Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:21/13.3 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/29/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:TAXA DE REGULAÇÃO
NATUREZA TRIBUTÁRIA
CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA
INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA
Sumário:I - A taxa de regulação devida anualmente pelo exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços, tem natureza de contribuição financeira.
II - As normas constantes dos n.ºs dos n.ºs 1, 4 e 5 do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de Dezembro, na redacção da Portaria n.º 291-A/2011, de 04 de Novembro, na parte em que determinam a incidência objectiva, a taxa a aplicar em relação aos operadores de comunicações electrónicas enquadrados no “escalão 2”, bem como isenções para certos sujeitos passivos, padecem de inconstitucionalidade orgânica, por ofensa do princípio da legalidade fiscal, na vertente da reserva de lei, previsto na alínea i), do n.º 1, do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa.
III - Recusando o Tribunal a aplicação dessas normas com fundamento em inconstitucionalidade fica sem suporte legal a liquidação do tributo impugnado, pelo que é de anular o acto na sua totalidade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

Autoridade Nacional de Comunicações (abreviadamente ANACOM) recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por O…., SA (actualmente denominada N…. – C…., S.A.), contra a taxa anual devida pelo exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços, relativa ao ano de 2012, no valor de € 3.311.141,55, com fundamento em vícios de forma por preterição de audiência prévia e ainda carência da fundamentação, errónea qualificação e quantificação da matéria tributável e violação de normas e princípios constitucionais e do direito europeu.

A recorrente, Autoridade Nacional de Comunicações (abreviadamente ANACOM), termina as alegações formulando as seguintes e doutas Conclusões:

«1.ª Devem ser corrigidos os factos considerados provados sob as alíneas M) e Q) do probatório, nos termos aduzidos no número 30 das presentes alegações;

2.ª Devem ser aditados ao probatório os factos indicados sob os nºs 32 a 37 das presentes alegações, relativos ao (i) apuramento dos proveitos relevantes, à (ii) revisão da liquidação e à emissão de notas de crédito, aos (iii) custos de regulação e ao financiamento da ANACOM, (iv) ao tratamento das provisões como gasto/custo administrativo de regulação (v) aos proveitos relevantes e (vi) aos benefícios da regulação, factos que são relevantes para a decisão da causa;

3.ª A questão dos custos administrativos de regulação não se confina à temática das provisões que, no ano em causa, representaram cerca de 21,7% dos custos totais repercutidos sobre as empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público (€ 6.337.808 / € 29.108.637);

4.ª Embora uma provisão seja, por definição, constituída para salvaguardar riscos futuros e assente num juízo de probabilidade quanto a um eventual exfluxo de recursos baseada numa estimativa fiável da quantia da obrigação (cf. Norma Contabilística e de Relato Financeiro [NCR21, §13]) não deixa de ser um gasto, com impacto nas demonstrações financeiras da entidade, sendo fiscalmente dedutível e afetando os resultados do exercício;

5.ª A ANACOM não só tem a necessidade de constituir provisões, como tem que assegurar ex ante os respetivos meios de financiamento, o que só pode fazer através da taxa de regulação impugnada nos presentes autos;

6.ª Num sistema de autofinanciamento (associado à independência financeira da entidade reguladora) e de partilha dos custos da regulação entre os regulados, não se vê que outra alternativa existiria ao financiamento da responsabilidade emergente de atos praticados no exercício da atividade de regulação que não fosse a taxa de regulação;

7.ª O Tribunal a quo confunde os critérios de reconhecimento e mensuração de provisões, que se colocam ex ante (em sede de interpretação e aplicação da NCRF 21) com o impacto do seu efetivo reconhecimento e registo contabilístico, que se coloca ex post, quer em sede de balanço (conta 29), como um elemento do passivo, quer em sede demonstração de resultados (conta 67), como um gasto do exercício;

8.ª O gasto (custo) das provisões para processos judiciais em curso é relevado contabilisticamente na conta “673-Processos judiciais em curso”;

9.ª Não podem existir dúvidas de que as provisões para processos judicias em curso são aceites como gastos para efeitos fiscais e como tal são deduzidas na matéria coletável em IRC;

10.ª As provisões têm um tratamento contabilístico autónomo e distinto dos demais gastos, pois todas as naturezas de gastos são discerníveis entre si, com regras contabilísticas diferentes;

11.ª No caso das provisões, o seu registo contabilístico obedece a regras próprias, devidamente explicitadas na Norma Contabilística de Relato Financeiro 21 – Provisões, passivos contingentes e ativos contingentes (“NCRF 21”);

12.ª O Tribunal a quo confundiu (i) a questão do reconhecimento contabilístico das provisões para processos judiciais relacionados com a atividade de regulação do sector das comunicações eletrónicas como gasto ou custo administrativo da ANACOM, com (ii) a questão da sua elegibilidade para efeitos de apuramento dos encargos administrativos que podem ser impostos às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas;

13.ª O conceito de contabilístico ou fiscal de gasto (ou custo) não exige um exfluxo financeiro atual ou presente de fundos (pagamento);

14.ª De um ponto de visa contabilístico e fiscal, não são apenas gastos [custos] aqueles que envolvam um exfluxo financeiro atual ou presente, isto é, aqueles que correspondam a despesas efetivamente incorridas, por importarem a mobilização de recursos financeiros;

15.ª De um ponto de vista contabilístico e fiscal, as provisões são um custo efetivo, ainda que assentem em gastos estimados. E são um custo real, porque o seu reconhecimento tem impacto financeiro nas contas da entidade que as constitui, afetando os resultados do exercício;

16.ª Uma vez identificado o risco de exfluxo de recursos, as normas contabilísticas obrigam à constituição de provisões, pelo que não é correta a asserção constante da p. 35 da sentença recorrida, segundo a qual as provisões seriam um mero ato e gestão prudente e, aparentemente, de mera constituição facultativa;

17.ª A elegibilidade das provisões para efeitos de apuramento dos encargos administrativos que podem ser impostos às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas decorre, desde logo e em primeira linha, do referencial contabilístico aplicável à ANACOM e da utilização da respetiva contabilidade para efeitos de apuramento dos gastos [custos] administrativos de regulação do sector das comunicações eletrónicas;

18.ª O elenco de custos constante do artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva Autorização e do n.º 4 do artigo 105.º da LCE é meramente exemplificativo;

19.ª O TJUE já se pronunciou por duas vezes sobre a interpretação do artigo 12.º da Diretiva Autorização e, embora afirme a natureza limitada dos custos administrativos suscetíveis de cobertura pelas taxas de regulação (cf. considerandos 22, 23 e 27 do acórdão Telefónica proferido em 21 de julho de 2011 no processo C-284/10 e considerandos 36 e 38 a 42 do acórdão Vodafone Omnitel de 18 de julho de 2013, proferido nos processos apensos nºs C-228/12 a C-232/12 e C-254/12 a C-258/12) nunca se pronunciou explicitamente sobre a questão de saber se os custos com provisões se enquadram no conceito de custos administrativos relacionados com a adoção, gestão, controlo e aplicação do regime de autorizações gerais;

20.ª O TJUE afirmou claramente que os custos elegíveis para efeitos de financiamento através dos encargos administrativos a que se refere aquele artigo 12.º compreendem a totalidade dos custos resultantes das atividades mencionadas na alínea a) do n.º 1 daquela disposição de direito da União Europeia e não apenas uma parte (cf. considerandos 38, 41, 42 e 43 do acórdão de 18 de julho de 2013);

21.ª Se todas as atividades de regulação são suscetíveis de controlo jurisdicional (cf. artigo 4.º da Diretiva-Quadro e artigo 13.º da LCE) seria manifestamente absurdo considerar tais atividades elegíveis para efeitos de partilha dos custos administrativos da regulação entre operadores quando as mesmas se desenvolvem de modo normal, e já não as considerar elegíveis para efeitos de partilha dos custos administrativos da regulação entre operadores quando se desenvolvem de modo patológico, maxime se e quando a ANACOM fosse condenada a pagar indemnizações a terceiros por atos de regulação ilegais, sustentando que, nesses casos, deve ser a generalidade dos contribuintes a suportar tais custos;

22.ª Caso a ANACOM não possa repercutir nas taxas de regulação das comunicações eletrónicas, os custos com a constituição de provisões ligadas à regulação do sector, o efeito financeiro daí adveniente projetar-se-ia nos resultados que podem ser transferidos para o Estado;

23.ª Os resultados da ANACOM são uma consequência dos excedentes gerados pelas taxas de utilização do espectro radioelétrico (que são uma receita do Estado devida pela utilização do domínio público radioelétrico, que se encontra consignada à ANACOM e cujo excedente é entregue ao Estado);

24.ª A utilização dos excedentes gerados pelas taxas de utilização do espectro radioelétrico para financiar a constituição de provisões ligadas à atividade de regulação, equivaleria a transferir para outras fontes de financiamento custos que devem ser internalizados no âmbito da atividade de regulação (artigo 12.º da Diretiva Autorização e artigo 105.º, n.º 4 da LCE), implicando o regresso ao sistema anterior à Portaria n.º 1473-B/2008, em que a regulação era financiada pelo produto das taxas de utilização do espectro radioelétrico;

25.ª A exclusão das provisões da base dos gastos administrativos de regulação – como foi decidido pelo Tribunal a quo – não assegura uma correspondência integral entre os custos de regulação e a receita da taxa, pondo em causa o princípio da orientação para os custos, uma vez que todos os custos decorrentes de situações patológicas não seriam internalizados pelo sector, ficando a cargo do Estado, isto é, da generalidade dos contribuintes, quer através da mobilização das receitas da taxa de utilização do espectro radioelétrico, quer através de dotações orçamentais específicas;

26.ª A exclusão das provisões da base dos gastos administrativos de regulação não proporcionaria uma recuperação integral de todos os custos suportados com a regulação do sector, incluindo os custos decorrentes da impugnação de decisões da ARN ligadas à gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral.

27.ª A inclusão das provisões na base dos gastos administrativos de regulação é inerente aos objetivos e à teleologia dos encargos a que se refere o artigo 12.º da Diretiva Autorização, sob pena de não existir uma correspondência integral entre receitas e custos, os quais não podem resumir-se às situações normais de regulação, tendo ainda que abranger as situações patológicas que envolvem a constituição de provisões;

28.ª Os custos administrativos diretamente relacionados com a atividade de regulação do sector das comunicações eletrónicas incluem, inequivocamente, os custos suportados com a constituição de provisões, os quais são elegíveis para efeitos de distribuição pelos prestadores de redes e serviços de comunicações eletrónicas, sendo a sua consideração absolutamente essencial para assegurar a coerência e o equilíbrio do modelo de internalização dos custos de regulação subjacente ao disposto no artigo 12.º da Diretiva Autorização e no artigo 105.º, n.º 4 da LCE;

29.ª Ao instituir um sistema de partilha dos custos da regulação, o artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da diretiva autorização e o artigo 105.º, n.º 1, alínea b) e nºs 4 e 5 da Lei das Comunicações Eletrónicas, não pretende, seguramente, que seja a generalidade dos contribuintes a suportar os custos com indemnizações fundadas em responsabilidade civil por atos ou omissões de regulação imputáveis à ARN, nem se vê que tal solução seja compatível com o princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, que vincula o legislador, nas suas opções de afetação de meios financeiros à satisfação de necessidades coletivas, ao respeito pelos modos de legitimação da tributação consentâneos com as utilidades geradas pela despesa pública;

30.ª Nestes termos e ao contrário do entendimento formulado pelo Tribunal a quo, a elegibilidade das provisões para efeitos de apuramento dos encargos administrativos que podem ser impostos às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas decorre do modelo de internalização dos custos de regulação subjacente ao disposto no artigo 12.º da Diretiva Autorização e no artigo 105.º, n.º 4 da LCE e da necessidade de assegurar uma correspondência integral entre os custos de regulação e a receita da taxa;

31.ª É totalmente improcedente o alegado erro de quantificação do tributo com fundamento na integração do valor das provisões nos gastos administrativos relacionados com a atividade de regulação da ANACOM;

32.ª A sentença recorrida violou o disposto no artigo 12.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva Autorização e o disposto no artigo 105.º, n.º 4 da LCE;

33.ª Existe erro de julgamento na parte dispositiva da sentença, a qual deveria ter determinado a anulação parcial da liquidação e não a anulação total, com consequências em sede de execução de sentença, uma vez que não haveria lugar à devolução do tributo pago, na sua totalidade, mas à revisão da liquidação da taxa de regulação de 2012;

34.ª A sentença recorrida incorre em erro de julgamento quanto à condenação em juros indemnizatórios por entender que «alterado um dos elementos da equação, não se pode manter a liquidação do tributo em causa» (p. 36 da sentença recorrida) quando, na realidade, o vício considerado procedente, apenas abrange um dos pressupostos da liquidação (o relativo à inclusão dos gastos com provisões) e não envolve os valores devolvidos devido à substituição de valores de orçamento por valores de execução orçamental (alínea N1), a aditar ao probatório) e devido à correção do valor dos rendimentos relevantes indicados pela PTC e relativos à prestação do serviço universal (factos provados sob as alíneas O) e R)), pelo que, em relação a estes, não decorre da lei a obrigação de pagamento de quaisquer juros indemnizatórios;

35.ª Os erros de julgamento invocados nas duas conclusões anteriores, apenas deverão ser apreciados pelo Tribunal ad quem, na hipótese, não se de admite, de improcedência do presente recurso;

36.ª Nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 665.º do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT, conjugado com o artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 303/2007, e na procedência do presente recurso, deverá o Tribunal ad quem conhecer as demais questões suscitadas pelas partes e substituir-se ao Tribunal recorrido na decisão da causa.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., que se pede e espera, deverá o presente recurso ser considerado procedente por provado e, em consequência, modificada a decisão proferida sobre a matéria de facto e revogada a sentença recorrida, a qual, em qualquer caso e ouvidas as partes, deverá ser substituída por outra que declare improcedente a impugnação do ato de liquidação da taxa anual devida pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, relativa ao ano de 2012, assim se fazendo Justiça!».

A N…., S.A. (que antes girava sob a denominação social O…. – COMUNICAÇÕES, SA.), apresentou as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes e doutas conclusões:

«a) O presente recurso vem interposto da sentença que decidiu pela anulação da taxa anual devida pela actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas, efectuada pelo ICP-ANACOM ao ora Recorrido e relativa a 2012.

b) A decisão a quo aderiu ao argumento da ora Recorrida no sentido de que as provisões para processos judiciais em curso, onde se incluem as correspondentes ao valor das indemnizações que venham a ser peticionadas ao ICP-ANACOM em juízo pelos operadores do mercado, não podem integrar a base dos custos administrativos a serem suportados por esses mesmos operadores de mercado, o que a Recorrente pretende agora infirmar nas suas alegações.

c) Caso venha a ser dado provimento, total ou parcial, ao presente recurso - o que apenas hipoteticamente se cogita e sem conceder -, alerta-se o Tribunal para a necessidade de serem analisados os (muitos) outros vícios de que a liquidação em crise também padece e, no que respeita especificamente à inclusão das provisões para processos judiciais em curso nos custos administrativos a suportar por via da taxa, os outros fundamentos que sustentam a ilegalidade dessa mesma inclusão.

Das alterações à matéria de facto pretendidas pela Recorrente

d) A ora Recorrida não se opõe à correcção dos lapsos contidos nas alíneas M) e Q) do probatório da sentença recorrida ou ao aditamento dos factos designados como N1), Z), CC), EE), FF) e GG) com as condicionantes mencionadas. O aditamento dos demais factos requerido pela Recorrente deve ser indeferido pelas razões expostas nas presentes alegações e para as quais se remete.

Da não qualificação das provisões para processos judiciais em curso como custos administrativos reais da actividade regulatória

e) A sentença recorrida concluiu que as «provisões para processos judiciais não encontram enquadramento da definição de custos administrativos, entendidos estes como os decorrentes da gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral, bem como dos direitos de utilização e das condições específicas referidas no artigo 28.º [da Lei n.º 105/ 2004, de 10 de Fevereiro], os quais podem incluir custos de cooperação internacional, harmonização e normalização, análise de mercados, vigilância do cumprimento e outros tipos de controlo do mercado, bem como trabalho de regulação que envolva a preparação e execução de legislação derivada e decisões administrativas, como decisões em matéria de acesso e interligação, devendo ser impostos às empresas de forma objectiva, transparente e proporcionada, que minimize os custos administrativos adicionais e os encargos conexos» - cfr. sentença recorrida, p. 35 (cit.).

f) Como refere a Recorrente nas suas alegações de recurso, o montante dos «custos» relativos a provisões no ano em causa ascende a mais de 6 milhões de euros, correspondendo «a cerca de 21,7% dos custos totais repercutidos sobre as empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público (€ 6.337.808/ 29.108.637) - cfr. artigo 38 das alegações de recurso apresentadas pelo ICP-ANACOM (cit.) - o que significa que a ora Recorrida suportou custos de regulação indevidamente inflacionados em 21,7%.

g) A Directiva n.º 2002/20/CE do Parlamento Europeu, de 7 de Março de 2002, relativa à autorização de redes e serviços de comunicações electrónicas (designada por «Directiva Autorização») dispõe que os encargos devidos pelo exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas «devem limitar-se a cobrir os custos administrativos reais dessas actividades» (cfr. considerando 30, cit., itálico nosso).

h) O artigo 105.º, n.º 4, do REGICOM que «os montantes das taxas [...] são determinados em função dos custos administrativos decorrentes da gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral» (cit.).

i) A adopção, por deliberação de 19 de Julho de 2012, de uma fórmula de cálculo dos custos incorridos com a actividade de regulação que integra no seu cômputo «as provisões para processos judiciais em curso associados à regulação de comunicações electrónicas» (cfr. ponto 1 da deliberação, cit.) - onde se inclui, por exemplo, o montante peticionado na presente acção, conforme comprova o depoimento do Director Financeiro e Administrativo daquela entidade - é ilegal por não levar em consideração nenhum dos vectores cuja ponderação é permitida para a criação e fixação de taxas enquanto tributos (alínea E) do probatório da sentença recorrida).

j) O artigo 4.º, n.º 2 da LGT é claro ao estabelecer que «as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares» (cit.).

k) O ICP-ANACOM ao incluir, como incluiu, os montantes provisionados, no montante a imputar à ora Recorrida por via da taxa em crise, mais não fez do que onerá-la injustificadamente com custos meramente potenciais e de montantes incertos e não, como devia, ao abrigo do disposto na LGT, no REGICOM e na própria Directiva de Autorização, com custos reais, efectivos, de montante perfeitamente determinado.

1) Nas suas alegações de recurso, o ICP-ANACOM procura conduzir a discussão para as necessidades de autofinanciamento daquela entidade reguladora, para como estas sairiam beliscadas pela impossibilidade de repercutir as provisões em apreço na taxa em crise e para o facto de estas constituírem um gasto contabilístico e fiscalmente aceite.

m) Todavia, toda esta argumentação é ruído. E ruído que pretende desviar a atenção do Tribunal do que constituem as verdadeiras questões: as provisões para processos judiciais em curso são ou não custos administrativos na acepção da Directiva Autorização e do REGICOM e são ou não custos reais? Sendo certo que a ambas não pode senão responder-se negativamente, nos termos expendidos na sentença recorrida.

n) Desde logo, sempre se diga que, ao contrário do que parece inferir a Recorrente, um gasto contabilístico e um gasto fiscal podem não assumir natureza administrativa, como, in casu, não assumem!

o) Nesta perspectiva, é o próprio Código do IRC que, no seu artigo 23.º, faz a destrinça entre os diversos tipos de gastos fiscalmente relevantes, enumerando, na alínea d) os gastos de natureza administrativa e, na alínea i) as provisões.

p) E foi nesse sentido que a sentença recorrida decidiu - e bem! - que as provisões para processos judiciais em curso, independentemente de serem ou não considerados como gastos contabilísticos e fiscais, não constituem custos administrativos susceptíveis de integrar o 'bolo' dos custos totais a suportar pelo mercado, decorrentes da sua actividade regulatória.

q) Muito menos custos administrativos reais, na medida em que, como explicitado supra, no que respeita às provisões em causa, nem só o montante do gasto é incerto; a própria ocorrência da obrigação o é.

r) Ao fazer reflectir o montante das provisões constituídas para fazer face a eventuais futuros custos decorrentes do pagamento de indemnizações aos agentes do sector, o ICP-ANACOM impossibilita aos sujeitos passivos da taxa a determinação dos custos reais de regulação efectivamente incorridos pela entidade reguladora relevantes para efeitos da referida taxa, já que o montante das referidas provisões, não constitui um custo administrativo e muito menos um custo real na acepção do Considerando 30 da Directiva-Autorização.

s) Por outro lado, a anulação, em determinado ano, de uma provisão anteriormente constituída apenas vem demonstrar, sem margem para dúvidas, que o montante provisionado nunca chegou a constituir um custo de regulação, pelo que nunca deveria ter sido computado como custo para efeitos do cálculo da taxa em crise.

t) Por tudo o exposto o Tribunal a quo andou bem ao determinar a anulação da liquidação em crise nos termos cm que o fez, pelo que deve ser mantida.

u) Ainda que pretendam infirmar-se as conclusões do Tribunal a quo por se discordar da fundamentação expendida, sempre haverá que ter em conta que existem outras razões ponderosas - nomeadamente de natureza constitucional - para que as provisões para processos judiciais em curso não integrem a base de custos administrativos a suportar pelos operadores de mercado por via da taxa em crise. Vejamos:

Da violação do direito fundamental de acesso à justiça e do princípio da tutela efectiva

v) O artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa garante aos cidadãos em geral o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, concretizado pelo artigo 268.º, n.º 4 da Constituição, que consagra o princípio da tutela efectiva dos cidadãos perante a Administração Pública, conferindo-lhes o direito ao reconhecimento dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, à impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, à determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e à adopção de medidas cautelares adequadas.

w) O princípio da tutela efectiva dos cidadãos é reafirmado no artigo 2.º, n.º 2, do CPTA (aplicável ex vis artigo 2.º, alínea c) do CPPT), no que respeita à contestabilidade da actividade administrativa lesiva dos administrados ao determinar que «a todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos tribunais» (cit.).

x) O acesso aos tribunais e à tutela efectiva dos direitos dos cidadãos é onerado pela imputação às partes de uma parcela dos custos despoletados pela existência de processos judiciais (consubstanciado no pagamento de taxas de justiça), com vista, não só a fazer face a esses custos, como a moderar o recurso aos tribunais por parte dos cidadãos, evitando o recurso desenfreado aos tribunais, com o correspondente dispêndio de recursos públicos.

y) Não podem quaisquer entidades, públicas ou privadas, colocar entraves adicionais ao exercício destes direitos por parte dos cidadãos que radiquem na denegação da justiça.

z) Ao incluir o montante das provisões com processos judiciais em curso no valor dos custos administrativos relevantes para efeitos do cálculo da taxa devida pela actividade de fornecedor de redes e de serviços de comunicações electrónicas, o ICP-ANACOM coloca um entrave, com dimensão monetária, ao direito de acesso aos tribunais e à tutela efectiva dos direitos dos agentes regulados.

aa) Sempre que discorda dos actos administrativos de regulação emitidos pelo ICP-ANACOM - como é o caso nos presentes Autos -, a ora Recorrida tem que ponderar o impacto dos montantes peticionados sobre o montante da taxa a pagar nos anos seguintes e até que a referida acção conheça decisão transitada em julgado.

bb) A liquidação em crise é nula na medida em que reflecte os montantes provisionados pelo ICP-ANACOM para fazer face a processos judiciais em curso, por violar o núcleo essencial do direito de acesso aos tribunais e, bem assim, o princípio da tutela jurisdicional efectiva, pelo que, também nesta perspectiva andou bem o Tribunal a quo no que respeita às conclusões a que chegou, devendo a sentença recorrida ser mantida.

Da violação do direito fundamental de reparação integral dos danos causados por entidades públicas.

cc) O artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa consagra «O direito do particular à reparação» dos danos causados e garante aos cidadãos em geral o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

dd) Ao incluir o montante das provisões com processos judiciais em curso no valor dos custos administrativos relevantes para efeitos do cálculo da taxa devida pela actividade de fornecedor de redes e de serviços de comunicações electrónicas, o ICP-ANACOM, por um lado, transfere para os operadores a sua responsabilidade, e, por outro, diminui automaticamente o quantum indemnizatório que seja devido a um operador.

ee) Ao fazer os operadores suportarem, através da taxa de regulação, os montantes com as provisões para processos judiciais em curso dos quais poderá resultar a obrigação de indemnizar, o ICP-ANACOM está a postergar integralmente o princípio da responsabilidade pública pelas suas actuações, violando frontal e directamente o disposto no artigo 22.º da Constituição.

ff) Por esta via os operadores estão a suportar (todos eles e antecipadamente), as indemnizações que potencialmente sejam devidas a um deles por força de actos do Regulador, praticados no âmbito da função de regulação e que, nos termos gerais de direito, originam uma obrigação de indemnizar para o ICP- ANACOM.

gg) Não se diga que esta é a única solução que assegura a independência financeira do Regulador face ao Estado já que esta afirmação parte do errado pressuposto de que o princípio da independência financeira do Regulador face ao Estado (em si mesmo correcto) teria uma força ultra expansiva apta à postergação de princípios inscritos na ideia do Estado de Direito.

hh) A independência financeira do Regulador não é um valor absoluto, não está mencionada na Directiva Quadro (Directiva 2002/21/ CE, do Parlamento Europeu, de 7 de Março de 2002), que apenas estabelece na parte final do Considerando 11 que «[a]s autoridades reguladoras nacionais devem dispor de todos os recursos necessários em termos de pessoal, competências e meios financeiros para o desempenho das suas funções» (cit.), nem nos Estatutos do ICP-ANACOM, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 309/2001, de 7 de Dezembro.

ii) O Considerando 30 da Directiva Autorização refere que a possibilidade de imposição de encargos administrativos visa «financiar as actividades da autoridade reguladora nacional respeitantes à gestão do sistema de autorização e à concessão de direitos de utilização» (cit.). Por isso que «tais encargos devem limitar-se a cobrir os custos administrativos reais dessa actividade» (cit.); custos, e não responsabilidades ou contingências, reais, e não virtuais, lê-se neste considerando.

jj) Também pelo exposto a sentença recorrida deve ser mantida quanto à conclusão a que chegou, no sentido de que a liquidação em crise não pode manter-se na ordem jurídica na medida em que reflecte os montantes provisionados pelo ICP-ANACOM para fazer face a processos judiciais em curso.

kk) Conclusão diversa conduziria à violação do núcleo essencial do direito à reparação integral dos danos causados por entidades públicas, in casu, pelo ICP-ANACOM, constante do artigo 22.º da Constituição.

V. DO PEDIDO

Termos em que a sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo por isso ser mantida no que respeita à procedência da pretensão da ora Recorrida em ver anulada a liquidação anual da taxa devida pela actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas para 2012, com as demais consequências legais, devendo, caso assim não se entenda, ser analisados todos os demais vícios alegados em sede de impugnação que inquinam igualmente a referida liquidação.
Só nestes termos será respeitado o DIREITO e feita JUSTIÇA!»

O Exmo. Senhor PGA emitiu mui douto parecer, concluindo pela improcedência do recurso por a sentença não padecer dos vícios que lhe são imputados.
Colhidos os vistos legais, e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), são estas as questões que importa resolver: (i) se a sentença incorreu em erro na decisão de facto, devendo ser corrigidos os pontos M) e Q) da matéria assente conforme explicitado no n.º30 das alegações e aditados outros pontos, conforme indicado nos nºs 32 a 37 das alegações do recurso; (ii) se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir pela ilegalidade do tributo impugnado na medida em que inclui nos seus pressupostos o valor das provisões constituídas para processos judiciais em curso; (iii) se o alcance anulatório e os juros indemnizatórios arbitrados na sentença se deverão limitar unicamente à parte da liquidação do tributo assente no valor dos custos administrativos com provisões.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância deixou-se factualmente consignado:
«
Factos provados
A) A Impugnante exerce a atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas;

B) Por carta registada com aviso de receção assinado em 2012.06.06, o ICP- ANACOM solicitou à Impugnante o preenchimento e envio de declaração com a comunicação do montante dos proveitos relevantes relacionados diretamente com o exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas, apurados no exercício anterior (cf. 1 a 4 do PA);

C) Do modelo de declaração para efeitos da taxa anual devida pelo exercício da atividade de fornecedores de redes e serviços de comunicações eletrónicas, identificado na alínea anterior, transcreve-se:
a. (…);
b. Informação referente ao exercício de 2011;
c. A informação deverá ser apresentada de acordo com o disposto na Portaria nº 1473-A/2008, de 17 de Dezembro (…);
d. Todos os valores deverão ser apresentados antes da aplicação de IVA;
e. Apuramento dos rendimentos relevantes:
f. Total dos rendimentos do exercício [Este valor deverá corresponder ao total de rendimentos / réditos evidenciados na demonstração de resultados por naturezas que faz parte das demonstrações financeiras anuais da empresa];
g. Vendas dos equipamentos terminais;
h. Prestação de serviços provenientes de atividades não relacionadas com fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas;
i. Prestações de serviços a entidades do Grupo respeitantes comunicações eletrónicas;
j. Prestação do serviço universal e dos serviços para os quais está prevista a compensação direta do Estado – quando aplicável;
k. Outros rendimentos a excluir;
l. Total dos rendimentos relevantes;
m. (…);

D) A Impugnante respondeu ao ofício identificado na alínea anterior indicando o montante global de proveitos relevantes de € 721 378 843,00 (cf. fls. 19 a 20 do PA); deste transcreve-se:
a. (…);
b. Apuramento dos rendimentos relevantes:
c. Total dos rendimentos do exercício - € 810 498 490,00;
d. Vendas dos equipamentos terminais – (€ 33 512 388,00);
e. Prestação de serviços provenientes de atividades não relacionadas com fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas – (3 981 833,00);
f. Prestações de serviços a entidades do Grupo respeitantes a comunicações eletrónicas – (12 663 566,00);
g. Prestação do serviço universal e dos serviços para os quais está prevista a compensação direta do Estado – quando aplicável;
h. Outros rendimentos a excluir – (€ 38 961 810,00);
i. Total dos rendimentos relevantes – 721 378 843,00;
j. (…);

E) Por deliberação de 2012.07.19, o Conselho de Administração da Autoridade Nacional de Comunicações, aprovou a proposta de deliberação ANACOM- D000156/2012, constante de fls. 26 a 30 do processo administrativo (PA) e que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual se transcreve:
a. (…);
b. A) Nota justificativa da proposta:
c. 1. Enquadramento
d. De acordo com a alínea b) do nº 1 do artigo 105º da Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro, o valor da taxa anual devida pelo exercício de atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público é calculado – nos termos do nº 1 do Anexo II da Portaria nº 1473-B/2008, de 17 de Dezembro – com a alteração dada pela Portaria nº 291-A/2011, de 4 de Novembro, com base nos custos administrativos do ICP-ANACOM e no valor dos proveitos relevantes diretamente conexos com a atividade de comunicações eletrónicas relativos ao ano anterior àquele em que é efetuada a liquidação da taxa, com base em 3 escalões: T0, T1 e T2;
e. 2. Custos de regulação
f. Nos termos do nº 2 ao Anexo à Portaria nº 1473-B/2008, o ICP- ANACOM deve, anualmente, proceder ao apuramento e divulgação dos custos administrativos referentes à alínea b) do nº 1 do artigo 105º da Lei nº 5/2004;
g. Este apuramento de custos, relativamente às taxas a liquidar em 2012, foi devidamente efetuada, conforme documento em anexo 3;
h. 3. Rendimentos relevantes
i. Em conformidade com o nº 3 da Portaria nº 1473-B/2008, para efeitos de liquidação da taxa anual devida pelo exercício de atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, os respetivos fornecedores devem remeter ao ICP-ANACOM, até 30 de Junho de cada ano civil, uma declaração assinada por entidade com poderes para vincular a pessoa coletiva, com indicação do montante dos proveitos relevantes relacionados diretamente com o exercício de atividade obtidos no ano civil anterior;
j. Assim, com o objetivo de uniformizar a recolha dessa informação foi enviado em 2010.06.01 um ofício circular a todas as empresas (anexo 4);
k. (…);
l. Face ao que precede, o Conselho de Administração delibera:
m. a) Aprovar o cálculo do montante dos custos de regulação da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas, respeitante às taxas a liquidar em 2012, que é de € 29 440 460, bem como a publicitação no sítio da Internet do ICP- ANACOM do documento constante do anexo 3;
n. Aprovar a realização imediata de uma auditoria aos fornecedores de redes e serviços de comunicações eletrónicas que, em 2011:
i. Apresentaram rendimentos relevantes mais significativos (dez valores mais elevados);
ii. Com variações de valor mais significativas em 2011 (face ao ano civil de 2010);
iii. Global Crossing (caso especial, em virtude de ter pendente o pagamento da taxa de 2011 e ter apresentado uma Reclamação);
o. Esta consulta será por ajuste direto – em regime geral – nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 20º do CCP, e será dirigida à B...., PG & Associados, S...., SA (…);
p. (…);

F) Em anexo à deliberação identificada na alínea anterior, constante de fls. 31 do PA, transcreve-se:
a. Cálculo das taxas devidas pelo exercício de atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 105º da Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro
b. 1. Nos termos dos nº 1 e 2 do Anexo II à Portaria nº 1473-B/2007, de 17 de Fevereiro, com as alterações dadas pela Portaria nº 291- A/2011, de 4 de Novembro, dá-se público conhecimento do valor total dos custos administrativos do ICP-ANACOM a considerar para efeitos de liquidação de taxas devidas pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas no ano de 2012 (Ano n);
c. Assim, C (Ano n) = € 29 440 460 (média dos custos dos últimos 2 anos e do orçamento do corrente ano, com exceção dos relativos às provisões para processos judiciais em curso associados à regulação de comunicações eletrónicas, cuja média é a dos últimos 4 anos e do orçamento do corrente ano);
d. (…);

G) Por carta registada com aviso de receção assinado em 2012.08.06, constante de fls. 58 a 62 do PA e que aqui se dá como integralmente reproduzido, foi comunicado à Impugnante que previamente à faturação da [taxa anual devida pelo exercício de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas (…)] fosse verificada a informação recolhida (…), com vista a garantir a uniformidade de critérios utilizados no cálculo dos preceitos relevantes, bem como a sua adequação aos termos determinados pela legislação; para o efeito, conta o ICP-ANACOM com a colaboração da B.... & Associados, S...., SA;

H) Por deliberação de 2012.10.18, o Conselho de Administração da Autoridade Nacional de Comunicações, aprovou a proposta de deliberação ANACOM- - D000220/2012, constante de fls. 63 a 67 do PA, que aqui se dá por integralmente reproduzido, sobre o sentido provável da decisão sobre as conclusões da auditoria aos proveitos relevantes relativos ao ano de 2011, reportados ao ICP-ANACOM pelos fornecedores de redes e serviços de comunicações eletrónicas; desta transcreve-se:
a. (…);
b. A) Nota justificativa da proposta
c. Por DE1992012CA, de 2012.07.19, foi aprovada a realização de uma auditoria aos rendimentos relevantes relativos ao ano de 2011, reportados ao ICP-ANACOM pelos operadores de comunicações eletrónicas, no âmbito da circular enviada em 2012.06.01 (…), bem como à natureza dos critérios considerados relativamente aos valores reportados;
d. Em 2012.08.02, foi efetuada a adjudicação da referida auditoria, à empresa B.... PG & Associados, S...., SA;
e. Em 2012.08.03 foram remetidos ofícios com a referência ANACOM- S054337/2012, às empresas a auditar, abaixo indicadas, notificando-as da decisão de promover uma auditoria aos proveitos relevantes relativos ao ano de 2011:
i. (…);
ii. O…. – Comunicações, SA;
iii. (…);
f. Em 2012.10.15, a B.... & Associados, S...., SA, apresentou ao ICP-ANACOM o seu relatório com as conclusões e os resultados da auditoria (…), que fazem parte desta proposta;
g. As conclusões mencionadas no relatório de auditoria da B.... poderão traduzir-se na revisão do valor dos rendimentos relevantes que servem de base para a liquidação das taxas devidas ao ICP- ANACOM, pelos fornecedores de redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, nos termos da Portaria nº 1473- B/2008, de 17 de Dezembro, Anexo II, nº 1 e alínea b) do nº 1 do artigo 105º da Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro;
h. Com efeito, as taxas referidas são calculadas com base no valor dos proveitos relevantes diretamente conexos com a atividade de comunicações eletrónicas, relativo ao ano anterior aquele em que é efetuada a liquidação da taxa, de acordo com determinados escalões e com a fórmula própria definida no anexo;
i. Por conseguinte, o sentido provável da decisão é a revisão dos proveitos relevantes declarados por algumas das empresas atrás mencionadas, nos termos seguintes:
j. Apuramento de rendimentos relevantes
k. Empresas
i. (…);
ii. O….
1. Relatório e Contas - € 721 378 843;
2. Declaração - € 721 378 843;
3. Valor ajustado pela auditoria – 0;
4. Valor a declarar - € 721 378 843;
iii. (…);
l. (…);
m. Face ao que precede, o Conselho de Administração do ICP- ANACOM, ao abrigo do disposto no artigo 60/1.e)/4/5/6/7 da Lei Geral Tributária, bem como do artigo 26.g) dos Estatutos do ICP- ANACOM, aprovados pelo Decreto-Lei nº 309/2001, de 7 de Dezembro, aprova:
i. O sentido provável de decisão relativamente à revisão dos rendimentos relevantes, conforme quadro contante do ponto 5;
ii. Que se proceda à audiência prévia às empresas indicadas no ponto 3, para, no prazo de 10 dias, se pronunciarem sobre o sentido provável de decisão que antecede;
n. (…);

I) Em anexo à referida deliberação de 2012.10.18, do Conselho de Administração da Autoridade Nacional de Comunicações, a fls. 84 a 88 do PA, que aqui se dá por integralmente reproduzido, transcreve-se:
a. Certificação da declaração de rendimentos relevantes;
b. Introdução
i. Examinámos a Declaração de Rendimentos Relevantes (…) da O…. – Comunicações, SA (…); para o exercício findo em 2011.12.31, a qual evidencia um total de rendimentos relevantes de € 721 378 843;
c. Responsabilidades
i. (…);
d. Âmbito
i. (…);
e. Opinião
i. Em nossa opinião, a declaração de 2011 da O…. – Comunicações, SA, satisfaz os requisitos exigidos pela Portaria nº 1473-B/2008;
f. Ênfases
i. A certificação legal das contas, para o exercício supra referido, não contém qualquer reserva que afete a declaração;
g. (…);

J) Por carta registada com aviso de receção assinado em 2012.10.22, foram comunicados à Impugnante os resultados da auditoria efetuada pela B.... PG & Associados, S...., SA para se pronunciar, querendo, sobre o sentido provável de decisão (cf. fls. 88 a 89 do PA);

K) Por carta de 2012.10.31, a Impugnante informou a Presidente do Conselho de Administração do ICP-ANACOM não ter comentários aos resultados da auditoria efetuada pela B.... PG & Associados, S...., SA, à declaração de proveitos relevantes auferidos pela O…. – Comunicações, SA, em 2011 para efeitos de apuramento da taxa anual devida pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónica (cf. fls. 94 do PA);

L) Por deliberação de 2012.11.16 do Conselho de Administração do ICP- ANACOM, constante de fls. 95 a 97 do PA e que aqui se dá como integralmente reproduzida, foi aprovada a percentagem contributiva t2, resultante da fórmula para o escalão 2, nos termos do Anexo II à Portaria nº 1473-B/2008, de 17 de Dezembro e a sua publicitação no sítio da internet do ICP-ANACOM; desta transcreve-se:
a. (…);
b. Assim, o valor t2 calculado de acordo com a fórmula definida nos termos dos nº 1 e 2 do Anexo II da Portaria nº 1473-B/2008, de 17 de Dezembro, é de 0,5538%, obtido da seguinte forma:
i. Total dos custos de regulação de CE’s (C) = € 29 440 460;
ii. Total dos proveitos relevantes de entidades do escalão 2 (P2) = € 5 306 603 846;
iii. T1n1 = € 2 500,00 x 22 = € 55 000;
iv. T2= (C – t1n1) / P2 = 0,5538%;
c. Aplicando esta taxa aos proveitos relevantes de cada operador do escalão 2, obtêm-se os valores das taxas a liquidar respeitantes ao corrente ano (…);
d. Face ao que precede o Conselho de Administração delibera aprovar;
e. O relatório de audição prévia (…);
f. A decisão final, conforme documento anexo V;
g. A percentagem contributiva t2, que é de 0,5538% a aplicar aos rendimentos relevantes dos fornecedores de redes e serviços de telecomunicações eletrónicas e a sua publicitação no sítio da internet do ICP-ANACOM (…);
h. A emissão imediata da faturação das taxas devidas pelo exercício de atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas, tendo em conta as alterações dos valores dos rendimentos relevantes que resultam da auditoria efetuada pela empresa B.... PG Associados (…);
i. (…);

M) Em 2012.11.21, foi emitida a Fatura/Nota de Liquidação/Recibo nº F212000125, constante de fls. 112 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzido, no montante global de € 3 995 008,70, dos quais € 3 994 996,03 de taxa anual atividade fornecedor redes/serviços e € 16,00 de juros de mora – acertos relativos a juros de mora da fatura FATS000034, com data limite de pagamento de 2012.12.21;

N) Em 2013.01.02, a presente impugnação foi enviada a este Tribunal Tributário de Lisboa (cf. fls. 139 de fls. 1/139 – doc. nº 005530540 - fls. 114 do suporte físico do processo);

O) Em 2013.12.11, foi emitida a Nota de Crédito nº C72000258, a favor de O…. – Comunicações, SA, no montante de € 8 656,55, relativo à revisão adicional liquidação das taxas 2012, conforme nº 5 do artigo 105º REGICOM (cf. fls. 549 – doc. nº 005657702 – fls. 371 do suporte físico do processo);

P) Em 2014.06.24, foi emitida a Nota de Crédito nº C72000133, a favor de N… – Comunicações, SA, no montante de € 567 725,15, relativo à revisão liquidação taxa 2012, Fatura F212000125, redução custos regulação, p/ anulação provisões 2012 (cf. fls. 969 – doc. nº 005740065 - fls. 784 do suporte físico do processo);

Q) E, em 2014.06.24, foi emitido o cheque nº 7753371148, sobre M… BCP, no montante global de € 1 660 902,89 (cf. Id. - fls. 783v do suporte físico do processo);

R) Em 2015.03.25, foi emitida a Nota de Crédito nº C72000027, a favor de N… - Comunicações, SA, no montante de € 1 442,76, relativo à revisão adicional à liquidação das taxas de 2012, conforme nº 5 do artigo 105º REGICOM (cf. fls. 969/977 – doc. nº 005740065 – fls. 801 do suporte físico do processo);

S) Em 2015.06.12, foi emitida a Nota de Crédito nº C72000132, a favor de N…. – Comunicações, SA, no montante de € 60 595,82, relativo a revisão liquidação taxa de 2012, fatura F212000125, redução de custos regulação, p/ anulação provisões 2012 (cf. Id. - fls. 807 do suporte físico do processo).

Factos não provados
Os factos constantes das precedentes alíneas consubstanciam os elementos do caso que, em face do alegado nos autos, se mostram provados com relevância necessária e suficiente à decisão final a proferir, à luz das possíveis soluções de direito.

Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto, consoante ao que acima ficou exposto, efetuou-se com base nos documentos, informações e pareceres constantes do processo e no depoimento das testemunhas ouvidas no âmbito do processo que correu termos neste Tribunal Tributário de Lisboa sob o nº 637/11.2BELRS.»

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Pretende o Recorrente que sejam corrigidos os pontos M) e Q) da matéria assente, nos termos constantes do n.º 30 das alegações, sendo que a impugnante/Recorrida aceita as correcções indicadas, as quais, de resto, se extraem dos elementos probatórios dos autos.

Assim, os pontos M) e Q) da matéria assente passam a ter a seguinte redacção:

M) Em 2012.11.21, foi emitida com data limite de pagamento em 2012.12.21 a Fatura/Nota de Liquidação/Recibo nº F212000125, constante de fls. 112 do PA que se dá por reproduzida, de que consta o valor a pagar de €3.995.008,70, assim discriminado: €3.994.996,03 relativo a “TAXA ANUAL ACTIVIDADE FORNECEDOR REDES/ SERVIÇOS” e €12,87 relativo a “Juros de Mora – Acertos Relativos a Juros de Mora da Fatura FATS000034”;

Q) Em 2014.06.24, foi emitido pela ANACOM a favor da “N… – Comunicações, S.A” o cheque nº7753371148, sobre o M…. BCP, no montante global de € 1.660.902,89, o qual respeita à regularização de diversas notas de crédito, sendo unicamente relativa ao ano em causa nestes autos a nota de crédito nº C72000133, referida no antecedente ponto P) (cf. Id. - fls. 783v do suporte físico do processo e requerimento dirigido pelo ICP – ANACOM ao TT, a fls.969 do processo virtual).

Outrossim, pretende a Recorrente que sejam aditados ao probatório factos que a sentença omitiu e que reputa essenciais à boa decisão da causa. Nos números 32 a 37 das alegações, indica os concretos pontos de facto que considera omitidos e os concretos meios probatórios que os sustentam, bem como a decisão a proferir, de acordo com o ónus imposto ao recorrente quando impugne a decisão de facto, no art.º 640.º, n.º 1, do CPC.

Todavia, os indicados pontos T) a X) do n.º34 das alegações do Recorrente não integram matéria factual, consubstanciando antes matéria conclusiva ou jurídica que não pode ser levada ao probatório. É o caso dos pontos T) “Os custos de regulação são cobertos exclusivamente pelas taxas de regulação”; U) “O valor da taxa de regulação corresponde ao montante dos custos administrativos efectivamente verificados”; V) “Até 2009, os custos com a regulação da actividade de fornecedor de rede e serviços de comunicações electrónicas eram suportados pelo Estado, através das taxas devidas pela utilização de frequências, isto é, até 2009, eram as receitas do domínio público radioeléctrico que cobriam os custos de regulação”; X) “Os excedentes apresentados e obtidos pela ANACOM resultam da cobrança de taxas devidas pela utilização do espectro radioeléctrico e não podem ser utilizados para abater aos custos da regulação”; Y) “Sempre que se verificam excedentes, os mesmos são transferidos para o Estado (cf. Portaria n.º371/2012, de 16 de Novembro e Portaria 326-A/2013, de 1 de Novembro)”.

Também não comportam matéria fáctica, mas sim conclusiva, os pontos HH) “A impugnante, como qualquer operador de comunicações electrónicas, recolhe benefícios da actividade de regulação desenvolvida pela ANACOM”; II) “Esses benefícios reflectem-se tanto em matéria de fiscalização como de qualidade de serviço”; JJ) “Os operadores beneficiam da regulação que é feita pela ANACOM na medida em que esta lhes garante condições de concorrência no exercício da respectiva actividade”, do n.º37 das alegações do Recorrente, não podendo, como tal, integrar o probatório. Acresce que se atentarmos nos meios de prova indicados pelo Recorrente para apoiar tais matérias, logo se alcança que radicam essencialmente em juízos valorativos positivos das testemunhas relativos aos benefícios da regulação.

Assim, com a ressalva indicada, aditam-se ao probatório os seguintes factos susceptíveis de relevar para decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (art.º 596 do CPC e 511/1 do CPC/61):

C1. Com a carta da ANACOM referida supra no ponto B) foi junta uma Circular interpretativa sobre a “definição do conceito de «rendimentos relevantes»” a declarar pela entidade destinatária no modelo de formulário referido no ponto C), que também acompanha a referida carta (cf. fls.1 a 16 do anexo PA).

N1. Em 15/07/2013 e na sequência da publicação do relatório anual dos custos administrativos do exercício de 2012, foi emitida a nota de crédito n.º C72000070, a favor da O…. – Comunicações, S.A., no montante de €45.446,87, relativa à revisão da liquidação, devido “à diferença de valor resultante do apuramento final dos custos administrativos incorridos em 2012, conforme n.º5 do artigo 105.º REGICOM (cf. requerimento da impugnante/recorrida, a fls. 482 do processo virtual; facto admitido pela Recorrida – alínea d) das Conclusões das contra-alegações).

Z) As provisões consideradas para efeitos de cálculo dos custos administrativos totais restringem-se àquelas que decorrem dos processos judiciais em curso desencadeados no âmbito da acção da ANACOM enquanto regulador do sector das comunicações electrónicas (cf. fls. 40 do apenso PA “sistema de custeio do ICP-Anacom”; facto admitido pela Recorrida);

AA) A inclusão das provisões como custo administrativo já constava do estudo sobre o novo modelo de Taxas referentes ao exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas (cf. doc. 2 junto à contestação, fls. 208, 225/226 dos autos).

BB) As provisões referidas em Z), são incluídas nos custos administrativos da ANACOM e objecto de distribuição pelos operadores porque são considerados pela ANACOM como custos do exercício do ponto de vista contabilístico e porque decorrem de processos judiciais em que são impugnadas decisões de regulação (cf. depoimento da testemunha J…. e fls.40 do apenso PA).

CC) No cálculo dos custos com provisões para fazer face a pedidos de indemnização decorrentes de decisões de regulação é usada a média de cinco anos (4 reais e um de orçamento) (cf. depoimentos de J…. e F…; doc.2 junto à contestação, fls.208; facto admitido pela Recorrida).

DD) Os proveitos relevantes dos operadores servem para apurar o valor da taxa com base na qual vai ser imputado a cada uma sua quota-parte nos custos administrativos da ANACOM directamente relacionados com a actividade de regulação do mercado (cf. proposta do “Novo Modelo de Taxas do Espectro Radioeléctrico” junto à contestação como doc.2, fls. 225/229 dos autos).

EE) Os proveitos decorrentes da prestação de serviço universal em zonas não rentáveis e a clientes não rentáveis em zonas rentáveis apresentados pela PT Comunicações assentam numa estimativa e apenas são considerados a título provisório, devendo ser corrigidos pelo valor que resultar da decisão que a ANACOM tomar no que diz respeito ao apuramento dos custos líquidos do serviço universal (cf. depoimento de J…, economista e Administrador do ICP – ANACOM, que declarou: «Aquilo que neste momento se utilizou como proveito relevante, proveitos relevantes da P… para efeitos de aplicação de taxas, foi precisamente os proveitos relevantes totais da P…. T…., menos uma estimativa que a P…. apresentou, quando nós tivermos uma decisão, relativamente aos custos líquidos do serviço universal e essa decisão final ainda não foi tomada, para nenhum. Então, o valor estimado pela P… deverá ser substituído pelo valor que resultar da decisão que o ICP – ANACOM tomar, no que diz respeito aos custos líquidos do serviço universal e proceder-se-á a um acerto de contas, digamos assim, é que passa por se os custos líquidos universal forem mais do que a estimativa da P…. isso significará devolver dinheiro à P…. que cobrará nomeadamente aos outros e, a inversa no caso de a estimativa ter sido superior aos custos efectivamente suportados pela P…. »; facto admitido pela Recorrida).

FF) Por deliberação de 31/10/2013, a ANACOM aprovou a revisão da liquidação das taxas devidas pelo exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, relativas aos anos de 2011 e 2012, em virtude de ter sido corrigido o valor dos proveitos relevantes indicado pela PT – Comunicações (PTC), por aplicação da metodologia de cálculo dos custos líquidos do serviço universal aprovada em 09/06/2011 (cf. requerimento do ICP – ANACOM dirigido ao tribunal tributário, a fls. 547/549 do processo virtual; facto admitido pela Recorrida).

GG) A correcção do valor dos rendimentos relevantes da PT – Comunicações por um valor superior repercutiu-se num aumento do total de rendimentos relevantes das empresas do escalão 2, com impacto no valor da taxa T 2, que passou a ser de 0,5170% em vez de 0,5505% em 2011, e de 0,5463% em vez de 0,5463% em vez de 0,5475% em 2012 (cf. requerimento do ICP – ANACOM dirigido ao tribunal tributário, a fls. 547/549 do processo virtual; facto admitido pela Recorrida).

KK) A actividade de fiscalização é contabilizada como custo de regulação pela ANACOM (cf. depoimento de A…., director de Fiscalização do ICP- ANACOM desde Julho/99: «Bom, essas taxas são calculadas numa lógica de orientação para os custos e, portanto, toda a actividade de fiscalização tem uma parte de custos que entraram nesse valor, naturalmente»).

LL) A ANACOM intervém em caso de reclamações e queixas efectuadas por operadores contra operadores e por consumidores contra operadores;

MM) A ANACOM tem intervenção, por vezes coadjuvada por outras autoridades, no que toca às set-top boxes, fazendo a prevenção de situações de possível pirataria;

NN) A ANACOM procede de forma preventiva, quando possível, e de forma reactiva perante situações de incumprimento dos operadores, em virtude de queixas dos consumidores (cf. para este e os dois pontos anteriores, o depoimento da testemunha A…, transcrito a fls.578/584 dos autos).

Estabilizado o probatório, é como ele que avançamos para a apreciação das demais questões do recurso.

E a questão central do recurso prende-se com o inconformismo do Recorrente, ICP – ANACOM, com a sentença na medida em que validou a tese da impugnante/Recorrida O… – Comunicações, S.A., no sentido de que a consideração das provisões operacionais constituídas para processos judiciais em curso e reflectidas na taxa relativa ao exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas, referenciada ao ano de 2012, como custos administrativos relacionados com a actividade de regulação das comunicações electrónicas, viola o quadro jurídico regulamentar nacional e comunitário e que o procedimento do ICP – ANACOM na constituição daquela provisão não constitui uma inevitabilidade para assegurar o financiamento das indemnizações que o ICP – ANACOM seja eventualmente condenado a pagar no âmbito daqueles processos judiciais em curso relacionados com a sua actividade regulatória.

Vejamos o quadro normativo aplicável.

Estabelece o art.º 105.º da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, na redacção da Lei n.º 51/2011, de 13 de Setembro, o seguinte:
«Artigo 105.º
Taxas

1 - Estão sujeitos a taxa:
a) As declarações comprovativas dos direitos, emitidas pela ARN nos termos do n.º 5 do artigo 21.º;
b) O exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas, com periodicidade anual;
c) A atribuição de direitos de utilização de frequências;
d) A atribuição de direitos de utilização de números e a sua reserva;
e) A utilização de números;
f) A utilização de frequências.
2 - Os montantes das taxas referidas nas alíneas a) a e) do número anterior são fixados por portaria do membro do Governo responsável pela área das comunicações, constituindo receita da ARN.
3 - A utilização de frequências, abrangida ou não por um direito de utilização, está sujeita às taxas fixadas nos termos do Decreto-Lei n.º 151-A/2000, alterado pelos Decretos-Leis n.os 167/2006, de 16 de Agosto, e 264/2009, de 28 de Setembro.
4 - Os montantes das taxas referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 são determinados em função dos custos administrativos decorrentes da gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral, bem como dos direitos de utilização e das condições específicas referidas no artigo 28.º, os quais podem incluir custos de cooperação internacional, harmonização e normalização, análise de mercados, vigilância do cumprimento e outros tipos de controlo do mercado, bem como trabalho de regulação que envolva a preparação e execução de legislação derivada e decisões administrativas, como decisões em matéria de acesso e interligação, devendo ser impostos às empresas de forma objectiva, transparente e proporcionada, que minimize os custos administrativos adicionais e os encargos conexos.
5 - A ARN deve publicar um relatório anual dos seus custos administrativos e do montante total resultante da cobrança das taxas a que se referem as alíneas a) a d) do n.º 1 por forma a proceder aos devidos ajustamentos em função da diferença entre o montante total das taxas e os custos administrativos.
6 - As taxas referidas nas alíneas e) e f) do n.º 1 devem reflectir a necessidade de garantir a utilização óptima das frequências e dos números e devem ser objectivamente justificadas, transparentes, não discriminatórias e proporcionadas relativamente ao fim a que se destinam, devendo ainda ter em conta os objectivos de regulação fixados no artigo 5.º».

Como resulta do art.º 1.º daquele diploma, tratou-se de transpor para a ordem jurídica interna Directivas europeias, nomeadamente, a Directiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002.

Esta Directiva aplica-se às autorizações de oferta de serviços e redes de comunicações electrónicas e estabelece nos seus artigos 12.º e 13.º:
«Artigo 12.º
Encargos administrativos

1. Todos os encargos administrativos impostos às empresas que ofereçam serviços ou redes ao abrigo da autorização geral ou às quais foi concedido um direito de utilização:

a) Cobrirão, no total, apenas os custos administrativos decorrentes da gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral, bem como dos direitos de utilização e das obrigações específicas referidas no n.º 2 do artigo 6.º, os quais poderão incluir custos de cooperação internacional, harmonização e normalização, análise de mercados, vigilância do cumprimento e outros tipos de controlo do mercado, bem como trabalho de regulação que envolva a preparação e execução de legislação derivada e decisões administrativas, como decisões em matéria de acesso e de interligação; e

b) Serão impostos às empresas de forma objectiva, transparente e proporcional, que minimize os custos administrativos adicionais e os encargos conexos.

2. Caso imponham encargos administrativos, as autoridades reguladoras nacionais publicarão uma súmula anual dos seus custos administrativos e do montante total resultante da cobrança dos encargos. Em função da diferença entre o montante total dos encargos e os custos administrativos, serão feitos os devidos ajustamentos.
Artigo 13.º
Taxas aplicáveis aos direitos de utilização e direitos de instalação de recursos

Os Estados-Membros podem autorizar a autoridade competente a impor taxas sobre os direitos de utilização das radiofrequências, ou números ou direitos de instalação de recursos em propriedade pública ou privada que reflictam a necessidade de garantir a utilização óptima desses recursos. Os Estados-Membros garantirão que tais taxas sejam objectivamente justificadas, transparentes, não discriminatórias e proporcionais relativamente ao fim a que se destinam e terão em conta os objectivos do artigo 8.º da Directiva 2002/21/CE (directiva-quadro).».

O art.º 8.º da Directiva 2002/21/CE (directiva-quadro), referida no anterior preceito da Directiva 2002/20/CE, dispõe:
«Artigo 8.º
Objectivos de política geral e princípios de regulação
1. Os Estados-Membros deverão assegurar que, no desempenho das funções de regulação constante da presente directiva e das directivas específicas, as autoridades reguladoras nacionais tomem todas as medidas razoáveis para realizar os objectivos fixados nos n.os 2, 3 e 4. Tais medidas deverão ser proporcionais a esses objectivos.

Os Estados-Membros deverão assegurar que as autoridades reguladoras nacionais, no desempenho das funções de regulação constantes da presente directiva e das directivas específicas, e nomeadamente das destinadas a assegurar uma concorrência efectiva, tomem na máxima conta que é desejável garantir a neutralidade tecnológica da regulamentação.

As autoridades reguladoras nacionais poderão contribuir, no âmbito das suas competências, para assegurar a implementação de políticas destinadas a promover a diversidade cultural e linguística, bem como o pluralismo dos meios de comunicação social.

2. As autoridades reguladoras nacionais devem promover a concorrência na oferta de redes de comunicações electrónicas, de serviços de comunicações electrónicas e de recursos e serviços conexos, nomeadamente:
a) Assegurando que os utilizadores, incluindo os utilizadores deficientes, obtenham o máximo benefício em termos de escolha, preço e qualidade;
b) Assegurando que a concorrência no sector das comunicações electrónicas não seja distorcida nem entravada;
c) Encorajando investimentos eficientes em infra-estruturas e promovendo a inovação; e,
d) Incentivando uma utilização eficiente e assegurando uma gestão eficaz das radiofrequências e dos recursos de numeração.

3. As autoridades reguladoras nacionais devem contribuir para o desenvolvimento do mercado interno, nomeadamente:
a) Eliminando os obstáculos ainda existentes à oferta de redes de comunicações electrónicas, de recursos e serviços conexos e de serviços de comunicações electrónicas a nível europeu;
b) Encorajando à criação e ao desenvolvimento de redes transeuropeias à interoperabilidade dos serviços pan-europeus e a conectividade de extremo a extremo;
c) Assegurando que, em circunstâncias análogas, não haja discriminação no tratamento das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas;
d) Cooperando entre si e com a Comissão de modo transparente a fim de garantir o desenvolvimento de uma prática reguladora e uma aplicação coerente da presente directiva e das directivas específicas.

4. As autoridades reguladoras nacionais devem defender os interesses dos cidadãos da União Europeia, nomeadamente:
a) Assegurando que todos os cidadãos tenham acesso a um serviço universal especificado na Directiva 2002/22/CE (directiva serviço universal);
b) Assegurando um elevado nível de protecção dos consumidores nas suas relações com os fornecedores, através, nomeadamente, de procedimentos de resolução de litígios simples e pouco dispendiosos, executados por um organismo independente das partes em conflito;
c) Contribuindo para garantir um elevado nível de protecção dos dados pessoais e da privacidade;
d) Promovendo a prestação de informações claras, especialmente exigindo transparência nas tarifas e nas condições de utilização dos serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público;
e) Respondendo às necessidades de grupos sociais específicos, nomeadamente os utilizadores deficientes;
f) Assegurando que seja mantida a integridade e a segurança das redes de comunicações públicas.»

Pela Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de Dezembro, foi aprovado o montante das taxas aplicáveis, diploma alterado e republicado no Anexo IV da Portaria n.º 291-A/2011, de 04 de Novembro, que nos segmentos pertinentes dispõe:
« 1.º
É aprovado o montante das seguintes taxas aplicáveis:
a) (…);
b) Ao exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 105.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, alterada e republicada pela Lei n.º 51/2011, de 13 de Setembro, constante do anexo ii da presente portaria, da qual faz parte integrante;
c) (…).
2.º
A taxa anual devida pelo exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, pela utilização de números e pela utilização de frequências, previstas, respectivamente, nas alíneas b), e) e f) do n.º 1 do artigo 105.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, alterada e republicada pela Lei n.º 51/2011, de 13 de Setembro, são liquidadas no mês de Setembro de cada ano civil.
3.º
Para efeitos da liquidação da taxa referida no número anterior, os respectivos fornecedores devem remeter ao ICP-ANACOM, até 30 de Junho de cada ano civil, declaração assinada por entidade com poderes para vincular a pessoa colectiva, como tal reconhecida na qualidade, com indicação do montante dos proveitos relevantes relacionados directamente com o exercício da actividade obtidos no ano civil anterior.
«
Anexo II
Taxa anual devida pelo exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas [alínea b) do n.º 1 do artigo 105.º da LCE]
1 - O montante da taxa anual devida pelo exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 105.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro,
é calculado com base no valor dos proveitos relevantes directamente conexos com a actividade de comunicações electrónicas relativa ao ano anterior àquele em que é efectuada a liquidação da taxa, de acordo com os escalões indicados na tabela seguinte:


Fórmula de cálculo da taxa T(índice 2)
T(índice i (ano n)) = taxa devida pelas entidades do escalão i (i = 0,1,2) no ano n;
T(índice 1 (ano n)) = taxa a pagar pelas entidades do escalão 1 no ano n;
T(índice 2 (ano n)) = taxa a pagar pelas entidades do escalão 2 no ano n;
n(índice i (ano n)) = número de entidades do escalão i (i = 0,1,2) no ano n;
P(índice i (ano n - 1)) = proveitos relevantes das entidades do escalão i (i = 0,1,2) relativos ao ano n - 1, a remeter ao ICP-ANACO nos termos do n.º 5 da presente portaria;
(somatório) P(índice i (ano n - 1)) = total de proveitos relevantes das entidades do escalão i (i = 0,1,2) relativos ao ano n - 1
C (índice (ano n)) = total de custos administrativos do ICP-ANACOM referentes à alínea b) do n.º 1 do artigo 105.º da Lei n.º 5/2004 de 10 de Fevereiro, a publicar nos termos do n.º 5 do mesmo artigo a considerar para o ano n;
P(índice 2 (ano n - 1)) = proveitos relevantes de entidade do escalão 2 no ano n - 1;
t(índice 2 (ano n)) = (C (índice (ano n)) - (somatório)T(índice 1n1(ano n))) / (somatório)P(índice 2 (ano n-1)) [percentagem contributiva (/prct.) das empresas do escalão 2 no ano n]
T(índice 2 (ano n)) = t(índice 2 (ano n)) x P(índice 2 (ano n - 1))
2 - O valor da percentagem contributiva t(índice 2), resultante da aplicação da fórmula para o escalão 2, é fixado anualmente por deliberação do conselho de administração do ICP-ANACOM, a qual é publicitada no seu sítio de Internet, após apuramento e divulgação do total de custos administrativos (C (índice (ano n))) e do montante total de proveitos relevantes das entidades abrangidas pelo escalão 2 ((somatório)P(índice 2 (ano n - 1))).
3 - Os proveitos relevantes devem ser calculados antes da aplicação do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e não devem incluir a venda de equipamentos terminais ou receitas provenientes de outras actividades que não a de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas, nem as receitas das transacções entre empresas do mesmo grupo, entendido este na acepção do Código das Sociedades Comerciais.
4 - Não são considerados para efeitos do cálculo dos proveitos relevantes os decorrentes:
a) Da prestação do serviço universal (definido nos termos do artigo 87.º da Lei n.º 5/2004), a utilizadores finais, ou a grupos de utilizadores finais específicos, que se encontrem na situação descrita na alínea b) do n.º 2 do artigo 96.º da Lei n.º 5/2004, bem como da oferta de postos públicos nos termos definidos na alínea a) da mesma disposição;
b) Da prestação do serviço universal a reformados e pensionistas que beneficiem das condições específicas estipuladas na deliberação do ICP-ANACOM de Maio de 2007 sobre as condições específicas disponibilizadas aos assinantes reformados e pensionistas no âmbito do serviço universal;
c) Da prestação dos serviços para os quais está prevista, nos termos das bases da concessão do serviço público de telecomunicações, compensação directa pelo Estado de margens de exploração eventualmente negativas.
5 - Os proveitos decorrentes da prestação do serviço universal referidos na alínea a) do número anterior serão estabelecidos tomando por base os cálculos efectuados pelo ICP-ANACOM nos termos dos artigos 95.º e 96.º da Lei n.º 5/2004 e conducentes ao cálculo dos custos líquidos das obrigações de serviço universal. Serão, porém, provisoriamente aceites, para efeitos de liquidação da taxa devida em cada ano, os valores dos proveitos relevantes indicados pela(s) empresa(s) prestadora(s) do serviço universal, até que os referidos custos líquidos sejam calculados pelo ICP-ANACOM, procedendo-se então à eventual correcção dos valores em causa.
».

Percorrido o regime normativo nos aspectos que relevam para os autos, começaremos por dizer que, não obstante o tributo impugnado tenha a designação legal de “Taxa anual devida pelo exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas”, propendemos para a sua caracterização como contribuição financeira.

Com efeito, estão reunidas as principais notas características desta categoria tributária: é uma prestação pecuniária (i), coactiva (ii), cujas receitas são consignadas subjectiva e materialmente a um ente público (iii), que assenta numa relação de bilateralidade genérica ou difusa – visando compensar uma prestação administrativa presumivelmente provocada ou aproveitada (iv) por um grupo homogéneo de contribuintes em que o sujeito passivo se integra (v) – vd. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 268/2021, de 29/04/2021.

Tratam-se, de acordo com a caracterização da doutrina, de contribuições especiais parafiscais, que financiam entidades públicas de base não territorial cuja actividade beneficia um grupo homogéneo de destinatários.

Como refere Ana Paula Dourado, “Direito Fiscal – Lições”, Almedina, 2015, a pág.67, “No quadro da parafiscalidade, são de destacar as novas taxas de regulação económica. Elas têm vindo a proliferar e podemos considerá-las essenciais para financiar as despesas e garantir a independência das entidades reguladoras em relação aos governos emanados das maiorias parlamentares. A mais recente doutrina defende a sua autonomização face aos impostos”.

Concluindo-se que a designada “Taxa anual devida pelo exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas”, tem natureza de contribuição financeira – realçando-se que a querela em torno da qualificação jurídica do tributo impugnado como taxa ou contribuição financeira não assume particular relevância para a decisão a proferir, daí a desnecessidade de mais extensas considerações de ordem dogmática – impõe-se a este Tribunal de apelação, nos termos do art.º 204.º da CRP [“Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”], apreciar e decidir da questão prejudicial imprópria de inconstitucionalidade (vd. Jorge Miranda, “O Regime de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade em Portugal”), arguida na impugnação da liquidação do tributo (cf. ponto VII da douta P.I.) e cujo conhecimento a sentença deu por prejudicado em vista da solução dada ao litígio (art.º 665/2 do CPC), na medida em que se constata existir um nexo incindível entre ela e a questão principal objecto do recurso, ou seja, entre a alegada interpretação não conforme à Constituição que foi feita das normas previstas na alínea b) do art.º 1.º da Portaria n.º 1473-B/2008 e das normas previstas nos n.ºs 1, 4 e 5, do seu Anexo II, em que assenta a liquidação do tributo, e o feito submetido a julgamento, qual o de indagar se os custos administrativos de regulação, que o tributo liquidado visa compensar, poderão incluir as provisões constituídas para processos judiciais pendentes.

E passando ao conhecimento da questão de constitucionalidade, em causa está a dimensão normativa dos identificados preceitos da Portaria n.º 1473-B/2008 na parte em que determinam a incidência objectiva e a taxa a aplicar em relação aos prestadores de serviços enquadrados no “escalão 2”, bem como a isenção prevista para certos operadores de comunicações.

Como se sabe, na ausência do enquadramento legislativo geral a que se refere a alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, a jurisprudência constitucional tem reconhecido ao Governo a possibilidade de exercer uma competência concorrente em matéria de contribuições financeiras, mas − como se salvaguardou no seu Acórdão n.º 539/2015, de 20/10/2015 (cf. ponto 2 da fundamentação do acórdão, “Da alegada inconstitucionalidade orgânica”) − «sem prejuízo da Assembleia sempre poder revogar, alterar ou suspender o respetivo diploma, no exercício dos seus poderes constitucionais».

Como se refere no recente Ac. do TC n.º 152/2022, de 17/02/2022, que se debruçou sobre questão idêntica à destes autos, mas em que discutia a conformidade constitucional do acto de liquidação da “taxa anual de prestação de serviços postais” relativa ao ano de 2016, «Esta salvaguarda aponta para a exigência de que os elementos essenciais das contribuições financeiras sejam definidos por acto legislativo do Parlamento ou do Governo. Com efeito, ao determinar que o regime geral das contribuições financeiras integra a reserva de competência legislativa da Assembleia da República, a Constituição atribui, pelo menos de modo implícito, natureza legislativa a toda a matéria das contribuições na ausência de um regime geral. Esta exigência de que a matéria seja regulada por acto legislativo é da maior relevância, pois não obstante o mesmo órgão − o Governo − ter simultaneamente competência legislativa e regulamentar, há diferenças significativas entre o regime constitucional dos decretos-leis e dos regulamentos, seja qual for a forma que estes revistam. Como se explica no Acórdão n.º 474/2021, a propósito da distinção entre decretos-leis e decretos regulamentares:
«A Constituição impõe que os regulamentos independentes revistam a forma de decreto regulamentar (n.º 6 do artigo 112.º), tal se devendo ao facto, não apenas de estes serem assinados pelo Primeiro-Ministro (n.º 3 do artigo 201.º) − ao contrário das portarias ou dos despachos dos membros do Governo –, como ainda − ao contrário do que sucede também com as resoluções do Conselho de Ministros com conteúdo normativo − de carecerem da promulgação do Presidente da República (alínea b) do artigo 134.º) e implicarem recurso obrigatório do Ministério Público para o Tribunal Constitucional em caso de recusa de aplicação de norma (n.º 3 do artigo 280.º). Estes traços de regime aproximam os decretos regulamentares, em boa medida, do regime constitucional dos decretos-leis; mas há certas qualidades procedimentais, relevantes do ponto de vista da legitimidade democrática e da separação de poderes, que só estes possuem. Com efeito, ao contrário dos decretos regulamentares, os decretos-leis, mormente em matéria de competência legislativa concorrencial, devem ser aprovados em Conselho Ministros (alínea d) do n.º 1 do artigo 200.º), estão sujeitos a apreciação parlamentar (artigo 169.º) e podem ser objeto de fiscalização preventiva da constitucionalidade (alínea g) do artigo 134.º)» (fim de cit.).

Ora, continuando a acompanhar, com as devidas adaptações, o raciocínio do douto Tribunal, constata-se que as normas do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008 aqui em apreço regulamentam, é certo, a Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, mas em termos que, face à delimitação da incidência subjectiva e objectiva que resulta dos n.ºs 1 alínea b), 2 e 4 do art.º 105.º deste diploma, não podem deixar de ser considerados substancialmente inovatórios. No que respeita, em especial, à parte em que é determinada a incidência objectiva e a taxa a aplicar em relação aos prestadores de serviços de comunicações electrónicas, enquadrados no «escalão 2», que é o caso da impugnante e ora recorrida, é a Portaria que cria escalões, que define o universo de sujeitos passivos que integram o «escalão 2» e que elege como critério determinante da repartição dos custos a compensar os rendimentos relevantes directamente conexos com a actividade de serviços de comunicações electrónicas, apurados no ano anterior àquele a que a taxa se reporta, do qual resulta a taxa concretamente aplicada aos operadores enquadrados neste escalão.

Assim, forçoso é reconhecer que certos elementos da impugnada taxa de regulação, determinantes da quantificação do tributo, foram objecto de normação primária por via regulamentar, ou seja, através do exercício da função administrativa.

Acontece que esses elementos, no entendimento do Tribunal Constitucional, que aqui acompanhamos e acolhemos, «integram a reserva de função legislativa, reserva essa, cujo desiderato, na ausência de um regime geral das contribuições financeiras constante de lei parlamentar ou decreto-lei devidamente autorizado, é o de assegurar um certo nível de coerência, transparência, equidade e legitimidade na criação desses tributos. Claro está que, se a matéria em causa integra o domínio da competência legislativa concorrencial da Assembleia da República e do Governo, não está em causa simplesmente a violação da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, cujo alcance é o de delimitar o domínio reservado ao legislador parlamentar em matéria tributária. Em causa está antes a invasão pelo poder administrativo de um domínio que a ordem constitucional reserva ao poder legislativo, ou seja, em que esta não é indiferente a que a regulação da matéria – os elementos essenciais das contribuições financeiras − conste de decreto-lei ou de mero regulamento. O problema essencial, como é bom de ver, prende-se com a legalidade da Administração Pública, relevando do inciso inicial do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição, não na dimensão de preferência de lei – que, por ser uma questão de legalidade, em que o parâmetro imediato de controlo é a lei ordinária, extravasa os poderes de cognição da jurisdição constitucional −, mas na dimensão de reserva de lei – que, por dizer respeito a saber se as normas regulamentares invadem um domínio que a Constituição reserva ao legislador, consubstancia uma questão de constitucionalidade» (fim de cit.).

Ora, as normas constantes dos n.ºs 1, 4 e 5 do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de Dezembro, na redacção da Portaria n.º 291-A/2011, de 04 de Novembro, ao regularem de forma inovatória elementos essenciais da taxa a aplicar em relação aos prestadores de serviços de comunicações electrónicas enquadrados no «escalão 2», violam essa reserva de função legislativa que se pode extrair das disposições conjugadas da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição.

Recusando este Tribunal, em apreciação incidental concreta de inconstitucionalidade, aplicar as normas constantes dos n.ºs 1, 4 e 5 Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de Dezembro, na redacção da Portaria n.º 291-A/2011, de 04 de Novembro, na parte em que determinam a incidência objectiva, a taxa a aplicar em relação aos operadores de comunicações electrónicas enquadrados no “escalão 2”, bem como isenções para certos sujeitos passivos, com fundamento na sua inconstitucionalidade orgânica, por ofensa do princípio da legalidade fiscal, na vertente da reserva de lei, previsto na alínea i), do n.º 1, do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, fica sem suporte normativo a liquidação impugnada relativa a “taxa anual pela actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas” do ano de 2012, o que determina a sua anulação in totum.

Na procedência da arguida questão de constitucionalidade, fica prejudicado o conhecimento das demais questões, incluindo as questões objecto do recurso.

É, pois, de negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, embora com a presente fundamentação.
*

O valor atribuído ao processo é de 3.311.141,55 euros (cf. fls.827 dos autos).

Dispõe o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais que «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.».

Trata-se, portanto, de uma dispensa excepcional que, à semelhança do que ocorre com o agravamento previsto no nº 7 do art. 7º do mesmo Regulamento, depende de concreta e casuística avaliação pelo juiz e deve ter lugar aquando da fixação das custas ou, no caso de aí ser omitida, mediante requerimento de reforma da decisão — cfr., neste sentido, o acórdão do Pleno da Secção do CT do STA, de 15/10/2014, tirado no proc. nº 01435/12.

Ora, constata-se que, no caso, a questão decidida, embora complexa, ancorou-se em jurisprudência constitucional já firmada e, por outro lado, a sua apreciação reclamou uma tramitação processual simples, potenciada pela adequada conduta processual das partes.

Assim, considerando a concreta e casuística avaliação, assente nos supra apontados pressupostos que, no caso, se têm por verificados, entende-se estar justificada a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida no recurso, ao abrigo do disposto no nº 7 do artigo 6º do Regulamento, ao que se provirá na parte dispositiva do acórdão.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
i. Negar provimento ao recurso.
ii. Conceder às partes dispensa total de pagamento do remanescente de taxa de justiça.

Condena-se o Recorrente em custas

Lisboa, 29 de Setembro de 2022


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Vital Lopes



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Luísa Soares



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Tânia Meireles da Cunha