Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:69/18.1 BCLSB
Secção:CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
Data do Acordão:09/20/2018
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores: ARBITRAGEM JURÍDICA FORÇADA
CONDUTA ANTIDOPAGEM
Sumário:I - Constitui violação das normas antidopagem por parte dos praticantes desportivos ou do seu pessoal de apoio, consoante o caso, a fuga, a recusa, a resistência ou a falta sem justificação válida a submeter -se a um controlo de dopagem, em competição ou fora de competição, após a notificação.

II - O desportista não pode ausentar-se do procedimento de controlo, salvo a ocorrência de um caso concreto que seja justificação legítima, isto é, caso de força maior.

III - O desportista notificado do início do procedimento deve manter-se presente e sob vigilância até ser obtida a amostra, o que visa exclusivamente impedir a possibilidade de o desportista desvirtuar a amostra a ser obtida.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Processo nº 69/18…; RECURSO DE DECISÃO ARBITRAL COLEGIAL
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ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO
R…… interpôs no Tribunal Arbitral do Desporto a presente ação administrativa impugnatória (“recurso”) contra U.V.P. - FPC, sendo contra-interessada AUTORIDADE ANTIDOPAGEM DE PORTUGAL.
A pretensão formulada foi a seguinte:
- anulação da decisão proferida e notificada em 14 de Dezembro de 2017 pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Ciclismo no Processo Disciplinar n.º ……_UVP/FPC, que aplicou ao autor a sanção de suspensão por quatro anos, acrescido de anulação do resultado obtido no Campeonato Nacional DHI, invalidação dos resultados posteriores a 18 de Junho de 2017 e aplicação de multa no montante de € 500,00, por violação do disposto na al. d) do n.º2 do Art.º 3º da Lei 38/2012 de 28 de Agosto, na atual redação que lhe foi dada pela Lei 93/2015 de 13 de Agosto (fuga ou falta sem justificação válida a Controlo de Dopagem).
Após a discussão da causa, o TAD decidiu alterar a pena do Demandante de 4 anos para 1 ano de suspensão de toda a atividade desportiva, absolvendo o autor do demais.
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Inconformado com tal decisão arbitral, o autor interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
A. Sinteticamente, a quaestio decidendi consiste em saber se os atos praticados pelos elementos da Autoridade Antidopagem Portuguesa cumpriram os requisitos exigidos pela Norma Internacional para Controlo e Investigações a partir do momento em que o recorrente (Rte.) foi selecionado para o controlo antidopagem.
B. Consequentemente, no incumprimento de tais requisitos, que consequências jurídicas deverão ser retiradas e qual o eco dessas consequências na vida desportiva do Rte.
C. Todos os factos alegados pelo Rte. foram dados como provados, o douto Tribunal apenas entendeu que existem factos, que apesar de provados, não têm interesse para o processo (ponto 5.2 da decisão).
D. A estes factos deveremos ainda aduzir aqueles oriundos das declarações de parte para além das declarações da testemunha J…… .
E. Em face da factualidade dada como provada, é matéria assente que existiram requisitos que não foram cumpridos no que concerne às formalidades essenciais do processo de controlo antidopagem.
F. É também certo que a decisão não se pronuncia sobre tal preterição de formalidades essenciais.
G. O douto Tribunal motiva a sua decisão, sob o ponto de vista do Direito, com o preceituado no artigo 3, n 2, alínea d), da LAD que reza assim: "A fuga, a recusa, a resistência ou a falta sem justificação válida a submeter-se a um controlo de dopagem, em competição ou fora de competição, após notificação;" Fim de citação, negrito da nossa autoria.
H. Esta regra, porém, é exatamente a regra que deveria absolver o Rte., porque in casu, existe de facto justificação válida.
I. A LAD, no seu n.º 1 do artigo 33º, determina que as ações de controlo antidopagem se executam de acordo com o regulamento previsto no artigo 12.º do mesmo diploma legal.
J. Por sua vez o artigo 12º remete-nos para o regulamento de controlo de dopagem da Federação Portuguesa de Ciclismo (FPC).
K. Para além deste regulamento e por remissão do art. 32.º, n.º 5 da LAD deveremos ter em consideração a Norma Internacional de Controlo e Investigação da AMA (Código Mundial Antidopagem).
L. O artigo 31.º, n.º 1 do aludido Regulamento não foi cumprido por responsabilidade exclusiva da ADOP.
M. Para além do incumprimento da norma regulamentar apontada, por remissão do art. 32.º, nº 5 da LAD, ter-se-á que aplicar ao caso em concreto a Norma Internacional de Controlo e Investigação da AMA;
N. Aplicando-a, infere-se desde logo a preterição de regras, que toldam o procedimento de modo decisivo.
O. Desde logo, o preceituado no ponto 5.4.1, alínea c), alínea d), subalínea ii, alínea e, subalínea i), alínea i), ponto 5.4.2, alínea a):
"5.4.1 Quando é estabelecido o contacto inicial, a Autoridade de Recolha de Amostras, RCD ou Auxiliar de Controlo de Dopagem, conforme aplicável, deve garantir que o Praticante Desportivo e/ou terceiros (se exigido de acordo com o Artigo 5.3.8) é informado: (...)
c) Quanto ao tipo de Recolha de Amostras e quaisquer condições que têm de ser cumpridas antes da Recolha de Amostras;
d) Quanto aos direitos do Praticante Desportivo, incluindo o direito a: (…)
ii. Solicitar informação adicional sobre o processo de Recolha de Amostras;
e) Quanto às responsabilidades do Praticante Desportivo, incluindo os requisitos de:
i. Permanecer sob observação direta do RCD/Auxiliar de Controlo de Dopagem desde o primeiro contacto inicial realizado pelo RCD/Auxiliar de Controlo de Dopagem até terminar o procedimento de Recolha da Amostra;
i) Que qualquer Amostra de urina fornecida pelo Praticante Desportivo ao Pessoal Encarregue da Recolha de Amostras deve ser a primeira urina entregue pelo Praticante Desportivo após a notificação, por exemplo, que deve evitar urinar no duche, ou de outro modo, antes de fornecer uma Amostra ao Pessoal Encarregue da Recolha de Amostras.
5.4.2 Quando é estabelecido contacto, o RCD/Auxiliar de Controlo de Dopagem deve:
a) Desde o momento desse contacto até ao momento em que o Praticante Desportivo sai da Estação de Controlo de Dopagem após a conclusão da sua Sessão de Recolha de Amostras, manter o Praticante Desportivo continuamente sob observação;"
P. Comprovadamente, todas as ut supracitadas formalidades destacadas a negrito foram preteridas.
Q. O Rte. não teve qualquer possibilidade de exigir os seus direitos (5.4.1 alínea e)), como também foi incapaz de cumprir com as suas obrigações, desde logo o ponto 5.4.1. alínea i), uma vez que em face das condições já descritas seria impossível ao Rte. não se hidratar e em face disso, seria impossível não excretar líquidos no hiato temporal ocorrido até serem novamente chamados pelo Comissário.
R. O procedimento mostrava-se toldado na fase de pré-recolha das amostras e tal facto afetaria de modo decisivo a fase de recolha. Senão vejamos:
S. Analisando o art. 7º da Norma Internacional de Controlo e Investigação da AMA verificamos que:
a. A recolha de amostras não poderia decorrer de forma a garantir a integridade, das Amostras e também não foi respeitada a dignidade do Praticante Desportivo (art.7.1);
b. Como constatámos, não houve qualquer preparação para a recolha da amostra (art. 7.2);
c. O Rte. não foi informado dos seus direitos e responsabilidades especificados no Artigo 5.4.1 (7.3.2);
d. O Rte. ingeriu líquidas sem qualquer acompanhamento, não havendo qualquer controlo sob o excesso de hidratação, uma vez que tal situação interfere na Amostra fornecida dado que esta deve respeitar o requisito da Gravidade Específica Adequada para Análise (Art. 7.3.3).
e. O Rte. apenas poderia abandonar a Estação de Controlo de Dopagem sob contínua observação do RCD ou de um Auxiliar de Controlo de Dopagem e com autorização do RCD (Art. 7.3.4).
f. Antes de o Comissário ter deixado o Rte. sem acompanhamento, aquele deveria ter discutido com o Rte. as seguintes informações e condições para o efeito (Art.7.3.5):
i. O motivo do abandono da Estação de Controlo de Dopagem pelo Rte.
ii. A hora de regresso (ou o regresso apôs o final da atividade acordada);
iii. O Rte. deveria permanecer sob observação constante durante o abandono;
ív. O Praticante Desportivo não deveria urinar até ao seu regresso à Estação de Controlo de Dopagem;
T. Também comprovadamente todas as ut supracitadas formalidades foram preteridas.
U. Como consequência dos vícios comprovadamente verificados, o procedimento em causa estará viciado quanto à forma;
V. Ou por inobservância da forma legal ou por incumprimento das formalidades essenciais.
W. Estão em causa vícios formais, cujos atos careceram em absoluto de forma legal e que gerarão a nulidade, ou então foram preteridas formalidades essenciais anteriores à prática do ato e gerar-se-á a anulabilidade.
X. Se considerarmos as faltas apontados em como consubstanciantes de um verdadeiro direito fundamental, a preterição gerará a nulidade do ato.
Y. Os elementos formais que foram preteridos eram indispensáveis para que se constituísse devidamente o ato administrativo, desde logo, o respeito pelo requisito da Gravidade Específica Adequada para Análise, pelo que tais elementos seriam sempre essenciais, afastando-se assim a mera irregularidade.
Z. Entendemos, portanto, que os vicias apontados no caso concreto, hão-de sempre fazer falecer o controlo antidoping ocorrido em L…. M… S… H…. no dia 18 de Junho de 2017, por via da nulidade ou da anulabilidade, dependendo naturalmente da interpretação que se queira atribuir ao grau de severidade no concernente à inobservância da forma.
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A recorrida UVP contra-alegou, concluindo assim:

[TEXTO INTEGRAL]
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Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.
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DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:
Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso (cf. artigos 144º/2 e 146/4 do CPTA, artigos 5º, 608º/2, 635º/4/5, e 639º do CPC/2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA), alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas. Sem prejuízo das especificidades do contencioso administrativo (cf. artigos 73º/4, 141º/2/3, 143º e 146º/1/3 do CPTA).
Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou a anule - isto no sentido muito amplo utilizado no CPC, deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, desde que se mostrem reunidos nos autos os pressupostos e condições legalmente exigidos para o efeito.
Assim, as questões a resolver neste recurso - contra a decisão recorrida – são as identificadas no ponto II.2, onde as apreciaremos.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – FACTOS PROVADOS
1. O Demandante é ciclista amador, titular da licença nacional n.º …., emitida pela UVP-FPC, para a época de 2017.
2. O Demandante representa o clube "B…." e a equipa "M.C.F. /XDream/Município de São B...".
3. No dia 18.06.2017 o Demandante participou na prova designada "Campeonato Nacional de DHI", que teve lugar em Tarouca.
4. No final da prova, por volta das 15h00, o Demandante e restantes indivíduos que seriam sujeitos a controlo foram notificados de que estavam selecionados para serem submetidos a controlo antidopagem.
5. O Demandante, juntamente com os restantes atletas selecionados para o controlo deslocaram-se com o Comissário Antidoping numa carrinha de caixa aberta até ao paddock, onde estava situado o posto de controlo, que ficava no cimo do M… S… H…. , junto ao secretariado.
6. Chegados ao local do controlo, o Inspetor Antidoping abandonou os atletas para ir procurar a médica, que se havia perdido.
7. O Demandante aguardou no local durante um período não concretamente apurado, mas entre 15 e 45 minutos, sem estarem acompanhados de qualquer escolta/ chaperon.
8. Nesse período o Demandante deslocou-se à tenda do secretariado e questionou ao Sr. T…….., que aí se encontrava, sobre onde estar ia o Inspetor Antidoping, sendo que este lhe respondeu não saber.
9. Após um período de espera não concretamente determinado, e pelo facto de os atletas ainda terem de se desequipar, guardar todo o equipamento nas suas carrinhas e voltar para o Algarve, o Demandante abandonou o posto de controlo.
10. Cerca das 16:30, o Inspetor Antidoping deu início à submissão dos atletas selecionados ao controlo antidopagem.
11. Quando o Inspetor Antidoping interpelou o Demandante, para que se submetesse a controlo, este recusou-se, alegando que depois de ter esperado todo aquele tempo sem escolta, não reconhecia autoridade ao Comissário Antidoping para o levar onde quer que fosse e, por isso, entendendo que as normas regulamentares não tinham sido cumpridas.
12. O Demandante venceu as provas nas quais participou, pelo que subiu ao pódio durante a cerimónia protocolar.
13. Cerca de 40 minutos após a cerimónia protocolar, quando o Demandante se encontrava pronto para ir embora do local da prova, o Inspetor Antidoping voltou a interpelá-lo, solicitando-lhe que se dirigisse ao posto de controlo para proceder à recolha das amostras para análise.
14. O Demandante voltou a recusar-se, argumentando que haviam passado já três horas desde que havia terminado a prova, que os regulamentos não tinham sido cumpridos e, ademais, que já tinham tudo pronto para seguir viagem ao Algarve, onde iria chegar já noite dentro.
15. O Demandante não se submeteu ao controlo antidopagem.
16. Contrariamente ao habitual, o Comissário Antidoping não acordou com o Comissário Internacional da UCI presente na prova, se o controlo se realizaria antes ou depois da cerimónia protocolar.
17. Contrariamente ao habitual, o Demandante não foi vigiado por quaisquer chaperons/escoltas.
18. O Demandante agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que com a sua atuação impedia a realização do controlo e, desta forma, violava o dever legal e regulamentar de se submeter a controlo antidopagem para o qual estava convocado.
19. O Demandante nunca foi condenado em processo disciplinar.
20. O Demandante é enfermeiro de profissão e iniciou recentemente negócios, nomeadamente um café, uma loja de bicicletas e uma rent a bike, pelo que não consegue fazer poupanças mensais.
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II.2 – APRECIAÇÃO DO RECURSO
São as seguintes AS QUESTÕES A RESOLVER contra a decisão arbitral colegial ora impugnada:
- Omissão de pronúncia sobre as formalidades essenciais do processo antidopagem abaixo referidas;
- Erro de direito na aplicação dos artigos 3º/2-d), 12º, 33º/1 e 32º/5 da Lei Antidopagem, com referência ao art. 7º da “Norma Internacional de Controlo e Investigação da AMA” (e nº 5.4.1. e nº 5.4.2.).
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1)
É manifesto que o TAD apreciou aquilo a que, por referência ao quase-Direito da “Norma Internacional de Controlo e Investigação da AMA”, o recorrente considera Direito e formalidades essenciais, e a que abaixo nos refiremos. Veja-se o teor das pp. 29 e 33-34 da decisão arbitral (“as circunstâncias em que a infração ocorreu).
Não sendo Direito a cit. “Norma Internacional de Controlo e Investigação da AMA”, nem formalidades essenciais (legais), o TAD não tinha sequer de abordar o tema. Mas o TAD fê-lo implicitamente nas cits. pp. 29 e 33-34 da decisão arbitral.
Pelo que não existe a nulidade decisória prevista no artigo 615º/1-d) do CPC.
2)
Passemos, agora, à análise do recurso contra a decisão arbitral colegial emitida em sede de arbitragem jurídica forçada por lei.
Temos presente tudo o que já expusemos, bem como: (1º) que o Direito – tendo uma dimensão real-social e uma dimensão ideal de justiça - é uma ciência social da decisão que se refere a um conjunto de regras e princípios jurídicos, ordenado em função de um ou mais pontos de vista (sistema), sendo o ordenamento jurídico um sistema social (no sentido do jurista e sociólogo N. Luhmann[1] um sistema da sociedade moderna, funcionalmente diferenciado, autopoiético, coerente e racional, cuja função é manter estáveis as expectativas socio-normativas independentemente da sua eventual violação), mas um sistema aberto e alterável, nomeadamente, através de novos objetivos políticos e do acoplamento estrutural entre sistemas sociais; (2º) que há uma correta metodologia jurídica para decidir processos jurisdicionais (cf. artigos 1º a 3º, 9º, 110º/1, 112º, 202º/1/2, 203º e 204º da CRP e artigos 10º, 342º e 343º do CC); (3º) que são nucleares o princípio estruturante da dignidade da pessoa humana (cf. artigo 1º da CRP), o princípio estruturante do Estado democrático e social de Direito (cf. artigo 2º da CRP), o princípio formal da segurança jurídica (cf. artigos 1º e 2º da CRP), o princípio jurídico geral e máxima metódica da igualdade sujeita ao dever de fundamentação dos argumento racionais (cf. artigo 13º da CRP) e a máxima metódica da proporcionalidade fora das vinculações jurídicas estritas, sujeita ao dever de fundamentação dos argumentos racionais[2] (cf. artigos 1º, 2º e 18º/2 da CRP); destaca-se ainda, nesta Jurisdição, o princípio jurídico geral da prossecução do interesse coletivo (bem comum) por parte das atividades de administração pública (cf. artigos 266º e 268º/3/4 da CRP)[3].
A)
A Lei Antidopagem atual (Lei nº 38/2012, alt. pela Lei nº 93/2015) prevê no seu artigo 3º/2-d) o seguinte:
- Constitui violação das normas antidopagem por parte dos praticantes desportivos ou do seu pessoal de apoio, consoante o caso, a fuga, a recusa, a resistência ou a falta sem justificação válida a submeter -se a um controlo de dopagem, em competição ou fora de competição, após a notificação.
Esta é a disposição legal que contém o tipo legal de infração disciplinar aqui em causa. E também aquela invocada em seu favor pelo recorrente.
O recorrente fala em “justificação válida” (que parece ser a cronologia descrita nos factos provados nº 6 a nº 15 e nº 18).
Tal justificação parece ser a alegada violação de formalidades essenciais: chegados ao local do controlo, o Inspetor Antidoping abandonou os atletas para ir procurar a médica, que se havia perdido; o Demandante aguardou no local durante um período não concretamente apurado mas entre 15 e 45 minutos, sem estarem acompanhados de qualquer escolta/ chaperon; nesse período o Demandante deslocou-se à tenda do secretariado e questionou ao Sr. T…., que aí se encontrava, sobre onde estar ia o Inspetor Antidoping, sendo que este lhe respondeu não saber; após um período de espera não concretamente determinado, e pelo facto dos atletas ainda terem de se desequipar, guardar todo o equipamento nas suas carrinhas e voltar para o Algarve, o Demandante abandonou o posto de controlo; cerca das 16:30, o Inspetor Antidoping deu início à submissão dos atletas selecionados ao controlo antidopagem; quando o Inspetor Antidoping interpelou o Demandante, para que se submetesse a controlo, este recusou-se, alegando que depois de ter esperado todo aquele tempo sem escolta, não reconhecia autoridade ao Comissário Antidoping para o levar onde quer que fosse e, por isso, entendendo que as normas regulamentares não tinham sido cumpridas.
B)
Por sua vez, a Portaria nº 11/2013 (Aprova as normas de execução regulamentar da Lei n.º 38/2012, de 28 de agosto, que estabelece o regime jurídico da luta contra a dopagem no desporto) prevê os seguintes passos:
1º - notificação do desportista para a ação de controlo antidopagem (artigo 18º);
2º - comparência obrigatória do desportista no controlo (artigo 19º a artigo 21º);
3º - colheita de amostras do corpo do desportista (artigo 22º);
4º - transporte das amostras recolhidas (artigo 27º);
5º - realização de exames laboratoriais (artigo 28º).
C)
O recorrente refere ainda um quase-Direito (soft law; orientações jurídicas internas não legais), que, obviamente, não se sobrepõe à legislação portuguesa. É a “Norma Internacional para Controlo e Investigações da Agência Mundial Antidopagem”.
De tal “Norma” o recorrente destaca:
- Quando é estabelecido o contacto inicial, a Autoridade de Recolha de Amostras, RCD ou Auxiliar de Controlo de Dopagem, conforme aplicável, deve garantir que o Praticante Desportivo e/ou terceiros (se exigido de acordo com o Artigo 5.3.8) é informado:
a) De que o Praticante Desportivo é solicitado a submeter-se a uma Recolha de Amostras;
d) Quanto aos direitos do Praticante Desportivo, incluindo o direito a Solicitar informação adicional sobre o processo de Recolha de Amostras;
e) Quanto às responsabilidades do Praticante Desportivo, incluindo os requisitos de Permanecer sob observação direta do RCD/Auxiliar de Controlo de Dopagem desde o primeiro contacto inicial realizado pelo RCD/Auxiliar de Controlo de Dopagem até terminar o procedimento de Recolha da Amostra;
i) Que qualquer Amostra de urina fornecida pelo Praticante Desportivo ao Pessoal Encarregue da Recolha de Amostras deve ser a primeira urina entregue pelo Praticante Desportivo após a notificação, por exemplo, que deve evitar urinar no duche, ou de outro modo, antes de fornecer uma Amostra ao Pessoal Encarregue da Recolha de Amostras;
- Quando é estabelecido contacto, o RCD/Auxiliar de Controlo de Dopagem deve: a) Desde o momento desse contacto até ao momento em que o Praticante Desportivo sai da Estação de Controlo de Dopagem após a conclusão da sua Sessão de Recolha de Amostras, manter o Praticante Desportivo continuamente sob observação.
D)
Porém, tal quase-Direito (orientações não legais internas) prevê, no seu artigo 7.3.4, que o Praticante Desportivo apenas poderá abandonar a Estação de Controlo de Dopagem sob contínua observação do RCD ou de um Auxiliar de Controlo de Dopagem e com autorização do RCD. O RCD deve atender a qualquer pedido razoável do Praticante Desportivo para abandonar a Estação de Controlo de Dopagem, conforme previsto nos Artigos 5.4.4, 5.4.5 e 5.4.6, até que o Praticante Desportivo esteja pronto para fornecer a Amostra.
E)
Ora, não há dúvidas de que o ora recorrente faltou a submeter -se a um controlo de dopagem, em competição ou fora de competição, após a notificação.
E já vimos como e porquê: “chegados ao local do controlo, o Inspetor Antidoping abandonou os atletas para ir procurar a médica, que se havia perdido; o Demandante aguardou no local durante um período não concretamente apurado mas entre 15 e 45 minutos, sem estarem acompanhados de qualquer escolta/ chaperon; nesse período o Demandante deslocou-se à tenda do secretariado e questionou ao Sr. T……., que aí se encontrava, sobre onde estar ia o Inspetor Antidoping, sendo que este lhe respondeu não saber; após um período de espera não concretamente determinado, e pelo facto dos atletas ainda terem de se desequipar, guardar todo o equipamento nas suas carrinhas e voltar para o Algarve, o Demandante abandonou o posto de controlo; cerca das 16:30, o Inspetor Antidoping deu início à submissão dos atletas selecionados ao controlo antidopagem; quando o Inspetor Antidoping interpelou o Demandante, para que se submetesse a controlo, este recusou-se, alegando que depois de ter esperado todo aquele tempo sem escolta, não reconhecia autoridade ao Comissário Antidoping para o levar onde quer que fosse e, por isso, entendendo que as normas regulamentares não tinham sido cumpridas”.
Há ali justificação legítima, à luz do Direito português?
Respondamos.
Esperar algum tempo, não se sabe quanto, pelo controlo antidoping cujo procedimento formal já tinha sido iniciado (com a notificação); não querer chegar tarde a casa; não reconhecer autoridade ao Comissário Antidoping para “o levar onde quer que fosse” para fazer o controlo: não são motivos minimamente razoáveis para o desportista visado se recusar a permanecer no procedimento de controlo antidoping, procedimento já iniciado com a notificação do ora recorrente.
Finalmente, sublinhe-se que (i) as orientações da citada “Norma” vão no mesmo sentido (ver nº 7.3.4.). E (ii) nada do mais referido nessas orientações internas da A.M.A. se mostra minimamente beliscado contra o ora recorrente. Nenhuma formalidade (legal) foi preterida pelo réu e pela c-i.
Portanto, o essencial do Direito objetivo referido e das orientações (soft law) referidas é, portanto, que:
- o desportista não pode ausentar-se do procedimento de controlo, salvo a ocorrência de um caso concreto que seja justificação legítima, isto é, caso de força maior; caso aqui inexistente;
- o desportista notificado do início do procedimento deve manter-se presente e sob vigilância até ser obtida a amostra, o que, obviamente, visa impedir a possibilidade de o desportista desvirtuar a amostra a ser obtida; aliás, sem visar proteger qualquer direito ou interesse do desportista.
Em conclusão: a decisão arbitral colegial impugnada respeitou o artigo 3º/2-d) da LAD; no procedimento de controlo antidopagem cit., a que o ora recorrente se furtou pelos “motivos” referidos, não ocorreu qualquer facto violador de direitos e interesses legítimos do recorrente nem qualquer caso de força maior para a recusa do recorrente em se submeter ao controlo.
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III - DECISÃO
Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, por ser manifestamente improcedente.
Custas a cargo do recorrente.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 20-09-2018
Paulo H. Pereira Gouveia – Relator
Catarina Jarmela
Helena Canelas

[1]Das Recht der Gesellschaft, Frankfurt, Suhrkamp, 1993, ou Law as a Social System, Oxford, Oxford University Press, 2004. Rechtssoziologie, 2ª edição, Opladen, Westdeutscher Verlag, 1983.
[2]Ou seja, (i) aptidão finalística da medida ou decisão pública: adequação; (ii) indispensabilidade dessa medida ou decisão pública: necessidade; e (iii) equilíbrio, racionalidade e razoabilidade da decisão pública, ou “justa medida”: proporcionalidade em sentido estrito.
[3] Isto, porém, num contexto em que uma pluralidade não harmonizada de preceitos normativos sobre a mesma matéria é cada vez mais frequente, em detrimento da segurança jurídica.