Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1875/20.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/04/2024
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:TAXA DE SEGURANÇA ALIMENTAR MAIS
GRUPO DE EMPRESAS
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - Para efeitos de aplicação da TSAM, considera-se “grupo” o conjunto de empresas que, embora juridicamente distintas, mantêm entre si laços de interdependência ou subordinação decorrentes da utilização da mesma insígnia ou de direitos ou poderes.
II - Em termos de concreta delimitação do ónus da prova, compete à Impugnante demonstrar a subsunção normativa na isenção que arroga, não competindo, portanto, à Impugnada demonstrar e atestar que se encontram reunidas as condições de afastamento do regime de isenção, porquanto tal configuraria uma clara inversão do ónus da prova.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais: Subsecção tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

L…, Sociedade de Distribuição, SA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação de taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM), referente ao ano de 2020, no montante global de €12.929,00.

A Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“ A. A Recorrente vem apresentar recurso por não se conformar com o decidido na douta sentença proferida nos presentes autos, que julgou improcedente a impugnação em crise, mantendo a liquidação da Taxa de Segurança Alimentar Mais do ano 2020.

B. O recurso tem por objecto a não consideração da isenção da TSAM do ano de 2020, por alegada falta de preenchimento dos requisitos cumulativos legalmente previstos para a sua aplicação.

C. O Tribunal a quo entende que a Recorrente integra um «grupo», nos termos definidos no nº 5 do artigo 3º da Portaria nº 215/2012, de 17 de Julho, não lhe podendo assim ser aplicada a isenção de pagamento da TSAM.

D. Salvo o devido respeito, o Tribunal está a proceder a uma errada qualificação da realidade jurídica da Recorrente.

E. A Recorrente não pertence a nenhum grupo de empresas, nem sequer mantém laços de interdependência com as demais empresas portuguesas que exploram hipermercados sob a mesma insígnia e, mais importante ainda, não se verifica qualquer relação de subordinação ou interdependência entre a Recorrente e a “A…” e entre a Recorrente e a C….

F. A Recorrente utiliza a insígnia E…., detendo um mero direito de utilização da marca, e mantendo absoluta autonomia na gestão comercial do seu estabelecimento.

G. A Recorrente não pertence a nenhum grupo jurídico de empresas e inexiste qualquer unidade económica entre os supermercados que utilizam esta insígnia.

H. Conforme já se referiu nestes autos, a relação entre a Recorrente e a A… tem por base única e exclusivamente a autorização de exploração de uma insígnia. Isto é, a A…, enquanto proprietária das marcas relacionadas com a marca E…., tem, dentro do “Movimento E….”, a competência para conceder e retirar o direito ao uso da marca E…. aos Aderentes.

I. Neste caso concreto, o facto de a Recorrente ter autonomia no que diz respeito à gestão comercial e do seu negócio, bem como na tomada de decisões, leva-nos a concluir que não existe qualquer interdependência ou subordinação entre a Recorrente e a A… ou C….

J. A ora Recorrente detém o poder de gerir o seu próprio negócio, podendo até a aludida autorização de exploração de insígnia cessar e ela manter a sua actividade, embora sem a possibilidade de continuação de uso daquela insígnia.

K. O “Movimento E…” não é uma estrutura centralizada ou integrada que opera na distribuição retalhista, na qual, como sucede muitas vezes, uma empresa controla um número maior ou menor de diferentes lojas instaladas pelo país, com uma oferta padronizada.

L. No sector da distribuição é possível distinguir-se entre “grupos integrados”, por um lado, e “grupos independentes”, por outro. O Movimento Internacional E… é um grupo de independentes. Ao contrário dos grupos integrados, o Movimento E… defende a autonomia de cada loja.

M. Cada Aderente é o único gestor e responsável pela administração do seu estabelecimento. No caso da aqui Recorrente, a exploração da loja é levada a cabo pelo seu Administrador Único Executivo, J….

N. No que diz respeito à relação entre a C… e a Recorrente, há que dizer o seguinte, sendo este um ponto fulcral na compreensão do funcionamento do “Movimento E…”: as lojas são inteiramente livres no que diz respeito às suas respectivas fontes de abastecimento, sendo certo que, na prática, recorrem amiúde a circuitos alternativos de abastecimento, como, por exemplo, organizações de cash and carry.

O. A C… não é, nunca foi e nunca será a fonte exclusiva de abastecimento das lojas.

P. Além disso, as lojas não estão obrigadas a comprar à C…, nem em regime exclusividade, nem sequer em termos de cumprimento de objectivos mínimos anuais ou de qualquer outra periodicidade.

Q. É absolutamente impensável no funcionamento do “Movimento E…” que a C… pudesse permitir-se dar opiniões sobre as decisões comerciais tomadas por um Aderente.

R. Nesta medida, a C… não elabora, nem desenvolve uma estratégia comercial autónoma que pretenda impor às lojas. Muito pelo contrário: a sua actividade está intimamente ligada às exigências das lojas.

S. Pelo exposto, facilmente se conclui que não existe qualquer relação de interdependência entre a Recorrente e a A…. e entre a Recorrente e a C…,

T. Nem, tão pouco, existe uma relação de subordinação entre a Recorrente e a A…. ou C….

U. Uma relação de grupo constituída por subordinação – cfr. artigo 492º do Código das Sociedades Comerciais – ocorre quando uma sociedade, por contrato, subordina a gestão da sua própria actividade à direcção de uma outra sociedade, quer seja sua dominante ou não.

V. Nos termos do artigo 503º, nº 1 do CSC, a sociedade directora tem o direito de dar à administração da sociedade subordinada instruções vinculantes. O que não acontece no presente caso!

W. Também não existe qualquer contrato de franchising entre a Recorrente e a C…!

X. Ao considerar que existe um contrato de franquia celebrado entre a Recorrente e a A…./C…, extraindo daí uma relação de grupo entre as partes, a sentença recorrida vai além da previsão legal.

Y. Mais: resulta da própria sentença que a franquia de distribuição ocorre quando o franquiado se limita a vender determinados produtos num estabelecimento com a insígnia do franquiador. E, conforme se demonstrou nos presentes autos, esta não é a realidade da Recorrente!

Z. A Recorrente não entende, salvo o devido respeito, com que base ou com que fundamento o Tribunal concluiu que a Recorrente celebrou um contrato de franquia com a C…. Não existe qualquer elemento dos autos que aponte nesse sentido!

Aqui chegados, importa, por fim, atentar no seguinte:

AA. De facto, decorre do nº 5 do artigo 3º da Portaria que o legislador considera como pertencendo ao mesmo grupo, as empresas que mantenham entre si laços de interdependência ou subordinação decorrentes da utilização da mesma insígnia. O que é bem diferente de dizer que da mera utilização de uma insígnia comum, o legislador presume automaticamente que existem laços de subordinação e interdependência entre as empresas!

BB. Perante a redacção da norma referida, o intérprete tem a tarefa de verificar se a utilização de uma insígnia comum origina um qualquer laço de subordinação ou interdependência entre as empresas em causa.

CC. Os laços de interdependência ou subordinação têm de decorrer, ou da utilização da mesma insígnia, ou dos direitos e poderes referidos no n.º 4 do artigo 3.º da Portaria n.º 215/2012. Não é uma conclusão que se possa retirar automaticamente do facto de a Recorrente explorar uma insígnia que outros estabelecimentos também exploram!

DD. Se assim não fosse, não faria qualquer sentido a previsão do nº 2 do artigo 3º, onde se lê que “a isenção abrange os estabelecimentos comerciais que, apesar de usarem uma insígnia comum, estão associados através, nomeadamente, de cooperativas, desde que não pertençam a uma empresa ou integrem um grupo nos termos previstos nos números seguintes”.

EE. A utilização de uma insígnia não determina de forma directa e sem mais, a pertença a um grupo de sociedades ou que a empresa disponha de uma área de venda acumulada superior a 6.000 m2.

FF. Resulta bastante óbvio da norma referida, que é possível vários estabelecimentos comerciais usarem uma insígnia comum e estarem associados através de uma cooperativa, sem pertencerem a um grupo nos termos e para os efeitos previstos nos n.s 3 e 5 do artigo 3º.

GG. E é precisamente esse o caso da ora Recorrente, que explora um estabelecimento comercial utilizando a insígnia E…, não mantendo com as demais sociedades exploradoras dessa insígnia qualquer laço de interdependência, e sendo totalmente autónoma na tomada de decisões e na gestão dos seus negócios.

HH. Verificados os pressupostos suprarreferidos, a aplicação da isenção pela DGAV deveria ser imediata.

II. Resulta de todos os elementos que compõem a liquidação impugnada e dos factos carreados no processo, que sempre seria de aplicar a isenção de TSAM.

JJ. A conclusão quanto à eventual não aplicação da isenção sempre dependeria da prova inequívoca, por parte da DGAV, quanto ao facto de a Recorrente, apesar de utilizar uma insígnia e fazer parte de uma cooperativa, pertencer a um grupo de sociedades nos termos do disposto no nº 3 do artigo 3º da Portaria 215/2012,

KK. Prova esta que não foi apresentada e que foi amplamente afastada pela Recorrente.

LL. Visando a DGAV liquidar os montantes respeitantes a TSAM, ao abrigo das regras do ónus da prova previstas no artigo 74º da LGT, sempre teria de provar estarem reunidas as condições de afastamento do regime de isenção, o que não fez!

MM. Lê-se no nº 1 do referido artigo 74º que “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

NN. Neste caso, a DGAV arrogou-se do direito de tributar, pelo que à DGAV cabia o ónus da prova dos requisitos constitutivos do direito de tributar a TSAM.

OO. A violação das regras do ónus da prova, neste caso, é de evidente gravidade, quanto mais se considerarmos a natureza das obrigações que subjazem ao processo tributário e a desproporção de meios e de poder que o contribuinte pode opor ao Estado, munido de um poder que claramente exprime a relação de força em que se baseia o seu ius imperii: o poder de coercivamente lançar tributos e arrecadar as correspondentes receitas.

Por tudo quanto aqui se disse:

PP. Encontram-se reunidos os pressupostos legais exigidos pela legislação aplicável para que seja atribuída a isenção constante da mesma.

QQ. Em conformidade, nunca poderia ter sido liquidada e mantida a taxa em apreço, nos termos em que o foi, devendo a mesma ser anulada em consonância e na decorrência do supra exposto, uma vez que se verifica um vício de erro nos pressupostos de facto e de direito da liquidação,

RR. Motivo pelo qual deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a anulação da liquidação impugnada, com a consequente restituição do montante pago a título de TSAM de 2020, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios.

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V.AS EX.AS MUITO DOUTAMENTE SUPRIRÃO:

Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a mui douta sentença recorrida, substituindo-se por outra que julgue procedente a Impugnação Judicial, sendo, consequentemente, ordenada a restituição do que foi pago pela Recorrente a título de TSAM, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios legalmente devidos.

Assim se fazendo sã e inteira JUSTIÇA.”


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A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Consideram-se provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa:

A) A Impugnante é uma sociedade anónima denominada L… – Sociedade de Distribuição, S.A., que se dedica à exploração comercial do hipermercado E…, sito na B… (cfr. facto não controvertido);

B) O hipermercado da impugnante é um estabelecimento comercial do tipo misto (alimentar e não alimentar), com área total de 4.238,00m2, compreendendo uma área de comercialização de produtos alimentares de 1.847,00m2;

C) A impugnante é membro de C… – Aquisição e Fornecimento de Bens e Serviços, C… Lda (cfr. fls 27, do Sitaf);

D) A Impugnante encontra-se integrada, no «Grupo» E…, detendo o direito de utilização da marca (cfr. facto não controvertido);

E) A Impugnante foi notificada do projeto de liquidação em 04-05-2020 onde constava a área fornecida pela mesma e lhe foi dada oportunidade de se pronunciar em sede de audiência prévia (cfr. fls do processo administrativo apenso);

F) Por carta registada com aviso de receção, a impugnante foi notificada do ofício 013666, datado de 02-09-2020, sob o “Assunto: Taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM) --- 2020: O Decreto-Lei nº 119/2012, de 15 de Junho, criou a Taxa de Segurança alimentar Mais (TSAM), a qual constitui uma contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar, para os estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, conforme referido no nº 1 do artigo 9º do mencionado diploma.

Para o ano de 2020, a TSAM é de 7 por metro quadrado de área de venda do estabelecimento comercial, nos termos do nº 1 da Portaria 57/2020, de 04 de março.

Nos termos do nº 3 do artigo 5º da Portaria nº 215/2012, de 17 de Julho, cabe a esta Direcção-Geral notificar o sujeito passivo, do montante da taxa a pagar, o que sucedeu, tendo V. Exas informado das respetivas áreas do estabelecimento.

Em conformidade com o reportado, foi elaborada a presente liquidação, suportada nos dados comunicados, corrigidos de eventuais alterações que nos tenham sido apontadas no prazo de audiência prévia, concedida ao abrigo do disposto no artigo 45º do Código do procedimento e de Processo Tributário bem como no nº 1 do artigo 60º da Lei Geral Tributária.

Nestes termos considerando os valores já indicados somos a proceder ao envio das faturas correspondentes às 1ª e 2ª prestações para o ano de 2020 da TSAM.

O montante devido pela TSAM do ano de 2020 é de 12929€ (), dividido em duas prestações conforme faturas nº 641 e 642, em anexo, sendo este o resultado da aplicação daquela taxa fixada no artº 1º da Portaria nº 57/2020 de 04 de março, à àrea de venda do estabelecimento atento o previstos nas disposições conjugadas do nº 1 do artigo 2º da Portaria nº 215/2012 de 17 de julho e do artigo 1º da Portaria nº 200/2013, de 31 de maio, sendo os cálculos para a determinação do valor da liquidação da TSAM os seguintes:

Área Bruta X Coeficiente de ponderação (nº 1 do artº 1º da Portaria nº 200/2013 de 31 de maio) = Área Ponderada (nº 1 do artº 1º da Portaria nº 20072013, de 31 de maio).

Área ponderada (nº 1 da Portaria nº 200/2013 de 31 de maio) X Valor da TSAM para 2020 (artº 1º da Portaria nº 57/2020 de 04 de março = 7€) = Montante da TSAM para o ano de 2020.

No caso de V- Exas, o valor a liquidar resulta da multiplicação de €7 por 1847 m2 (área alimentar por vós fornecida). (…) (cfr. fls 20 do Sitaf);

G) Em anexo à notificação referida no ponto anterior, a DGAV remeteu à impugnante as faturas nºs 2020F/00641 e 2020F/00642 ambas de 23/08/2020 com valor de €6.464,50/cada, de que resulta um valor total a pagar de €12.929,00 (cfr. fls 25 e 26, do Sitaf);

H) A impugnante pagou o montante referente às faturas identificadas no ponto anterior em 09/09/2020 (cfr. fl 25 e 26, do Sitaf);

I) A petição inicial de impugnação judicial deu entrada em 04/12/2020 (cfr. fls 1, do Sitaf).


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A decisão recorrida consignou que:

“Fundamentação da decisão de facto e da convicção formada

A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada. As alíneas A) e D) tiveram em consideração a posição das partes, pelo que, é matéria não controvertida.”


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Mais consignou na sentença recorrida: “Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.”

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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de TSAM, do ano de 2020.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, por ter decidido que não se verificam os pressupostos legais constantes no Decreto-Lei nº 119/2012, de 15 de junho, e da Portaria nº 215/2012, de 17 de julho, para que seja concedida a isenção da TSAM.

Apreciando.

Importa, desde já, relevar que a Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto, não requerendo qualquer aditamento, alteração ou mesmo supressão ao acervo probatório, em ordem ao consignado no artigo 640.º do CPC.

Assim, encontrando-se a matéria de facto, devidamente, estabilizada importa, então, aferir do erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

Defende a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, face a errada qualificação jurídica, na medida em que deveria ter sido considerada isenta da aplicação da TSAM, face ao consignado no artigo 9.º, nº2, do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho e ao estatuído no preceito legal 3.º, n.º 1 da Portaria n.º 215/2012, de 17 de julho, uma vez que possui uma área de comércio alimentar inferior a 2000m2 e, não obstante operar sob a insígnia “E…”, não pertence a nenhum grupo jurídico de empresas, nem sequer mantém laços de interdependência com as demais empresas portuguesas que exploram hipermercados sob a mesma insígnia.

Advogando, adicionalmente, que pertence, tal como as demais sociedades comerciais exploradoras dos hipermercados “E…” à cooperativa C… sendo desta sua cooperadora, mas a verdade é que tem total autonomia no que diz respeito à gestão comercial e do seu negócio, bem como na tomada de decisões, não sendo esta a sua fonte exclusiva de abastecimento das lojas.

O Tribunal a quo, esteou a improcedência da presente impugnação judicial, convocando Jurisprudência dos Tribunais Superiores, mormente, do Aresto proferido no processo nº 0418/14, de 22 de maio de 2019, e mediante adesão à sua fundamentação jurídica, no sentido de que a lei não exige que esteja estabelecida qualquer relação jurídica, comercial ou financeira entre a Impugnante, ora Recorrente, e cada uma das empresas que utilizam a mesma insígnia para cálculo da área total de venda que corresponde a essa utilização, bastando a existência de empresas juridicamente distintas e que utilizem a mesma insígnia, em conformidade com o consignado no artigo 3.º, n.º 5 da Portaria nº 215/2012.

Vejamos então, se assiste razão à Recorrente, convocando, desde já, o quadro normativo que releva para os presentes autos.

Ab initio, importa convocar o teor do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, o qual sob a epígrafe de “Taxa de segurança alimentar mais”, dispõe que:

“1 - Como contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar é devido o pagamento, pelos estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, de uma taxa anual, cujo valor é fixado entre (euro) 5 e (euro) 8 por metro quadrado de área de venda do estabelecimento, por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da agricultura.

2 - Estão isentos do pagamento da taxa a que se refere o número anterior os estabelecimentos com uma área de venda inferior a 2000 m2 ou pertencentes a microempresas desde que:

a) Não pertençam a uma empresa que utilize uma ou mais insígnias e que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2;

b) Não estejam integrados num grupo que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2.

3 - Para efeitos do presente diploma, entende-se por «estabelecimento de comércio alimentar» o local no qual se exerce uma atividade de comércio alimentar a retalho, incluindo os estabelecimentos de comércio misto, tal como definidos na alínea l) do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 21/2009, de 19 de janeiro.”

De relevar, outrossim, o plasmado no artigo 3.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de julho, que regulamenta as isenções da TSAM, e que preceitua como infra se descreve:

“1 - Estão isentos do pagamento da taxa os estabelecimentos com uma área de venda inferior a 2000 m2 ou pertencentes a microempresas, tal como definidas no Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 143/2009, de 16 de junho, nos termos e condições do presente artigo.

2 - A isenção abrange os estabelecimentos comerciais que, apesar de usarem uma insígnia comum, estão associados através, nomeadamente, de cooperativas, desde que não pertençam a uma empresa ou integrem um grupo nos termos previstos nos números seguintes.

3 - As isenções previstas no n.º 1 não são aplicáveis aos estabelecimentos que:

a) Pertençam a uma empresa que utilize uma ou mais insígnias e que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2;

b) Estejam integrados num grupo que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2.

4 - Para efeitos da alínea a) do número anterior, considera-se como pertencendo a outra as empresas que, embora juridicamente distintas, constituem uma unidade económica ou mantenham entre si laços de interdependência decorrentes, nomeadamente:

a) De uma participação maioritária no capital;

b) Da detenção de mais de metade dos votos atribuídos pela detenção de participações sociais;

c) Da possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou de fiscalização;

d) Do poder de gerir os respetivos negócios.

5 - Para efeitos da alínea b) do n.º 3, considera-se «grupo» o conjunto de empresas que, embora juridicamente distintas, mantêm entre si laços de interdependência ou subordinação decorrentes da utilização da mesma insígnia ou de direitos ou poderes, nos termos previstos na alínea o) do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 21/2009, de 19 de janeiro.”

Ora, do cotejo dos normativos supra citados e transcritos retira-se que, para que um estabelecimento com área de venda inferior a 2000m2 (ou pertencente a microempresa) esteja isento do pagamento da aludida taxa, é necessário que, ou não pertença “a uma empresa que utilize uma ou mais insígnias e que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2”, ou não esteja integrado “num grupo que disponha, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2”.

Mais importa ter presente que, resulta do preceituado no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, que: "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.", em consonância, aliás, com o estatuído no artigo 342.º n.º 1 do CC.

O que significa que, incumbe à AT a prova dos factos constitutivos do ato administrativo, ou seja, compete à entidade fiscalizadora aquilatar e indagar sobre a verificação do facto tributável e demais elementos pertinentes à liquidação do imposto, competindo, por seu turno, ao sujeito passivo provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca.

Ora, visto o quadro normativo, tecidos os considerandos de direito que relevam para o caso vertente, e atentando no probatório dos autos, ter-se-á que concluir que nenhuma censura merece a decisão recorrida, porquanto interpretou corretamente a realidade em discussão nos presentes autos, com a devida transposição para o caso vertente.

Com efeito, resulta que a Recorrente se dedica à exploração comercial do hipermercado E…, sito na B…, sendo o mesmo um estabelecimento comercial do tipo misto (alimentar e não alimentar), com área total de 4.238,00m2, compreendendo uma área de comercialização de produtos alimentares de 1.847,00m2.

Dimanando, outrossim, que a mesma se encontra integrada, no “grupo” E…, o qual dispõe, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000 m2 -sendo esta realidade não controvertida e assumindo, ademais, um facto notório- detendo o direito de utilização da marca e utilizando a mesma insígnia.

E bem assim que é membro de C…– Aquisição e Fornecimento de Bens e Serviços, C…Lda.

Logo, situação que não permite, como sentenciado pelo Tribunal a quo, advogar a isenção que reclama, por um lado, porque inversamente ao por si propugnado, inexistiu qualquer errónea ponderação e valoração do ónus probatório, na medida em que competia à Recorrente demonstrar o erro sobre os pressupostos de facto e de direito, ou seja, demonstrar a subsunção normativa na isenção que arroga e requer, e não, como defende, à Recorrida demonstrar e atestar que se encontram reunidas as condições de afastamento do regime de isenção, porquanto tal configuraria uma clara inversão do ónus da prova.

Por outro lado, o conceito de grupo que propugna não tem respaldo na letra e na ratio legis, na medida em que, para efeitos da taxa visada, “grupo” deve ser entendido como a existência de empresas juridicamente distintas e que utilizem a mesma insígnia.

Neste particular, e uma vez que a questão tendo sido tratada de forma unânime no STA, primeiramente, no Acórdão proferido no processo nº 0418/14, de 22.05.2019, ulteriormente acolhida, designadamente, nos Acórdãos 0660/14, de 12.02.2020, e 0416/14, de 03.09.2022, e uma vez que a questão é, em tudo, idêntica à dos autos- a isso não obstando encontrarmo-nos perante situações de franchinsing, porquanto a doutrina é inteiramente transponível, inferindo-se inclusivamente essa transposição, designadamente, dos Acórdãos do STA, proferidos nos processos nºs 0559/20.6BECBR, 0528/19.9BECBR e 02106/20.0BEBRG, todos de 08.03.2023, cujos Recursos de Revista foram, justamente, rejeitados face à mencionada jurisprudência (1-No mesmo sentido, vide, designadamente, os Acórdãos prolatados por este TCAS, nos processos nºs 29.02.2024, 2573/19, 01.06.2023, 199/20, de 22.06.2023, 1064/20, de 04.10.2023, 833/21, de 04.10.2023, e 2825/14.0, 1208/19, de 19.10.2023 e do TCAN processos nºs 559/20, 20.10.2022, e 01878/19, de 03.11.2022.)

- e tendo ainda em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito, em conformidade com o preceituado no artigo 8.º, nº 3 do Código Civil, eximimo-nos de expender novas considerações, reproduzindo aqui o raciocínio jurídico vertido no primeiro dos citados Acórdãos, inteiramente transponível para o caso vertente, e que convoca demais jurisprudência proferida no âmbito da visada questão.

Lê no aludido Acórdão, designadamente, o seguinte:

“Por um lado, um grupo de empresas define-se pelas relações jurídicas, económicas e financeiras que se estabelecem com uma empresa do grupo – a empresa dominante –. São formas de concentração na pluralidade em que duas ou mais empresas ficam submetidas a uma direcção comum, sendo irrelevante que existam ou não relações entre as empresas submetidas à direcção comum, art.º 488º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais. Por outro, no que à taxa em discussão diz respeito trata-se apenas de uma denominação de – grupo – que o legislador, ciente do aumento crescente de contratos de franchising ou que conduzem ao mesmo resultado de parcelamento do espaço de venda, pretende a responsabilização pelo pagamento da taxa reportado à globalidade do espaço de venda da empresa franchisadora que o faz pulverizar em múltiplas empresas franchisadas. A taxa poderia ter sido aplicada à empresa franchisadora, mas o seu recorte teria que ser diverso do que é efectuado para cada empresa em concreto. A opção legislativa encontrada faz com que o mesmo modelo possa ser aplicado a cada empresa concreta, com o espaço de venda que detém, sem deixar de ter em conta o total espaço de venda nacional que corresponde, neste caso à utilização da mesma insígnia.

Não exige a lei que esteja estabelecida qualquer relação jurídica, comercial ou financeira entre a impugnante e cada uma das empresas que utilizam a mesma insígnia para cálculo da área total de venda que corresponde a essa utilização, bastando a existência de empresas juridicamente distintas e que utilizem a mesma insígnia – artigo 3.º, n.º 5 da Portaria nº 215/2012: considera-se «grupo» o conjunto de empresas que, embora juridicamente distintas, mantêm entre si laços de interdependência ou subordinação decorrentes da utilização da mesma insígnia ou de direitos ou poderes, nos termos previstos na alínea o) do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 21/2009, de 19 de Janeiro” destaque e sublinhado nosso.

Mais importa relevar que, o sentido supra expendido encontra-se firmado, plenamente plausível e iterado tendo, como já evidenciado anteriormente e ora se reitera, sido objeto de diversas decisões de não admissão de Recursos de Revista, destacando-se a já antes citada e vertida no processo nº 559/20, datado de 08 de março de 2023, com o teor que infra se transcreve, na parte que para os autos releva:

“Embora a recorrente reclame a intervenção deste STA “para melhor aplicação do Direito”, alegando que é errado o entendimento do conceito de “grupo” para efeitos da Portaria n.º 215/12 adoptado pelas instâncias, que «a decisão recorrida demonstra também um total desrespeito pelas regras de repartição do ónus da prova no processo tributário, sendo tal violação de evidente gravidade», e que incorreu «num erro grosseiro no que à aplicação do direito diz respeito, tendo proferido uma decisão desabridamente ilógica e ostensivamente incorreta», certo é que o TCA Norte decidiu a questão em plena sintonia com a jurisprudência deste STA, que o acórdão do TCAN cita expressamente na sentença recorrida (cfr. Acórdãos de 22 de maio de 2019. proc. 0418/14 e de 2 de dezembro de 2020, proc. n.º 660/14.5BECBR).

Não se concede que a jurisprudência adoptada não seja, pelo menos, plenamente plausível, sendo que é aquela que este STA tem uniformemente seguido e ainda muito recentemente reiterou – cfr. o Acórdão de 9 de março de 2022, proc. n.º 416/14.5BECBR.

Pelo exposto, não se vê razão que fundamente ou justifique a admissão do recurso, que não será admitido, de harmonia, aliás, com os outros recursos de revista em que idêntica questão se colocou (Acórdãos de 23 de março de 2022, processo n.º 1884/19.4BEBRG e de 1 de março de 2023, processo n.º 1878.19.0BEBRG).”

Ora, face ao exposto, atenta a similitude fático-jurídica, aderimos, na íntegra, à fundamentação jurídica supra expendida, carecendo, assim, de relevo o aduzido quanto à concreta autonomia concernente à gestão comercial e do seu negócio, e bem assim quanto ao facto de, alegadamente, a C… não ser, nem nunca ter sido a fonte exclusiva de abastecimento das lojas.

E, no mesmo sentido se concluirá no atinente à existência de um contrato de franquia e todos os pressupostos e cominações daí dimanantes, na medida em que, como visto, a qualificação jurídica de “grupo” não tem o alcance e almejo que lhe é conferido pela Recorrente, sendo que, in casu, ocorre, efetivamente, a utilização da insígnia integrando, outrossim, uma Cooperativa.

Conclui-se, assim, que a decisão recorrida não padece dos erros de julgamento que lhe são assacados, devendo, por isso ser mantida.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 04 de abril de 2024

(Patrícia Manuel Pires)

(Tânia Meireles da Cunha)

(Rui dos Santos Ferreira)