência do objecto do processo, pelo que existe objecto do processo e é possível satisfazer a sua pretensão.

Na sequência do decidido no âmbito da impugnação da decisão da matéria de facto, concordamos que no e-mail de 17.5.2023 o Recorrido identificou o concurso tal como referido no pedido de informação da Requerente/recorrente e no requerimento inicial, artigo 1º, ou seja: “Concurso Público para Aquisição de Serviços de manutenção aplicacional e suporte técnico para o SCOT”, outorgado em 2016, com a empresa A………………., S.A. (5………..), pelo valor de €990.000.00.” - e não aquele que achou que a Requerente pretendia identificar, como vem agora e pela primeira vez, alegado no recurso.
Mas não concordamos com a afirmação de que lhe foi disponibilizada parte da informação pretendida. Efectivamente, como resulta do teor do referido e-mail, só um contrato estava em execução em 2016, o celebrado “entre a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária e a empresa A……………., SA, na sequência do CP 02/ANSR/2014”, cujo objecto não era totalmente coincidente com o do pedido apresentado, e foram elementos relativos a este que foram remetidos à Requerente, por não ter sido localizada qualquer documentação respeitante ao identificado contrato de 2016.
É certo que na resposta apresentada o Recorrido não alega expressamente que a informação não foi prestada porque a documentação referente ao concurso indicado no pedido de informação não foi encontrada, mas no ponto 11º da mesma explica que perante os primeiros pedidos formulados, encetou todos os esforços na recolha e tratamento da documentação solicitada – promovendo diligências de localização da documentação junto dos serviços de arquivo da entidade externa prestadora de serviços de arquivo documental da ANSR e junto da Divisão de Documentação e Arquivo da Direcção de Serviços de Documentação e Relações Públicas da Secretaria Geral do MAI, tendo prestado a informação possível (Doc. 3) e nas “Conclusões”, a final, clarifica “- foi remetida à Requerente documentação relativa ao concurso CP.../ANRS/2014, cujo contrato foi celebrado a 5 de maio de 2015 para a aquisição de serviços de manutenção do sistema de contraordenações de trânsito (SCo”I”), informação e gestão de autos (SIGA) e sistemas de registo de infracções do condutor (SRIC); reengenharia e migração dos sistemas (SIGA/SRIC), uma vez que a ANSR não celebrou qualquer contrato em 2016 com a empresa A……………..S.A. (5………..) pelo valor de €990.000,00”, para aquisição de serviços de manutenção aplicacional e suporte técnico para o SCOT;”.
Ora, é no referido doc. 3 que se encontra o e-mail de 17.5.2023, reproduzido no ponto 2 do probatório, o qual, à semelhança dos demais factos dados por provados, não foi objecto, repete-se, de impugnação no âmbito do presente recurso.
Constata-se que no r.i. não consta do enquadramento factual, efectuado nos artigos 1º a 6º, qualquer referência ao e-mail de 17.5.2023, mas apenas que, prorrogado o prazo de resposta ao pedido de informação, o Recorrido no último dia do prazo recusou a entrega da documentação requerida [toda] com fundamento em abuso de direito [e não porque não dispunha na sua posse tal documentação], na sequência do que a Requerente expende argumentação no sentido de defender que o pedido formulado é razoável e proporcional, e a acção deve ser julgada procedente.
Foi a essa alegação que o Recorrido respondeu, e talvez por isso não especificou que, no caso do pedido de informação em apreciação nos presentes autos, já tinha informado a Requerente que não tinha localizado qualquer documentação sobre o contrato em causa, havendo apenas em 2016 um outro contrato em execução, celebrado com a mesma empresa, que não coincidia com aquele.
Não constando dos documentos apresentados pelas partes com os respectivos articulados, do teor deste ou de qualquer requerimento, que a Requerente tenha no procedimento administrativo ou nos presentes autos procurado rectificar a identificação do concurso a que respeitam as informações requeridas, não é em sede de recurso da sentença que se pronunciou sobre o pedido de intimação do Recorrido a prestar informações referentes ao “Concurso Público para Aquisição de Serviços de manutenção aplicacional e suporte técnico para o SCOT”, outorgado em 2016, com a empresa A………………, S.A. (5………….), pelo valor de €990.000.00.”, que poderá obter esse desiderato, ou seja, que o tribunal recorrido deveria ter entendido que resulta manifesto que as informação não prestadas eram relativas ao concurso CP..../ANRS/2014, cujo contrato foi celebrado entre a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária e a empresa A……………., SA, a 5.5.2015 para a aquisição de serviços de manutenção do sistema de contra-ordenações de trânsito (SCo”I”), informação e gestão de autos (SIGA) e sistemas de registo de infracções do condutor (SRIC); reengenharia e migração dos sistemas (SIGA/SRIC).
Assim, porque está provado nos autos que antes da instauração da presente acção o Recorrido respondeu ao pedido de informação da Recorrente, informando-a que não encontrou qualquer documentação sobre o “Concurso Público para Aquisição de Serviços de manutenção aplicacional e suporte técnico para o SCOT”, outorgado em 2016, com a empresa A…………………, S.A. (5………….), pelo valor de €990.000.00.”, com o sentido de que tal procedimento concursal não existe, andou bem o juiz a quo ao considerar que aquele pedido carece de objecto, pelo que não pode proceder a pretensão deduzida de intimação do Recorrido a disponibilizar a documentação correspondente por inexistente.

O que obsta, por irrelevante, à apreciação dos demais fundamentos do recurso, relativos ao erro de julgamento sobre a (in)existência de abuso de direito.

Em face do que o presente recurso deve improceder.


Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes desta Subsecção Administrativa Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e, consequentemente, manter a sentença recorrida na ordem jurídica.
Custas pela Recorrente.
Registe e Notifique.
Lisboa, 8 de Fevereiro de 2024.


(Lina Costa – relatora)

(Marta Cavaleira, em substituição de
Ricardo Ferreira Leite)

(Catarina Vasconcelos, com voto de vencido)


Voto de vencido

Vencida, porquanto entendo que a Entidade Requerida identificou o procedimento a que se refere o pedido de informação e apreciou-o, recusando a sua satisfação com fundamento em abuso de direito, facto que o Tribunal não pode ignorar.

Catarina Vasconcelos