Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 517/10.9BELSB |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 07/07/2021 |
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Relator: | SOFIA DAVID |
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Descritores: | RESPONSABILIDADE PELO ILÍCITO; CONSTRUÇÃO DE MURO DE SUPORTE; BASE INSTRUTÓRIA; FACTOS RELEVANTES PARA A DECISÃO DA CAUSA; FACTOS ESSENCIAIS, CONCRETIZADORES E INSTRUMENTAIS; PROVA INDIRECTA. |
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Sumário: | I – Discutindo-se numa acção a responsabilidade de um Município por não ter construído um muro de suporte de um talude de terra, releva para a discussão da causa a invocação de factos relativos à ilegalidade da construção que foi feita em cima de um talude, que apresenta uma empena no limite da crista do talude, à impropriedade do local para essa construção e à circunstância da insegurança da habitação derivar da acção da natureza, das chuvas, da erosão causada pela própria construção e dos efeitos perversos da impermeabilização que criou; II – Tais factos têm relevo para apurar a responsabilidade do Município, para averiguar uma situação de co-causalidade, ou para aferir uma eventual culpa do lesado; III – No âmbito do CPC na versão anterior à reforma de 2013, competia ao juiz fixar a base instrutória, nela fazendo incluir os factos ainda controvertidos e relevantes para a decisão da causa; IV- Nessa base deviam ser incluídos todos os factos alegados e com relevo para a decisão da causa, desde logo e obrigatoriamente os factos essenciais, mas, também, os factos concretizadores e instrumentais, desde que os mesmos tivessem utilidade para a apreciação e decisão da causa. Essa introdução não dependia tanto da classificação de tais factos como concretizadores ou instrumentais, mas da sua utilidade para a decisão da causa – cf. art.ºs 264.º, 508.º-A, n.º 1, al. e) e 511 .º do CPC, na referida versão; V- Os factos instrumentais podem servir como prova indirecta de factos essenciais. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO O Município de Loures (ML) interpôs recurso do despacho que indeferiu a reclamação por si apresentada à Base Instrutória (BI) e da sentença do TAC de Lisboa que julgou parcialmente procedente a presente acção e condenou o R. e ora Recorrente à construção do muro de arrimo para a consolidação do terreno do A. e para garantir a segurança da construção nele implantada. Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: ”1ª. Por douto despacho de fls. foi indeferida a reclamação sobre a BI e que tinha por objectivo que os factos constantes dos arts. 7º a 12º das contestação do Recorrente constassem da BI, por serem de toda a relevância para boa decisão da causa e não constarem da mesma. 2ª. Por douto despacho de fls. foi indeferida a reclamação com fundamento em que a matéria de facto nela constante era instrumental da matéria dos pontos 7, 9, 10, 11, 12 e 13 da BI. 3ª. Ora, tais factos tinham toda a relevância para a boa decisão da causa e não têm carácter instrumental na sua essencialidade, mas sim carácter complementar do que já se encontrava na BI. 4º. Pelo que, tais factos, salvo o devido respeito, deveriam ter sido levados à BI (v. Ac. RC, de 27/9/1994, BMJ 439-665, que refere que “mesmo que revistam natureza instrumental ou indiciária, devem ser levados ao questionário os factos que interessam à decisão da causa”. 5ª. Aliás, face ao teor da douta sentença recorrida verifica-se que tal matéria traria outra luz à decisão da causa, dando-lhe contornos contrários ao decidido. 6ª. Por outro lado, embora se encontre provado que o terreno e a construção em apreço se incluem em área urbana de génese ilegal, a verdade é que a douta sentença recorrida, em todo o seu raciocínio teleológico, bem como nos diplomas legais que invoca, ignora o carácter ilegal e clandestino da construção “sub judice”, a qual é da única responsabilidade do Recorrido. 7ª. Acresce que o acordão do STA invocado pela douta sentença recorrida para decidir no sentido em que o faz, versa sobre matéria diferente da dos autos, em que não existe qualquer situação de construção ilegal ou clandestina. 8ª. Ora, a construção em apreço nos autos integra-se numa AUGI, cuja reconversão e legalização já se iniciou, mas que não se encontra concluída, sendo que terá que obedecer a um conjunto de requisitos e pressupostos legais técnicos para a sua legalização, podendo mesmo, não vir a ser legalizada, atendendo à sua particular situação. 9ª. Assim, encontrando-nos perante uma construção clandestina, a responsabilidade da situação ilegal que se verifica e das condições precárias em que se encontra é do seu proprietário, ora, Recorrido, que bem sabia não poder construir no referido terreno, mantendo a situação ilegal ao longo de muitos anos e dela retirando benefícios económicos, já que as referidas construções ilegais se encontram arrendadas. 10ª. Poderá, mesmo, tal construção não vir a ser legalizada no âmbito do processo de reconversão, já que se encontra construída no limite da crista do talude da Estrada Militar, o que a tornou extremamente vulnerável perante condições climatéricas minimamente adversas, pela natural erosão dos solos e pela quase total impermeabilização do solo devido à construção. 11ª. Foi, portanto, o Recorrido que, ao proceder à construção nos termos e condições em que o fez que a colocou numa situação de alto risco e insegurança. 12ª. Por outro lado, o, ora, Recorrente, como Município, não deve contribuir, legalmente, para estimular a construção clandestina, pelo que não lhe podem ser assacadas responsabilidades por não ter feito obras no talude com o objectivo de proteger as construções ilegais do Recorrido. 13ª. Deste modo, o entendimento propugnado pela douta sentença recorrida viola as disposições da Lei AUGI n.º 91/95, de 2/9, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 165/99, de 14/9, n.º 64/2003, de 23/8 e n.º 10/2008, de 20/2. 14ª. Acresce que, não se verifica “in casu”, qualquer nexo de causalidade adequada entre a conduta do Município de Loures e os danos sofridos pelo Recorrido, já que o Recorrente não perpetrou qualquer facto ilícito gerador de responsabilidade civilextracontratual, não se verificando os seus pressupostos, pelo que a douta sentença recorrida violou, igualmente, a Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro. 15ª. Assim, o único responsável pela situação “sub judice” é o Recorrido, que procedeu à construção em apreço, por forma ilegal, em violação das mais elementares regras urbanísticas, tornando-a uma construção insegura e vulnerável, pelo que, se se verificam danos ao nível da mesma, “sibi imputet”. O Recorrido nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “lº O Tribunal a quo andou bem ao não integrar na base instrutória os factos constantes da reclamação apresentada pelo Recorrente, pois, para além de alguma ser irrelevante ou já se encontrar coberta pelos quesitos 7, 9, 10, 11, 12 e 13 da base instrutória, não tinham autonomia com relevância suficiente para fazer parte dessa base instrutória só a tornando complexa e prejudicial à uma correcta administração da justiça. Tal despacho de indeferimento da reclamação não eliminou tal matéria da discussão, e tanto assim foi que o Recorrente (agora omitindo intencionalmente e de má fé processual tal facto), pôde livremente questionar as suas testemunhas sobre a matéria objecto da reclamação, como efectivamente o fez. 2- A douta sentença não merece qualquer reparo quanto aos factos provados, que, aliás, não foram objecto de recurso por parte do Recorrente. 3º A existência de construções clandestinas — que não se sabe, nem tal foi alegado, se são anteriores ou posteriores à construção da estrada agora da responsabilidade do Recorrente — não prejudica o dever prévio que impende sobre o responsável da estrada construída que cortou o terreno - agora propriedade do Autor - criando um talude com cerca de 3-4 metros de altura de construir - e até imediatamente - o respectivo muro de sustentação, como impõem as regras de ordem técnica e a prudência comum (cfr. Decreto-Lei 48-051, de 21 de Novembro de 1967 e Lei n2 67/2007, de 31 de Dezembro). 4º Os prejuízos do Recorrido com a não construção de qualquer muro de sustentação estão devidamente provados: erosão e sucessiva degradação do talude, com redução da área do terreno de sua propriedade. 5º Embora não objecto da presente acção, é evidente também o potencial perigo para a circulação rodoviária geral no local que poderá trazer o desmoronamento de terras pelo facto da inexistência de qualquer muro de sustentação. 5º Estão reunidos, como bem se encontra explanado e fundamentado na douta sentença objecto de recurso, todos os requisitos da responsabilidade extracontratual do Recorrido pela não construção do muro de sustentação de terras, nos termos previstos na Lei 67/2007, pelo que o mesmo deverá ser condenado na construção imediata do mesmo.” O DMMP não apresentou pronúncia. II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 – OS FACTOS Na 1.ª instância foram fixados os seguintes factos: «imagem no original» (...) II.2 - O DIREITO As questões a decidir neste recurso são: - aferir do erro decisório relativamente ao despacho que indeferiu a reclamação apresentada pelo ML à BI, por da mesma deverem constar os seguintes factos, que vinham alegados nos art.ºs 7º a 12º da contestação e eram factos complementares - e não apenas instrumentais - a saber, os factos seguintes: - Pela intervenção dos Bombeiros de Camarate, resultante das condições atmosféricas adversas ocorridas no dia 18/2/2008, foi levantado o problema da falta de segurança de um imóvel erigido no terreno do A.? - Tal situação de falta de segurança do imóvel perante condições atmosféricas adversas, prende-se com o facto de uma das suas empenas ter sido e estar implantada no limite da crista do talude da Estrada Militar? - A instabilidade do terreno manifestada no talude em causa motivada por condições atmosféricas adversas não tem apresentado riscos significativos para a via pública? - A segurança da construção é da única responsabilidade do A., já que o edificou ilegalmente num local impróprio para o efeito, sendo causa de maior erosão? - A construção edificada pelo A. é passível de ser legalizada? - O aparecimento de rachas nas paredes da construção já se verifica há mais de 20 anos? - aferir do erro decisório relativamente à sentença proferida porque a construção em apreço é ilegal e clandestina, está incluída numa AUGI e pode não vir a ser legalizada no âmbito do respectivo processo de reconversão, pois encontra-se construída no limite da crista do talude da Estrada Militar, sendo extremamente vulnerável perante condições climatéricas minimamente adversas, pela natural erosão dos solos e pela quase total impermeabilização do solo, devido à construção do próprio imóvel e, por estas razões, apenas se pode responsabilizar o A. e Recorrido pela referida obra e pela sua insegurança e não o ML, que não praticou qualquer acto ilícito. Na presente acção o A. pedia a condenação do R. na prestação de um facto, a saber, na construção de um muro de sustentação do talude que separa a estrada militar do imóvel do A. e Recorrido, muro esse que seria erigido dentro da propriedade do A. e ficaria a fazer parte da sua propriedade. Este pedido era acrescido de um outro, de indemnização por danos por acto ilícito. A decisão recorrida entendeu que claudicava este último pedido e procedia o primeiro. Consequentemente, a decisão recorrida condenou o ML a construir um muro de arrimo para a consolidação do terreno do A. e Recorrido e garantir a segurança da construção nele implantada. Na PI, para suportar a responsabilidade do ML na construção do referido muro, o A. invoca a circunstância de ter aparecido um talude de cerca de 4 metros de altura na sequência da construção de uma estrada militar, que diz que também cortou a sua propriedade. Essa estrada, entretanto, passou a estrada camarária. Assim, considera o A. que o referido talude constitui uma zona de estrada e que compete ao ML zelar pela boa conservação dessa zona de estrada, incluindo pela boa conservação do referido talude. Na contestação apresentada, o ML invoca nos art.º 7 a 12 que o imóvel do A. foi erigido ilegalmente, que uma das suas empenas está implantada no limite da crista do talude da Estrada Militar, que a responsabilidade pela insegurança desse imóvel decorre da própria ilegalidade da construção e da impropriedade do local para esse efeito e que, por isso, cabe ao proprietário do imóvel realizar as obras de sustentação do talude, para garantir a segurança da sua habitação, e não ao ML. Elaborada a BI, o R. reclamou da mesma e pediu a integração dos factos acima referidos. Essa reclamação foi indeferida por o Tribunal ad quo entendeu que “a matéria referida é instrumental da matéria quesitada nos pontos 7, 9, 10, 11, 12 e 13 da base instrutória”. O referido despacho foi exarado ao abrigo do CPC, na versão anterior à reforma de 2013. Assim, na data, competia ao juiz fixar a BI nela fazendo incluir os factos ainda controvertidos e relevantes para a decisão da causa. Nessa base deviam ser incluídos todos os factos alegados e com relevo para a decisão da causa, desde logo e obrigatoriamente os factos essenciais, mas, também, os factos concretizadores e instrumentais, desde que os mesmos tivessem utilidade para a apreciação e decisão da causa. Na verdade, ainda que os factos controvertidos fossem instrumentais, haviam de ser incluídos na BI por deles poder derivar a prova indirecta de factos essenciais. Essa introdução não dependia tanto da classificação de tais factos como concretizadores ou instrumentais, mas da sua utilidade para a decisão da causa – cf. art.ºs 264.º, 508.º-A, n.º 1, al. e) e 511 .º do CPC, na referida versão. Nessa mesma medida, a fundamentação adoptada no despacho recorrido não está certa, pois não era pela circunstância de um facto ser instrumental, que, de imediato, ficaria arredado da BI. Ainda assim, a referida decisão poderia estar certa no seu sentido final, caso os factos que não foram incluídos na BI fossem factos não essenciais e fossem factos que não importassem para decisão da causa, quer porque irrelevassem de todo, quer porque já estivessem incluídos noutros que aí figurassem. Porém, não é isso que acontece, pois os invocados factos relevam autonomamente para a decisão a tomar. Quanto ao primeiro facto invocado, a saber que “Pela intervenção dos Bombeiros de Camarate, resultante das condições atmosféricas adversas ocorridas no dia 18/2/2008, foi levantado o problema da falta de segurança de um imóvel erigido no terreno do A. “ era um facto alegado no art.º 7 da contestação, ainda que com contornos diferentes dos que ora se invocam. Este facto tem natureza de facto instrumental. Com tal facto pretender-se-ia através de prova indirecta alegar a falta de segurança do imóvel do A., por a sua construção não poder ser feita ab initio naquele local, por tal local ser impróprio para a referida construção e a insegurança da habitação derivar da acção da natureza, das chuvas e da erosão, e não da omissão do R. Ora, este facto tinha utilidade para a decisão da causa, pois se se viesse a provar que a razão da instabilidade e insegurança do local decorria da impropriedade do mesmo para aí se construir e de razões apenas naturais, o invocado ilícito já não se verificaria. A mesma utilidade teria o facto alegado no art.º 8 da contestação, a saber, o facto seguinte: “tal situação de falta de segurança do imóvel perante condições atmosféricas adversas, prende-se com o facto de uma das suas empenas ter sido e estar implantada no limite da crista do talude da Estrada Militar”. Quanto a este facto não seria apenas instrumental ou concretizador, mas seria um facto essencial para a decisão da causa. Como acima referimos, nesta acção discute-se a responsabilidade do ML por ter originado uma instabilidade e insegurança no imóvel do A., por não ter construído um muro de suporte dentro do terreno do A., para consolidação do seu terreno, que é contíguo a uma estrada, ora municipal. O ML vem dizer que aquela instabilidade ou insegurança não advém da falta da construção de um muro, mas de outras causas, que não podem ser imputadas à omissão do Município, designadamente de condições naturais associadas à inadequação do local para aí ser construída uma casa, por ter sido implantada pelo A. e Recorrido “no limite da crista do talude da Estrada Militar”. Alega o ML a inadequação do local para o fim visado, a maior erosão causada pela própria construção e os efeitos perversos da impermeabilização que criou. Portanto, este outro facto é essencial para aferir da invocada (in)responsabilidade do ML, pois se provasse que o imóvel do A. foi erigido, implantado, após a construção da estrada militar – que passou, depois, a municipal – e a existência do talude de 3 ou 4 metros, então, já não se poderia concluir como se fez na sentença recorrida que a origem da instabilidade e da segurança da habitação do A. foi originada pela omissão do ML em não construir o tal muro. Outro facto que o Recorrente também refere em falta, é o seguinte, que vem alegado no art.º 9 da contestação: “a instabilidade do terreno manifestada no talude em causa motivada por condições atmosféricas adversas não tem apresentado riscos significativos para a via pública”. Quanto a este facto não tem qualquer utilidade para a causa, pois aqui não se discute a obrigação do ML de garantir a segurança da via pública, mas, sim, a obrigação do ML de garantir a segurança da habitação do A., que confina com uma estrada municipal. No que concerne à alegação inclusa no art.º 10 da contestação, é parcialmente um juízo conclusivo e não um facto. Assim, é conclusivo afirmar que “a segurança da construção é da única responsabilidade do A.”, pelo que essa alegação não deve ser levada à BI. Mas a parte restante da alegação, a saber, a alegação de que o A. “edificou ilegalmente num local impróprio para o efeito, sendo causa de maior erosão”, é já um facto essencial para a decisão da causa, que deveria ter sido levado à BI. Se se vier a provar que o A. erigiu ilegalmente naquele local após a construção da estrada militar e o aparecimento do referido talude e que essa construção foi a causa de maior erosão naquele local, já não se poderá responsabilizar o ML pela insegurança e instabilidade da habitação do A., ou não deve ser este o único responsável, podendo haver aqui uma situação de co-responsabilidades ou uma situação de culpa do lesado. Quanto ao facto relativo a que “a construção edificada pelo A. é passível de ser legalizada”, vem referido no art.º 11 da contestação e é também parcialmente um juízo conclusivo e não um facto, embora com utilidade para a decisão da causa como concretização de outros factos alegados pelo ML e relativos à inapropriedade do local para aí ser erigida uma construção, razão pela qual, fosse pelo simples enunciado do mesmo tal como o ML o referiu em sede de contestação, fosse através da sua desagregação sub-factos, deveria ter sido incluído na BI. Por seu turno, o facto alegado no art.º 12 da contestação, onde se refere que “o aparecimento de rachas nas paredes da construção já se verifica há mais de 20 anos”, é também um facto instrumental com utilidade para a decisão da causa. Mais se assinale, que do facto dado por assente na sentença recorrida, em A), e do documento para o qual se remete, o registo predial, decorre que o terreno em questão foi adquirido pelo A., por sucessão em 24/07/1990, como um terreno rústico. Antes dessa aquisição, existia um ónus de demolição da construção existente. Em 23/04/1997, é indicado nesse registo que o terreno com área de 175 m2 é um “lote de terreno para construção”. Na informação referida em factos provados, em C), datada de 11/09/2008, é indicado que o A. e Recorrido afirma que as construções que se discutem nestes autos terão sido erigidas há mais de 40 anos (isto é, aproximadamente em 1968). Na motivação dada à resposta à BI é também circunstanciada a construção do A. como tendo ocorrido há cerca de 40 anos - cf. motivação relativa à 1.º testemunha do A. No facto I) ficou provado que o terreno foi cortado “há muitas décadas, pela construção de uma estrada militar, ficando a confrontar a nascente com a estrada militar”. Conforme doc. a fls. 103 e 104 e novamente a fls. 134 a 141 dos autos, a referida estrada militar existe pelo menos desde a campanha de 50/51. Portanto, atendendo à prova que vem feita nos autos, é relativamente evidente que a construção do imóvel do A. ocorreu depois da construção da estrada militar e o aparecimento do talude em discussão. A estas circunstâncias acrescem os factos provados em B), M) e O), quando referem que as águas pluviais procederam a uma constante e sucessiva degradação do talude, que a degradação do talude tem vindo a agravar-se ao longo dos anos, que a construção existente no terreno dista cerca de 1 metro da crista do talude e quando referem que a não realização de obras destinadas à sustentação do talude tem levado à erosão do mesmo. Mais se indique, que no art.º 4 da PI o A. afirma que a elevação do terreno que hoje forma o talude faz parte da sua propriedade, algo que é também assumido – ainda que implicitamente – no terceiro parágrafo da pág. 17 da sentença recorrida. Neste contexto fáctico e alegatório, era de toda a utilidade levar à BI os supra-mencionados factos alegados na contestação pelo R., pois só com a inclusão dos mesmos na matéria a provar se poderia discutir na acção a responsabilidade do ML e a obrigação do Município de construir um muro de sustentação do talude, alegadamente em área que faz parte da propriedade do A., para assim garantir a segurança e estabilidade da construção erigida pelo A. Só após a inclusão na BI e a prova de tais factos se poderia apreciar a responsabilidade do ML, por a referida estrada ser uma estrada municipal e os terrenos que a ladeiam não terem estabilidade suficiente para os fins a que se destinam e para os quais são apropriados. Igualmente, só após essa inclusão e discussão se poderia apreciar a origem ou as causas da instabilidade dos terrenos que ladeiam a estrada municipal, nomeadamente se tais causas eram directamente imputáveis à omissão do ML em construir o muro de suporte ou se a instabilidade do terreno tinha por origem causa naturais, ou outras, v.g. chuvas, erosão do vento, uma inclinação natural ou peso acrescido pela construção e impermeabilização. Igualmente, só após a introdução de tais factos na BI e a sua eventual prova - ou não prova – se poderia discutir a total responsabilidade do ML naquela omissão ou a existência de co-causalidades e de uma eventual culpa do lesado que afaste a culpa do ML. Em suma, procede esta alegação de recurso e por força dessa procedência há que revogar a decisão recorrida, pois como bem refere o Recorrente, se se viessem a provar os factos que alegou na contestação e que reclamou por não terem sido incluídos na BI, o decidido a final poderia ter tido contornos completamente diferentes. Ou seja, a decisão recorrida errou quando decidiu sem cuidar de incluir na BI os factos referidos na reclamação apresentada e alegados nos art.ºs 7, 8, 10, 11 e 12 da contestação, ou quando decidiu após o indeferimento de tal reclamação, porquanto tais factos eram relevantes para a decisão a tomar nos autos. Na eventualidade desses factos terem sido dados por provados, a decisão poderia ter sido diferente da tomada. Por essa razão há que revogar o despacho e decisão recorridos e há determinar a baixa dos autos para que o processo retome à fase de instrução, com a inclusão na BI dos supra referidos factos, seguindo depois a instância os seus demais termos, se a tal mais nada obstar. III- DISPOSITIVO Pelo exposto, acordam: - conceder provimento ao recurso interposto e revogar o despacho e a sentença recorridos, determinando a baixa dos autos para que o processo retome à fase de instrução, com a inclusão na BI dos referidos factos acima indicados; - custas pelo Recorrido (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA). Lisboa, 7 de Julho de 2021. (Sofia David) O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art.º 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Dora Lucas Neto e Pedro Nuno Figueiredo. |