Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07312/14
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:04/14/2015
Relator:BÁRBARA TAVARES TELES
Descritores:IRS.
CADUCIDADE DO DIREITO DE LIQUIDAÇÃO.
LIQUIDAÇÃO CORRECTIVA.
Sumário: 1. Tendo a Administração Fiscal reconhecido a existência de erros que estiveram na origem da liquidação originária e a necessidade de a revogar parcialmente, desta feita com valores de matéria colectável correctos, esta constitui uma mera liquidação correctiva.
2. Não se trata de uma liquidação nova que nada tem que ver com a que a tenha precedido, antes pelo contrário, resulta tão só de um aperfeiçoamento da liquidação precedente,  favorável ao sujeito passivo, com base em elementos por ele fornecidos vários anos após a data de entrega da declaração.
3. Não havendo novo acto tributário conclui-se que reveste a natureza de uma liquidação correctiva, e como tal, não está abrangida pelo regime de caducidade do direito à liquidação 


Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO


A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a impugnação judicial, contra si instaurada e intentada por Manuel ………………………., visando a liquidação de IRS, relativa ao ano 2008, no valor de €58.044,78.
veio dela interpor o presente recurso jurisdicional:

A Recorrente termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
“Conclusões
I. A decisão recorrida julgou procedente a presente impugnação judicial por considerar que a liquidação emitida, em atenção parcial à pretensão formulada pelo sujeito passivo, ao abrigo do disposto no artigo 112º do CPPT, é uma liquidação nova.
II. E assim decidiu pela ilegalidade da mesma por entender estar ultrapassado o prazo de caducidade.
III. A factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo é prova bastante para concluir em sentido oposto. Começamos logo por constatar que, Ite não cumpriu com as suas obrigações declarativas enquanto sujeito passivo de IRS no respeitante aos rendimentos auferidos no ano 2008 (ponto 4 da parte II da sentença), tendo sido iniciado procedimento interno de inspecção.
IV. No decurso deste procedimento foi tentada a colaboração do sujeito passivo e para tanto foi este notificado para cumprir e reparar a sua falta (ponto 9 da parte II da sentença), porém, mais uma vez não cumpriu com a sua obrigação.
V. Diante os factos, maxime a falta de cumprimento voluntário pelo sujeito passivo, a AT procedeu à liquidação oficiosa de IRS conforme o disposto no artigo 76º nº1 alínea b) e nº 3 do CIRS, impondo-se por isso rematar de imediato, pela absoluta e total legalidade da liquidação oficiosa.
VI. No âmbito da presente impugnação judicial, ao abrigo do disposto no artigo 112º do CPPT, na sequencia do peticionado pelo Ite, a AT verificou os elementos contabilísticos (que o mesmo afirmava conservar e antes não tinha apresentado), atendendo parcialmente a pretensão do Ite, apenas porque continuavam a final a haver elementos por comprovar.
VII. Desta decisão final, proferida ao abrigo do artigo 112º do CPPT, resultou, a anulação de imposto e a subsequente liquidação (correctiva da anterior), no montante de €26.150,93. Em atenção à pretensão do Ite foi apurado imposto em quantitativo inferior ao anteriormente emitido, mantendo-se contudo o prazo de pagamento, precisamente por se tratar de uma liquidação correctiva, não assistindo por isso ao Ite novo prazo de pagamento.
VIII. O julgamento efectuado, salvaguardando o devido respeito por diferente entendimento, padece de erro, uma vez que não foi atentada e valorada a circunstância deste acto tributário revestir a natureza de liquidação correctiva. E o regime de caducidade do direito a liquidar impostos não se aplica às liquidações correctivas, que apuram imposto em resultado das pretensões dos contribuintes atendidas total ou parcialmente, nas quais se apura quantitativo de imposto inferior ao inicialmente apurado.
IX. Destrate, a AT praticou legal e tempestivamente a liquidação oficiosa, sendo que o acto tributário praticado no decurso da presente impugnação judicial, reveste natureza de liquidação correctiva, e por tal, não abrangido pelo regime de caducidade do direito à liquidação, visto não se tratar de um novo acto tributário.

Nestes termos e nos demais de facto e de Direito, que certamente o mui douto entendimento do Insigne Colectivo não deixará de convocar, defende a representação da fazenda publica o provimento do presente recurso jurisdicional, determinando a revogação da decisão provinda do Tribunal a quo, com o que decaíra o pedido anulatório formulado na impugnação judicial pleiteada.”
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A Recorrida apresentou contra-alegações que concluiu nos seguintes termos:

“CONCLUSÕES:
1. Da Douta Sentença recorrida, que julgou procedente a Impugnação supra melhor identificada, resulta a anulação das liquidações impugnadas, n.º …………………….. e n.º ……………………... A liquidação, n.º………………… resulta de um procedimento oficioso da AT, que visou tributar o Impugnante em sede de IRS no ano de 2008, pelos métodos do regime simplificado, quando este se encontrava abrangido pela tributação segundo o método da contabilidade organizada.
2. A liquidação n.º……………………. repôs a legalidade do procedimento da liquidação do IRS do ano de 2008, já que foi elaborada segundo o método do regime da contabilidade organizada, ao qual o Impugnante se encontrava vinculado, por força do determinado no n.º 2 do artigo 28.º do CIRS

3. A liquidação n.º …………………. é, inequivocamente, uma nova liquidação, levada a efeito segundo regras completamente distintas da anterior, n.º………………….., utilizando critérios de tributação e cálculo de tributo diversos e apoiados em normas legais distintas.
4. Assim, nunca se poderá considerar, nem por mera hipótese, que visa a correcção, ou a revogação parcial da inicialmente efectuada, já que da mesma nada restou, como vem referido na Douta Sentença recorrida
5. E assim sendo, não poderá estar protegida do regime da caducidade, contrariamente ao referido nas alegações do recorrente, antes está condicionada aos prazos determinados na letra do artigo 45.º da LGT.
6. Em cumprimento ao determinado no n.º 1 do artigo 45.º da LGT, a liquidação n.º………………………….. teria de ser validamente notificada ao aqui Impugnante, até ao último dia do ano de 2012, o que não aconteceu.
7. Essa Notificação apenas foi conseguida em 06-02-2013, conforme registo …………………………., constante do site dos CTT.
8. O direito a liquidar o IRS referente ao exercício de 2008, caducou, por incumprimento do prazo para Notificação da liquidação.

Nestes termos e nos mais de Direito, e sem esquecer o Douto suprimento de V. Ex.as, deverá ser mantida a decisão do Tribunal aquo e a consequente anulação das liquidações n.º…………………. e n.º………………., fazendo-se, assim, a costumada JUSTIÇA.

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Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer, defendendo que o recurso merecer provimento devendo em consequência a sentença recorrida ser revogada.
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Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.
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Objecto do recurso - Questão a apreciar e decidir:
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pela Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
A questão suscitada pela Recorrente consiste em apreciar se o Tribunal a quo fez um errado julgamento de facto e de direito ao considerar que liquidação de IRS nº …………………………….. é uma liquidação nova e que, como tal, se lhe aplica o regime da caducidade do direito de liquidação, devendo em consequência ser anulada.
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II.FUNDAMENTAÇÃO
II. 1. Da Matéria de Facto
A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto:
“II FUNDAMENTOS DE FACTO.
1. O impugnante foi sujeito a fiscalização em cumprimento da …………………….., no âmbito da qual foi elaborado o relatório junto a fls. 22 e segs. cujo conteúdo se dá por reproduzido.
2. Exerce a atividade de “Fabricação de Couro Reconstruído” com o CAE 015112.
3. Encontra-se registado para o exercício desta atividade desde 01/3/1986 no Serviço de Finanças de Alcanena.
a. Para efeitos de IVA, no regime normal com periodicidade trimestral;
b. Para efeitos de IRS, categoria B, determinados com base na contabilidade (fls. 5 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido)
4. No exercício de 2008 o impugnante não apresentou a declaração de rendimentos mod. 3 de IRS, nem a declaração anual de informação contabilística e fiscal (fls. 5 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).
5. Em resultado de análise do cruzamento de informação declarada por terceiros, designadamente de anexos P constantes da base de dados da DGCI, foram iden- tificados quanto ao ano de 2008, valores relativos a operações activas efectuadas pelo sujeito passivo pelo menos a quatros entidades, no valor de € 237.768,00 (fls. 5 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).
6. Conhecido este facto, solicitou-se informação aos sujeitos passivos adquirentes identificados, que enviaram os elementos relativos às respectivas operações, concluindo-se em resultado das respostas obtidas, a existência de rendimentos sujeitos a tributação não declarados (fls. 5 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).
7. Da consulta às declarações periódicas de IVA entregues pelo sujeito passivo relativas ao exercício de 2008, apurou-se ainda que o montante de operações activas/vendas declaradas se fixou em € 214.800,11 (fls. 6 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).
8. Para efeitos da liquidação do IRS do ano de 2008, a AT tomou por base os elementos que a Direcção Geral dos Impostos dispunha, ou seja o valor declarado para efeitos de IVA, que importou em € 214.800,11 (fls. 6 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).
9. O impugnante foi então notificado através do ofício n.° 2.177 (carta registada) de 2010-03-09, para no prazo de 30 dias, proceder à apresentação da declaração de rendimentos prevista no artigo 57.° do mesmo diploma, e referente ao exercício de 2007 e 2008” (fls. 7 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).
10. O prazo decorreu sem que o impugnante tenha entregue a declaração.
11. Razão por que a AT procedeu à liquidação oficiosa tendo por base os elementos de que a Direção Geral dos Impostos disponha, sem se atender ao mínimo de existência (artigo 70°) e sendo apenas efectuadas as deduções previstas na alínea a) do n.° 1 do artigo 79° (dedução pessoal do sujeito passivo) e no n ° 3 .do artigo 97° (retenções na fonte e pagamentos por conta) –fls. 7 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido.
12. Desta forma, o rendimento líquido da categoria “B – Rendimentos empresariais e profissionais”, referente às vendas efectuadas pelo sujeito passivo no ano de 2008 constantes das respectivas declarações periódicas IVA e parcial- mente corroboradas pela faturação conhecida (…), será determinado através do volume de negócios apurado (base tributável em IVA no valor de € 214.800,11) com o coeficiente de 0,70, previsto no n.°2 do art.°31° do CIRS. (fls. 7 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).
13. Assim se apurando o rendimento líquido da categoria em € 150.360,08, a que acresceram os rendimentos da categoria H e abatida a dedução específica de € 4.193,00 (fls. 7 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).
14. Dando origem à liquidação n.º …………………………….., ora impugnada.

15. Contra a liquidação foi apresentada reclamação graciosa nos termos que constam de fls. 2 e segs. do apenso de reclamação graciosa cujo conteúdo se dá por reproduzido.
16. A qual foi totalmente indeferida por despacho de 14/3/2011 (fls. 58 da reclamação graciosa)
17. Interposta a ação, por despacho de 7/12/2012 foi revogado parcialmente o acto tributário, nos termos seguintes:
a. Como resultado liquido do período o valor de € 12.530,41, a inscrever no quadro 4, campo 401;
b. Como gastos não documentados o valor de € 51.509,89, a inscrever no campo 412;
c. A título de lucro tributável, o valor de € 64.040,30, a inscrever no campo 460;
d. Como rendimento bruto, enquadrado na categoria H, o valor de € 4.193,00;
e. No quadro 8, campo 803, o valor de € 846,00 que corresponde aos pagamentos por conta;
f. No quadro 10, campo 1001, a título de tributação autónoma, o valor de € 51.509,89.
18. Desta decisão resultou a anulação de imposto, bem como de juros compensatórios, de € 11.266,07 (fls. 111 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).
19. Notificado para se pronunciar sobre o conteúdo do despacho, o impugnante requereu a inclusão de mais faturas no apuramento da matéria tributável (fls. 119 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).
20. Por despacho de 14 de Janeiro de 2013, foi deferida a pretensão do impugnante de que resultou a anulação de imposto no montante de € 32 011,58 (fls. 138 do apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).
21. Dando origem à liquidação n.º ………………………., notificada ao sujeito passivo em 6/2/2013.

FACTOS NÃO PROVADOS.
Com interesse para a decisão da causa nada mais se provou.

MOTIVAÇÃO.
A convicção do tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, referidos nos «factos provados» com remissão para as folhas do processo onde se encontram.”
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Ao abrigo do disposto no artigo 662, nº 1, do CPC, adita-se ao probatório o seguinte facto, o qual resulta provado por documento juntos aos autos:
22.Da decisão que deu origem à liquidação …………………….. consta o seguinte:
Face a tudo o que vem exposto (…) propomos que o pedido seja parcialmente atendido mediante a recolha de um documento de correcção, substituindo-se o Anexo B por um Anexo C, inscrevendo-se os seguintes valores:(…)
Desta decisão resultará a anulação de imposto de €32.011,58 (58.044,78-26.033,20) e de juros compensatórios de €978,92 (2.365,46-1.386,45, conforme simulação da respectiva a fls. 132 a 133.
Mantendo-se a obrigação de pagamento do imposto remanesceste de €26.033,20 e dos respectivos juros compensatórios de €1.386,54, conforme simulação da liquidação a fls. 132 e 133.”, cf. fls. 136 a 137 dos autos de Reclamação Graciosa apensos.
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Estabilizada a matéria de facto, avancemos para a questões que nos vêm colocada.
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II.2. Do Direito
Como já deixámos expresso, importa apreciar se a sentença a quo andou bem quando julgou que a liquidação de IRS nº …………………….. é ilegal uma vez que foi notificada ao Recorrido após se encontrar ultrapassado o prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no artigo 45º da LGT.
Em causa no processo de impugnação judicial, que deu origem à decisão a quo agora em análise, estão duas liquidações de que foi algo o aqui Recorrido Manuel …………………., a saber, a liquidação nº …………………… no valor de €58.044,78 referente ao IRS de 2008, e a liquidação de IRS nº …………………….. no valor de €26.033,20 referente ao IRS de 2008 e resultado de uma revogação parcial do acto tributário.
Ora, a sentença a quo determinou a anulação de ambas as liquidações tendo decidido da seguinte forma:

“A liquidação n.º …………………….. é uma liquidação oficiosa, que apurou um valor a pagar de € 58.044,78, efectuada na sequência de ação inspetiva em cumprimento da ……………………………….

A liquidação foi feita com base no disposto no Art.º 76º alínea b) do n.º 1 e n.º 3 do CIRS. Mas o rendimento foi determinado de acordo com as regras do regime simplificado previstas no Art.º 31 CIRS (em vigor ao tempo), quando o impugnante estava abrangido pelo regime de tributação com contabilidade organizada. Ora a tributação segundo o regime simplificado tem caráter facultativo, e não pode ser imposto ao contribuinte1.

Deste modo, estando o contribuinte abrangido pela tributação segundo a contabilidade organizada, não pode a AT proceder à liquidação pelo regime simplificado.

Por conseguinte, a liquidação n.º …………………………… é ilegal e deve ser anulada.

A AT reconhecendo a ilegalidade do procedimento, ao abrigo do art.º 112º do CPPT procedeu à determinação da matéria colectável tendo em conta os elementos contabilísticos disponíveis, apurou outra matéria colectável e liquidou imposto em montante diferente do constante da liquidação n.º…………………, dando assim origem à liquidação n.º ……………………………

Apelidou este acto de revogação parcial - da liquidação n.º …………………………...

(…) para ter sido revogada parcialmente é porque algo da liquidação revogada persistiu. E o que é que persistiu? A meu ver, e ser por diferente opinião, nada. A liquidação n.º………………………… foi totalmente revogada e substituída por outra completamente diferente, não restando nada da primeira liquidação para se poder falar em revogação parcial.

A liquidação n.º ……………………………. é uma liquidação nova. Sendo uma liquidação nova, não está protegida do regime da caducidade como estaria se tivesse ocorrido uma revogação parcial da primeira.

Pelo contrário, como liquidação nova que é, o regime da caducidade previsto no Art.º 45 LGT colhe inteira aplicação.

Ora, sendo os factos referentes a 2008, a liquidação teria de ser notificada ao sujeito passivo até 31/12/2012, por força do disposto no Art.º 45º/1, e 4 LGT.

Mas a liquidação n.º………………………….. só foi notificada ao sujeito passivo em 6/2/2013, para além do prazo de caducidade. O que a fere de ilegalidade.”


Veio agora a Recorrente, no presente recurso insurgir-se contra a anulação da liquidação nº ……………….... invocando, conforme resulta das alegações e conclusões de recurso que, no âmbito da impugnação judicial apresentada pelo Recorrido e na sequência do que veio peticionado, ao abrigo do disposto no artigo 112º do CPPT, a AT verificou os elementos contabilísticos atendendo parcialmente a sua pretensão apenas porque continuavam a final a haver elementos por comprovar. Diz que desta decisão final, proferida ao abrigo do artigo 112º do CPPT, resultou, a anulação de imposto e a subsequente liquidação (correctiva da anterior), no montante de €26.150,93. Em atenção à pretensão do Recorrido foi apurado imposto em quantitativo inferior ao anteriormente emitido, mantendo-se contudo o prazo de pagamento, precisamente por se tratar de uma liquidação correctiva, não assistindo por isso Recorrido novo prazo de pagamento. Conclui dizendo que o julgamento efectuado, padece de erro, uma vez que não foi atentada e valorada a circunstância deste acto tributário revestir a natureza de liquidação correctiva. E o regime de caducidade do direito a liquidar impostos não se aplica às liquidações correctivas, que apuram imposto em resultado das pretensões dos contribuintes atendidas total ou parcialmente, nas quais se apura quantitativo de imposto inferior ao inicialmente apurado. Termina alegando que a AT praticou legal e tempestivamente a liquidação oficiosa, sendo que o acto tributário praticado no decurso da presente impugnação judicial, reveste natureza de liquidação correctiva, e por tal, não abrangido pelo regime de caducidade do direito à liquidação, visto não se tratar de um novo acto tributário.

Posto isto resta agora apurar se a liquidação de IRS com o nº ………………………. é, ou não, uma liquidação correctiva e, em consequência, se lhe aplica o regime da caducidade do direito à liquidação previsto no artigo 45º da LGT.

Vejamos.
O prazo de caducidade é de quatro anos e conta-se nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (artigo 45.º/1 e 4, da LGT). No caso, tratando-se de IRS relativo ao ano 2008, o prazo em referência terminaria em 01/01/2013. Sucede que, por determinação administrativa, foi parcialmente anulada a liquidação relativa ao ano 2008 emitida com o nº …………………….. e foi emitida nova liquidação referente ao mesmo exercício, notificada ao contribuinte em 06/02/2013 (cf. alíneas 21 do probatório).
Importa, pois, apurar, se a notificação referida em último lugar assume a virtualidade interruptiva do prazo de caducidade em referência.
Sobre a matéria constitui jurisprudência assente a seguinte:
“Face à matéria provada, as liquidações impugnadas, efectuadas no ano 2009, não podem ser consideradas correctivas, adicionais - ou repristinatórias de anteriores liquidações, erradicadas da ordem jurídica por decisão da administração tributária e por decisão judicial anulatória, pelo que o direito à liquidação de impostos caducou face ao seu não exercido no prazo de cinco anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo daquele em que se verificar o facto tributário. O facto impeditivo da caducidade do direito à liquidação é a notificação desta ao sujeito passivo dentro do prazo legalmente estabelecido para a Administração Tributária exercitar tal direito” (Acórdão do STA, de 17-12-2014, P. 01875/13).

“O regime da caducidade do direito à liquidação acabado de examinar não se aplica aos casos de liquidações correctivas (não revestem a natureza de novo acto tributário), considerando estas como os actos de apuramento de imposto subsequentes a uma liquidação adicional, resultantes, nomeadamente, de reclamações graciosas dos contribuintes, parcialmente atendidas e em razão das quais se apure quantitativo de imposto inferior ao determinado naquela, visto que não lesivas dos interesses dos destinatários no segmento não corrigido» (Ac. do TCAS, de 27.11.2012, P. 5908/12).

Para efeitos do cômputo do prazo de caducidade do direito de liquidação de tributos, a existência de uma “liquidação corrigida”, ou seja, de uma liquidação em que os serviços competentes da administração tributária procedem à correção de anterior acto da mesma natureza, por exemplo, por efeito de deferimento parcial de reclamação graciosa ou de exclusiva anulação de impostos juros compensatórios, não releva para se assumir a eventual ultrapassagem do mesmo, porque o momento a atender deve ser o da emissão da liquidação inicial e não a data daquela que a corrija. Em situações do género, confrontados com a existência de dois actos de liquidação, respeitantes ao mesmo facto tributário, impõe-se apurar se o segundo constitui (ou não) uma “nova liquidação, autónoma e distinta da anterior”, isto é, uma liquidação que nada tem a ver com a que a tenha precedido, além da circunstância de o seu aparecimento ter sido motivado pela anulação/revogação da originária. (Ac. TCAS, de 03.07.2012, P. 04076/10; no mesmo sentido, Ac. TCAS, de 25.11.2009, P. 02981/09)”.

Nos presentes autos, está em causa a tributação de IRS liquidada pela Administração Fiscal relativa ao de 2008. Tal liquidação datada de 2010, com o nº ………………………., foi anulada parcialmente por determinação administrativa. A Administração Fiscal reconheceu a existência de erros, que estiveram na origem da liquidação originária e a necessidade de a revogar parcialmente, tendo notificado a Fazenda Pública e o Recorrido nos prazos previstos no artigo 111º e 112º do CPPT, desta feita com valores de matéria colectável correctos (alínea 17 do probatório).
Assim, a liquidação de 2013, com o nº ………………….... aqui em causa, constitui uma mera liquidação correctiva da liquidação originária uma vez que foi efectuada apenas uma revogação parcial da liquidação de 2010 e que não assenta em pressupostos de facto diversos considerando-se que apenas os que suportam o acto de liquidação de 2008 estão agora em conformidade com a realidade. Com base nessa correcção a AT emitiu um documento de correcção, mantendo o mesmo prazo de pagamento voluntário, e com os juros compensatórios referentes ao mesmo período de tributação, embora referente a um valor inferior resultante da correcção efectuada e da revogação parcial.
Assim sendo, a liquidação com o nº …………………….., não corresponde a nova liquidação e trata-se apenas de uma liquidação em que os serviços competentes da administração tributária procedem à correcção da anterior. Não se trata de uma liquidação que nada tem a ver com a que a tenha precedido, antes pelo contrário, resulta tão só de um aperfeiçoamento da liquidação precedente, com base em elemento trazidos pelo sujeito passivo vários anos após a data de entrega da declaração, obrigação que não cumpriu e, além do mais, tal aperfeiçoamento foi-lhe favorável.

Não havendo novo acto tributário, apesar da sua notificação se ter efectuado apenas em 06/02/2013, conclui-se que a AT praticou legal e tempestivamente o acto tributário aqui em causa que reveste a natureza de liquidação correctiva, e como tal, não está abrangido pelo regime de caducidade do direito à liquidação.

Ao decidir em sentido diverso do acima referido, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pelo que não se pode manter na ordem jurídica.

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III. DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso, e em consequência manter a liquidação nº ………………….. na ordem jurídica.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 14 de Abril de 2015.

__________________________
(Barbara Tavares Teles)

_________________________
(Pereira Gameiro) (vencido)
_________________________
(Joaquim Condesso)


Declaração de Voto

No recurso não está só em causa a liquidação correctiva (…4016), mas também a liquidação que é a que foi objecto de impugnação. O acórdão só aborda a questão da liquidação correctiva (abordagem com que concordamos), mas não aborda a liquidação que foi objecto de impugnação e que o tribunal considerou totalmente revogada/anulada, sendo que o recurso versava também sobre a decisão referente à impugnação da liquidação (…0848). Ficou por apreciar o recurso de impugnação/decisão sobre essa impugnação, e o tribunal não se pronunciou sobre isso. Ou podia apreciar os vícios invocados ou não. Acho que se verifica omissão de pronúncia embora concorde com a questão da liquidação correctiva.

Por isso, não posso aderir ao decidido que não resolve as questões suscitadas.