Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2947/12.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/22/2023
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO – REVERSÃO – ARTIGO 24.º N.º 1 ALÍNEA A) DA LGT
CONFIRMAÇÃO DA GERÊNCIA DE FACTO
FACTUALIDADE PROVADA EM PROCESSO DE ARRESTO DE BENS DA SOCIEDADE EXECUTADA
Sumário:I - Na providência cautelar de arresto de bens (artigo 136.º do CPPT), apenas se impõe ao requerente do mesmo a alegação dos factos demonstrativos da probabilidade da existência da dívida, bem como o receio de perda da garantia patrimonial, sendo que quanto ao arresto dos bens do responsável subsidiário exige-se ainda que se verifiquem os pressupostos exigidos por lei para poder ordenar-se contra o responsável subsidiário a reversão da execução, não se exigindo a demonstração da efetivação dessa responsabilidade já que ela só pode ser efetivada em sede de execução após prolação do despacho de reversão.
II - Acresce referir, que a decisão deste tipo de providência não constitui, em si uma sentença, já que o pedido de arresto não tem a estrutura de uma causa, por falta de audição da parte contrária (artigo 152.º n.º 2 do CPC).
III - A exigência probatória ao nível da fundamentação factual é inferior àquela que se exigiria de uma decisão proferida sem este enquadramento, tornando-se, para nós, óbvio que não podemos considerar, como pretende a recorrente que ali (na decisão do processo de arresto) se encontra confirmado exercício da gerência de facto por parte da oponente.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

A......, melhor identificado nos autos, veio, na qualidade de responsável subsidiário, deduzir OPOSIÇÃO judicial, à execução fiscal n.º …13, contra si revertida, por dividas da sociedade devedora originária «AJ......, Lda.», referentes a IVA do exercício de 2007 e respetivos juros, na importância global de €2.946,33.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença de 31 de outubro de 2018, julgou procedente a oposição, por provada e, em consequência determinou a extinção da execução fiscal revertida contra a oponente.

Inconformada, a Fazenda Publica (FP), veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«4.1. Visa o presente recurso reagir contra a decisão que julgou procedente a Oposição judicial, intentada, pela ora recorrida contra execução fiscal com o processo n.º ......13, instaurados por dívida de IVA, dívida essa relativa ao ano de 2007, contra a sociedade comercial “AJ......, Lda.”, divida essas posteriormente revertida na ora oponente, no montante total de 2.946,33 €, mais se determinando, na sentença ora em crise, a extinção da execução fiscal n.º ......13.

4.2. Como fundamentos da oposição invocou a oponente no seu petitório inicial, em suma:
- A nulidade da citação, por não lhe terem sido entregues os elementos essenciais da liquidação;
- A sua ilegitimidade para a execução, por falta de verificação do pressuposto da reversão relativa à sua gerência de facto na sociedade executada;
- A falta de notificação do relatório de inspecção;
- A falta de fundamentação do despacho de reversão, por não ter a Administração Tributária logrado provar, nesse despacho, a culpa da oponente pela insuficiência patrimonial da sociedade executada para solver a dívida tributária em questão;
- A inexistência da dívida exequenda.
Concluiu o seu articulado inicial peticionando a procedência da oposição, por provada, com a consequente declaração judicial de extinção da execução em questão.

4.3. O Ilustre Tribunal “a quo” julgou a procedente a presente oposição, considerando, para o efeito, e por um lado, que a Administração Tributária não logrou demonstrar o efectivo exercício da gerência da oponente na sociedade executada e, por outro lado, a falta de fundamentação do despacho de reversão em questão por não ter a Administração Tributária também feito prova da culpa da oponente pela insuficiência patrimonial da executada originária.

No entanto,

4.4. A decisão ora recorrida, não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub-judice.

Senão vejamos:

A) Da falta de prova da gerência de facto da oponente na executada originária:

4.5. Concluiu o Ilustre Tribunal a quo, na decisão ora recorrida, e em suma, que “… não obstante a prática dos actos (alegados pela AT, alguns deles não provados) a oponente não exerceu quaisquer funções de gerência efectiva da devedora originária no período abrangido pelo despacho de reversão, e logo não pode manter-se.”.

4.6. É entendimento da Representação da Fazenda Pública, com o devido respeito e salvo melhor entendimento, que mal andou o Ilustre Tribunal a quo ao decidir a oposição nos termos em que o fez, considerando a Fazenda Pública que, in casu, a Administração Tributária logrou, de forma concludente e contundente, sem margem para qualquer resquício de dúvida, o efectivo exercício da gerência da oponente na sociedade executada, durante tanto o período da constituição da dívida tributária em questão como no terminus do legal prazo para o cumprimento voluntário da mesma.

Vejamos:

1. Dos factos tidos por provados no âmbito do processo judicial n.º 693/11.3BELRS, do Tribunal Tributário de Lisboa:

4.7. Para além dos factos provados no âmbito do processo de arresto n.º 693/11.3BELRS, e referidos pelo Ilustre Tribunal ora recorridos, que “i) – que a sociedade foi constituída por dois sócios: J...... e A......;”, e que “ii) – a forma de obrigar a sociedade sempre correspondeu à intervenção necessária de qualquer um dos sócios”, do decisório em questão ficou provado que:
- Ambos os requeridos, J...... e A......, durante os anos de 2007 e 2008, assinaram, como representantes da AJ......, Lda., inúmeros documentos bancários, designadamente ordens de transferência, depósitos bancários e levantamentos – cfr. fls. 40 a 58 dos autos;
- Em 25/10/2010, o requerido, J......, prestou informações aos serviços de inspecção tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, no âmbito das ordens de serviço nºs ….82 e …..83, na sua qualidade de sócio-gerente da AJ......, Lda., tendo aí afirmado, além do mais, que nos anos de 2007 e 2008 foi sócio gerente da referida sociedade, o mesmo sucedendo relativamente à aqui requerida, A...... – cfr. fls. 67 e 68 dos autos.

4.8. A sentença ora em crise não considerou estes factos como assentes.

4.9. No entanto, entende a Fazenda Pública que os referidos factos tidos por provados no âmbito do processo judicial n.º 693/11.3BELRS afiguram-se de suma importância para a devida e correcta decisão dos presentes autos, pois tais factos relatam circunstâncias que contendem com prova da gerência de facto da ora recorrida na sociedade executada.

4.10. Ao assim o não considerar, o Ilustre Tribunal a quo incorreu em erro no julgamento da matéria de facto, violando assim, com o devido respeito a s.m.o., o disposto nos n.º 4 e 5 do artigo 607.º do CPC, ora aplicáveis por força do disposto na al. e) do artigo 2.º do CPPT.

4.11. pelo que, nos termos do disposto nos artigos 640.º e 662.º, n.º 1, do CPC, aplicáveis nos termos do disposto na al. e) do artigo 2.º do CPPT, deve haver lugar à modificação da decisão da matéria de facto constante da sentença em crise, julgando-se provado o facto que na sentença proferida no âmbito do processo de arresto n.º 693/11.3BELRS, deu-se como provados os factos constantes dos pontos 15) e 17) da matéria factual tida por assente nesse decisório, ampliando-se o ponto E) dos factos provados constantes da sentença ora recorrida.

2. Do facto tido por provado constante do ponto R) dos factos assentes (A oponente deixava os cheques assinados):

4.12. De acordo com os depoimentos das testemunhas inquiridas nos autos – depoimentos esses que foram determinantes para o Ilustre Tribunal ora recorrido formar a sua convicção acerca do facto provado constante do referido ponto R) dos factos assentes – a oponente “deixava os cheques assinados”, sendo certo que a testemunha C...... “chegou a ver cheques assinados pela C......” (a oponente).

4.13. Entende a Fazenda Pública que o ponto R) dos factos tidos por provados, constantes da sentença em apreciação, encontra-se incompleto, aí devendo ter sido dado por assente que a oponente assinou, em nome e representação da sociedade AJ......, Lda., cheques e nesta os deixou.

4.14. Razão pela qual, com o devido respeito e salvo melhor entendimento, considera a Fazenda Pública que o Ilustre Tribunal recorrido, ao assim não considerar, incorreu, igualmente, em erro de julgamento da matéria de facto, devendo, por isso, o referido ponto R) da matéria de facto assente ser, também ele e nos termos do disposto nos artigos 640.º e 662.º, n.º 1, do CPC, aplicáveis nos termos do disposto na al. e) do artigo 2.º do CPPT, ser modificado por este Colendo Tribunal Superior, ampliando-se o citado ponto R).

3. Do julgamento da matéria de facto:

4.15. Entende a Fazenda Pública, sempre com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, que, à revelia do considerado pelo Ilustre Tribunal a quo, dos autos de oposição existem outros elementos que, indubitavelmente, conduzem a uma conclusão diferente da colhida pelo Ilustre Tribunal recorrido, na sentença ora em crise, quanto à prova do facto de ter a oponente gerido de facto a sociedade executada.

4.16. Concretamente, foi oportunamente junto aos autos de oposição, pela Fazenda Pública, na sua contestação, a sentença proferida no âmbito do processo judicial de arresto n.º 693/11.3BELRS, e na qual ficou provado que “J...... e A......, durante os anos de 2007 e 2008, assinaram, como representantes da AJ......, Lda., inúmeros documentos bancários, designadamente ordens de transferência, depósitos bancários e levantamentos”, e que “Em 25/10/2010, o requerido, J......, prestou informações aos serviços de inspecção tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, no âmbito das ordens de serviço nºs …..82 e ……83, na sua qualidade de sócio-gerente da AJ......, Lda., tendo aí afirmado, além do mais, que nos anos de 2007 e 2008 foi sócio gerente da referida sociedade, o mesmo sucedendo relativamente à aqui requerida, A.......” – cfr. os pontos 15) e 17) da matéria de facto tida por provada na sentença proferida no citado processo judicial de arresto n.º 693/11.3BELRS, entretanto junta aos autos opositórios com a contestação nestes apresentada pela Fazenda Pública.

4.17. De acordo com a factualidade provada, relativa à assinatura de cheques por parte da oponente, em nome e em representação da sociedade executada, entende a Fazenda Pública, s.m.o., que a assinatura dos cheques em questão, inegavelmente, traduzem o exercício da gerência de facto da sociedade executada por parte da oponente.

4.18. É hoje jurisprudência corrente que a assinatura de documentos, em representação da sociedade comercial e no interesse desta, representa o autêntico exercício gerência/administração da sociedade executada, para os efeitos constantes do artigo 24.º da LGT.

4.19. Estes factos assentes, conjugados com outros factos – nomeadamente os constantes dos pontos 15) e 17) da matéria factual tida por assente no âmbito do processo judicial n.º 693/11.3BELRS, desconsiderados pelo Ilustre Tribunal a quo mas cuja sua inclusão na matéria de facto provada na presente oposição ora se requer – e circunstâncias, que interpretados de acordo com as regras de experiência comum e de normalidade de vida, inelutavelmente conduzem à conclusão que a oponente, ora recorrida, esteve à frente dos caminhos da sociedade executada.

4.20. Ao assim não o considerar na sentença ora em crise, o Ilustre Tribunal recorrido, no modesto entendimento da Fazenda Pública, sempre com o devido respeito e salvo melhor entendimento, incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, no respeitante à apreciação e valoração da prova, violando, assim, o disposto no n.º 4 do artigo 607.º do CPC, ora aplicável por força do disposto na al. e) do artigo 2.º do CPPT.

3.2. Da falta de fundamentação:

4.21. Considerou o Ilustre Tribunal a quo, na sentença ora recorrida, que “Atento o despacho de reversão verifica-se que a reversão foi efectuada ao abrigo do disposto na al a) do nº 1 do artº 24º da LGT”, concluindo que “No caso em apreço, a administração tributária não fez qualquer prova sobre a culpa da oponente na insuficiência do património da sociedade devedora originária, pelo que se conclui que o despacho de reversão carece de fundamentação.”.

4.22. entende a Fazenda Pública que o Ilustre Tribunal recorrido, com o devido respeito e s.m.e., também mal andou ao decidir conforme decidiu, uma vez que, e conforme é jurisprudência dominante, para a devida fundamentação formal da reversão apenas se exige que da mesma conste apenas a alegação dos pressupostos da reversão.

4.23. Da reversão ora em crise colhe-se que do despacho que a determinou consta a indicação dos pressupostos de que depende a reversão, bem como a verificação dos mesmos in casu.

Razão pela qual o despacho que determinou a reversão se encontra devidamente fundamentado, de facto e de direito, não contendo qualquer vício que o inquine de ilegalidade.

No entanto,

4.24. e no que à questão da culpa pela insuficiência patrimonial da sociedade executada diz respeito, sufragamos o entendimento adoptado na sentença proferida pelo Ilustre Tribunal tributário de Lisboa, no âmbito do processo de oposição n.º 2946/12.4BELRS, onde se considerou:

“Ora, na situação sub judice, as dividas foram revertidas ao abrigo da al. a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, ou seja face à imputação de ter sido por culpa dos revertidos que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação dos créditos fiscais, situação, no âmbito da qual, a Administração Fiscal goza de presunção legal, conseguinte não carece de fazer prova.

A presunção legal a que nos vimos referido, funciona aqui não só quanto á falta de pagamento da obrigação tributária, mas também quanto á atuação dos responsáveis subsidiários na direcção da pessoa colectiva, devedora originária, que terá conduzido à insuficiência do património da sociedade.

Assim e não tendo o Oponente sequer tentado afastar a presunção de culpa de modo a provar que não lhe pode ser imputada a falta de pagamento do imposto ou que não teve culpa na frustração do crédito fiscal, improcede, sem mais, também este argumento.”.

4.25. Ao assim o considerar na sentença ora em crise, conforme se considerou na sentença supra referida, o Ilustre Tribunal recorrido, no modesto entendimento da Fazenda Pública, sempre com o devido respeito e salvo melhor entendimento, incorreu em erro de julgamento quanto ao direito aplicável, violando, assim, o disposto nos artigos 24.º, n.º 1, al. a), da LGT, fazendo ainda uma errada interpretação e aplicação do disposto no referido artigo 24.º, n.º, al. a), da LGT.

Razão pela qual,

4.26. com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, deve ser revogada a decisão ora recorrida, no que concerne à procedência da oposição em questão, com as legais consequências daí decorrentes.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e costumada JUSTIÇA!»


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Notificada do recurso interposto, a recorrida apresentou contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões:

«A) A douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz julgou totalmente procedente a ação intentada e em consequência determinou a extinção do processo de execução fiscal em relação à Oponente;
B) A douta sentença centrou-se em dois pontos o não exercício de gerência de facto por parte da Oponente na sociedade devedora originária e a falta de fundamentação legalmente devida do despacho de reversão.
C) Incumbe à Administração Tributária comprovar a alegação de exercício efetivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício( al. A) do nº 1 do artigo 24º da LGT)
D) Incumbe à Administração Tributária comprovar a alegação de exercício efetivo do cargo e incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo (al. b) do nº 1 do artigo 24º da LGT)
E) Tendo a reversão sido concretizada ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 24º da LGT à Administração Tributária cabe fazer a prova do exercício do facto de gerência da oponente e de que foi culpa sua que o património societário se torna insuficiente para satisfazer as dívidas.
F) Resulta desse normativo que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente e reportada ao período do respetivo exercício. Ou seja, a gerência de facto, real e efetiva, constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo ou que se designa por gerência nominal ou de direito;
G) É sobre a Administração Tributária, enquanto titular do direito de reversão que recai o ónus de demonstrar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente da devedora originária e, nomeadamente, os factos integradores do efetivo exercício da gerência, de acordo com a regra geral de direito probatório segundo a qual, àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito que alega. (Artigos 342º nº 1 do Código Civil e 74º nº1 da LGT)
H) Com efeito, não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito, o efetivo exercício da função e que faça inverter o referido ónus de prova recai sobre a Administração Tributária, cumprindo salientar que da inscrição no registo comercial da nomeação de alguém como gerente apenas resulta a presunção legal de que o nomeado é gerente de direito, não de que exerce funções de gerência e só quem tem a seu favor uma presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz. (artigo 350º do Código Civil)
I) Temos também assente que é à Administração Fiscal enquanto exequente, como titular do direito de executar o património do responsável subsidiário que compete demonstrar os pressupostos da reversão, designadamente o efetivo exercício de facto da gerência.
J) A Administração Fiscal não logrou provar factos de vida real da empresa que permitam concluir que aquela pessoa controlava os desígnios da sociedade de forma clara e consciente.
K) Não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efetivo exercício o dessa função ou que faça inverter o ónus da prova que recai sobre a Administração Tributária.
L) Acontece que contrário ao alegado pela Recorrente dos factos provados não resultou que a Recorrida exerce as funções de gerente de facto muito pelo contrário, e mais em momento algum o órgão de execução fiscal não enunciou nenhum facto, ocorrência da vida real demonstrativo de que a Recorrida tivesse uma ação decisiva no desenvolvimento da atividade da sociedade devedora originária.
M) Certo é que tendo sempre presente a dúvida a respeito da efetividade da gerência a Opoente não aproveita à Fazenda Pública, que é a parte onerada com a prova desse facto, outra solução não resta ao presente Tribunal se não declarar que a Opoente não exerceu a gerência de facto da devedora originária, dando-se consequentemente como não verificado um dos pressupostos obrigatórios para a que a Opoente fosse revertida para a execução fiscal.
N) Concluiu o douto Tribunal Recorrido e bem que não se mostrando provado o pressuposto da alínea a) do nº 1 do artigo 24º da LGT verificou-se a ilegitimidade da Opoente para a execução quanto à dívida contra ela revertida nos termos do artigo 204 nº 1 al. b) do CPPT.
O) Nessa medida, reconheceu ainda o douto Tribunal recorrido que seria desnecessário conhecer dos restantes pressupostos da reversão e das demais alegações formuladas pela Opoente fase à ilegitimidade da Opoente para a execução quanto à dívida contra ela revertida.
P) No entanto, sempre se dirá que mesmo que o douto Tribunal recorrido não tivesse reconhecido e bem a ilegitimidade da Opoente sempre se diria que teria de ter em conta a falta de fundamentação do despacho de reversão por não se verificarem reunidos os pressupostos que se reportam o artigo 24º nº 1 da Lei Geral Tributária, já que também não foram ali referidos os factos em que se imputa a atuação culposa.
Q) Desde logo, não se encontra preenchida a culpa do responsável subsidiário no despacho de reversão.
R) Nem ficou demonstrada em audiência de julgamento a culpa do responsável subsidiário.
S) Ora, atento o despacho de reversão verifica-se que a reversão foi efetuada ao abrigo do disposto na al. a) do nº 1 do artigo 24º da LGT, como já havia sido referido.
T) Ora nos termos desta disposição legal, para que o gerente possa ser responsável subsidiariamente pela dívida exequenda, torna-se necessário que, em qualquer dos casos aí previstos, tenha sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento e a prova da culpa da insuficiência do património da sociedade recai sobre a administração tributária.
U) A Administração Tributária não fez qualquer prova sobre a culpa da ora oponente na insuficiência do património da sociedade devedora originária, pelo que se deverá concluir que o despacho de reversão carece de fundamentação.
V) Pelo que deverá se concluir que não se mostram preenchidos todos os requisitos para a reversão da execução, daí que tem de concluir-se que o aqui oponente também seria parte ilegítima na execução fiscal por inobservância de factos que demonstrem a culpa do oponente pela insuficiência do património.
W) As dívidas tributárias cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício (mas em que o gerente ou administrador já não exercia funções à data em que a dívida foi posta à cobrança) o administrador ou gerente é responsável se tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento. Neste caso, o ónus da prova da culpa também aqui recai sobre a Fazenda Pública.
X) Uma vez cessada a devedora originária por dissolução, se a administração tributária não demonstra que o revertido exercia as funções de gerência na data em que terminou o prazo de pagamento ou entrega de algumas dessas dívidas e que foi por culpa sua a insuficiência do património da devedora originária, tendo a dissolução da sociedade executada sido decretada antes dessa data, será aplicável o regime probatório previsto na alínea a) do nº 1 do art. 24º da Lei Geral Tributária.
Y) De salientar que a liquidação adicional de IVA do período de 2007, objeto dos presentes autos que tem por base relatório de inspeção que anula faturas de aquisição de bens e serviços por parte da empresa que já se encontrava cessada, mais precisamente dissolvida na data em que é notificada da liquidação adicional de IVA os seus gerentes de direito.
Z) Na previsão da al. a), do artº.24, nº.1, da Lei Geral Tributária, pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente.

TERMOS EM QUE, deve o recurso improceder, por não provado, mantendo-se a douta decisão judicial.

Vossas Excelências, porém, farão a tão costumada e esperada J U S T I Ç A»


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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º n. º1 do CPPT, veio oferecer o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Com dispensa dos vistos legais, vem os autos submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

2 - OBJETO DO RECURSO

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente a partir das alegações que definem, o objeto dos recursos que nos vêm submetidos e consequentemente o âmbito de intervenção do Tribunal “ad quem”, com ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua apreciação (cfr. artigos 639.º, do CPC e 282.º, do CPPT).

Na situação sub judice as questões suscitadas pela recorrente (FP) consistem em saber se a sentença padece de:
1. Erro de julgamento de facto por errónea apreciação da matéria de facto provada e se à luz da prova produzida, se mostra acertada a decisão recorrida, quanto à prova da gerência de facto por parte da oponente no período a constituição da dívida tributária bem como no términus do legal prazo para o cumprimento voluntário da mesma;
2. Erro de julgamento de direito, sendo a questão a de saber se, na situação em apreço se mostra violado, o disposto nos artigos 24.º, n.º 1, al. a), da LGT, por errada interpretação e aplicação do disposto no referido artigo 24.º, n.º, al. a), da LGT.

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3 - FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida considerou os seguintes factos provados:

«A) A sociedade A.... & C...... , Lda, constituída em 2006, tem por objecto social a recolha, triagem, valorização e comercialização de resíduos metálicos e não metálicos. Prestação de serviços inerentes. Recolha, triagem, valorização e comercialização de resíduos industriais banais. Transporte rodoviário de mercadorias, recolha e logística de todo o tipo de resíduos. Prestação de serviços inerentes ao transporte. Representação comercialização e aluguer de máquinas e equipamentos (fls 6, do PEF);

B) Resulta do registo de conservatória do Registo Comercial da sociedade identificada em A) para além de outros averbamentos os seguintes, com interesse para a decisão da causa:
Sócios e Quotas
Quota: 30.000,00 Euros
Titular: J......
(…).
Quota: 20.000,00 Euros
Titular: C......
(…).
Forma de obrigação/Órgãos sociais
Forma de obrigar: é necessária a intervenção de qualquer um dos sócios gerentes.
Órgão(s) Designados:
J......
C......
Data da deliberação: 20061019
(…).

C) Em cumprimento das Ordens de Serviços nºs ……82 e …..83 a sociedade identificada em A) foi sujeita a inspecção tributária aos exercícios de 2007 e 2008, tendo sido elaborado o relatório de inspecção tributária em 06-12-2010, junto a fls dos autos, cujo teor se dá por reproduzido e onde consta que foram efectuadas correcções meramente aritméticas ao nível do IRC, e ao nível do IVA a IT não aceitou as deduções, no montante de €2.625,00, das facturas emitidas a P...... Rodrigues (fls do RI);

D) Constando igualmente do RI e no campo IX – Direito de Audição:

“Foi o sujeito passivo AJ......., Lda, notificada do Projecto de Relatório da Inspecção Tributária para o exercício do direito de audição prévia, previsto no artº 60º da LGT e artº 60º do RCPIT, na pessoa do representante da cessação e dos sócios, (…).
Notificação efectuada à Sra A...... (…), na qualidade de sócia do sujeito passivo AJ......, Lda, por carta registada (RC 5868 1984 0PT), através do ofício 104 914 de 15-11-2010, para o seu domicílio fiscal na Rua Padre Joaquim Rebelo Santos, Bloco……, 2655-…….
(…)”.

E) Correu termos no TT de Lisboa o processo cautelar (arresto) nº 693/11.3BELRS, que foi julgado procedente por sentença de 18-04-2011, deu como provados com interesse para a presente decisão os seguintes factos:


“(texto integral no original; imagem)”

F) Em 01-08-2011 foi emitido mandado de penhora, nos termos de fls 9, do PEF, para cobrança da quantia de €2625,00 acrescido de €231,33;

G) Em 13-08-2012 foi lavrado Auto de Diligências de fls 10, do PEF, que nos dá conta que “consultados os sistemas informáticos não constam quaisquer bens averbados em nome da executada”, a sociedade identificada em A);

H) Em 13-08-2012 foi lavrada Informação para a reversão, junta a fls 11 do PEF, nos termos da qual e com interesse para a decisão da causa, consta, designadamente:
(…).
Os presentes autos dizem respeito a dívidas em nome da executada de IVA de 2007-09T, liquidações adicionais, no montante de €2.946,33, resultante de uma acção de inspecção externa no ano de 2010, aos exercícios de 2007 e 2008, após terem sido detectadas divergências entre os valores declarados pela executada e o fornecedor P......(…) divergências identificadas no relatório de inspecção aos exercícios de 2007 e 2008 – (…).
De acordo com o relatório de inspecção para os exercícios de 2007 e 2008 – Ordem de Serviço nº …..83, foram notificados o sócio e representante da cessação da firma AJ......, Lda, o Sr. J...... e a sócia A......, nos seus domicílios fiscais, por cartas registadas e não exerceram o direito de audição, pelo que se procederam às correcções em sede de IRC e IVA dos exercícios de 2007 e 2008, tendo sido elaborados os respectivos documentos de correcção – DC, constantes do relatório de inspecção (…);
A firma foi notificada da liquidação adicional de IVA de 2007-09T em 2011/11/14;
Importa identificar, de forma clara os responsáveis subsidiários, (…).
A declaração de início de actividade da executada foi entregue no serviço de finanças de Alenquer em 2006/11/10, constando como sócios J...... (…) e AC......, (…) assumindo ambos a gerência da sociedade.
Os sócios J...... e A...... exerceram as funções de gerente de facto e de direito de acordo com os documentos constantes do Anexo I do relatório da inspecção para os exercícios de 2007 e 2008 – (…), nomeadamente o contrato de Constituição de Sociedade, as Notas de Lançamento da Caixa ……. Torres Vedras e os Talões de Entrega de depósitos no M.......
De acordo com o relatório da inspecção para os exercícios de 2007 e 2008 – (…), o sócio J......, declarou que nos anos de 2007 e 2008, efectivamente “Foi o sócio gerente da sociedade AJ......, Lda, sendo também sócia gerente a Sra A......, (…)”.
A sociedade em causa não tem bens penhoráveis, tendo sido registada a sua dissolução e encerramento da liquidação, de acordo com o Autor de Diligências que antecede, pelo que, se verifica uma situação de fundada insuficiência do património da devedora originária para satisfazer a dívida dos presentes autos;
(…).
Assim, em face do exposto, sou de parecer que deve a execução ser revertida para os responsáveis subsidiários supra indicados nos termos da al a) do nº 1 do artº 24 da LGT, pelo que, devem ser notificados nos termos do artº 60º da LGT, para exercerem o direito de audição.

I) Em 13-08-2012 foi proferido despacho para audição (reversão), contra a oponente A......, constando no campo Projecto da Reversão (fls 18, do PEF):
Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (artº 24/nº 1/a LGT).
J) Pelo ofício de fls 21, do PEF foi a oponente notificada para exercer o direito de audição (reversão), cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, constando do campo Projecto de reversão:

Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis subsidiários sem prejuízo do benefício de excussão (artº 23º/nº 2 da LGT).
Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (artº 24/nº 1/a LGT).

K) Em 28-08-2012 a oponente exerceu direito de audição prévia invocando, em síntese, a caducidade da liquidação, embora nomeada gerente nunca exerceu de facto a gerência e que o inquérito foi arquivado tendo por fundamento a não comprovação das indicadas operações simuladas, constantes do RI, que o projecto de reversão não foi acompanhado de todos os elementos imprescindíveis à respectiva análise, padecendo do vício de falta de fundamentação e por erro nos pressupostos de facto, solicitando que fosse revisto os elementos em que se baseiam o projecto de despacho objecto da notificação;

L) Em 19-09-2012 foi prolatada a informação de fls 39 do PEF, que se dá por reproduzida para todos os efeitos legais;

M) Com os fundamentos constantes da informação foi proferido, na mesma data, o despacho de reversão contra a oponente (fls 40, do PEF);

N) A oponente foi citada nos termos de fls 42, do PEF:

OBJECTO E FUNÇÃO DO MANDADO DE CITAÇÃO
Pelo presente fica citado(a) de que é executado(a) por reversão, nos termos do artº 160º do CPPT, na qualidade de responsável subsidiário para no prazo de 30 dias, a contar desta citação, pagar a quantia exequenda de 2.946,33 EUR de que era devedor(a) o(a) executado(a) infra indicado(a), ficando ciente de que nos termos do nº 5 do artº 23º da LGT se o pagamento se verificar no prazo acima referido não lhe serão exigidos juros de mora nem custas.
(…).
Informa-se ainda que, nos termos do nº 4 do artº 22º da LGT a contar da data da citação, poderá apresentar reclamação graciosa ou deduzir impugnação judicial, com base nos fundamentos previstos no artº 99º do CPPT, e os prazo estabelecidos nos artºs 70º e 102º do CPPT.
IDENTIFICAÇÃO DO EXECUTADO
AJ......, Lda.
(…).
FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício de excussão (artº 23º/nº 2 da LGT).
Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (artº 24/nº 1/a LGT).
Anexo a cópia conclusão/informação para reversão de fls 11 a 15 e conclusão/informação do despacho de fls 40 e 41, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (manuscrito).

O) Correu termos no Departamento de Investigação e Acção Penal o inquérito nº 1474/10.7IDLSB, instaurado na sequência do RI, com vista a averiguar da existência de fraude fiscal e, onde foi proferido despacho de arquivamento, nos termos dos nºs 1 e 2 do artº 277º do CPP;

P) A oponente reside na Rua padre Joaquim rebelo Santos, bloco……., 2565-…… (morada constante do intróito da petição inicial);

Q) Era o Sr. J...... que mandava na empresa e a oponente era apenas uma trabalhadora (inquirição das testemunhas);

R) A oponente deixava os cheques assinados (inquirição das testemunhas).

A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados e na inquirição das testemunhas.
Da inquirição das testemunhas resultou, nomeadamente o seguinte:
M......, conhece J......e a C......, aquele pai desta. Também conheceu o Sr. trazia mercadoria ao Sr. M....... Era normal o Sr. M...... pagar em dinheiro o que comprava. Referiu que a C...... era administrativa e quem tratava dos pagamentos era o pai, a C...... deixava os cheques assinados, mas, não mandava em nada. Neste momento a C...... deixou de aparecer na empresa.
C......, era motorista na L......, disse que conhece por frequentar a casa do Sr. M....... O Sr. P...... vendia material ao Sr. M......, o que era habitual. A C...... tinha o nome na empresa mas, era só para trabalhar e era o Sr. M...... que decidia, nunca a viu decidir ao nível do negócio. Frisou que o Sr M...... não deixava ninguém mandar, mesmo a C....... Chegou a ver cheques assinados pela C.......»

»«




De direito

Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente a oposição por considerar a oponente parte ilegítima, na execução, por inexistência de dois dos pressupostos necessários a que se opere a reversão, designadamente, o exercício da gerência de facto por parte da oponente e, factos que demonstrem a culpa da oponente pela insuficiência do património da sociedade devedora originária.

Dissente do assim decidido a Fazenda Publica (FP) vem recorrer invocando erro de julgamento de facto e de direito, tal como deixamos enunciado na delimitação do objeto do recurso, questões que, autonomamente, de seguida passaremos a apreciar:

1. Erro de julgamento

1.1. Por errónea apreciação da matéria de facto dada provada à luz da prova produzida,

Como temos vindo a assumir e tem sido largamente acolhido pela jurisprudência dos nossos tribunais, o erro de julgamento da matéria de facto ocorre nas situações em que verifique que o juiz decidiu mal ou contra os factos apurados, ou seja trata-se de um erro que consiste num desvio da realidade factual (vide neste sentido e a titulo de exemplo o acórdão proferido por este tribunal em 25/06/2019 no processo n.º 372/10.9BELRA).

No mesmo sentido se lhe refere o STJ no acórdão proferido em 30/09/2010 no processo n.º 341/08.9TCGMR.G1. S2, consultável in www.dgsi.pt/, donde extraímos: “(O) o erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa.”

Importa acrescentar que o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria que foi alegada, mas sim o de proceder à seleção do que se lhe releve com interessa para a decisão, tendo sempre presente a(s) causa(s) de pedir e o pedido formulado pelo autor (artigo n.º 607, nºs 3 e 4, do NCPC) devendo, em obediência ao estipulado no artigo 123.º n.º 2 do CPPT, discriminar a materialidade dada por provada ou não provada, tudo e sempre, no respeito pelo principio da livre apreciação da prova estabelecido no n.º 5 do já citado artigo 607.º do NCPC, segundo o qual a apreciação da prova deve ser feita de acordo com a prudente convicção do julgador relativamente a cada facto, ou seja, a motivação deve formar-se a partir do exame e avaliação que o juiz faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimentos pessoais.

Porém, esta livre apreciação não abrange as situações cuja força probatória de certos meios se encontra legalmente estabelecida, nem no caso dos documentos com força probatória plena (cfr. artigo 371, do C. Civil) e bem assim nos casos de acordo ou confissão das partes.

Dito isto voltemos ao caso que nos ocupa.

Nos argumentos recursivos a recorrente (FP) vem alegar que, “mal andou” o tribunal a quo ao decidir a oposição nos termos em que o fez, por considerar, na situação em apreço a Administração Tributária logrou demonstrar, …de forma concludente e contundente, sem margem para qualquer resquício de dúvida, o efectivo exercício da gerência da oponente na sociedade executada, durante tanto o período da constituição da dívida tributária em questão como no términus do legal prazo para o cumprimento voluntário da mesma.” – concl. 4.6.

Para fundamentar tal raciocínio vem, trazer à colação os factos tidos como provados no âmbito do processo de arresto n.º 693/11.3BELRS, situação que já havia referido em sede de contestação (ponto 9.º e seguintes), por considerar que a gerência de facto da oponente, foi, ali, “judicialmente confirmada”.

Mantém, agora no salvatério que se lhe afigura que estes são “… de suma importância para a devida e correcta decisão dos presentes autos, pois tais factos relatam circunstâncias que contendem com prova da gerência de facto da ora recorrida na sociedade executada. “– concl. 4.7 a 4.9

Conclui dizendo que, por assim não o entender, o tribunal incorre em erro no julgamento da matéria de facto, violando o disposto na n.º 4 e 5 do artigo 607.º do CPC, ora aplicáveis por força do disposto na al. e) do artigo 2.º do CPPT.

Contudo, adiantamos desde já que, sem razão e dizemos porque assim o entendemos, encetando por referir dizer que as normas invocadas (números 4 e 5 do artigo 607.º do CPC) se reportam às regras de apuramento da matéria de facto que devem ser seguidas no processo decisório, nelas incluído o principio da livre apreciação da prova, nos seguintes termos:

“(…)
4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
5 - O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
(…)”

Conforme decorre quer do texto legal invocado e aqui enunciado quer do que se deixou dito quanto ao dever que ao decisor é globalmente imposto no artigo 607.º do CPC, a fixação da matéria de facto é levada a cabo pelo juiz do processo após a apreciação que livremente faz da prova produzida, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada um facto dos factos que nesta prática considerou provados e não provados.

Retomando a questão que nos ocupa damos conta que, dissente do decidido a recorrente não logrou referir a medida em que a sentença desrespeita as normas citadas ao ponto de lhes provocar o vício invocado, sendo certo que, na apreciação que fazemos da sentença recorrida constatamos que nela foram claramente declarados quais os factos que foram julgados provados, quer os que o não foram, sendo que da motivação consta o percurso cognoscitivo percorrido pela Mma juíza a quo e as razões que a levaram à decisão a que chegou, nomeadamente a indicação dos documentos identificados em cada ponto dos factos que, por via dos mesmos, considerou provados e bem assim, as razões porque valorizou os depoimentos das testemunhas, na parte em que considerou relevante e decisivo para formar a convicção relativamente aos factos que, por esse meio, considerou provados. Não nos merecendo, por isso, qualquer censura.

Quanto aos factos tidos como provados no âmbito do processo de arresto n.º 693/11.3BELRS, importa referir, antes de mais que estes foram fixados em sede de processo cautelar de arresto de bens (artigo 136.º do CPPT), onde apenas se impõe ao requerente do mesmo a alegação dos factos demonstrativos da probabilidade da existência da dívida, bem como o receio de perda da garantia patrimonial, sendo que quanto ao arresto dos bens do responsável subsidiário exige-se ainda que se verifiquem os pressupostos exigidos por lei para poder ordenar-se contra o responsável subsidiário a reversão da execução, não se exigindo a demonstração da efetivação dessa responsabilidade já que ela só pode ser efetivada em sede de execução após prolação do despacho de reversão.

Importa ainda acrescentar que a decisão deste tipo de providência não constitui, em si uma sentença, já que o pedido de arresto não tem a estrutura de uma causa, por falta de audição da parte contrária (artigo 152.º n.º 2 do CPC).
Com efeito, “[O]o arresto é decidido sem audição da parte contrária. A oposição ao arresto é que é decidida com as posições de ambas as partes. Razão por que se entende que é por despacho que o juiz decide o arresto e é por sentença que decide a oposição ao arresto (neste sentido, vd. Alberto dos Reis, in «Comentário ao Código de Processo Civil», volume 2.º, pág. 58).
Aliás, na interpretação que julgamos adequada dos preceitos em análise, o juiz que defere a providência cautelar do arresto não julga provados os factos em que assenta a conclusão de que a existência do crédito é provável: limita-se a julgar sumariamente indiciados esses factos. Porque a apreciação dos elementos probatórios em que se apoia é necessariamente provisória e assenta em meros juízos de verosimilhança.” – Cfr. acórdão do TCAN proferido em 15/01/2015 no processo n.º 00798/14.9BEAVR

Dito isto e volvendo à situação em análise podemos constatar que à decisão proferida no processo de arresto n.º 693/11.3BELRS, não é dado o nome de “sentença”, sendo que, no que respeita à fundamentação de facto é ali referido que: “O Tribunal considera provados, necessários e suficientes, para o conhecimento deste procedimento, os seguintes factos:” – o destacado é nosso

Importa ainda referir, convocando o n.º 1 do artigo 421.º do CPC, aqui aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, que: “(1) - Os depoimentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte(…) se, porém, o regime de produção da prova do primeiro processo oferecer às partes garantias inferiores às do segundo, os depoimentos e perícias produzidos no primeiro só valem no segundo como princípio de prova.”- o destacado e nosso

Porém, como vimos no caso que nos ocupa, no primeiro processo não houve, de todo audiência contraditória da parte, termos em que, forçoso se torna para nós concluir que a exigência probatória ao nível da fundamentação factual é inferior àquela que se exigiria de uma decisão proferida sem este enquadramento, tornando-se, para nós, óbvio que não podemos considerar, como pretende a recorrente que ali (na decisão do processo de arresto) se encontra confirmado exercício da gerência de facto por parte da oponente.


Improcedem assim, as presentes conclusões de recurso e, nos mesmos termos o pedido de modificação da decisão da matéria de facto constante da sentença em crise, nos termos do disposto nos artigos 640.º e 662º n.º 1 do CPC, onde se requer que em face da sentença proferida no âmbito do processo de arresto n.º 693/11.3BELRS, [pontos 15) e 17) da matéria factual tida por assente nesse decisório] a ampliação do ponto E) dos factos provados constantes da sentença ora recorrida – concl. 4.11.

Entende, ainda neste item, a recorrente (FP) que o facto provado constante do ponto R) da materialidade dada com assentes na sentença se encontra incompleto, uma vez que, como refere, face aos depoimentos das testemunhas inquiridas nos autos, determinantes para o tribunal ora recorrido formar a sua convicção, deve ser alterado e onde consta que “[A]a oponente deixava os cheques assinados” deve ser dado por assente que “a oponente assinou, em nome e representação da sociedade AJ......, Lda., cheques e nesta os deixou.” – concl. 4.12 e 4.13

Face ao que que se deixou dito, vem a apelante argumentar, ao assim não entender, o tribunal recorrido incorreu, igualmente, em erro de julgamento da matéria de facto, devendo, por isso, o referido ponto R) da matéria de facto assente ser, também ele e nos termos do disposto nos artigos 640.º e 662.º, n.º 1, do CPC, aplicáveis nos termos do disposto na al. e) do artigo 2.º do CPPT, ser, nesse sentido, modificado por este tribunal de recurso – concl 4.14

Constatamos pela leitura que fazemos do salvatério que os fundamentos/argumentos aduzidos são, manifestamente insuficiente, e pouco precisos, para os fins visados pela recorrente, quando com eles pretende atacar o julgamento da matéria de facto.

Na verdade a impugnação da matéria de facto, encontra-se, em primeira linha, balizada pelo disposto no artigo 640º do CPC e obedece a regras que não podem deixar de ser observadas, impondo-se, nomeadamente, ao recorrente a obrigatoriedade de especificar, nas alegações de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida, sendo que o não cumprimento do ónus fixado o recurso quanto à matéria de facto estará condenado ao insucesso.

Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efetuar impugnação com este âmbito, impondo-se-lhe, por conseguinte, respeito pela plena satisfação das regras ali previstas.

Por seu lado ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no artigo 662.º do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objeto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre as questões controvertidas.

Acolhemos, quanto a esta matéria a posição largamente adotada neste TCA Sul transcrevendo parte do acórdão deste Tribunal, proferido em 08/05/2019 do processo n.º 838/17.0BELRS,

Diz-se ali:
“(…)
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181).
Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6. Por outras palavras, o recorrente apenas observa os ónus de impugnação legalmente exigidos, quando especifica os concretos meios de prova que impõem que, para cada um dos factos impugnados, fosse julgado não provado, quando indica qual a decisão que em concreto deve ser proferida sobre a matéria impugnada e menciona os documentos ou pontos da gravação com referência ao que ficou expresso na acta da audiência de discussão e julgamento ou, pelo menos, apresenta transcrições dos depoimentos das testemunhas que corroboram a sua pretensão (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/04/2014, proc.7396/14; ac.T.R.Lisboa, 1/03/2018, proc.1770/06.8TVLSB-B.L1-2; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/10/2018, proc.6584/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/02/2019, proc. 118/18.3BELRS).
Por último, deve vincar-se que o Tribunal de 2ª. Instância pode/deve modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova produzidos, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a regra da livre apreciação da prova, quando aplicável, um resultado diferente do produzido pelo Tribunal “a quo” que seja racionalmente sustentado (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/06/2018, proc.6499/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/02/2019, proc.118/18.3BELRS; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.285). ” - fim de citação

Assim e tal como temos vindo a dilucidar a alteração da matéria de facto pressupõe, nos termos explanados, a existência de nítida disparidade entre o erro na sua apreciação e a divergência do sentido em que se formou a convicção do julgador, sendo que a respetiva reapreciação por parte do tribunal de recurso está limitada aos casos em que ocorreu erro manifesto ou grosseiro ou em que os elementos documentais fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado no tribunal a quo, sendo certo que na situação em análise, pese embora venha alegado erro de julgamento, a recorrente não logrou enunciar qualquer situação em que, de facto, se conteste a materialidade fixada no probatório.

Com efeito, a recorrente não cumpre o ónus que lhe impõe a norma citada (artigo 640.º n.º 1 do CPC) e que se consubstancia na obrigatoriedade de individualizar, os pontos de facto que considera incorretamente julgados, e bem assim os concretos meios probatórios, que, em seu entender, ditavam decisão sobre a matéria de facto impugnados, diferente daquela que foi perfilhada pela decisão recorrida, que dando-se com a afirmação genérica e inconsequente de que: «a testemunha C...... “chegou a ver cheques assinados pela C......», o que não traz nada de novo, nem apresenta força capaz de modificar o teor do facto da forma como vem requerido, sendo certo, que não vê este tribunal em que medida o requerido poderia evidenciar a existência de qualquer tipo de erro na sua apreciação de apreciação do julgador e/ou divergência do sentido em que se formou a convicção do julgador, atento a que o que resulta do referido pela testemunha indicada na conclusão que em apreciação, foi que: “Chegou a ver cheques assinados pela C.......”

Termos em que, as conclusões que vimos de analisar não pode deixar de estar condenadas ao insucesso dada a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra, desde logo, por falta de análise critica da prova e da indicação daquela que, em seu entender impunham decisão diferente da adotada pela decisão recorrida.

1.2. Quanto à prova da gerência de facto por parte da oponente no período a constituição da dívida tributária bem como no términus do legal prazo para o cumprimento voluntário da mesma.

Por fim e ainda quanto ao erro de julgamento da matéria de facto, a recorrente vem assacar à sentença erro de julgamento da matéria de facto, no respeitante à apreciação e valoração da prova e violação do disposto no n.º 4 do artigo 607.º do CPC, ora aplicável por força do disposto na al. e) do artigo 2.º do CPPT – concl. 4.21

Para assim concluir refere que, à revelia do considerado pelo tribunal a quo, dos autos de oposição existem outros elementos que, indubitavelmente, conduzem a uma conclusão diferente da colhida, na sentença ora em crise, quanto à prova do facto de ter a oponente gerido de facto a sociedade executada, louvando-se mais uma vez na decisão proferida no âmbito da providência cautelar de arresto n.º 693/11.3BELRS, insistindo que ali ficou provado que “J...... e A......, durante os anos de 2007 e 2008, assinaram, como representantes da AJ......, Lda., inúmeros documentos bancários, designadamente ordens de transferência, depósitos bancários e levantamentos”, e que “Em 25/10/2010, o requerido, J......, prestou informações aos serviços de inspecção tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, no âmbito das ordens de serviço nºs ….82 e ….83, na sua qualidade de sócio-gerente da AJ......, Lda., tendo aí afirmado, além do mais, que nos anos de 2007 e 2008 foi sócio gerente da referida sociedade, o mesmo sucedendo relativamente à aqui requerida, A.......”, situação que, em seu entender traduzem, inegavelmente, o exercício da gerência de facto da sociedade executada por parte da oponente. – concl 4.15 a 4.20

Quanto a esta matéria, remetemos para o que de deixou dito relativamente à prova produzida em sede de arresto preventivo face à validade da fixação da matéria de facto sem audiência contraditória e concluímos, também aqui pela improcedência das presentes conclusões recursivas.

2. Erro de julgamento de direito - interpretação e aplicação do disposto no referido artigo 24.º, n.º, al. a), da LGT.

Alega, nesta sede a recorrente que o TT de Lisboa incorreu em erro de julgamento quanto ao direito aplicável, por violação do disposto no artigo 24.º, n.º 1, al. a), da LGT, por errada interpretação e aplicação da lei. – concl. 4.25

Discordando da conclusão a que chegou o TT de Lisboa, ao afirmar que “[A]atento o despacho de reversão verifica-se que a reversão foi efectuada ao abrigo do disposto na al a) do nº 1 do artº 24º da LGT”e, bem assim, que “No caso em apreço, a administração tributária não fez qualquer prova sobre a culpa da oponente na insuficiência do património da sociedade devedora originária, pelo que se conclui que o despacho de reversão carece de fundamentação.”.

Rebate a recorrente com o que considera ser conforme à jurisprudência dominante, com a afirmação de que, para a devida fundamentação formal da reversão apenas se exige que da mesma conste apenas a alegação dos pressupostos da reversão, sendo que, em seu entender, na reversão ora em crise colhe-se que do despacho que a determinou consta a indicação dos pressupostos de que depende a reversão, bem como a verificação dos mesmos.

Termos em que, entende que o despacho em causa se encontra devidamente fundamentado, de facto e de direito, não contendo qualquer vício que o inquine de ilegalidade.

Sendo que, quanto à culpa, a Administração Fiscal goza de presunção legal, conseguinte não carece de fazer prova, presunção esta que, funciona aqui não só quanto á falta de pagamento da obrigação tributária, mas também quanto á atuação dos responsáveis subsidiários na direção da pessoa coletiva, devedora originária, que terá conduzido à insuficiência do património da sociedade. – concl 4.21 a 4.24

Por seu lado, quanto a esta matéria, a sentença recorrida alinhou o seguinte discurso fundamentador:
“(…)
A Fazenda Pública considerou a oponente responsável subsidiária pelas dívidas exequendas e, conforme decorre do despacho de reversão, bem como da citação, ao abrigo da al a) do n.º 1 do art. 24.º da LGT.
Dispõe o art. 24.º da LGT, n.º 1, da LGT:
«1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
(…).
Para a responsabilização ao abrigo do art. 24.º da LGT, a lei exige, a gerência efectiva ou de facto, o efectivo exercício de funções de gerência, não se bastando com a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito«Se o administrador ou gerente de direito não exercia quaisquer funções de gerência de facto, não se justificava que fosse formulado em relação a ele um juízo de culpa susceptível de basear a responsabilidade subsidiária, já que não era possível a existência de nexo de causalidade entre a sua actuação e a situação de insuficiência patrimonial da sociedade, nem se podia falar em relação a ele de possibilidade de pagar as dívidas fiscais e não o fazer, dívidas essas de que, sem um exercício ao menos parcial da gerência, não poderia ter sequer conhecimento» JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., II volume, anotação 26 ao artigo 204.º, pág. 349. .

É à AT, enquanto exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos que lhe permitam a reverter a execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora e, entre eles, os respeitantes à existência da gestão de facto (de acordo com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respetivos factos constitutivos – cf. artig. 342.º, n.º 1, do CC e art. 74.º, n.º 1, da LGT).” – fim de citação – o sublinhado é nosso.

Acompanhamos o decidido e no trilho da jurisprudência uniforme, aquiesçamos que o pressuposto da responsabilidade subsidiária é o exercício efetivo da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução fiscal – (cfr. acórdãos deste TCAS de 31/10/2013 proferido no processo n.º 6732/13 ou mais recentemente o acórdão proferido no processo 618/10.3BELRS em 07/06/2018).

Observamos, porém, que o despacho de reversão proferido pelo órgão de execução fiscal contra, a aqui recorrente, [ponto I) do probatório] nada diz quanto ao exercício efetivo da gerência, limitando-se a informação que o antecede [ponto H)] a referir que “[A]a declaração de início de actividade da executada foi entregue no serviço de finanças de Alenquer em 2006/11/10, constando como sócios J...... (…) e A.....C….., (…) assumindo ambos a gerência da sociedade.” e que “[O]os sócios J...... e A...... exerceram as funções de gerente de facto e de direito de acordo com os documentos constantes do Anexo I do relatório da inspecção para os exercícios de 2007 e 2008 – (…), nomeadamente o contrato de Constituição de Sociedade, as Notas de Lançamento da Caixa ……. de Torres Vedras e os Talões de Entrega de depósitos no M.......
De acordo com o relatório da inspecção para os exercícios de 2007 e 2008 – (…), o sócio J......, declarou que nos anos de 2007 e 2008, efectivamente “Foi o sócio gerente da sociedade AJM C......, Lda, sendo também sócia gerente a Sra A......, (…)”.
A sociedade em causa não tem bens penhoráveis, tendo sido registada a sua dissolução e encerramento da liquidação, de acordo com o Autor de Diligências que antecede, pelo que, se verifica uma situação de fundada insuficiência do património da devedora originária para satisfazer a dívida dos presentes autos;»

O que se releva manifestamente insuficiente para provar e efetivo exercício da gerência por parte da oponente.

Acolhendo, neste sentido o que se deixou dito no acórdão deste Tribunal (TCA Sul) em 20 de Abril último no acórdão n.º 2007/15.4BELRS, que a ora relatora assinou como 2.ª adjunta, onde claramente se enuncia que “… a gerência de facto de uma sociedade consiste “no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139” – cfr. acórdão do TCA Norte, de 30/04/14, no processo nº 1210/07.5 BEPRT. “

E, in casu, da avaliação que fazemos do probatório, e na linha seguida na sentença, concluímos que a factualidade trazida aos autos pela Fazenda Pública, nomeadamente: o facto de a declaração de início de atividade ter sido apresentada pela executada; e de terem sido encontrados pela inspeção tributária, na empresa, documentos com o nome da executada, tais como o contrato de Constituição de Sociedade, Notas de Lançamento da Caixa …….. de Torres Vedras e os Talões de Entrega de depósitos no M......, não é, por si suficiente para demonstrar o real e efetivo exercício da gerência por parte da revertida.

Sendo certo que era à Fazenda Pública que competia alegar a factualidade que permitisse concluir que a recorrida exerceu aquele cargo no período a considerar, o que não fez.

Não obstante, poderia ainda o tribunal em face das regras da experiência comum, efetuar tal presunção, caso entendesse verificar-se uma forte probabilidade de que o exercício da gerência de facto tivesse ocorrido.

Porém a mera titularidade da gerência, ainda que atestada pela Conservatória do Registo Comercial e/ou com formalidades declarativas ou financeiras, não tem, por si só, força capaz de plenificar esse juízo de ponderação, ou seja, essa circunstância, haveria necessariamente que ser conjugada com outro ou outros que, abstratamente, pudessem conduzir a um juízo diferente do que foi produzido.

Vai neste sentido o ac. do TCAN proferido em 11/03/2010 no proc. n.º 00349/05.BEBRG, que acolhemos e parcialmente transcrevemos:

“(…)
O facto de o Oponente constar do contrato social como gerente de direito da sociedade originária devedora, por si só, nada permite concluir quanto à prática efetiva de qualquer ato em representação da sociedade. Aliás, o contrato social pode não ter sido, necessariamente, cumprido: é bem possível que a sociedade tenha prosseguido a sua actividade à margem ou mesmo sem observância do pacto social (() A própria lei admite tal possibilidade, motivo por que no art. 24.º da LGT, como antes no art. 13.º do CPT, este na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro, consagra que também respondem subsidiariamente pelas dívidas das sociedades, aqueles que, não sendo gerentes de direito, exerceram de facto as funções correspondentes.
Assim, e na ausência de quaisquer outros meios probatórios que imponham decisão no sentido de que o Oponente praticou algum acto em representação da sociedade (() Nos termos do disposto no art. 690.º-A, n.º 1, alínea b), do CPC, constitui ónus do recorrente que impugne o julgamento da matéria de facto especificar «os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida».), não encontramos motivo algum para modificar o julgamento efectuado (…)”

Tanto basta, pois, para concluir pela improcedência do presente recurso e pela manutenção, in totum, da sentença recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.


4 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes desta 1.ª subsecção em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida que assim se mantém na ordem jurídica.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 22 de junho de 2023


Hélia Gameiro Silva – Relatora

Ana Cristina Carvalho – 1.º Adjunta

Isabel Vaz Fernandes – 2.º Adjunta

(Assinado digitalmente)