Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:793/11.0BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:10/08/2020
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IRS
MAS-VALIAS
SUCESSÃO MORTIS CAUSA
MOMENTO DA TRANSMISSÃO DOS BENS DA HERANÇA
PARTILHA
BENS
QUOTA
CIRCULAR 21/92
Sumário:I - Não dispondo o direito tributário de norma própria sobre esta matéria, ao abrigo do disposto no art.º 11.º da Lei Geral Tributária, teremos que nos socorrer das normas de direito sucessório constantes do Código Civil – art.º 2119.º - que estabelece que «Feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, sem prejuízo do disposto quanto a frutos.» e art.º 2031.º - «A sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele».
II - O impugnante adquiriu o bem que vendeu no momento em que ocorreu o decesso da pessoa de quem o herdou, sem que tal sofra qualquer alteração por a partilha da herança ter decorrido em momento posterior, ou pela circunstância de nessa partilha lhe ter cabido o bem cujo valor excedia a sua quota hereditária.
III - O momento de aquisição do imóvel é um e um único, o momento da morte do autor da sucessão, sendo a partilha apenas uma forma de distribuir os bens pelos herdeiros em conformidade com a lei, a vontade do de cujus e os interesses dos herdeiros, em preenchimento dos respectivos quinhões hereditários, sempre, em todas as situações, com efeitos retroagidos àquele momento inicial da sucessão hereditária.
IV – A Circular nº 21 de 19/10/1992, emitida pela Direcção dos Serviços do IRS, publicada na página da DGCI, teve em vista uniformizar o entendimento quanto ao enquadramento jurídico tributário dos ganhos obtidos com a alienação de bens que tenham sido adjudicados ao alienante em partilha de acervo hereditário realizada após a entrada em vigor do CIRS, quando nessa adjudicação se mostre excedido o seu quinhão hereditário.
V - O entendimento ali sancionado é o de que na sucessão mortis causa o momento da aquisição dos bens é o da abertura da herança, mesmo quando na partilha sejam adjudicados bens que excedam a quota ideal do herdeiro.
Votação:Voto de Vencida
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

G... deduziu impugnação judicial contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), relativa ao ano de 2009, no valor de 51.392,70 Euros.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé julgou procedente a impugnação e, consequentemente, anulou o acto tributário sindicado.

Inconformada, a Fazenda Publica, veio recorrer contra a sentença. As suas alegações terminam com a formulação das seguintes conclusões:

1. A presente Impugnação refere-se à liquidação de IRS do ano de 2009.

2. Por douta sentença de 25/03/2015, a Impugnação foi julgada procedente por ter sido entendido que a mais-valia obtida não se encontrava sujeita a imposto, por aplicação do regime transitório do art. 5º do DL n.º 442-A/88 de 30 de Novembro que aprovou o CIRS, decisão com a qual a FP não pode concordar pelas seguintes razões:

3. O Recorrido declarou a totalidade do ganho obtido com a transmissão do prédio rústico, inscrito na matriz predial sob o artigo 6… – Secção AC, da freguesia de Santa Bárbara de Nexe, no Anexo G1 da declaração de rendimentos Mod. 3 de IRS.

4. No entanto, através de acção inspectiva, foi verificado que o Recorrido adquiriu apenas metade do referido imóvel por herança de seus pais (cujo óbito ocorreu em 1971 e 1983), antes da entrada em vigor do CIRS.

5. A outra metade do prédio foi adquirida apenas em 29/01/2009, através de escritura pública de partilha, tendo o Recorrido efectuado o pagamento das respectivas tornas à outra herdeira, sua irmã, no valor de € 460,45. Este facto, essencial à boa decisão da causa, não consta da “factualidade provada” na sentença.

6. Por escritura pública de compra e venda, celebrada em 14/04/2009, o Recorrido procedeu à venda do referido prédio rústico, pelo preço total de € 475.000,00.

7. Se é verdade que a primeira aquisição, respeitante a metade do prédio rústico referido, ocorreu antes da vigência do CIRS e, por isso, os ganhos daí decorrentes não se encontram sujeitos a imposto, dada a aplicação da norma contida do art. 5º n.º 1 do DL n.º 442-A/88 de 30 de Novembro, o mesmo já não se pode dizer relativamente à outra metade do imóvel, uma vez que a aquisição ocorreu já após a entrada em vigor do CIRS, ficando, por esse motivo, a respectiva mais-valia sujeita a IRS.

8. Para boa decisão da causa não basta chamar à colação o disposto no art. 2119º do CC, torna-se necessário aprofundar os factos ocorridos, sendo que a solução jurídica a encontrar se relaciona com esse exame factual, o qual, salvo o devido respeito, não foi feito.

9. A segunda aquisição foi efectuada, já no âmbito da vigência do CIRS, a título oneroso, através do pagamento de tornas à sua irmã, no valor de € 460,45, por exceder a sua quota ideal na herança.

10.Este negócio jurídico consubstancia uma verdadeira aquisição a título oneroso, do direito de propriedade sobre o imóvel, constituída por efeito do contrato nos termos do disposto nos arts. 408º n.º 1 e 1317º a) do CC.

11.Através da escritura pública realizada em 29/01/2009, o Recorrido adquiriu um direito real (de propriedade) que não existia na sua esfera jurídica anteriormente a esta data, uma vez que, como se disse, excede a sua quota na herança de seus pais.

12.Neste sentido, acórdão do TCA do Sul de 12/06/2014, proferido no Proc. 06726/13: “(…) em tudo o que exceder a quota ideal que ao herdeiro pertence em virtude de concorrer à herança, o mesmo herdeiro não adquire por efeito da sucessão, antes realizando uma verdadeira aquisição a título oneroso, uma autêntica compra (…). Esta diferença, sujeita a tornas, é suficiente para concretizar a onerosidade da transmissão nesta parte, a qual reveste a natureza de uma verdadeira compra e venda, assim não reportando os seus efeitos ao momento da abertura da sucessão e antes se devendo ter por concretizada a aquisição da respectiva propriedade no momento da celebração do contrato, no caso concreto a escritura de partilha (…)”

13. Assim, a mais-valia decorrente da alienação de metade do prédio rústico adquirido, pelo Recorrido, para além da sua quota ideal na herança, está sujeita a IRS, nos termos do disposto no art. 10º n.º 1 a) do CIRS, tal como apurado pelos Serviços de Inspecção Tributária.

14.A douta sentença não valorou os factos anteriormente descritos, nem indagou sobre outros necessários ao bom julgamento da causa, limitando-se a concluir singelamente pela não sujeição a IRS dos rendimentos obtidos, pelo que, salvo o devido respeito, incorreu em erro de julgamento de facto e de direito.

15.A decisão recorrida violou as normas contidas nos arts. 408º n.º 1, 1317º a) e 2119º do CC, 5º do DL n.º 442-A/88 de 30 de Novembro e 10º n.º 1 a) do CIRS.

Face ao exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a sentença recorrida, que deverá ser substituída por acórdão que mantenha na ordem jurídica a liquidação impugnada só assim se fazendo JUSTIÇA.


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O Recorrido veio oferecer as suas contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
«Imagem no original»
«Imagem no original»


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A Exma. Magistrada do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

“Dos documentos e elementos constantes dos autos, com interesse para a decisão da causa, atentas as soluções plausíveis de direito, julgo provada a seguinte factualidade:

A) Em 23/04/1971 faleceu M..., mãe do Impugnante (cfr. fls. 17 dos autos);

B) Em 18/04/1983 faleceu Ma..., pai do Impugnante (cfr. fls. 23 dos autos);

C) Do acervo hereditário dos pais do Impugnante faz parte o prédio rústico, inscrito na matriz sob o artigo 6… – secção AC, freguesia de Santa Bárbara de Nexe, concelho de Faro (cfr, fls. 24 dos autos);

D) Em 28/04/2008 foi celebrada escritura pública de “Habilitações”, onde constam como herdeiros de M... e de Ma..., os seus filhos – o Impugnante e a sua irmã Mar... (cfr. fls. 17 a 19 dos autos);

E) Em 29/01/2009, foi celebrada “escritura de partilha” onde consta que o Impugnante e a sua irmã declaram que “no dia 23/04/1971 faleceu M... (…) tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros seus dois filhos, G... e Mar... (…) Que no dia 18/04/1983 faleceu Ma... (…) tendo-lhe sucedido
como únicos herdeiros seus dois filhos, G... e Mar... (…) Que , como consta destas declarações, são eles os únicos interessados na partilha dos seguintes bens que pertencem ao património hereditário do casal de M... (…) e de Ma... (…) II – Prédio rústico, sito em Ladeira da Cabana Queimada, freguesia de Santa bárbara de Nexe, concelho de Faro, omisso na competente conservatória, composto por terra de cultura com árvores (…), inscrito na respectiva matriz sob o artigo 6…, secção AC, com valor patrimonial tributário IMT de 920,89€, que lhe atribuem (…) Procedem à partilha pela seguinte forma: Adjudicam ao primeiro outorgante os identificados bens, no valor de €50.920,89 (…)”
(cfr. fls. 22 a 26 dos autos);

F) Em 14/04/2009, o Impugnante celebrou “contrato de compra e venda ” com I... – Investimentos Imobiliários, S.A.” onde declarou que “(…) pelo preço de €475.000 (…) vende à segunda outorgante, livre de ónus ou encargos, o prédio rústico sito em Ladeira da Cabana Queimada, freguesia de Santa Bárbara de Nexe, concelho de Faro, omisso na competente conservatória, composto por terra de cultura com árvores (…), inscrito na respectiva matriz
sob o artigo 6…, secção AC, com valor patrimonial tributário IMT de €2.246,97 (…)”, que aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. fls. 29 a 32 dos autos);

G) Por Ordem de Serviço Interna nº OI2..., emitida em 13/04/2011, pela Direcção de Finanças de Faro, foi determinada a realização de acção de inspecção ao Impugnante, iniciada em 15/06/2011 e terminada em 29/07/2011 (cfr. fls. 37 e 38 dos autos);
H) A acção de inspecção é parcial e incidiu sobre IRS do exercício de 2009 (cfr. fls. 37 dos autos);

I) Em 29/07/2011 foi feito projecto de relatório de inspecção tributária (cfr. fls. 35 a 38 dos autos);

J) Em 01/08/2011 foi enviado ao impugnante, ofício nº 7264 com o assunto: “Projecto de correcções do relatório de inspecção” (cfr. fls. 34 dos autos);

K) Em 11/08/2011 foi apresentado requerimento, pelo Impugnante, no âmbito de “direito de audição prévia” (cfr. fls. 39 a 45 dos autos);

L) Em 23/08/2011 foi feito relatório de inspecção tributária, onde consta, nomeadamente, que:

«Imagem no original»
(cfr. fls. 47 a 51 dos autos);

M) Em 24/08/2011, o Director de Finanças Adjunto de Faro emitiu despacho com o seguinte teor: “Concordo.” (cfr. fls. 47 dos autos);

N) Em 26/08/2011, através do ofício nº 7910, foi enviada ao Impugnante notificação das correcções resultantes do relatório de inspecção tributária (cfr. fls. 46 dos autos);

O) Em 05/09/2011 foi emitida a liquidação nº 2... relativa a IRS de 2009, no valor de €64.099,78 (cfr. fls. 53 dos autos);

P) Em 09/09/2011 foi feita, pela Administração Tributária, uma compensação, no valor de €12.707,08 da qual resultou o valor a pagar pelo impugnante de €51.392,70 (cfr. fls. 55 dos autos);

III-2. Factualidade não provada:
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados”.

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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, temos as seguintes questões a dirimir: (i) erro de julgamento de facto, pretendendo a Recorrente que se adite o circunstancialismo que consta da conclusão 5); (ii) erro de julgamento de direito, por, no entendimento da Fazenda Pública, a sentença ter errado ao concluir que a mais-valia obtida pelo Impugnante, com a venda de um prédio rústico, em 14/09/09, não se encontrava sujeita a imposto, por aplicação do regime transitório do art. 5º do DL n.º 442-A/88 de 30 de Novembro que aprovou o CIRS.

Vejamos por partes, começando pela pretensão correspondente à conclusão 5) – “A outra metade do prédio foi adquirida apenas em 29/01/2009, através de escritura pública de partilha, tendo o Recorrido efectuado o pagamento das respectivas tornas à outra herdeira, sua irmã, no valor de € 460,45. Este facto, essencial à boa decisão da causa, não consta da “factualidade provada” na sentença”.

Trata-se de factualidade que já consta do probatório, concretamente da concatenação dos pontos E) e L) dos factos provados e que, de resto, a sentença, na análise fáctico-jurídica que faz, expressamente considera.

Não se vê, pois, utilidade no pretendido aditamento.

Passemos à segunda questão que nos ocupa, tendo presente, antes de mais avançarmos, o discurso fundamentador que permitiu à Juíza a quo concluir nos termos em que o fez.

“A questão central que se discute é a de saber se as mais-valias resultantes da alienação de prédio rústico, obtido por sucessão hereditária, pelo Impugnante, se enquadra na norma de exclusão de tributação prevista no art. 5º do Decreto-Lei 442- A/88 de 30/11, em vigor à altura dos factos.

O art. 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, que aprovou o CIRS, estabelece um «Regime transitório da categoria G» nos termos do qual, na redacção inicial “os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código” - 1/1/1989.

Ou seja, continuam não sujeitos a tributação em mais-valias os ganhos obtidos com a alienação de imóveis cuja aquisição haja sido anterior a 1/1/1989, exceptuados os terrenos para construção, cabendo ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor do CIRS.

No que concerne, especificamente, a terrenos, o Código do Imposto de Mais-Valias apenas previa a tributação nos casos de “transmissão onerosa de terreno para construção”, não englobando os terrenos rústicos.

As mais-valias constituem incrementos patrimoniais sujeitos a IRS (rendimentos da categoria G), desde que não considerados rendimentos de outras categorias (arts.1° n°1 e 9° n°1 al. a) do CIRS).

Compulsados os autos, verifica-se que ao tempo dos óbitos dos pais do Impugnante, logo, da abertura da sucessão – artigos 2024º. 2031º e 2119º do C.C. – e ao tempo em que os bens foram adquiridos pelo Impugnante e sua irmã, em comum e sem determinação de parte ou de direito, ainda não se encontrava em vigor o CIRS.

Enquanto a herança se mantiver indivisa, cada herdeiro é titular de um direito a uma quota de uma massa de bens, que constitui um património autónomo e não um direito individual sobre cada um dos bens que a integra.

Resulta da factualidade assente que, em 2009, foi feita partilha dos bens tendo o prédio rústico em causa ficado na titularidade do Impugnante, mediante o pagamento de tornas à irmã.

A partilha da herança gera a cessação do estado de indivisão hereditária e de materialização dos bens de cada quinhão hereditário, retroagindo os seus efeitos ao momento da abertura da sucessão, nos termos do referido art. 2119º, do C.C., assim se assegurando uma continuidade da titularidade das relações jurídicas que são objecto da sucessão. Tudo se passa como se cada um dos herdeiros fosse, desde a morte do "de cuius", titular único dos direitos da sucessão hereditária.

A partilha tem uma natureza não meramente declarativa, mas antes, constitui um verdadeiro acto modificativo ou de conversão, na medida em que converte os vários direitos dos herdeiros a uma simples quota (indeterminada) de um todo que se consubstancia nas relações jurídicas de cariz patrimonial que são objecto da sucessão, em direito exclusivo a uma parcela determinada do todo – cfr. Acórdão do STA de 12- 06-2014, proc. nº 06726/13.

Assim, só com a partilha, em 14/04/2009 é que o Impugnante passou a ter o direito exclusivo ao prédio rústico que integrou a herança de seus pais.

Resulta da factualidade assente que, em 14/04/2009, o Impugnante alienou o prédio rústico em causa, por €475.000.

Ora, quer à data da abertura da sucessão, quer à data da partilha, o imóvel em causa é um terreno rústico.

Esse tipo de imóvel não estava sujeito a tributação antes da entrada em vigor do CIRS, em 01/01/1989, e conservou essa natureza após esta data.

Resta apurar se os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de um prédio urbano adquirido como rústico antes da entrada em vigor do Código do IRS e que ainda conservava essa natureza no momento da entrada em vigor deste Código, estão isentos ao abrigo do regime transitório da categoria G, previsto no n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, na redacção do Decreto-Lei n.º 142/92, de 17 de Junho.

Na esteira do já amplamente decidido pelo STA se refira que o art. 5º já supra transcrito, delimitou negativamente o âmbito de incidência do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, uma vez que, visou afastar de sujeição a IRS os ganhos das vendas de imóveis, adquiridos antes da entrada em vigor deste Código, que já não fossem sujeitos ao imposto de mais-valias criado pelo Código de Imposto de Mais (neste sentido, a título de exemplo, os acórdãos do STA, de 7-6-2004, 29-3-2006, e 6-6-2007, proferidos nos recursos n.º 659/04, n.º 1213/05, e n.º 179/07, respectivamente e ainda mais recentemente, de 19-04-2012, recurso nº 0923/11, todos consultáveis in www.dgsi.pt).

Assim, do regime legal referido pode-se concluir que:

- os ganhos já sujeitos ao imposto de mais-valias encontrar-se-ão sujeitos a IRS, pela categoria G;

- os ganhos não sujeitos a imposto de mais-valias, e decorrentes da alienação de bens ou de direitos que tenham sido adquiridos até 31-12-1988, não se encontrarão sujeitos a IRS;

- os ganhos não sujeitos a imposto de mais-valias e decorrentes de alienação de bens ou direitos que tenham sido adquiridos depois da entrada em vigor do Código do IRS, encontrar-se-ão sujeitos a este imposto se forem enquadráveis nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 10.º do mesmo Código (cfr. Acórdão já referido de 19-04-2012).

Assim, os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código.

Ora, atento o disposto no art. 2119º do C.C., não obstante a partilha ter sido feita já na vigência do CIRS, a verdade é que a abertura da sucessão ocorreu antes da sua entrada em vigor e uma vez que os seus efeitos retroagem a essa data, conclui-se que, a data da aquisição do bem, pelo Impugnante, para os efeitos ora pretendidos, é anterior ao CIRS.

O prédio em causa era, à data da entrada em vigor do CIRS – 1 de Janeiro de 1989 – um prédio rústico tendo sido adquirido, também nessa qualidade, antes da vigência do referido diploma legal, em 1973. Independentemente de, posteriormente, ter ocorrido algum facto modificativo do conteúdo do respectivo direito de propriedade (no caso, a partilha de bens) se não estava, na vigência do abolido IMV, sujeito a esse tributo os ganhos resultantes da sua transmissão, afastado está, também, da sujeição a IRS, porque abrangido no regime transitório previsto no n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 na redacção do Decreto-Lei n.º 141/92, de 17 de Junho (neste sentido, vide, o recente Acórdão do STA de 12/02/2015, proc. nº 01266/13 in www.dgsi.pt).

Termos em que deve proceder a presente impugnação e anulado o acto de liquidação impugnado”.

A Fazenda Pública insurge-se contra o assim decidido, defendendo que: “Se é verdade que a primeira aquisição, respeitante a metade do prédio rústico referido, ocorreu antes da vigência do CIRS e, por isso, os ganhos daí decorrentes não se encontram sujeitos a imposto, dada a aplicação da norma contida do art. 5º n.º 1 do DL n.º 442-A/88 de 30 de Novembro, o mesmo já não se pode dizer relativamente à outra metade do imóvel, uma vez que a aquisição ocorreu já após a entrada em vigor do CIRS, ficando, por esse motivo, a respectiva mais-valia sujeita a IRS”. Para assim concluir, afirma a Recorrente que “não basta chamar à colação o disposto no art. 2119º do CC”, evidenciando que “a segunda aquisição foi efectuada, já no âmbito da vigência do CIRS, a título oneroso, através do pagamento de tornas à sua irmã, no valor de € 460,45, por exceder a sua quota ideal na herança”. Ora, na perspectiva da Fazenda Pública, “este negócio jurídico consubstancia uma verdadeira aquisição a título oneroso, do direito de propriedade sobre o imóvel, constituída por efeito do contrato nos termos do disposto nos arts. 408º n.º 1 e 1317º a) do CC”, isto é, “através da escritura pública realizada em 29/01/2009, o Recorrido adquiriu um direito real (de propriedade) que não existia na sua esfera jurídica anteriormente a esta data, uma vez que, como se disse, excede a sua quota na herança de seus pais”. Assim, “a mais-valia decorrente da alienação de metade do prédio rústico adquirido, pelo Recorrido, para além da sua quota ideal na herança, está sujeita a IRS, nos termos do disposto no art. 10º n.º 1 a) do CIRS, tal como apurado pelos Serviços de Inspecção Tributária”.

Em conclusão, para a Recorrente, Fazenda Pública, deve a liquidação de IRS contestada ser mantida, não podendo permanecer a sentença que a anulou.

Ora, em questão neste recurso jurisdicional está saber se estão verificados os pressupostos da exclusão de tributação em IRS relativamente às mais-valias obtidas pelo Impugnante em resultado da alienação onerosa de um bem imóvel (terreno rústico) durante o ano de 2009. Decisiva para esta questão é a forma e momento de aquisição do referido imóvel, por parte do Impugnante, na sequência do óbito da sua mãe (em 1971) e do seu pai (em 1983), de quem era um dos herdeiros, tendo presente o excesso da sua quota hereditária e o pagamento de tornas, à sua irmã, aquando da partilha, em 2009.

Vejamos o que dizer a este propósito, não esquecendo que a mais-valia deve definir-se, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se descreve como uma alienação onerosa, assim estando sujeita ao princípio da realização (cfr. artigo 44º, do CIRS; acórdão do TCA Sul, 22/1/13, proc. nº 4771/11; acórdão do TCA Sul, 27/3/14, proc. nº 2912/09).

Considerando o caso que nos ocupa e a sua delimitação temporal, tenhamos em devida consideração a norma constante do artigo 10º, do CIRS, na redacção em vigor no ano que aqui releva (cfr. artigo 12º, nº1, do CC):


Artº.10

(Mais-Valias)


1-Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;

(...)

3-Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes:

a) Nos casos de promessa de compra e venda ou de troca, presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objecto do contrato;

(…).

As normas de incidência dos tributos, bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação (cfr. ac. TCA Sul, 2/10/12, proc.5320/12; ac. TCA Sul, de 12/12/13, proc.7073/13; ac. TCA Sul, de 27/3/14, proc.2912/09).

“O artº.10, nº.1, al.a), do C.I.R.S., sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), apresenta-se como uma norma de delimitação da incidência. O preceito consagra um facto gerador de imposto (norma de incidência tributária) relativo às mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis que tenham sido originadas fora dos quadros de uma actividade económica deliberada, visto que só então o respectivo ganho não será considerado um rendimento profissional ou empresarial, portanto, um rendimento inserido na categoria B (cfr.artº.3, do C.I.R.S.). O normativo em exame tem, portanto, subjacente a ideia de que o proveito a considerar mais-valia será um ganho inesperado ou imprevisto. Por outro lado, quanto ao momento em que o imposto é exigível, vector que é essencial para imputar a mais-valia tributável a um determinado ano fiscal, rege o artº.10, nº.3, do C.I.R.S. Quer dizer, o facto gerador reporta-se ao momento da prática do acto que "realiza" a mais-valia (cfr.José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.392 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.138 e seg.).” – vide, acórdão do TCA Sul, de 12/06/14, processo nº 6726/13.

Face a este regime de tributação de mais-valias, vamos encontrar na lei normas de exclusão de incidência, sendo uma delas um preceito de direito transitório e constando do artigo 5º, do DL nº 442-A/88, de 30/11, diploma que aprovou o CIRS, o qual é aqui chamado em primeira mão.

É o seguinte o seu teor:


Artº.5

(Regime transitório da categoria G)


1 - Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 673, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código.

2 - Cabe ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor deste Código, devendo a mesma ser efectuada, quanto aos valores mobiliários, mediante registo nos termos legalmente previstos, depósito em instituição financeira ou outra prova documental adequada e através de qualquer meio de prova legalmente aceite nos restantes casos.

(...).

Sem qualquer dúvida, “A norma sob exegese exclui da tributação as mais-valias realizadas que não estavam sujeitas ao imposto de mais-valias que vigorava anteriormente à Reforma Fiscal de 1988 (Dec.Lei 46673, de 9/6/1965), quando tais activos tenham sido adquiridos antes da entrada em vigor do C.I.R.S., portanto 1/1/1989 (cfr.artº.2, do dec.lei 442-A/88, de 30/11). Ou seja, continuam não sujeitos a tributação em mais-valias os ganhos obtidos com a alienação de imóveis cuja aquisição haja sido anterior a 1/1/1989, exceptuados os terrenos para construção, cabendo ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor do C.I.R.S. (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 25/9/2013, rec.369/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.2912/09; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.425 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.139)” – vide, acórdão do TCA Sul, já citado, de 12/06/14.

Vejamos, então.

Num recente acórdão do STA, de 07/03/18, proferido no processo nº 0917/17, ao qual estava subjacente uma situação fáctica em tudo idêntica àquela que aqui nos ocupa, escreveu-se:

“Não dispondo o direito tributário de norma própria sobre esta matéria, ao abrigo do disposto no art.º 11.º da Lei Geral Tributária, teremos que nos socorrer das normas de direito sucessório constantes do Código Civil – art.º 2119.º - que estabelece que;« Feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, sem prejuízo do disposto quanto a frutos.» e art.º 2031.º - «A sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele ».

Assim a impugnante adquiriu o bem que vendeu no momento em que ocorreu o decesso da pessoa de quem o herdou, sem que tal sofra qualquer alteração por a partilha da herança ter decorrido em momento posterior, ou pela circunstância de nessa partilha lhe ter cabido o bem cujo valor excedia a sua quota hereditária. O momento de aquisição do imóvel é um e um único, o momento da morte do autor da sucessão, sendo a partilha apenas uma forma de distribuir os bens pelos herdeiros em conformidade com a lei, a vontade do de cujus e os interesses dos herdeiros, em preenchimento dos respectivos quinhões hereditários, sempre, em todas as situações, com efeitos retroagidos àquele momento inicial da sucessão hereditária.

O legislador tributário, nem para tributação de mais valias veio legislar de modo diverso.

A Administração Tributária em informação vinculativa, referenciada nas alegações, e já analisada detalhadamente pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão proferido no processo: 053/15, de 26-10-2016 também assim considerou, em interpretação vinculativa, para os serviços da Administração Tributária.

Deste modo, no caso concreto, considerando que a sucessão se abriu em 01.02.1987, que o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1989, nos termos do disposto no art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, haverá que ter-se em conta o disposto no art.º 5.º do Dec. Lei n.º 442-A/88, de 30.11 por estarmos perante uma operação que não era tributada em sede de imposto de mais valias”.

E, na verdade, este é o entendimento que melhor se conjuga com o carácter declarativo (e não constitutivo) que a doutrina reclama para a partilha.

Com efeito, conforme estabelecido no n.º1 do artigo 2050.º do Código Civil, “o domínio e posse dos bens da herança adquirem-se pela aceitação, independentemente da sua apreensão material”, esclarecendo o nº 2 do mesmo preceito que “os efeitos da aceitação retrotraem-se ao momento da abertura da sucessão”.

De acordo com o artigo 2031.º, do Código Civil, “a sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele”.

Como escreve Pereira Coelho, “Sucessões”, 2.ª ed., 1968 a pág.131, «O Código Civil parece ter querido consagrar a doutrina da aquisição mediante aceitação. É o que podemos concluir do n.º1 do art.º2050.º, segundo o qual o domínio e posse dos bens da herança se adquirem pela aceitação, independentemente da sua apreensão material. Quer dizer, hoje a aceitação reveste-se de primordial importância no desenrolar do fenómeno sucessório, na medida em que é só após a aceitação e por força dela, que o chamado ingressa na titularidade dos próprios bens ou direitos hereditários».

No mesmo sentido, refere Lopes Cardoso, “Partilhas Judiciais”, I, pág.79, que a herança só se transmite a partir da aceitação, retroagindo-se os efeitos desta ao momento da abertura da sucessão.

Como dispõe o artigo 2119.º do Código Civil, “Feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, sem prejuízo do disposto quanto a frutos”.

Como refere Pereira Coelho, ob. cit., a págs. 247, «Discute-se na doutrina se a partilha tem carácter declarativo ou constitutivo. A primeira solução é a que melhor se ajusta às disposições do Código. A partilha é um negócio certificativo, um negócio que se destina a tornar certa uma situação anterior. Cada um dos herdeiros já tinha direito a uma parte ideal da herança antes da partilha; através da partilha, esse direito vai concretizar-se em bens certos e determinados. Mas, no fundo, o direito a bens determinados que existe depois da partilha, é o mesmo direito a bens indeterminados que existia antes da partilha; é o mesmo direito, apenas modificado no seu objecto. Como consequência ou conexão com esta construção doutrinal, o Código estabelece o princípio da retroactividade da partilha, que está expresso no artigo 2119.º».

Das normas aplicáveis e da interpretação que delas faz a doutrina, resulta manifesta a natureza declarativa da partilha, não configurando a mesma um modo autónomo de aquisição e retroagindo os seus efeitos à data da abertura da sucessão.

Cremos ser esse o entendimento do STA, expresso, nomeadamente, no Acórdão de 16/03/1994, exarado no proc.º017417, em cujo sumário doutrinal se pode ler: «É relevante como facto aquisitivo, para o efeito da sujeição ao imposto de mais-valias em função da sua posteridade relativamente à data do DL 46373, de 9 de Junho de 1965, a abertura da herança de que beneficiou o titular do ganho obtido com a transmissão onerosa de terreno para construção. A especificação de bens adjudicados na partilha do património comum constituído pela herança é irrelevante para o referido efeito».

No caso concreto, considerando que a sucessão se abriu em 1971 e em 1983, que o CIRS entrou em vigor em 01/01/89, nos termos do disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30/11, haverá que ter em conta o disposto no artigo 5º de tal diploma, por estarmos perante uma operação que não era tributada em sede de imposto de mais-valias.

A sentença recorrida que assim entendeu, considerando que os efeitos da partilha retroagem à data da abertura da sucessão, não enferma do vício de violação de lei que lhe vinha apontado.

Acrescente-se, retomando um esteio da defesa do Impugnante, ora Recorrido, e que o acórdão do STA de 07/03/18 também refere, que este entendimento era, aliás, o que a AT defendia em circular que não consta estivesse revogada à data da liquidação impugnada. A este propósito, atente-se na Conclusão F) das contra-alegações, na qual se faz expressa referência à Circular 21/92 de 19 de Outubro, na qual se pode ler que “O momento de aquisição dos bens por sucessão “mortis causa” é o da abertura da herança, ainda que na partilha sejam adjudicados aos herdeiros bens de valor superior aos da sua quota ideal”.

Com efeito, é o seguinte o teor da dita Circular:

«Mais-Valias: Bens adquiridos em acto de divisão ou partilha Circular 21, de 19/10/1992 - Direcção de Serviços do IRS

Mais-Valias: Bens adquiridos em acto de divisão ou partilha

Artº 5º Dec.Lei nº 442/88, de 30-11

Artº 10º

Razão das instruções

Tornando-se necessário esclarecer o alcance do artigo 2119º do Código Civil e fixar doutrina uniforme sobre o enquadramento jurídico-tributário da sujeição a IRS dos rendimentos obtidos com a alienação de bens adquiridos por partilha quando nesta são adjudicados bens de valor superior à quota ideal e a sentença adjudicatória tenha transitado em julgado após a vigência do Código do IRS, foi o assunto submetido à apreciação de Sua Excelência o Subsecretário de Estado Adjunto da Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento que, por despacho de 92.09.22, sancionou o seguinte entendimento:

Entendimento sancionado:

O momento de aquisição dos bens por sucessão "mortis causa" é o da abertura da herança, ainda que na partilha sejam adjudicados aos herdeiros bens de valor superior aos da sua quota ideal.».

Vale a pena chamar à colação o acórdão do STA, de 26/10/16, proferido no processo nº 053/15, no qual, a propósito da interpretação da Circular nº 21 de 19/10/92, emitida pela Direcção dos Serviços do IRS, se lê:

“(…) da leitura conjugada do título e das razões da circular resulta, à saciedade, que o seu propósito consistiu em uniformizar o entendimento quanto ao enquadramento jurídico tributário dos ganhos obtidos com a alienação de bens que tenham sido adjudicados ao alienante em partilha de acervo hereditário realizada após a entrada em vigor do CIRS, quando, nessa adjudicação, se mostre excedido o seu quinhão hereditário, isto tendo em vista a aplicação do regime transitório previsto no art.º 5º, nº 1, do DL nº 442-A/88, de 30/11 (Segundo o qual «Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 673, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código».)

Com efeito, a questão enunciada sob a epígrafe de “Razão das instruções” reside, de forma clara, na determinação do momento da aquisição dos bens para efeitos de tributação, e é balizada por dois parâmetros: o primeiro consubstancia-se na circunstância de a partilha ter sido realizada após a entrada em vigor do CIRS, e o segundo consubstancia-se no facto de os bens adjudicados na partilha terem ultrapassado o quinhão hereditário do herdeiro.

Não há, pois, como deixar de concluir que esta Circular almejou definir, para efeitos de enquadramento jurídico tributário, em que momento ocorre a aquisição de um bem que, sendo adjudicado em partilha de herança, excede a quota hereditária do herdeiro. E o entendimento ali sancionado é o de que o momento da aquisição dos bens é o da abertura da herança, mesmo quando na partilha sejam adjudicados bens que excedam a quota ideal do herdeiro. Ou seja, o entendimento que se estabelece na Circular é o de que, na sucessão mortis causa, o momento de aquisição dos bens é o da abertura da sucessão, independentemente de os bens serem adjudicados em preenchimento da quota hereditária ou para além dela”.

Nesta conformidade, recuperando tudo aquilo que vem dito – sublinhando a pertinência da aplicação ao caso em análise do entendimento adoptado no acórdão do STA que deixámos supra transcrito, de 07/03/18 – dúvidas não subsistem no sentido de que deve manter-se a sentença recorrida, com a fundamentação aqui exarada, o que aqui se decide.

Improcedem, assim, todas as conclusões da alegação de recurso e, nessa medida, nega-se provimento ao recurso jurisdicional.


*




III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 08/10/20


Catarina Almeida e Sousa

Hélia Gameiro (vencida, conforme voto infra)

Ana Cristina Carvalho


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“Vencida.

Diferentemente da posição que fez vencimento, teria concedido provimento ao recurso e revogado a sentença com a seguinte motivação:

Considero que do ponto de vista do direito tributário a partilha dos bens da herança foi, desde há muito, encarada sob duas perspetivas distintas: uma declarativa, onde se enquadram os bens que cabem no quinhão hereditário – quota ideal - esta considerada uma transmissão gratuita, já o bem já que os bens transmitidos já entraram na esfera jurídica do herdeiro à data da abertura da herança (do óbito), sendo a partilha o ato que formaliza a titularidade desses mesmos bens; outra uma perspetiva constitutiva que abarca a transmissão dos bens que extravasam a quota ideal e pelos quais são devidas tornas. Aqui o herdeiro adquire bens de valor superior ao seu quinhão hereditário e por esse acréscimo paga um preço, por conseguinte trata-se de uma transmissão onerosa, fiscalmente tratada como tal (artigo 2.º n.º 5 alínea c) e 12.º n.º 4 regra 11.ª ambos do CIMT)

Vai nesse sentido a posição defendida neste TCA Sul no acórdão proferido em 12/06/2014 no processo n.º 06726/13, de que acolhemos e donde se transcreve parte do sumário:

“(…)

6. A partilha da herança gera a cessação do estado de indivisão hereditária (contitularidade) e de materialização dos bens de cada quinhão hereditário, retroagindo os seus efeitos ao momento da abertura da sucessão (cfr.artº.2119, do C.Civil), assim se evitando quaisquer hiatos na titularidade das relações jurídicas que são objecto da sucessão. Juridicamente, tudo se passa como se cada um dos herdeiros fosse, desde a morte do "de cuius", titular único dos direitos da sucessão hereditária, no que se refere aos bens corporizados na partilha. Mais se dirá que a partilha se deve visualizar, não com uma natureza meramente declarativa, mas antes como um verdadeiro acto modificativo ou de conversão, na medida em que converte os vários direitos dos herdeiros a uma simples quota (indeterminada) de um todo que se consubstancia nas relações jurídicas de cariz patrimonial que são objecto da sucessão, em direito exclusivo a uma parcela determinada do todo.

7. No entanto, em tudo o que exceder a quota ideal que ao herdeiro pertence em virtude de concorrer à herança, o mesmo herdeiro não adquire por efeito da sucessão, antes realizando uma verdadeira aquisição a título oneroso, uma autêntica compra, sendo que, recaindo sobre bens imóveis pode sobre a mesma incidir imposto. É disso exemplo o disposto no artº.8, nº.10, do C.I.M.S.I.S.S.D., em vigor no ano de 1995, ano de realização da partilha no caso "sub judice". A "ratio" do citado preceito consiste na constatação da existência de uma transmissão com cariz oneroso no que se refere à diferença entre a quota do herdeiro, então passível de imposto sobre sucessões e doações, e o valor que o mesmo acaba por receber, na partilha, nomeadamente em bens imóveis. Esta diferença, sujeita a tornas, é suficiente para concretizar a onerosidade da transmissão nesta parte, a qual reveste a natureza de uma verdadeira compra e venda, assim não reportando os seus efeitos ao momento da abertura da sucessão e antes se devendo ter por concretizada a aquisição da respectiva propriedade no momento da celebração do contrato, no caso concreto a escritura de partilha lavrada em 3/2/1995 (cfr.artºs.408 e 1317, al.a), do C.Civil).

(…)”.

Neste sentido considero que a mais-valia decorrente da alienação de metade do prédio rústico adquirido, pelo Recorrido, para além da sua quota ideal na herança, está sujeita a IRS, nos termos do disposto no art. 10º n.º 1 a) do CIRS”.

Hélia Gameiro Silva