Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:57/09.9 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/29/2024
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:MÉTODOS INDIRETOS
CORREÇÕES TÉCNICAS
PRESUNÇÕES
SISA
Sumário:I - Nas correções por métodos diretos, a AT não pode fundar os seus raciocínios em presunções, não podendo extrair de um facto conhecido um facto desconhecido.
II - O método presuntivo é próprio da tributação por recurso a métodos indiretos.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 02.02.2021, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por L… (doravante Recorrido ou Impugnante), que teve por objeto as liquidações de imposto municipal de Sisa e de imposto do selo e as dos respetivos juros compensatórios, relativas à aquisição efetuada em 13.08.2001 do imóvel sito na Rua H…, Lt. …, fração “…”, em R…, concelho de Odivelas, omisso na matriz à data da transação.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“I. O thema decidendum no âmbito dos presentes autos de recurso consiste em aferir da legalidade da liquidação ora impugnada, efetuada ao abrigo do art.º 111º do CIMSISSD, analisando se a AT logrou comprovar a existência dos pressupostos (de facto e de direito) que determinaram a correção ao valor de aquisição do imóvel adquirido pelo ora impugnante, identificado nos presentes autos, considerando como valor de aquisição o valor de 27.000.000$00 e não o valor constante da escritura pública celebrada entre o impugnante e a sociedade J… Lda. (20.000.000$00).

II. Sustenta o Mmo. Juiz a quo que “a AT não aponta qualquer facto fiscalmente relevante cujos elementos fossem adequados à comprovação direta e exata da matéria coletável em falta fixada em 27.000.000$00, antes se tendo apoiado nessa quantificação em factos indiciadores de que o preço declarado não corresponde à realidade, factos que não constituíam a base necessária para neles assentar a determinação da matéria coletável da SISA por via direta, como é o caso da venda de uma fração do empreendimento de tipologia e área idêntica à do Impugnante por preço superior ao declarado apenas em fase inspetiva”.

III. Quanto à questão da aplicação de métodos presuntivos, o nosso ordenamento jurídico consagra, como regime regra da tributação, o método declarativo, colocando nessa medida, na esfera de atuação dos particulares contribuintes a iniciativa no procedimento de apuramento, fixação e pagamento dos impostos, com a inerente contrapartida da exigência de uma cooperação estreita entre a AT e o contribuinte, no desiderato de se alcançar a tributação dos rendimentos reais, cooperação essa que impõe, desde logo, que o último faculte à primeira, todos os elementos que viabilizem o correto apuramento daqueles, surgindo a possibilidade de recurso a metodologia alternativa, como consequência da rutura daquele dever vinculado a que os contribuintes se encontram adstritos, de cooperação com a AT, no sentido de viabilizar a concretização da obrigação a que esta, por seu turno, está obrigada pelo princípio da legalidade, do controle e apuramento do efetivo lucro tributável.

IV. No entanto, estabelecendo o ordenamento jurídico duas metodologias alternativas ao método declarativo - correções técnicas e presunções -, o recurso a qualquer delas não depende de um critério discricionário da AT, sendo que a AT encontra-se vinculada ao recurso às correções técnicas, quando se encontre, sem embargo, em condições de apurar com efetividade os rendimentos tributar e, ao invés, se e na medida em que tal apuramento se venha a revelar inviável , então não pode, nessa mesma exata medida, deixar de lançar mão dos métodos presuntivos , mau grado o maior grau de incerteza que caracteriza estes últimos.

V. Conforme refere o Mmo. Juiz na sentença recorrida a “AT instaurou um procedimento interno em nome do Impugnante que culminou com a sua comunicação ao Chefe do SF de Odivelas que, nos termos do artigo 111º do CIMSISSD promoveu a liquidação adicional ora impugnada, considerando como valor de aquisição da fração em causa o valor de 27.000.000$00 e não de 20.000.000$00, constante da escritura pública celebrada”.

VI. A correção à liquidação do ora Impugnante para efeitos de imposto de sisa, porque efetuada ao abrigo do art.º 111º do CIMSISSD, tinha que ter por fundamento que ela continha «erro de facto ou de direito, ou houve qualquer omissão, de que resultou prejuízo para o Estado».

VII. Ora, em obediência ao princípio da legalidade, a AT só podia proceder à liquidação ora impugnada se, no exercício dos poderes que lhe competem de controlo da veracidade dos elementos declarados, tivesse adquirido a séria convicção da existência desse erro ou omissão na declaração de sisa, ou mais precisamente e no que ao caso vertente concerne, de que o preço declarado na escritura de transmissão do imóvel sito na Rua H…, Lote …, freguesia da R…, concelho de Odivelas, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, Fração “…” era inferior ao preço real da sua transmissão, convicção esta que tinha de assentar em pressupostos objetivos e não em meras suposições, suspeitas ou juízos de natureza subjetiva.

VIII. Incumbia assim à AT abalar a presunção de veracidade da declaração do imposto e do respetivo documento de suporte (escritura pública de transmissão da propriedade do imóvel em crise nos autos), atento o princípio da declaração vigente no nosso direito (art.º 78º da LGT), só depois passando a competir ao impugnante o ónus de provar a veracidade do declarado. Analisando o caso dos autos,

IX. Em 13.08.2001, junto do 11º Cartório Notarial de Lisboa, o impugnante declarou adquirir à sociedade “J…, Lda.”, a fração autónoma descrita pela letra “…”, correspondente ao terceiro andar …, para habitação, do prédio sito na Rua H…, Lote …, da freguesia de R…, concelho de Odivelas, à data omisso da matriz predial urbana respetiva, pelo preço declarado de 99.759,58 € ou 20.000.000$00, cf. ponto B) do probatório.

X. Para a aquisição do supra referido imóvel o ora impugnante celebrou contrato de mútuo com o Banco …, S.A., do qual era à data seu funcionário, pelo valor de 19.900.000$00 ou 99.260,78€, conforme ponto C) do probatório.

XI. Na mesma data de 13.08.2001, o Impugnante celebrou com o mesmo Banco … escritura pública de “Abertura de Crédito com Hipoteca e Mandato”, mediante o qual aquele Banco lhe concedeu um crédito com o limite de 5.000.000$00 ou 24.939,89€, válido pelo prazo de 30 anos, sobre o qual foi constituída hipoteca sobre a fração supra identificada, cf. ponto D) do probatório.

XII. Perante a matéria descrita no probatório, constata-se que a AT tinha condições para efetuar a correção ao valor de aquisição do imóvel, identificado nos autos, considerado para efeitos de liquidação impugnada aqui em causa, não estando em causa uma situação suscetível de integrar o conceito “impossibilidade de quantificação direta” da matéria coletável, legitimador do recurso a presunções, antes permitindo o recurso a correções técnicas.

XIII. No caso vertente a AT cumpriu o ónus de recolher elementos demonstrativos que, a final, legitimam a correção ao valor de aquisição do imóvel sito na Rua H…, Lote …, freguesia da R…, concelho de Odivelas, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, Fração “…”, considerado para efeitos de liquidação ora impugnada.

XIV. O ponto C) e D) do probatório permitem constatar que o valor declarado na escritura de compra e venda celebrada entre o impugnante e a sociedade J…, Lda., referente ao imóvel sito na Rua H…, Lote …, freguesia da R…, concelho de Odivelas, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, Fração “…” foi inferior ao preço real da sua transmissão.

XV. Conforme supra se explanou a Administração Tributária logrou recolher factos concretos e objetivos de que o valor declarado na escritura de compra e venda celebrada entre o ora impugnante e a sociedade J…, Lda. não correspondia ao valor real da transação efetuada tendo, desta forma, legitimado a sua correção ao valor de aquisição do imóvel adquirido pelo ora impugnante para o montante de valor de 27.000.000$00.

XVI. Saliente-se pela sua relevância o parecer n.º 242/2017 do Exmo. Procurador da Republica datado de 28 de junho de 2017 no qual se explana que: “Na sequência de acção inspectiva à empresa “J…, Ld.ª”, e conforme melhor resulta do RIT, veio a apurar-se haver divergências entre os valores de escritura e o valor efectivamente pago pela aquisição das diversas fracções, entre as quais se encontra a que foi adquirida pelo Impugnante. Por via disso, e em face do valor da transacção ter sido superior ao valor declarado na escritura, a AT procedeu à liquidação adicional ora impugnada. A questão suscitada pelo Impugnante mostra-se ampla e devidamente analisada em sede de contestação e na Informação elaborada pela Direcção de Finanças de Lisboa, para a qual aquela remete, quer no que respeita à matéria de facto, quer no que concerne à matéria de Direito. Aliás, tal Informação aponta no mesmo sentido do relatório inspectivo. Assim, e por se concordar com a argumentação constante daquela peça processual, o Ministério Público dá-a aqui por reproduzida para todos os legais efeitos”.

XVII. A falta de aderência à realidade do valor de aquisição declarado na escritura de compra e venda celebrada entre o impugnante e a sociedade J…, Lda., mais se adensa se tivermos em linha de conta que, no mesmo empreendimento, em que é apontada a mesma situação, os adquirentes de imóveis de tipologia e área idêntica ao imóvel adquirido pelo ora impugnante terem confessado que o preço pago foi superior ao escriturado, o que sugere que a empresa vendedora se “encontrava aberta” a manobras de evasão fiscal deste teor.

XVIII. Perante a matéria descrita no probatório, a verdade é que para a AT ficar automaticamente legitimada ao recurso da metodologia alternativa utilizada (métodos indiretos), apenas se lhe impunha que solicitasse a cooperação devida do recorrido/impugnante no sentido de este esclarecer a situação em apreço, ou seja a divergência detetada pela AT entre o valor da escritura e o valor real de aquisição do imóvel em causa nos autos, sem margem para quaisquer dúvidas admitidas e através do meios de prova admitidos em direito.

XIX. Ora, a verdade é que a AT cumpriu a obrigação de se dirigir ao impugnante solicitando-lhe a referida cooperação para esclarecer a divergência detetada pela AT entre o valor da escritura e o valor real de aquisição do imóvel em causa nos autos.

XX. Conforme explanado no ponto G) do probatório em 17-06-2006 foi elaborada informação pelos Serviços de Inspeção Tributária da DF de Lisboa no âmbito do DI200507806, aberto em nome do impugnante, onde se refere que este último foi notificado para comprovar o valor realmente pago relativo ao imóvel.

XXI. Tendo a AT, no âmbito do procedimento inspetivo supra referido, concluído que “a fração autónoma “…” do lote …, pelo menos terá sido adquirida pelo valor de 24.900.000$00, valor correspondente ao total dos empréstimos solicitados, mas da inspecção efectuada ao sujeito J…, LDA, verificou-se que o preço médio de aquisição por metro quadrado, do imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o art.º … da freguesia de Odivelas, ascendeu a 1.598,52 € e que o valor considerado como referência da fracção “… ” ascende o montante de 134.675, 52€”.

XXII. Assim sendo, com este pano de fundo, impunha-se ao impugnante, ora recorrido, que viesse comprovar que o valor realmente pago correspondia ao valor da escritura de compra e venda.

XXIII. Ora o certo é que os autos não contêm qualquer elemento probatório que corrobore a alegação do impugnante de que o valor real da transação do imóvel é o valor que consta na escritura de compra e venda, não podendo deixar de notar-se que o impugnante não cumpriu com o dever de cooperação que estava onerado.

XXIV. Assim sendo, entende-se que, no caso vertente, era ao impugnante que se impunha fazer prova da realidade afirmada evidenciando factos suscetíveis de suportar a mesma, pelo que não o tendo logrado fazer se impõe concluir pela legitimidade da atuação da AF ao praticar o ato tributário ora impugnado.

XXV. Não se verifica, assim, a ilegalidade - recurso ilegal a correções técnicas - que a douta sentença recorrida aponta à liquidação ora impugnada, pelo que a sentença enferma de erro de julgamento, por errada apreciação dos elementos probatórios constantes do relatório de inspeção, que fundamentam a correção efetuada ao valor de aquisição do imóvel em causa.

XXVI. A AT está sujeita ao princípio da legalidade (art.º 268º nº 2 da CRP e art.º 55º da LGT), estando a sua atuação adstrita à aplicação e cumprimento da lei.

XXVII. Assim sendo é manifesto que a Administração Tributária fez uma correta interpretação das normas legais aplicáveis ao caso concreto pelo que o ato tributário ora impugnado não viola qualquer disposição legal e deve ser mantido na esfera jurídica do recorrida.

XXVIII.A atuação da Administração Tributária foi conforme à lei, justificando-se a manutenção da liquidação efetuada, por se encontrar demonstrada a sua validade e justeza.

XXIX. Ora, conjugando os factos dados como assentes com as disposições normativas supra referidas, podemos desde já concluir que a liquidação emitida pela AF não merece qualquer censura

XXX. Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e revogada a sentença de que se recorre, julgando totalmente improcedente a presente Impugnação judicial.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como procedente, e em consequência ser revogada a decisão recorrida e ser julgada totalmente improcedente a presente impugnação judicial.

Tudo com as devidas consequências legais”.

O Recorrido não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Há erro de julgamento, na medida em que as liquidações em crise se fundamentaram em correções técnicas?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) Em 08.08.2001, o ora Impugnante efetuou o pagamento da liquidação de SISA devida pela aquisição a realizar de uma fração pelo montante declarado de 20.000.000$00 (cfr. fls. 53 dos autos).

B) Em 13.08.2001, junto do 11º Cartório Notarial de Lisboa, o Impugnante declarou adquirir à sociedade “J…, Lda.”, a fração autónoma descrita pela letra “…”, correspondente ao terceiro andar …, para habitação, do prédio sito na Rua H…, Lote …, da freguesia de R…, concelho de Odivelas, à data omisso matriz predial urbana respetiva, pelo preço declarado de 99.759,58€, ou 20.000.000$00 (cfr. fls. 5 a 11 dos autos).

C) Para a aquisição referida na alínea antecedente, o Impugnante celebrou contrato de mútuo com o Banco …, S.A., do qual era à data seu funcionário, pelo valor de 19.900.000$00 ou 99.260,78€ (cfr. fls. 5 a 11 dos autos).

D) Na mesma data de 13.08.2001, o Impugnante celebrou com o mesmo Banco …escritura pública de “Abertura de Crédito com Hipoteca e Mandato”, mediante o qual aquele Banco lhe concedeu um crédito com o limite de 5.000.000$00 ou 24.939,89€, válido pelo prazo de 30 anos, sobre o qual foi constituída hipoteca sobre a fração identificada em A) (cfr. fls. 40 a 44 dos autos).

E) Em 10.08.2001 foi passado à ordem da sociedade referida em A), um cheque bancário no montante de 19.900.000$00 (cfr. fls. 18 dos autos).

F) Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI200506330, de 27.09.2005, foi levada a cabo ação inspetiva à sociedade “J…, Lda.”, tendo em 22.03.2006 sido elaborado o correspondente Relatório Final constante a fls. 128 a 168 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e onde consta, de entre o mais, o seguinte:

“(…)

IV.5- DIVERGÊNCIAS ENTRE OS VALORES DECLARADOS/ESCRITURA E VALORES PAGOS PELOS ADQUIRENTES DAS FRACCÕES DOS PRÉDIOS NO ANO DE 2001:

Na sequência de procedimento de inspecção efectuada ao sujeito J…, LDA, foram enviadas notificações a todos os adquirentes das fracções no ano de 2001, dos quatro prédios anteriormente citados, tendo-lhes sido solicitado que apresentassem fotocópias dos contratos de promessa de compra e venda das fracções que adquiriram e dos meios de pagamento, nomeadamente fotocópias dos cheques e extractos bancários.

Das declarações prestadas e dos elementos apresentados, pelos diversos adquirentes de fracções, constataram-se várias divergências.

(...)

IV.5. 4- Divergências verificadas na aquisição de fracções do Lote …:

IV.5.4.1 -ADQUIRENTES QUE REGULARIZARAM O IMPOSTO DE SISA E SELO: (…)











(…)

G) Em 17.02.2006 foi elaborada informação pelos Serviços de Inspeção Tributária da D.F. de Lisboa, no âmbito do DI200507806 aberto em nome do Impugnante, tendo aquela o seguinte teor:

“Sujeitos passivos: L… e S…

NIF : 2… e 2…

Assunto: Divergências entre os valores de escritura e o de aquisição de imóvel

Na sequência de procedimento de inspecção efectuada ao sujeito J…, LDA, NIPC: 5…, verificou-se que os sujeitos passivos L… e S.., adquiriram um imóvel sito na rua H…, lote …, freguesia da R…, concelho de Odivelas, inscrito na matriz sob o artigo …, Fracção “…” (correspondente … o andar, letra …, destinada a habitação), conhecimento de SISA nº 1564, emitido pelo Serviço de Finanças de Odivelas, em 08/08/01.

Foram notificados os sujeitos passivos L… e S…, através de ofício n.° 067258 de 20 de Outubro de 2005, para comprovarem o valor realmente pago relativo à fracção citada no parágrafo anterior. Em sequência da notificação efectuada, o sujeito passivo entregou fotocópia da escritura da fracção “…", celebrada no dia no dia 13/08/2001 por 20.000.000$00/100.000,00€ e fotocópias dos documentos complementares, relativos ás escrituras dos dois empréstimos solicitados ao Banco …, S.A., pelo sujeito passivo, um de 19.900.000$00 (dezanove milhões e novecentos mil Escudos) e outro de 5.000.000$00 (cinco milhões de Escudos), totalizando os empréstimos o montante de 24.900.000$00, tendo sido constituída HIPOTECA sobre a fracção autónoma atrás identificada a favor do citado Banco.

Do exposto, conclui-se que a fracção autónoma “ … ” do lote …, pelo menos terá sido adquirida pelo valor de 24.900.000$00, valor correspondente ao total dos empréstimos solicitados, mas da inspecção efectuada ao sujeito J…, LDA, verificou-se que o preço médio de aquisição por metro quadrado, do imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o art.º … da freguesia de Odivelas, ascendeu a 1.598,52 € e que o valor considerado como referência da fracção “ … ” ascende o montante de 134.675, 52€.

Esta informação destina-se a dar conhecimento ao Serviço de Finanças de Odivelas para efeitos de liquidação da correspondente SISA.

ANEXOS: Anexo n.° 1 - Fotocópia da escritura celebrada no dia 13/08/2001 e dos complementares relativos aos empréstimos.” (cfr. fls. 24 a 26 dos autos).

H) Através de ofício de 12.02.2007, emitido pelo SF de Odivelas, foi comunicado ao Impugnante, através de carta registada com aviso de receção, o seguinte:

“Assunto: SISA ADICIONAL


NOTIFICAÇÃO

Fica por esta forma v/ Exa. notificado de acordo com o disposto no nº 2 do art.º 85 do Código do Procedimento e Processo Tributário, e nos termos do artº 114 do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, para no prazo de 30 dias a contar da data da assinatura do aviso de recepção, efectuar na Tesouraria da Fazenda Pública de Odivelas e mediante guias que previamente solicitará neste Serviço de Finanças, o pagamento da importância de 7.906,67 Euros, liquidada adicionalmente ao conhecimento de Sisa nº 1564/1454/2001, pago em 08/08/2001, sendo – 5.895,82 Euros de imposto de Sisa, 279,33 Euros de imposto de selo, 147,39 Euros de coima (calculada nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 29. do nº 1 do artº 31 e do n° 2 do artº 114. todos do RGIT) e 1.583,14 Euros de juros compensatórios (calculados nos termos do nº 3 do artº 35 da LGT).

Esta liquidação é efectuada nos termos do artº 111 do CIMSISSD, por ter sido detectado valor superior ao declarado, resultado das conclusões do relatório da acção de inspecção tributária efectuado.

Findo o referido prazo sem que o pagamento se mostre efectuado, será extraída certidão de divida por falta de pagamento para efeitos de cobrança coerciva através de processo de execução fiscal, sem prejuízo do direito de reclamação graciosa a deduzir no prazo de 120 (cento e vinte) dias ou impugnação judicial deduzir no prazo de 90 (noventa) dias, ambos a contar do final do prazo de pagamento de 30 (trinta) dias supra mencionado, nos termos do artº 68 e seguintes, 99 e seguintes do Código de Procedimento e Processo Tributário..” (cfr. fls. 45 dos autos).

I) Devolvida a notificação referida na alínea antecedente, foi a mesma repetida por ofício emitido em 06.03.2007, que foi novamente devolvida ao remetente, SF de Odivelas (cfr. fls. 46 a 52 dos autos).

J) Em 28.11.2007 foi apresentada a presente impugnação (cfr. fls. 1 dos autos)”.

II.B. É ainda referido na sentença recorrida:

“Factos Não Provados:

1 – Não foi provado qual o destino dado pelo Impugnante ao valor de 5.000.000$00 objeto do contrato de abertura de crédito celebrado no dia da celebração da escritura de compra e venda do imóvel.

(…)

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto fundou-se na prova documental junta aos autos e no processo administrativo”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Entende a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, dado que a administração tributária (AT) efetuou a correção por métodos diretos, considerando os elementos coligidos junto do Recorrido e atendendo à ação inspetiva efetuada à sociedade que alienou o imóvel, cabendo ao Impugnante a prova de que o valor pago correspondia ao valor da escritura de compra e venda.

Apreciando.

In casu, do ponto de vista factual, decorre que:

a) Foi realizada, em 2005 e 2006, ação inspetiva à sociedade que alienou o imóvel ao ora Recorrido;

b) No decorrer dessa ação inspetiva, o Recorrido foi notificado para comprovar o preço pago relativo ao dito imóvel;

c) Na sequência de tal notificação, foi apresentada fotocópia da escritura de compra e venda, com preço declarado de venda de 20.000.000$00, e escrituras de dois empréstimos, um de 19.900.000$00 e outro de 5.000.000$00;

d) No âmbito da referida ação inspetiva, o valor (presumido) atinente à venda do imóvel em causa foi fixado, por recurso a métodos indiretos, em 27.000.000$00;

e) Após, e já no caso relativo ao impugnante, considerou-se, sem mais, ser de fixar o valor em 134.675, 52 Eur. (equivalente a 27.000.000$00), motivo pelo qual foi liquidada Sisa e Imposto do selo pela diferença.

O Tribunal a quo, perante este quadro, refere que a AT não demonstrou os pressupostos que determinaram a sua atuação.

E bem, adiantamos.

Vejamos, então.

O recurso à aplicação de métodos indiretos de avaliação da matéria coletável é subsidiário em relação à avaliação direta (cfr. art.º 85.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária – LGT).

A este propósito, e para melhor densificação dos termos em que se admite o recurso a um ou outro método de determinação da matéria coletável, há que apelar, desde logo, ao art.º 81.º da LGT, nos termos do qual:

“1 - A matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei”.

Por seu turno, o art.º 83.º do mesmo diploma determina que:

“1 - A avaliação direta visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação.

2 - A avaliação indireta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha”.

A avaliação direta tem como ponto de partida as declarações dos contribuintes e/ou os dados apurados na sua contabilidade, que se presumem verdadeiros – cfr. o art.º 75.º, n.º 1, da LGT.

A aplicação de métodos diretos de avaliação da matéria coletável redunda nas chamadas correções técnicas ou meramente aritméticas (1-Para uma noção de correções meramente aritméticas, v. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 13.09.2013 (Processo: 00120/03 – Porto)..

Apelando às palavras de Casalta Nabais (2-Direito Fiscal, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2009, p. 389.), “as correcções técnicas são as correcções que a administração tributária faz à matéria tributável determinada no âmbito da avaliação directa, como a correcção concretizada, por exemplo, na não consideração de determinadas verbas como custos fiscais assim qualificadas na declaração de rendimentos (…) [;] (…) as correcções aritméticas ou correcções meramente aritméticas têm lugar quando a administração tributária se limita a corrigir erros de cálculo das declarações-liquidações”.

Já a avaliação indireta deverá ocorrer apenas nos casos previstos nos art.ºs 87.º a 89.º da LGT.

Para que seja legítimo o recurso à tributação por via dos métodos indiretos, cabe à AT o ónus da prova de que se reúnem os pressupostos da sua aplicação, consubstanciando­-se tal ónus probatório na demonstração da existência de situações fáticas, designadamente irregularidades contabilísticas, que assumam alcance tal que impossibilitam o recurso a métodos diretos de avaliação (3-Neste sentido, v., exemplificativamente, os Acórdãos deste TCAS de 17.10.2019 (Processo: 487/11.6BECTB), de 25.05.2017 (Processo: 06473/13), de 17.03.2016 (Processo: 06556/13) e de 13.03.2014 (Processo: 07216/13). (cfr. art.ºs 87.º e 88.º da LGT). Inerente às próprias caraterísticas da avaliação indireta, o legislador criou um procedimento próprio de reação à mesma, como resulta do disposto no art.º 86.º da LGT. Assim, se as liquidações de imposto decorrentes da avaliação direta são suscetíveis de impugnação direta (cfr. art.º 86.º, n.º 1, da LGT), já quanto haja recurso a métodos indiretos a situação é distinta. Com efeito, estando em causa o erro na quantificação ou nos pressupostos, é exigido que se desencadeie o procedimento de revisão previsto no art.º 91.º da LGT, procedimento esse de cariz iminentemente pericial.

O recurso a estes meios de avaliação não é discricionário, como se conclui do que viemos expondo: estão legalmente definidas, de forma circunscrita, as situações em que é admissível à AT a sua utilização.

Feito este introito, cumpre apreciar o caso sob apreciação.

O que ocorreu in casu, no âmbito da esfera jurídica do Recorrido, foi uma fixação de um valor de compra presumido, mas como se de correções técnicas se tratasse.

Não se ignora que os documentos juntos pelo Recorrido pudessem, legitimamente, suscitar dúvidas à AT, em torno da veracidade do preço de venda declarado.

Mas o valor fixado pela AT não foi o valor dos dois empréstimos, mas sim o valor obtido, por recurso a métodos indiretos, em sede de ação inspetiva à sociedade alienante. Esse valor foi obtido, no mencionado contexto, considerando um preço por metro quadrado determinado pela AT.

O que sucedeu, então, foi que, sem mais, a AT transpôs esse valor para o Recorrido, sem que naturalmente demonstre o porquê dessa opção, porque, no fundo, o que fez foi partir de uma presunção (um preço por metro quadrado fixado em sede de ação inspetiva à sociedade alienante, na quantificação por métodos indiretos) e utilizá-la como se se tratasse de uma realidade efetiva e não presumida.

Ora, a partir do momento em que a AT utiliza, na verdade, métodos indiretos, ainda que de forma não assumida e sob a aparência de correções técnicas, a mesma não está a demonstrar os pressupostos de que parte, pelo que não tem qualquer fundamento o alegado, no sentido de que o ónus da prova da efetividade do preço cabia ao Recorrido. Num primeiro momento, a AT tem de cabalmente demonstrar os pressupostos objetivos de que parte e esses, no caso, não foram demonstrados, do ponto de vista de correções técnicas.

O Código Civil, a propósito das presunções legais e judiciais, no seu art.º 349.º, contém um conceito de presunções, ali definidas como “… as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”.

Como está bem de ver, nas correções por métodos diretos, a AT não pode fundar os seus raciocínios em presunções. O método presuntivo é, sim, próprio da tributação por recurso a métodos indiretos.

No caso dos autos, foi justamente o que sucedeu.

A AT partiu de um facto conhecido objetivo (a saber, a discrepância entre o valor da escritura e o somatório do valor dos empréstimos) para firmar um facto desconhecido (ou seja, o de que o valor real foi superior a qualquer um dos dois outros valores apurados – o declarado e o resultante do somatório dos valores dos empréstimos –, considerando o preço por metro quadro definido em sede de quantificação da correção por métodos indiretos na ação inspetiva realizada à alienante), sem que haja qualquer elemento factual adicional que permita sustentar esta conclusão.

Ora, este uso de uma presunção, como ocorreu in casu, implica, desde logo, que não se esteja perante a aplicação de métodos diretos de correção da matéria tributável, estando sim a mesma a ser indiretamente corrigida.

Mais, como a matéria tributável foi indiretamente corrigida, mas de forma não assumida – uma vez que a AT reputou as correções em causa como correções técnicas –, não foram seguidos os procedimentos atinentes à determinação da matéria tributável por métodos indiretos.

Como tal, não assiste razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida que julgou procedente a impugnação e anulou as liquidações impugnadas;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 29 de fevereiro de 2024

(Tânia Meireles da Cunha)

(Jorge Cortês)

(Ana Cristina Carvalho)