Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07329/14
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:02/13/2014
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:PROVIDÊNCIAS CAUTELARES/ LEGITIMIDADE /EFEITO DO RECURSO
Sumário:I. Tal como decorre do disposto no artigo 143º, nº2 do CPTA, os recursos interpostos de decisões respeitantes à adopção de providências cautelares, entendendo-se, como tal, todos os tipos de decisões que podem ser adoptadas em processos cautelares, como sejam as que concedam ou deneguem providências cautelares, as que declarem a caducidade da providência decretada ou a sua alteração ou revogação, e ainda as que antecipem o julgamento da causa, têm efeito meramente devolutivo.

II. Sobre a legitimidade no processo judicial tributário (sem distinção entre legitimidade activa e passiva) dispõe o nº4 do artigo 9º do CPPT, aí se estabelecendo que têm legitimidade no processo judicial tributário, além da administração tributária, dos contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais, quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido, o Ministério Público e o Representante da Fazenda Pública.

III. No que respeita à legitimidade activa (que não no procedimento, a que se reportam os nºs 1, 2 e 3 do artigo 9º do CPPT), há que lançar mão do disposto no artigo 30º, nºs 1, 2 e 3 do CPC, ex vi artigo 2º, al. e) do CPPT: o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar (por contraposição ao réu quando tem interesse directo em contradizer); o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção, sendo que, na falta de indicação da lei em contrário, são titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como ela é configurada pelo autor.

IV. Assim, carece de legitimidade para requerer a suspensão da ordem de cativação e penhora de saldos bancários, por alegadamente a execução fiscal estar suspensa, a entidade bancária relativamente a depósitos de um executado, seu cliente, pois, tal como a relação vem configurada, a ordem proferida no âmbito do processo executivo em causa não lesa direitos ou interesses legalmente protegidos daquela entidade, ora Recorrente, enquanto depositária.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1- RELATÓRIO

... , S.A, não se conformando com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que, julgando procedente a excepção da ilegitimidade da Requerente para propor a presente providência cautelar, absolveu da instância a entidade Requerida, a Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direcção de Finanças de Lisboa, representada pelo Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formulou, para tanto, as seguintes conclusões:

A) O Recorrente é parte legítima na presente providência cautelar, na medida em que tem interesse próprio e directo em demandar a Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direcção de Finanças de Lisboa, adveniente do facto de poder ser afectado pelas ordens emanadas no âmbito do processo de execução fiscal número 3085200601115537, porquanto, caso não seja declarado o efeito suspensivo da ordem de cativação do saldo de contas de que o ... - Prestação de Serviços, ACE é titular junto do Recorrente, o Recorrente poderá ver-se na contingência de ser exposto a responsabilidade contra-ordenacional, nos termos dos artigos 74.º e 75.º e alínea g) do artigo 210.° do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e, ainda, incorrer, juntamente com os seus funcionários, no crime de infidelidade, previsto no artigo 224.° do Código Penal;

B) O facto de, na sequência da ordem de cativação do saldo de contas bancárias de que o ... - Prestação de Serviços, ACE é titular junto do Recorrente, a Administração Tributária ter - em manifesta violação do disposto no artigo 128º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - ordenado a penhora e entrega do montante cativado, não afasta a utilidade da presente acção e do conhecimento do seu mérito, na medida em que, caso a mesma venha a ser procedente e, em consequência, seja decretado o efeito suspensivo da mesma, todos os actos administrativos subjacentes à ordem de cativação do saldo de contas bancárias de que o ... - Prestação de Serviços, ACE é titular junto do Recorrente são nulos, nos termos do artigo 133.°, número 2, alínea i) do Código do Procedimento Administrativo;

C) Constata-se, portanto, que o Recorrente, por ter um interesse próprio em obter tutela quanto a ordens administrativas (que reputa ilegais) susceptíveis de criar na sua esfera responsabilidades de diversas naturezas, tem plena legitimidade para intentar a presente Providência Cautelar, meio que se mostra adequado à obtenção da defesa dos seus direitos e interesses legítimos;

D) O Recorrente tinha legitimidade processual à data da interposição da presente acção e mantém-se a utilidade da decisão que venha a ser proferida no presente recurso, que obrigará, em caso de deferimento, o Tribunal a quo a decidir quanto ao mérito da providência interposta, com as consequências devidas;

E) É erróneo o entendimento do Tribunal a quo no sentido de que o Recorrente não tem um interesse próprio e directo em demandar na presente Providência Cautelar porque "a executada pertence[r] ao Grupo de empresas da Requerente”, o que determina que "a conjectura de um cenário de responsabilização é irrealista, não sendo credível a sua invocação”, na medida em que se baseou em meras valorações subjectivas desprovidas de fundamentação factual e jurídica, não considerando o facto de o Recorrente e o ... - Prestação de Serviços, ACE não manterem qualquer relação de grupo, no sentido jurídico do termo;

F) Admitindo-se que o Tribunal a quo tivesse tido dúvidas quanto à possibilidade de responsabilização do Recorrente, com base no argumento da estrutura societária do Recorrente e da relação com o cliente em causa, com consequências ao nível do apuramento do seu eventual interesse próprio e directo em demandar, verifica-se que o mesmo não diligenciou, como devia, ao abrigo do princípio do inquisitório a que aludem os artigos 99.°, número 1 da Lei Geral Tributária e 13.°, número 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, apurar a realidade factual antes de decidir, tendo emanado uma decisão valorativa sobre questões que carecem de fundamentação com base em prova específica;

G) E, mesmo considerando que a expressão “grupo” utilizada pelo Tribunal a quo não respeita ao sentido jurídico do termo (como aliás, não poderá respeitar, por não se verificar), mas antes ao seu sentido corrente, a argumentação constante na sentença recorrida não poderá proceder, na medida em que a apreciação de um pressuposto processual (legitimidade) à luz da especulação sobre o "irrealismo" da eventual responsabilização do Recorrente e/ou dos seus funcionários pelo ... - Prestação de Serviços, ACE, não se afigura legítima no ordenamento jurídico;

H) Ainda que se assuma, para efeitos de argumentação, uma relação de grupo entre o Recorrente e o referido cliente, jamais poderia ser vedado ao Recorrente o acesso à tutela judicial que pretende, na medida em que agindo na sua qualidade de instituição de crédito em relação a uma ordem ilegal dada quanto à conta bancária da titularidade de um seu cliente, não lhe poderia ser vedada, sob pena de violação do artigo 268.° da Constituição da República Portuguesa;

I) O cenário de responsabilização do Recorrente pelo ... - Prestação de Serviços, ACE ou pelos seus membros mostra-se plausível e deveria ter sido ponderado pelo Tribunal a quo, atendendo aos danos em que as mesmas poderão incorrer, designadamente, ao nível da prossecução da actividade, caso o referido ... - Prestação de Serviços, ACE não cumpra a obrigações a que se encontra adstrito à luz do contrato constitutivo do mesmo e, ainda, ao facto de parte dos membros do referido cliente não fazerem parte do grupo do Recorrente;

J) É igualmente erróneo o entendimento do Tribunal a quo segundo o qual o Recorrente não tem um interesse próprio e directo em demandar na presente Providência Cautelar porque agiu "no estrito cumprimento de ordens da AT" estando "excluída qualquer ilicitude no seu comportamento que possa consubstanciar qualquer tipo de responsabilidade civil, criminal e contra-ordenacional";

K) Em face das informações fornecidas pelo ... - Prestação de Serviços, ACE quanto ao processo de execução fiscal número 3085200601115537 e, ainda, obtidas pelo Recorrente junto dos seus arquivos (ao nível da prestação de garantias), tudo aponta para que o referido processo de execução fiscal esteja suspenso nos termos do artigo 169.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, pelo que a ordem de cativação do saldo de contas bancárias do referido cliente é ilegal;

L) Em face da documentação fornecida pelo ... – Prestações de Serviços, ACE ao Recorrente após a apresentação da presente acção relativa às sentenças proferidas pelo Tribunal Tributário de Lisboa nos processos números 2325/06.2BELSB e 1309/l3.9BELRS e que se encontram em fase de recurso (meramente devolutivo), verifica-se que ordem de cativação do saldo de contas bancárias do referido cliente se afigura ilegal, por violação do artigo 286.°, número 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

M) Perante a ilegalidade da ordem de cativação do saldo de contas bancárias do ... - Prestação de Serviços, ACE, o Recorrente entende que a mesma não se mostra legítima e, como tal, o Recorrente não só não está adstrito ao seu cumprimento, como tem o dever de não a cumprir, sob pena de violação dos restantes deveres a que, enquanto entidade depositária, está obrigado a observar no âmbito da sua actividade;

N) Ainda que se considerasse que a ordem de cativação do saldo de contas bancárias de que o ... - Prestação de Serviços, ACE é titular junto do Recorrente é legítima, sempre cumpre referir que, ainda assim e no confronto dos deveres em causa no caso sub judice, o Recorrente não teria que cumprir a mesma nos termos do artigo 36.° do Código Penal;

O) No caso concreto e, para efeitos de aplicação e ponderação do conflito de interesses a que alude o artigo 36.° do Código Penal, o Recorrente vê-se confrontado, por um lado, (i) com a decisão da Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direcção de Finanças de Lisboa, ordenando a prática de um acto próprio do prosseguimento do processo de execução fiscal número 3085200601115537 (a cativação do saldo das contas do Executado no âmbito do referido processo) e, por outro lado, (ii) com a suspensão do processo de execução fiscal atendendo a uma garantia bancária prestada por uma entidade que o Recorrente incorporou, nos termos do artigo 169.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário e, ainda, do teor de duas decisões judiciais favoráveis ao ... - Prestação de Serviços, ACE (proferidas pelo Tribunal Tributário de Lisboa nos processos números 2325/06.2BELSB e 1309/13.9BELRS e que se encontram em fase de recurso, meramente devolutivo, nos termos do artigo 286.°, número 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário), nos termos das quais Administração Tributária está impedida de prosseguir a execução fiscal até decisão final dos referidos processos;

P) A ordem emitida pela Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direcção de Finanças de Lisboa mostra-se, assim, contrária à Lei e desrespeita, de forma evidente, as normas legais aplicáveis e o teor das decisões judiciais já proferidas em relação ao cliente do Recorrente, as quais, até superior sanção pelos Tribunais de recurso se mantêm válidas e eficazes na ordem jurídica;

Q) Em face da valoração dos deveres em confronto, conformados pelas eventuais consequências, danos e sanções associados ao incumprimento dos mesmos, bem como pelos princípios vigentes na ordem jurídica, o Recorrente entende que, embora tenha cumprido a ordem que lhe foi ordenada, não estava adstrito ao cumprimento da ordem de cativação do saldo de contas bancárias do ... - Prestação de Serviços, ACE, na medida em que não só a mesma se mostra ilegal- por violação dos artigos 169.° e 286.°, número 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário - e, nessa medida, o cumprimento da mesma poderá implicar que o Recorrente venha a ser exposto a responsabilidade civil, contra-ordenacional e criminal,

R) como, ainda, em razão do valor dos bens jurídicos em conflito no caso em apreço - a prossecução da actividade do cliente ... - Prestação de Serviços, ACE e de todos os seus membros e a satisfação de um crédito do Estado que já foi judicialmente declarado ilegal e, ainda, que se encontra garantido - terá, forçosamente e à luz do disposto no artigo 36.° do Código Penal, que prevalecer o primeiro destes interesses;

S) A sentença recorrida padece, assim, do vício de violação de lei, por inobservância do disposto nos artigos 9.°, número 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, artigo 30.°, número 1 do Código de Processo Civil (ex vi artigo 2.°, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário), 65.° da Lei Geral Tributária e 9.°, número 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (ex vi artigo 112.°, número 1 do mesmo diploma) e, ainda, por inobservância do disposto nos artigos 36.° e 224.° do Código Penal, 169.° e 286.°, número 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, devendo a mesma ser anulada, por se verificar a legitimidade do Recorrente na presente acção e, em consequência, ser ordenado o conhecimento do mérito da Providência Cautelar apresentada pelo Recorrente.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente recurso ser dado como procedente, por provado, e em consequência ser revogada a decisão recorrida, por ilegal, e substituída por outra que contemple as interpretações de Direito acima explanadas, dando-se provimento à pretensão da Recorrente, tudo com as legais consequências”.


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Foram apresentadas contra-alegações com as seguintes conclusões:

I) É regra geral que os Recursos da não adopção de providências cautelares em matéria tributária têm efeito meramente devolutivo e não suspensivo;

II) Porquanto, decorre do disposto no nº 2 do art. 143° do CPTA, que os recursos interpostos de decisões respeitantes à adopção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo, não se prevendo a possibilidade de o recorrente requerer a atribuição de efeito suspensivo;

III) Onde o douto Tribunal, independentemente da existência de excepções peremptórias e ou dilatórias, e dos pressupostos processuais que dependem a acção estar em juízo, vem tutelar um efeito suspensivo manifestamente indevido e que coloca em causa o crédito tributário;

IV) Ora nos presentes autos, nem sequer existe acção principal, nem tão pouco, a recorrente identificou a acção que iria interpor;

V) Dispõe o artigo 123° n.º 1 alínea a) do CPTA aplicável ex vi artigo 147° do CPPT, que existe caducidade da medida cautelar: " a) Se o requerente não fizer uso, no respectivo prazo, do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adopção de providência cautelar se destinou."

VI) Com efeito, é evidente que existe caducidade da presente medida cautelar, porquanto não existe qualquer processo principal interposto ou pelo menos que se conheça;

VII) Quanto à vexata quaestio, da regra geral do artigo 95.°, n.º 1, da LGT decorre que o direito de impugnação é assegurado a quem puder considerar-se «interessado» e sê-lo-á quem for lesado por um acto da Administração Tributária nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.

VIII) Sucede que dos normativos legais constantes do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras a que a Recorrente se acode, com o objectivo de ser investida de legitimidade, no sentido de sindicar actos praticados na execução fiscal, nomeadamente ordens de penhora dos saldos de contas bancária de uma executada sua cliente, resulta claramente o inverso;

IX) Ou seja, face às disposições legais constantes do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras resulta que ao incumprir com uma ordem de penhora, praticada no âmbito de um processo que tem uma natureza judicial, é lhe imputada uma responsabilização contra ordenacional por violação dos artigos 74°. e 75.° do supra citado diploma legal;

X) Com efeito, estamos perante um evidente desinteresse processual da Recorrente em vir sindicar actos do órgão de execução fiscal, que tem uma natureza judicial e que somente lesam a esfera da executada;

XI) No que concerne à responsabilidade criminal dos funcionários, esta recai não sob a eventual legalidade ou ilegalidade da penhora, que é um mero juízo de prognose póstuma, mas sim, sob uma responsabilidade subsidiária da entidade que representam, pelo eventual incumprimento da ordem de penhora e cativação dos saldos de conta bancária, realizada no âmbito do processo de execução fiscal n°. 3085200601115537, nos termos do artigo 223°, nº. 5, do CPPT;

XII) Ora, salvo melhor opinião, é incognoscível sendo a Recorrente a depositária, quais são os direitos e interesses a acautelar no cumprimento da ordem de penhora;

XIII) Realmente desafia a lógica e acaba por ser um entendimento temerário, porquanto se assim fosse, qualquer entidade, que tivesse depósitos ou créditos, teria legitimidade para sindicar as decisões do órgão de execução fiscal, colocando em causa as necessidades financeiras do Estado, protegidas constitucionalmente no artigo 103.° n.º 1 da CRP, podendo o mesmo acto ser sindicado por várias vias, na expectativa que uma delas alcance com sucesso o objectivo pretendido;

XIV) Por outro lado, a interpretação dos artigos 9.°, n.ºs 1 e 2, e 95.°, n.º 1, da LGT e do artigo 9.° CPPT não é incompatível com os direitos constitucionais à tutela judicial efectiva de actos lesivos, artigos 20.°, n.º 1, e 268.°, n.º 4, da CRP, na medida em que a tutela jurídica de quaisquer actos não é posta em causa, estando apenas o seu exercício dependente de ser praticado algum acto que directamente as afecte, o que não é o caso;

XV) Deste modo, a Recorrente não está agir nos seus próprios interesses, mas sim, no de terceiros;

XVI) Carecendo de legitimidade nos termos legais.

Termos em que, e com o mui douto suprimento de V. Exas, deve o presente Recurso Jurisdicional ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo Justiça”.


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Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo, importa apreciar e decidir, já que a tal nada obsta.

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Questões a decidir:

(i)Saber se o efeito suspensivo fixado ao presente recurso pelo Tribunal a quo deve ser alterado, fixando-se, diversamente, o efeito devolutivo do mesmo.

(ii) – Saber se a sentença recorrida errou no julgamento efectuado ao considerar que a Requerente, aqui Recorrente, carecia de legitimidade processual para propor a providência cautelar em análise, tendo, em consequência, julgado procedente tal excepção e absolvido da instância a entidade Requerida.


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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

A) A Requerente tomou conhecimento, em data não determinada, de uma comunicação da Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direcção de Finanças de Lisboa, datada de 31/07/2013, em relação a uma lista de várias entidades, para que a Requerente identificasse as contas dos representantes/autorizados, dos co-titulares, bem como do valor dos depósitos bancários, nos termos do art. 79.°, n.º 2 al. e) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (cfr. documento a fls. 36 e 37 dos autos).

B) Pela comunicação mencionada na alínea anterior foi determinado, quanto às referidas contas, que fossem cativados os saldos penhoráveis à data da recepção da notificação nos termos do art. 223.° do CPPT (cfr. documento a fls. 36 e 37 dos autos).

C) Em 11/09/2013 a Requerente teve conhecimento da comunicação com a indicação de que deveria proceder à entrega “até ao dia 13 de Setembro de 2013 (sexta-feira) do ficheiro com os contribuintes com depósitos bancários penhorados" (cfr. documento a fls. 38 e 39 dos autos).

D) Na comunicação mencionada na alínea anterior, mais se informava que se a Requerente não respondesse no referido prazo, funcionários da Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direcção de Finanças de Lisboa deslocar-se-iam às instalações da Requerente, no dia 16 de Setembro de 2013, para elaborar os autos de penhora de depósitos bancários (cfr. documento a fls. 38 e 39 dos autos).

E) Em 13/09/2013, a Requerente apresentou um requerimento junto da Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direcção de Finanças de Lisboa, solicitando esclarecimentos sobre a verificação dos pressupostos processuais legalmente previstos para a efectivação da cativação de saldos bancários ordenada, uma vez que “vários clientes do Requerente incluídos na listagem remetida, alvo da supracitada cativação de saldos, informaram, ao ter conhecimento da mesma, não ter qualquer dívida tributária que se encontre em fase que permita a penhora” (cfr. documento de fIs. 40 e 41 dos autos).

F) A providência cautelar foi apresentada junto do tribunal tributário de Lisboa em 23/09/2013 (cfr. fIs. 2 dos autos).

G) Em 25/09/2013 foi proferido despacho no sentido de a autoridade requerida ser notificada nos termos do art. 116.°, n.º 1 do CPTA (cfr. fIs. 49 dos autos).

H) Em 26/09/2013 foi remetido à entidade requerida a notificação mencionada na alínea anterior (cfr. fls. 55 dos autos).

I) Em 01/10/2013 foi lavrado o auto de penhora do saldo bancário na Requerente de que é titular o Millennium BCP- Prestação de Serviços, ACE, pelo montante de 30.009.133,08€, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3085200601115537 (cfr. documento de fls. 89 dos autos).

J) Em 26/09/2013 foi proferida decisão no processo de reclamação de decisão do órgão de execução fiscal n.º 1309/13.9BELRS, em que é Reclamante "... Serviços - ACE" cujo objecto é a decisão do órgão de execução fiscal que se consubstanciou no levantamento da suspensão do processo de execução fiscal n.º 3085200601115537, que corre termos no serviço de finanças de Lisboa-3 (cfr. fIs. 100 e ss dos autos).

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Quanto aos factos dados como indiciariamente provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos.

Não se provou, nem sequer indiciariamente os factos alegados pela Requerente nos artigos n.ºs 8.°, 9.°, 10.°, 11.°, 12.°, formando-se a convicção do tribunal na total ausência de junção de qualquer meio de prova relativamente aos factos alegados.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados”.


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Efeito do recurso

Como oportunamente deixámos expresso, a Recorrida, em sede de contra-alegações (cfr. pontos I a III), veio questionar o efeito fixado ao recurso pelo Tribunal a quo, sustentando que ao mesmo deve ser atribuído efeito devolutivo e não, como se verificou, suspensivo.

Efectivamente, assiste razão à Recorrida, tal como decorre do disposto no artigo 143º, nº2 do CPTA - Os recursos interpostos de (…) decisões respeitantes à adopção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo, entendendo-se, como tal, “todos os tipos de decisões que podem ser adoptadas em processos cautelares, como sejam as que concedam ou deneguem providências cautelares, as que declarem a caducidade da providência decretada ou a sua alteração ou revogação, e ainda as que antecipem o julgamento da causa” (cfr. Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto F. Cadilha, 2ª Edição revista, 2007, Almedina, pág. 823).

Ora, tal como se deixou dito no acórdão do STA de 13/09/12, proferido no processo nº 0628/12, com total pertinência relativamente ao presente recurso, “Não obstante a redação desta norma permitir a dúvida sobre se não reservaria para a «adopção» das providências o efeito devolutivo, valendo o efeito suspensivo – que é a regra (vd. nº 1, do mesmo preceito) – para a denegação das mesmas providências, deverá entender-se que impõe a atribuição de efeito meramente devolutivo às decisões tomadas em processos cautelares, seja as que concedam seja as recusem a adopção das providências requeridas. Pois que só assim se dissuade o interessado de interpor recurso de decisão desfavorável, apenas no intuito de continuar a beneficiar da proibição de executar o acto administrativo durante a pendência do recurso (…)”

Termos em que, sem necessidade de mais considerações, alterando o despacho de fls. 426 dos autos, atribui-se ao presente recurso efeito meramente devolutivo.

2.2. De direito

A ora Recorrente, com expressa invocação da alínea a) e f), primeira parte, do nº 2, do artigo 112º do CPTA, requereu junto do Tribunal Tributário de Lisboa providência cautelar com vista a ser declarado o efeito suspensivo da ordem de cativação do saldo das contas de que o ... – Prestação de Serviços, ACE, é titular junto da Requerente, até ao valor de € 39.772.976,18 e, bem assim, de qualquer penhora e entrega do referido montante à Administração Tributária, até à decisão da providência cautelar apresentada pelo referido cliente ou ao cabal esclarecimento por parte desta quanto à legalidade dos actos ordenados.

Sobre o requerimento formulado, recaiu despacho de admissão, tendo sido ordenada a notificação da Requerida para deduzir oposição.

Com base na falta de legitimidade activa da Requerente para propor a presente providência cautelar o Tribunal a quo, julgando verificada tal excepção dilatória, veio a absolver da instância a Requerida. Para assim concluir, a decisão recorrida, após expressa referência ao disposto no artigo 9º, nº1 do CPPT, nos artigos 65º e 103º da LGT e nos artigos 26º, nº 3 e 30º do CPC, alinhou o seguinte discurso argumentativo cujo teor, nos seus aspectos essenciais, se passa a transcrever:

“(…)

Por conseguinte, e passando ao caso dos autos, a Requerente para ter legitimidade no processo tributário, considerando que não é o sujeito passivo da relação tributária, nem o executado, terá, necessariamente, de demonstrar que tem um interesse legalmente protegido em demandar, ou seja, que haja uma utilidade derivada da procedência da acção.

In casu, (…) há que ter por assente que estamos perante uma providência cautelar que a Requerente vem propor, pelo que, será em relação a esta que se terá de aferir do seu interesse legalmente protegido em demandar, ou seja, é relativamente à providência cautelar que cumpre aferir, desde logo, a sua legitimidade.

Conforme resulta da p.i. a Requerente, não sendo o executado objecto de penhora, invoca a sua eventual responsabilidade contra-ordenacioanal, nos termos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, e que poderá vir a ser responsabilizada civil e criminalmente, e com esse fundamento pretende que seja declarado o efeito suspensivo da ordem de cativação do saldo de contas de que o Millennium BCP-Prestação de Serviços ACE é titular junto da Requerente até ao valor de 39.772.976,18€, e bem assim de qualquer penhora e entrega do referido montante à AT, até à decisão da providência cautelar apresentada pelo referido cliente ou ao cabal esclarecimento por parte desta quanto à legalidade dos actos ordenados (sublinhado nosso).

Ou seja, dito de outro modo, a Requerente receia a sua responsabilização contra-ordenacional, civil e criminal se a cativação do saldo e penhora se concretizar, e deste modo, pretende obter a suspensão desses actos até à decisão da providência cautelar apresentada pelo seu cliente (que entretanto foi convolada em reclamação judicial prevista no art. 276.º do CPPT) ou até ao cabal esclarecimento da legalidade dos actos ordenados.

Assim cumpre saber, se o invocado consubstancia um interesse legalmente protegido em demandar, ou seja, se consubstancia um interesse legítimo, legal em obter a providência cautelar requerida.

Afigura-se-nos, face aos contornos dos presentes autos, que a Requerente não tem legitimidade para propor a presente providência cautelar, porquanto ao contrário do que alega, não lhe advém qualquer consequência jurídica negativa da eventual improcedência da providência (suspensão da ordem de cativação do saldo de contas de que o Millennium BCP-Prestação de Serviços ACE é titular junto da Requerente até ao valor de 39.772.976,18€, e bem assim de qualquer penhora e entrega do referido montante à AT), na medida em que, a Requerente apenas está a agir em estrito cumprimento das ordens da AT, não havendo qualquer interesse próprio da Requerente em demandar.

Não consubstancia interesse em agir o receio de ser demandada em acções de responsabilidade civil, criminal e ou contra-ordenacional, quando esse receio não tem qualquer respaldo na lei, nem as circunstâncias concretas do caso fazem antever tal demanda.

Com efeito, por um lado, a Requerente deve cumprimento às ordens de penhora do órgão de execução dada a natureza judicial do processo. Por outro lado, as circunstâncias concretas do caso não apontam para as consequências aventadas pela Requerente.

Com efeito, a executada pertence ao Grupo de empresas da Requerente, e nessa medida, a conjectura de um cenário de responsabilização é irrealista, não sendo credível a sua invocação, tal como agindo a Requerente no estrito cumprimento de ordens da AT, está excluída qualquer ilicitude no seu comportamento que possa consubstanciar qualquer tipo de responsabilidade civil, criminal e contra-ordenacional.

Como bem refere a entidade Requerida na sua contestação a respeito da admissibilidade da legitimidade da Requerente "(...) acaba por ser um entendimento temerário, porquanto assim for, qualquer entidade que tenha depósitos poderá sindicar as decisões do órgão de execução fiscal".

Aliás, resulta dos contornos específicos do caso dos autos, designadamente do facto de estarmos perante duas empresas do mesmo grupo (Requerente e executada) que a Requerente pretende, na verdade, não é tutelar os seus interesses (a sua responsabilização civil, criminal e contra­ ordenacional), mas antes, pretende tutelar os interesses de uma das empresas do seu grupo - a executada. Mas também nesse caso, não estamos perante um interesse directo da Requerente em demandar, que lhe confira legitimidade processual na presente providência, pela simples razão que a executada tem legitimidade para tutelar os seus interesses enquanto executada, tanto que já o fez ao ter apresentado providência cautelar que entretanto, já foi convolada em reclamação judicial.

Concluindo, a Requerente não tem um interesse legal em demandar na presente providência, não tendo legitimidade processual para interpor a providência requerida.”.

É contra o assim decidido que vem interposto o presente recurso, nos termos que constam das conclusões supra transcritas.

Vejamos, então.

É no nº 6 do artigo 147º do CPPT (com a epígrafe Intimação para um comportamento) que vamos encontrar a previsão expressa da tutela cautelar no contencioso tributário, ao consignar-se aí que “O disposto no presente artigo aplica-se, com as adaptações necessárias, às providências cautelares a favor do contribuinte ou demais obrigados tributários, devendo o requerente invocar e provar o fundado receio de uma lesão irreparável do requerente a causar pela actuação da administração tributária e a providência requerida.”

No essencial, e para além de aspectos de natureza processual, o que se retira da norma transcrita queda-se pela exigência de o requerente da providência ter de invocar e demonstrar o fundado receio de uma lesão irreparável que a actuação da Administração lhe possa vir a causar, “não se fazendo depender a concessão da providência da formulação de um juízo positivo nem sequer da não formulação de um juízo negativo sobre a probabilidade de êxito da pretensão formulada ou a formular no processo principal” – cfr. J. Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, II Vol., 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 595.

Sem retirar importância a este aspecto, há que salientar a evidência de estarmos “diante de um quadro legal incompleto, repleto de lacunas e, por isso, necessitado de, sem perda de identidade e especificidade, ser complementado pelo recurso, devidamente adaptado, a cenários legislativos similares e próximos, como os do contencioso administrativo e do direito processual civil” – cfr. acórdão deste TCA, de 01/06/11, proferido no recurso 04810/11.

Como bem refere J. Lopes de Sousa, a propósito da adopção de medidas cautelares fora dos casos previstos no CPPT (no artigo 147º, nº6 do CPPT), por aplicação do CPTA, há que reconhecer a possibilidade de adopção de outros meios cautelares, com fundamento directo no artigo 268º, nº4 da CRP, “pois trata-se de uma norma que, ao definir o âmbito do direito fundamental à tutela judicial efectiva, é directamente aplicável (art. 18º, nº1, da CRP), não dependendo a possibilidade da sua aplicação, assim, da existência de uma norma da lei ordinária que a preveja”vide, obra citada, pág. 596.

No caso, foi com apelo às alíneas a) e f), primeira parte, do nº 2, do artigo 112º do CPTA, que a ora Recorrente requereu junto do Tribunal Tributário de Lisboa a providência cautelar, com o conteúdo que já deixámos expresso.

A questão que, nesta sede, nos vem colocada pela Recorrente prende-se com o acerto, ou desacerto, do juízo formulado pelo Tribunal a quo quanto à ilegitimidade da Requerente da providência cautelar.

Fazendo apelo ao quadro legal que baliza a questão suscitada, importa ter presente o seguinte:

Sobre a legitimidade no processo judicial tributário (sem distinção entre legitimidade activa e passiva) dispõe o nº4 do artigo 9º do CPPT, aí se estabelecendo que têm legitimidade no processo judicial tributário, além da administração tributária, dos contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais, quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido, o Ministério Público e o Representante da Fazenda Pública. Ainda com respeito à legitimidade, mas no que toca ao processo de execução fiscal, tenhamos presentes os artigos 152º (legitimidade dos exequentes) e 153º a 161º (legitimidade dos executados), todos do CPPT.

No que respeita à legitimidade activa (que não no procedimento, a que se reportam os nºs 1, 2 e 3 do artigo 9º do CPPT), há que lançar mão do disposto no artigo 30º, nºs 1, 2 e 3 do CPC, ex vi artigo 2º, al. e) do CPPT: o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar (por contraposição ao réu quando tem interesse directo em contradizer); o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção, sendo que, na falta de indicação da lei em contrário, são titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como ela é configurada pelo autor.

O artigo 9º, nº1, do CPTA veio a consagrar, a propósito da legitimidade activa, um princípio geral concordante, na sua essência, com a regulação da legitimidade processual civil, constante do CPC, evidenciando-se, quer o conceito de relação jurídica, quer a prevalência da configuração que pelo autor é feita da mesma – o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida.

No que respeita à legitimidade activa em sede de tutela cautelar, dispõe o artigo 112º, nº1 do CPTA que “quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adopção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo”. Ou seja, a legitimidade em sede cautelar, tal como resulta do CPTA, afere-se de acordo com as regras gerais contempladas no mesmo código, em matéria de legitimidade.

Temos, pois, que a legitimidade activa é uma condição necessária para obter uma apreciação sobre o mérito da pretensão e não, naturalmente, uma condição da sua procedência (a qual só em momento posterior será apreciada). Com efeito, importa não confundir a questão de fundo, aquela que será sujeita à apreciação de mérito do Tribunal, com o pressuposto processual que precede, cronologicamente, tal análise.

Descendo, agora, ao caso concreto, temos, desde logo, o que se nos afigura uma evidência: a Requerente, ora Recorrente, não é parte na relação material controvertida, nem, de resto, a sua alegação vai nesse sentido.

Vejamos.

No âmbito do processo de execução fiscal nº 3085200601115537, em que é executado o ... - Prestação de Serviços, ACE, a ora Recorrente, enquanto instituição bancária, depositária, procedeu, na sequência de notificação para tal da Administração Tributária (efectuada ao abrigo do artigo 79º, nº2, alínea e) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedade Financeiras e do artigo 223º do CPPT – formalidade da penhora de dinheiro ou de valores depositados), à cativação do montante do saldo das contas de que é titular o referido ... - Prestação de Serviços, ACE, no valor de € 39.772.976,18.

Segundo a Requerente, ora Recorrente, há razões que apontam no sentido de que o processo de execução fiscal nº 3085200601115537, com respeito ao qual foi emanada a ordem de cativação de saldos do seu cliente, se encontra suspenso, nos termos e para os efeitos do artigo 169º do CPPT, pelo que, tal ordem e, bem assim, a eventual subsequente penhora e entrega do referido montante à Administração Tributária, é ilegal. Caso a Requerente cumpra o ordenado - leia-se, a manutenção da cativação do saldo das contas de que o ... - Prestação de Serviços, ACE é titular junto do Requerente, até ao valor de € 39.772.976,18 e, em função da penhora, a entrega do referido montante à Administração Tributária - e, posteriormente, o Tribunal venha a declarar a decisão da Divisão de Gestão da Divida Executiva ilegal, poderão, a Requerente e os seus funcionários, que intervenham nos actos, ser responsabilizados civil e criminalmente, para além da responsabilidade contra-ordenacional a que a Requerente ficará sujeita.

Neste contexto, tal como alegado pela Requerente, surge evidente que o cerne da questão se centra na invocada ilegalidade da ordem dada quanto à conta bancária da titularidade de um seu cliente, ... - Prestação de Serviços, ACE, por a execução fiscal nº 3085200601115537, contra este instaurada, se encontrar, segundo a Requerente, suspensa, nos termos previstos no artigo 169º do CPPT.

Ora, a (i)legalidade de tal ordem de cativação e penhora de saldos bancários, por alegadamente a execução fiscal estar suspensa, é matéria atinente à execução fiscal nº 3085200601115537, em que é executado o ... - Prestação de Serviços, ACE, que não, já se vê, a ora Recorrente. De resto, no articulado inicial (cfr. artigo 21º), a Requerente da providência afirma, desde logo, não ser parte no mencionado processo de execução fiscal, o que a impedia, nas suas palavras, de “aceder, por via administrativa, a essa tutela imediata”.

No caso, é por demais evidente, tal como a relação vem configurada, que a ordem proferida no âmbito do processo executivo em causa não lesa direitos ou interesses legalmente protegidos da Recorrente, enquanto depositária (sendo certo que, nos termos do artigo 95º, nº1 da LGT, “o interessado tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo prescritas na lei”).

Aliás, só a circunstância de a Recorrente estar ciente de que a invocada ilegalidade da decisão emanada do órgão da execução fiscal não afecta os seus direitos ou interesses legítimos, enquanto terceiro relativamente ao processo de execução nº 3085200601115537, parece justificar que não tenha apresentado a reclamação a que se reportam os artigos 276º a 278º do CPPT, uma vez que o referido artigo 276º prevê que tal reclamação possa ser apresentada por terceiro (relativamente à execução fiscal), sempre que as decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária no processo afectem os seus direitos e interesses legítimos, podendo tal reclamação, nos casos previstos na lei, subir de imediato, passando a seguir a regras dos processos urgentes.

Portanto, é para nós apodíctico que a ilegalidade da ordem de cativação de saldos e/ou a penhora de dinheiro depositado, efectuadas na execução fiscal nº 3085200601115537, fundamentada na alegada suspensão do processo executivo, são questões atinentes à relação jurídica estabelecida entre a Administração Tributária e o executado, ... - Prestação de Serviços, ACE.

Com efeito, perante tal suposta ilegalidade, afigura-se-nos óbvio que o interesse directo em demandar, expresso na utilidade derivada da procedência da acção, é do executado, que se vê na impossibilidade de movimentar contas bancárias, de utilizar os saldos dos depósitos de que é titular, por os mesmos terem sido penhorados no âmbito de uma execução que, tal como vem invocado, estava suspensa. É o executado, ... - Prestação de Serviços, ACE, que tem real interesse, pessoal e directo, em obter uma decisão que confirme que a execução fiscal se mostra suspensa, nos termos legalmente previstos, e que, fruto dessa suspensão, reconheça a ilegalidade de qualquer ordem/acto (penhora de saldos/cativação dos valores depositados) que ponha em causa tal efeito suspensivo.

A Recorrente insiste, contudo, em que, apesar de não ser parte na execução fiscal, tem um interesse próprio e directo em demandar a Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direcção de Finanças de Lisboa, resultante do facto de poder ser afectada pelas ordens emanadas no âmbito do processo de execução fiscal nº 3085200601115537, porquanto, caso não seja declarado o efeito suspensivo da ordem de cativação do saldo de contas de que o ... - Prestação de Serviços, ACE é titular junto do Recorrente, a Recorrente poderá ver-se na contingência de ser exposta a responsabilidade contra-ordenacional, nos termos dos artigos 74.º e 75.º e alínea g) do artigo 210.° do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e, ainda, incorrer, juntamente com os seus funcionários, no crime de infidelidade, previsto no artigo 224.° do Código Penal;

Tal como o Tribunal a quo, não sufragamos este entendimento.

Com efeito, estabelece a alínea g) do artigo 210° do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) que é punível com coima de € 3000 a € 1 500 000 e de € 1000 a € 500 000, consoante seja aplicada a ente colectivo ou a pessoa singular, a violação de regras e deveres de conduta previstos nesse Regime Geral ou em diplomas complementares que remetam para o seu regime sancionatório, bem como o não acatamento das determinações específicas emitidas pelo Banco de Portugal para assegurar o respectivo cumprimento.

Ora, os artigos 74º e 75º daquele Regime Geral estabelecem, respectivamente, deveres de conduta e critérios de diligência a observar por quem a eles está obrigado, nos termos seguintes:

Artigo 74º

Os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder, tanto nas relações com os clientes como nas relações com outras instituições, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.

Artigo 75.º

Os membros dos órgãos de administração das instituições de crédito, bem como as pessoas que nelas exerçam cargos de direção, gerência, chefia ou similares, devem proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações e ter em conta o interesse dos depositantes, dos investidores, dos demais credores e de todos os clientes em geral.

Lidos os preceitos transcritos, mesmo fazendo uma leitura contextualizada no circunstancialismo descrito pela Recorrente, não é logicamente aceitável o alcance do afirmado pela Recorrente, no que à responsabilidade contra-ordenacional, a que poderá ficar sujeita, respeita.

Com efeito, não se alcança em que medida é que o cumprimento da concreta ordem da AT, proferida no âmbito de um processo de execução fiscal relativo a um cliente da Recorrente, pode fazê-la (recear) violar regras de conduta a que está obrigada ou, também, revelar que a Recorrente não actuou com a diligência de um gestor criterioso e ordenado.

É que, está bem de ver, a Recorrente, enquanto instituição de crédito, que realiza operações financeiras típicas, recebe depósitos de quantias/valores dos seus clientes e, nesse quadro, pode ser destinatária, e é, de ordens emanadas, concretamente, do órgão da execução fiscal onde corram processos destinados à cobrança de dívidas de clientes seus, executados nesses processos (vide, o artigo 223º do CPPT).

Mais. A Recorrente, enquanto instituição de crédito, mesmo perante factos e elementos cobertos pelo dever de segredo, terá que os revelar à Administração Tributária, no âmbito das atribuições desta, tal como decorre do artigo 79º, nº2, alínea e), do RGICSF.

Por conseguinte, não se alcança, e nem a Recorrente o esclarece, em que medida o cumprimento de uma ordem, proveniente de uma autoridade, no âmbito de um processo de execução fiscal (que tem, saliente-se, natureza de processo judicial), pode pôr em causa não apenas as regras de conduta a que está obrigada, mas também a diligência (de um gestor criterioso e ordenado) que lhe é exigida no cumprimento das suas funções.

Também não procede a alegação da Recorrente no sentido de que, “ainda que se considerasse que a ordem de cativação do saldo de contas bancárias de que o ... - Prestação de Serviços, ACE é titular junto do Recorrente é legítima, sempre cumpre referir que, ainda assim e no confronto dos deveres em causa no caso sub judice, o Recorrente não teria que cumprir a mesma nos termos do artigo 36.° do Código Penal”, preceito este que dispõe, no seu nº1, que “não é ilícito o facto de quem, em caso de conflito no cumprimento de deveres jurídicos ou de ordens legítimas da autoridade, satisfizer dever ou ordem de valor igual ou superior ao do dever ou ordem que sacrificar”.

Em boa verdade, não é apreensível, in casu, o suposto conflito que a transcrita disposição legal necessariamente pressupõe. É que, erradamente, a Recorrente pressupõe um conflito entre a decisão da Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direcção de Finanças de Lisboa e a circunstância de, alegadamente, se verificar a suspensão do processo de execução fiscal nº 3085200601115537, nos termos previstos no artigo 169° do CPPT. Sucede, porém, que não é a Recorrente a entidade competente para ajuizar sobre a verificação dos pressupostos legais de suspensão da execução fiscal, nem para ajuizar se, e em que medida, a ordem que recebeu é ilegal, por estarem verificados os pressupostos para tal suspensão. Isso é matéria que caberá ao órgão da execução fiscal ou, em última análise, ao Tribunal Tributário verificar.

De igual forma, a construção da hipótese de incorrer, juntamente com os seus funcionários, no crime de infidelidade, previsto no artigo 224º do CP - Quem, tendo-lhe sido confiado, por lei ou por acto jurídico, o encargo de dispor de interesses patrimoniais alheios ou de os administrar ou fiscalizar, causar a esses interesses, intencionalmente e com grave violação dos deveres que lhe incumbem, prejuízo patrimonial importante é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa – é algo que não se afigura compreensível, perante o cumprimento de uma ordem emanada de um processo com natureza judicial, não se vislumbrando lugar para aventar a hipótese de a Recorrente dar causa, intencionalmente, a prejuízo patrimonial do seu cliente, ... - Prestação de Serviços, ACE.

Por conseguinte, nestes argumentos não vislumbra este Tribunal nenhum que possa levar a concluir, com a Recorrente, que a mesma revela um interesse próprio e directo em demandar a Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direcção de Finanças de Lisboa, nos termos em que se apresentou a fazê-lo. A Recorrente revela, isso sim, um interesse em acautelar interesses de outrem, no caso, de um seu cliente. Isto mesmo é patente quando a Recorrente avança com o hipotético cenário de o seu cliente sofrer danos ao nível da prossecução da actividade, “caso o referido ... - Prestação de Serviços, ACE não cumpra a obrigações a que se encontra adstrito à luz do contrato constitutivo do mesmo e, ainda, ao facto de parte dos membros do referido cliente não fazerem parte do grupo do Recorrente”.

Em suma, a alegação da Recorrente está inelutavelmente condenada ao fracasso, não podendo este Tribunal deixar de confirmar o decidido pelo Tribunal a quo, ao julgar procedente a excepção dilatória da ilegitimidade da Requerente, com a consequente absolvição da instância da Requerida, pois que, como já se afirmou, repetidamente, inexiste, in casu, qualquer interesse directo em demandar, revelado pela utilidade derivada da procedência da acção.

O recurso terá, assim, que improceder.

Sem embargo do acabado de concluir, diga-se que nunca este recurso poderia lograr provimento, uma vez que resulta evidente da p.i a falta de instrumentalidade da presente providência – como faz notar a Recorrida nas contra-alegações – o que determinaria a sua rejeição, nos termos previstos no artigo 116º do CPTA. Porém, como visto, a providência foi admitida, tendo sido julgada verificada a ilegitimidade da Requerente da providência, questão esta que, constituindo o objecto do presente recurso jurisdicional, cumpria a este tribunal reapreciar.

Fica, assim, prejudicada a apreciação da questão colocada em sede de contra-alegações de recurso, concretamente quanto à caducidade das providências, deixando-se, porém, nota de que o artigo 123º do CPTA não prevê a caducidade do próprio processo cautelar, em momento anterior ao da adopção de qualquer providência.

3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida com a fundamentação exposta.

Custas pela Reclamante.

Lisboa, 13 de Fevereiro de 2014


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Benjamim Barbosa)

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(Anabela Russo)