Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:319/08.2BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:10/17/2019
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:PRAZO PARA PAGAMENTO VOLUNTÁRIO DEPOIS DA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE.
ÓNUS DA PROVA DA CULPA.
Sumário:1. A nulidade (parcial) da sentença não implica, necessariamente, o reenvio do processo para o tribunal "a quo", pois nos termos do art. 665º/1 CPC, ainda que se declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação.

2. O facto de uma sociedade ter sido dissolvida não implica a sua extinção. Tal só acontece após o registo do encerramento da liquidação (artigo 160º/2 do Código das Sociedades Comerciais) que até ao momento não está provado que tenha acontecido.

3. Se a sociedade foi dissolvida em 30/5/2007 e o prazo para pagamento voluntário da liquidação expirou em 3/10/2007, e não há notícia de que o Oponente tenha exercido, mesmo de facto, quaisquer atos de gerência depois da primeira data, cabe à AT a prova de que foi por culpa do Oponente que o património da devedora originária se tornou insuficiente para satisfação das dívidas tributárias.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

RECORRENTE: Manuel ...........
RECORRIDO: Autoridade Tributária e Aduaneira.
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pelo MMº juiz do TAF do Funchal que julgou improcedente a oposição deduzida contra a execução instaurada contra a sociedade “F.........., Lda” e contra si revertida por dívida de IRC relativa ao período de 2002, no valor de € 342.726,28.
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
1º O presente recurso vem interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, proferida no âmbito do processo n.º 319/08.2BEFUN, que julgou improcedente a oposição judicial deduzida pelo Recorrente.

2° Como ficou dito, grande parte dos factos fulcrais a uma boa decisão da causa não constam nem da factualidade dada como provada, nem da factualidade dada como não provada pela sentença recorrida.

3° Na sentença ora recorrida o Tribunal a quo julgou improcedente a oposição judicial, por considerar que "o direito de liquidar não caducou em 31/12/2006, pelo que a notificação da liquidação ocorreu dentro do prazo de caducidade".

4° Ou seja, de todos os fundamentos de oposição judicial apresentados pelo Oponente, a sentença recorrida, apenas analisou o mérito do fundamento da caducidade do direito de liquidação, tendo considerado, indevidamente, segundo entende o Recorrente, que os outros não consubstanciavam fundamentos de oposição judicial à execução, o que consubstancia, como se sustentará erro de julgamento de direito, por omissão de pronúncia.

5° Considera o Recorrente que o Tribunal a quo incorreu num manifesto erro de julgamento da matéria de facto, em virtude da errada avaliação das provas produzidas.

6° Entende o Recorrente que houve vários factos, que embora provados por documentos juntos pela Fazenda Pública e pelo Oponente, o Tribunal descurou, talvez porque só pretendia analisar um dos fundamentos de oposição invocados pelo Oponente e para a análise desse fundamento, tais factos não eram relevantes.

7° Sucede que o Tribunal não pode escolher os factos a provar com base numa ideia pré-concebida daquela que vai ser a sua decisão.

8° Com efeito, ao dar como provados ou não provados os factos, o Tribunal tem que ter em conta as soluções plausíveis de direito que se poderiam suscitar e não limitar a sua análise aos factos que considera relevantes para a sua decisão previamente tomada, com base num juízo de prognose, coarctando o direito do Oponente ver analisada toda a factualidade provada nos autos e aplicado o direito à mesma.

9° De acordo com a prova documental junta pelo Oponente e pela Fazenda Pública, bem como do depoimento da única testemunha arrolada, resultaram provados diversos factos que deveriam fazer parte da factualidade assente, a saber:
A) O Oponente foi citado da reversão da divida de IRC de 2002 da devedora originária, a sociedade "F.........., Lda." , em 09/10/2008.
B) A sociedade devedora originária foi dissolvida e liquidada em 31/05/2007, data em que cessaram as funções de gerente do Oponente (facto não controvertido),
C) O processo de execução respeita a uma dívida de IRC do período de 2002 e respectivos juros compensatórios, no valor global de €342.726,28, liquidada em consequência de uma acção de inspecção tributária, cujo Relatório de Inspecção Tributária foi notificado à devedora originária, em 14/08/2007, na pessoa do seu representante legal.
D) O acto de liquidação do IRC de 2002 foi apenas notificado à devedora originária em 04/09/2007, também na pessoa do seu representante legal.
E) O prazo de pagamento voluntário dos actos de liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios de 2002 a que respeita o processo executivo e a reversão, terminou em 03/10/ 2007.
F) O Oponente foi absolvido do crime de fraude fiscal qualificada no âmbito do processo n.º 179/06.8IDFUN.
G) O património da devedora originária era pouco expressivo.
H) O património do Oponente era pouco expressivo.
I) O Oponente tinha aspecto humilde, um veículo de baixa cilindrada e não aparentava quaisquer sinais exteriores de riqueza antes ou depois da liquidação da empresa.

10º Da avaliação da prova produzida resulta inequívoco que o probatório da sentença recorrida se mostra insuficiente, pois não foram dados como provados factos com relevo para os autos e para a boa decisão da causa.

11 ° Como esclarece o Tribunal Central Administrativo Sul, no Acórdão de 15/05/ 2014, proferido no processo n.º 07508/14, "A falta de avaliação de provas produzidas, tal como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto".

12° No caso em apreço, como vimos supra, o Tribunal a quo decidiu mal os factos apurados, por não ter considerado o facto de o prazo de pagamento voluntário do imposto ter ocorrido após o exercício do cargo do Oponente,

13° o que remetia para a AT o ónus da prova da culpa na insuficiência do património da devedora originária, ónus que não foi cumprido pela AT como ficou demonstrado nos autos de oposição.

14° O Tribunal a quo decidiu mal ao ter avaliado erradamente o facto não controvertido, que respeita à absolvição do Requerente e, ainda, ao não ter avaliado positiva, nem negativamente, a prova testemunhal produzida.

15° Face ao exposto, requer-se, com fundamento no erro de julgamento da matéria de facto de que padece a sentença recorrida, consubstanciado na errada avaliação das provas produzidas e na decisão contra os factos apurados, que a sentença objecto do presente recurso, seja revogada, o que desde já se requer.

16° Quanto ao erro de julgamento de direito, como vimos, a sentença recorrida entendeu que não era fundamento de oposição à execução a ilegalidade da reversão por falta de fundamentação de facto e de direito.

17° Com efeito, a sentença recorrida apenas analisou a falta de fundamentação que geraria nulidade da citação, mas não cuidou de apreciar o mérito do despacho de reversão, nem a sua conformidade com o regime da responsabilidade subsidiária dos gerentes, conforme lhe foi requerido pelo Oponente.

18° Como se referiu, a AT enquadrou a responsabilidade subsidiária do ora Recorrente, no artigo 24.º da LGT, sem cuidar de fazer um enquadra mento numa das alíneas do n.º 1 do citado preceito legal, o que desde logo constitui um vício, de insuficiência da fundamentação legalmente exigida, mas que não foi sequer analisado pela sentença recorrida.

19° Ora, atenta a factualidade acima mencionada, provada nos presentes autos, incluindo os factos que deveriam ter sido dados como provados e já devidamente identificados nas presentes alegações,

20° a responsabilidade subsidiária do Oponente, ora Recorrente, só poderia em tese assentar no regime constante da alínea a) do n.º 1 do citado artigo 24.º da LGT.

21º Como se afirmou, o enquadramento da responsabilidade subsidiária do Oponente numa ou noutra alínea tem implicações ao nível da repartição do ónus da prova, pelo que uma decisão [reversão] que não revele qual a base legal da responsabilidade será sempre ilegal, quer por falta de fundamentação, quer por violação do acesso à justiça e aos tribunais.

22° A sentença recorrida, ao manter na ordem jurídica uma decisão ilegal, é violadora em si mesma dos mesmos preceitos.

23° Com efeito, de acordo com o artigo 24.º da LGT (" Responsabilidade dos membros de corpos sociais e responsáveis técnicos"), a responsabilidade dos administradores e gerentes por dívidas tributárias só pode ocorrer nos seguintes casos:
c) quando o facto constitutivo do imposto se tenha verificado no período do exercício do seu cargo, ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois do exercício do seu cargo, sempre que, em qualquer dos casos, tenha sido por culpa sua que o património social se tornou insuficiente para pagamento da dívida (cfr. artigo 24. º, n.º 1, alínea a) da LGT) ou,
d) quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no decurso do seu cargo, quando não provem que não lhe foi imputável a falta de pagamento (cfr. artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT).

24° À luz do referido regime legal, a responsabilidade subsidiária dos gerentes depende fundamentalmente, de um requisito de fundo, qual seja, a existência de culpa do gerente na insuficiência do património da sociedade devedora originária (cfr. artigo 24.º, n.º 1, alínea a, da LGT) ou na falta de pagamento do imposto (cfr. artigo 24.º, n.º 1, alínea b, da LGT).

25° E, considerar-se a responsabilidade subsidiária do Oponente enquadrável numa ou noutra alínea do referido artigo 24.º, n.º 1 da LGT, faz toda a diferença, porquanto na alínea a), ao contrário do que sucede na alínea b), não se prevê qualquer presunção de culpa do gerente da sociedade, ficando por isso, a cargo da Fazenda Pública, o ónus da prova dessa culpa.

26° Com efeito, de acordo com a alínea a) do referido artigo 24.º, n.º 1 da LGT, é à Autoridade Tributária, que pretende responsabilizar subsidiariamente o gerente pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento tenha terminado depois do período de exercício do cargo, que cumpre demonstrar que foi por culpa do gerente revertido que o património social da devedora originária se tornou insuficiente para satisfazer as dívidas tributárias da mesma.

27º Ora, no caso dos autos, tendo o IRC de 2002 sido liquidado adicionalmente pela Autoridade Tributária, o prazo legal para pagamento do imposto é aquele que consta das certidões de dívidas anexas ao despacho de reversão controvertido, isto é, o prazo de pagamento voluntário dos actos de liquidação em cobrança coerciva, que terminou em 03/ 10/ 2007.

28º Conforme ficou inequivocamente demonstrado nos autos e deveria ter sido dado como provado pelo Tribunal a quo, a sociedade devedora originária foi extinta em 30/ 05/ 2007, em virtude do registo da sua dissolução e liquidação.

29º Pelo que ficou igualmente demonstrado que foi também naquela data (30/ 05/ 2007) que o Oponente, ora Recorrente, cessou as suas funções de gerente.

30° Só podendo concluir-se que, na data em que terminou o prazo legal de pagamento do IRC em causa - 03/ 10/ 2007, o Oponente já havia cessado, há muito, as suas funções de gerente, facto que não foi tido em conta pelo Tribunal a quo.

31º Assim, se a data de pagamento da dívida é posterior à cessação de funções de gerente, teria a AT que alegar e provar a culpa do Oponente na insuficiência do património da devedora originária, o que não sucedeu.

32° O Tribunal a quo, não tirou quaisquer consequências do incumprimento, por parte da AT do ónus da prova sobre tais factos.

33° Deste modo, não tendo a Autoridade Tributária feito consignar no despacho de reversão em causa, nem na citação, todos os pressupostos de que depende a efectivação da responsabilidade subsidiária do Oponente, nomeadamente a sua culpa, é por demais evidente que não podia ter operado a presente reversão, por falta de verificação dos seus pressupostos.

34° Razão pela qual, na oposição judicial, o ora Recorrente pugnou pela anulação do despacho que ordenou a reversão, por violação do citado artigo 24.º, n.º 1, alínea a) da LGT, bem como, por ilegitimidade do oponente para figurar no processo, nos termos do disposto na alínea b), do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, com as demais consequências legais.

35° No entanto, o Tribunal a quo entendeu não conhecer deste fundamento, termos em que por erro de julgamento, consubstanciado na violação dos preceitos acima referidos, a sentença recorrida deverá ser revogada, o que desde já se requer.

36° Também entende o Recorrente ter havido erro de julgamento no que respeita à contagem do prazo de caducidade.

37° Na sentença ora recorrida o Tribunal a quo, apesar de reconhecer que a dívida tributária respeita ao IRC de 2002 e de admitir que só em 2006 foi instaurado o inquérito criminal contra a devedora originária, considera que o artigo 45.º, n.º 5 da LGT, aditado pela Lei n.º 65-A/ 2005, de 30/12/2005, que só entrou em vigor em 01/01/ 2006, se aplica ao caso em análise.

38° Porém, entende o Recorrente que não assiste razão ao Tribunal a quo, na medida em que o citado preceito legal, que entrou em vigor em 01/01/ 2006, não se poderá aplicar ao prazo de caducidade de factos tributários ocorridos em 2002.

39° Com efeito, o artigo 57.º, n.º 2 da Lei n.º 65-A/ 2005, de 30/12/2005 estabelece que "O disposto no n.º 5 do artigo 45.º da lei geral tributária é aplicável aos prazos de caducidade em curso à data da entrada em vigor da presente lei", o que equivale a aceitar a aplicação retroactiva da norma que estabelece um novo prazo de caducidade.

40° No entanto, o Recorrente não se conforma com a aplicação retroactiva da norma sobre a caducidade, por tal contender com o mais elementar princípio do direito tributário - o princípio da legalidade tributária e da proibição da retroactividade das normas fiscais.

41 ° Pois, a nova redacção do n.º 5 do artigo 49.º da LGT não reveste natureza processual, mas antes faz parte de um regime de direito substantivo e que, por isso, apenas se pode aplicar aos factos novos, ocorridos após 01/01/2006.

42° Mas entende o Recorrente que tal norma é inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade tributária e da proibição da retroatividade das normas fiscais previstos nos artigos 12.º da LGT e 103.º e 266.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), pelo que, também por estas razões, deverá o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença recorrida, o que desde já se requer.

43° Quanto à reforma da sentença quanto a custas, o Recorrente entende que deve ser dispensado do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

44° Na sentença recorrida, apesar do valor da acção ascender a € 342.726,28, o Tribunal a quo condenou o Oponente em custas, mas não se pronunciou quanto à verificação ou não dos pressupostos legais referentes à dispensa total ou parcial do remanescente da taxa de justiça, previsto no n.º 7 do 6.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP).

45° Segundo dispõe o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais RCP, "Nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento" (sublinhado nosso).

46 ° Em concreto, considera o Recorrente que se encontram preenchidos os critérios objetivos que o, nos fornece, respetivamente:
iv) o facto de não ter havido qualquer articulado com finalidade meramente dilatória;
v) o facto de o processo não ter implicado questões de elevada especialização jurídica ou técnica ou carácter de análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso;
vi) o facto de ter apenas sido ouvida uma testemunha.

47 ° Em conclusão, a causa não revestia especial complexidade.

48° Ademais, a conduta do Recorrente foi sempre irrepreensível, tendo sido ininterruptamente pautada pelos princípios da colaboração e da boa-fé, não merecendo qualquer censura.

49° Assim, uma vez avaliados os critérios subjacentes à exceção prevista no n.º 7 do artigo 6.º do RCP, o Recorrente entende que deverá ser dispensado do pagamento do remanescente da taxa de justiça, o que desde já requer.

50° De facto, o montante das custas processuais não pode ser fixado de modo desproporcional, sob pena de ter um efeito desincentivador dos contribuintes ao acesso à justiça, contrariando o disposto no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Termos em que o presente recurso deverá ser julgado procedente por provado e, em consequência, revogada a sentença recorrida, objeto do presente recurso, com todas as demais consequências legais, o que desde já se requer.

CONTRA ALEGAÇÕES.
O Recorrido contra alegou e concluiu:
Vem o ora recorrente interpor o presente recurso da douta sentença de 30.01.2019.

2. Sentença pela qual, veio o Meritíssimo juiz a quo julgar improcedente a oposição à execução fiscal.

3. Tendo em conta as alegações do recorrente, sempre se dirá, desde logo que as omissões alegadas não ocorreram.

4. À decisão de improcedência a impugnante recorre agora com os seguintes fundamentos:
• Erro de julgamento da matéria de facto – por não terem sido provados factos que resultam de prova produzida;
• Erro de julgamento de direito – omissão de pronúncia e errada aplicação do direito aos factos;

5. Quanto ao alegado erro de julgamento da matéria de facto verifica-se que a sentença cumpre com aquilo a que está adstrita legalmente, quer no âmbito do CPPT quer no âmbito do CPC por aplicação subsidiária nos termos do artigo 2.º al. d) do CPPT.

6. Ou seja, tendo o tribunal definido quais a questões que lhe cumpria solucionar fixou a matéria de facto em função dessas questões.

7. Ou seja, ao tribunal apenas competia decidir quanto à invocada falta de notificação do tributo no prazo de caducidade.

8. Era este o único fundamento enquadrável numa das alíneas do artigo 204.º do CPPT.

9. Sendo esta a questão a decidir a fundamentação da decisão, tal como imposto legalmente pelos artigos já mencionados, teve por base a matéria factual que importava para essa questão a decidir.

10. Pelo que não se afigura existir erro no julgamento da matéria de facto.

11. Quanto ao erro de direito, nas alegações de recurso são alegados factos que não constavam da petição inicial.

12. Na petição inicial, o oponente apenas invocou factos e imputo-os à citação em reversão e ao documento que versa sobre a citação, documento 1 da p.i.

13. O oponente não alegou factos imputáveis ao despacho de reversão nem se socorreu do disposto no artigo 37.º do CPPT para eventualmente suprir alguma questão imputável ao despacho de reversão.

14. Não pode agora a recorrente em sede de alegações alegar factos, para tentar corrigir o seu erro, imputando vícios ao despacho de reversão que não foram em tempo oportuno invocados.

15. Determina o artigo 99.º n.º 1 da LGT que o tribunal deve realizar todas as diligências para conhecer a verdade dos factos alegados ou de conhecimento oficioso.

16. Ora, tendo apenas sido imputadas ilegalidades à citação e não sendo essas ilegalidades sindicáveis em sede de oposição à execução fiscal, apenas poderia o tribunal a quo se pronunciar acerca desses factos alegados.

Termos em que, sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.ª, deverá a sentença recorrida ser mantida e o presente recurso ser julgado improcedente, com o que se fará a sempre devida JUSTIÇA


PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela procedência do recurso e revogação da sentença recorrida.



II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou de facto e de direito ao julgar improcedente a oposição deduzida contra a execução revertida por dívidas imputadas à devedora originária “F.........., Lda”.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
O Oponente foi citado no processo de execução fiscal n.º .........., na qualidade de responsável subsidiário, por reversão da sociedade executada F.........., Lda.

2. A sociedade F.........., Lda., foi alvo de procedimento de inspecção interna determinada por despacho de 11/12/2006, referente ao ano/exercício de 2002 e com os objectivos de consulta, recolha e cruzamento de elementos.

3. A sociedade F.........., Lda., foi alvo de procedimento de inspecção interna determinada por despacho de 22/06/2007, referente ao ano/exercício de 2002 e em sede de IRC e IVA.

4. Em 12/12/2006 foi levantado auto de notícia e em 13/12/2006 foi instaurado o processo de inquérito criminal n.º 179/06.8IDFUN contra a sociedade F.........., Lda., tendo como fundamento a dedução indevida de IVA e a omissão de rendimentos na Declaração Modelo 22 de IRC, sendo-lhe imputada a prática do crime previsto e punido pelo art. 103.º do Regime Geral das Infracções Tributárias [Fraude fiscal].

5. Em 04/09/2007 foi a sociedade F.........., Lda., notificada do acto de liquidação adicional .......... referente a IRC do ano de 2002 e juros compensatórios, com o montante a pagar de €342.726,28.

B - FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos alegados relevantes para a decisão da causa a dar como não provados.
*

Consigna-se que não se tomou em consideração a demais matéria alegada por esta integrar factos inócuos para a decisão da causa ou não integrar factos mas antes meras conclusões, juízos de direito e considerações subjectivas.

C – MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal formou a sua convicção, quanto aos factos provados, pela análise crítica efectuada dos documentos constantes dos autos e do processo de execução fiscal, e que não foram impugnados.
O facto 5. foi dado como provado considerando a confissão do Oponente no respectivo articulado [vide art. 26.º da petição inicial], e o documento junto a fls. 22 dos autos em suporte físico.


IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Na qualidade de responsável subsidiário pelas dívidas da sociedade “F.........., Lda”, Manuel .......... deduziu oposição à execução contra si revertida alegando entre o mais, que a reclamação (oportunamente) apresentada pela devedora originária contra o despacho de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, apresentado pela devedora originária, tem efeito suspenso e como tal, não poderiam os autos prosseguir com a reversão da execução contra o ora Oponente.
Além disso, sendo a dívida relativa a 2002, a liquidação foi notificada em 4/9/2007, depois de decorrido o prazo de caducidade.
O despacho de reversão não está fundamentado uma vez que o Exequente não indica o nexo de causalidade entre os actos praticados pelo Oponente e a insuficiência do património social.

O Exmo. Representante da Fazenda Pública contestou por impugnação e por exceção. Alegou, em síntese também, que o falado processo de Reclamação n.º 84/08.3BEFUN não teve efeito suspensivo, nem foi prestada qualquer garantia pelo que o processo seguiu os seus trâmites normais. Por outro lado, o Oponente imputa à citação o vício de nulidade o que constitui fundamento de reclamação para o Órgão de execução fiscal a arguir no processo de execução fiscal, e não como fundamento de oposição à execução fiscal.

A caducidade da liquidação também não se verifica. A liquidação de IRC é fruto de uma ação de inspeção interna que decorreu a coberto de duas credenciais entre 11/12/2006 e 16/8/2007, de que resultou a liquidação adicional em crise. Presume-se que a sociedade foi notificada em 3/9/2007 de acordo com o previsto no art.º 39º/1 CPPT e 45 n.º 6 da LGT. Estaria decorrido o prazo de caducidade, mas como foi instaurado inquérito criminal em 13/12/2006, o prazo de caducidade foi suspenso nos termos do art.º 45º/5 LGT.

Terminou pedindo a condenação do Oponente como litigante de má fé, em especial por ter defendido que o processo de execução fiscal deveria ter sido suspenso por força da reclamação a que se refere o art.º 276º do CPPT, tendo perfeito conhecimento de que a reclamação havia sido mandada baixar, por não estarem preenchidos os requisitos legais para a sua subida imediata.

O MMº juiz julgou a oposição improcedente. Considerou que o vício relativo à falta de fundamentação de facto e de direito da citação consubstancia nulidade desta e que tal vício apenas poderia ser conhecido em sede de reclamação dos actos do órgão de execução fiscal.
Quanto à existência do processo de reclamação e seus efeitos na execução, decidiu que o mesmo também não constitui fundamento de oposição.
Concluiu que a caducidade do direito à liquidação não se verificou em consequência da instauração em 13/12/2006 de inquérito crime contra a sociedade.
E julgou improcedente o pedido de condenação do Oponente como litigante de má fé, por não estarem reunidos os requisitos para tanto, julgando, a final, improcedente a oposição.

O RECORRENTE defende que a sentença errou no julgamento da matéria de facto, porquanto grande parte dos factos fulcrais a uma boa decisão da causa não constam nem da factualidade provada, nem da factualidade dada como não provada (Conclusões 1º a 11º).
Depois, o prazo para pagamento voluntário expirou depois do exercício do cargo pelo Oponente, o que remetia para a AT o ónus da prova da culpa do Oponente. Ónus que não cumpriu (13º).
A sentença também não faz qualquer referência à prova testemunhal produzida e avaliou erradamente a absolvição do Oponente no processo crime (12º a 15º).
E errou ao não apreciar o mérito do despacho de reversão, quedando-se pela falta de fundamentação que geraria nulidade da citação (16º e 17º).
A AT enquadrou a responsabilidade subsidiária sem cuidar de fazer o enquadramento numa das alíneas do art.º 24º LGT, o que constitui um vício de fundamentação (Conclusões 18ª).
Considerando a factualidade provada e os factos que deveriam ter sido provados, a responsabilidade subsidiária do Oponente só poderia assentar no regime constante da alínea a) do art.º 24º LGT, cabendo à AT o ónus da prova da culpa do Oponente na insuficiência do património da devedora originária (19ª a 26ª).
O prazo para pagamento voluntário terminou em 3/10/2007. Deveria também ter sido dado como provado que a devedora originária foi extinta em 30/5/2007 em virtude do registo da sua dissolução e liquidação, pelo que foi também nessa data que o Oponente cessou as suas funções de gerente. Assim, na data em que terminou o prazo legal de pagamento do IRC, o Oponente já tinha cessado as suas funções de gerente.
E por isso, era à AT que cabia alegar e provar a culpa do Oponente (Conclusões 27ª a 35ª).
Também houve erro de julgamento quanto à caducidade. O tribunal aplicou o n.º 5 do art. 45º da LGT, aditado pela Lei n.º 65-A/2005, de 30/12/2005, mas este regime não se pode aplicar ao prazo de caducidade de factos tributários ocorridos em 2002. Tal equivaleria a aplicar retroativamente a norma que estabelece um novo prazo de caducidade, o que a fere de inconstitucionalidade por violação dos princípios da legalidade tributária e da proibição da retroactividade das normas fiscais (Conclusões 36ª a 42ª).
Por fim, pede dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça por se encontrarem reunidos os requisitos para tanto (Conclusões 43º a 50º).

Sumariadas as conclusões das alegações do Recorrente, passemos à análise das respetivas questões, começando pelo erro de julgamento de facto.

O Recorrente pugna pelo aditamento à matéria de facto dos seguintes factos:
A) O Oponente foi citado da reversão da divida de IRC de 2002 da devedora originária, a sociedade "F.........., Lda.", em 09/10/2008.
B) A sociedade devedora originária foi dissolvida e liquidada em 31/05/2007, data em que cessaram as funções de gerente do Oponente (facto não controvertido).
C) O processo de execução respeita a uma dívida de IRC relativa ao período de 2002 e respectivos juros compensatórios, no valor global de €342.726,28, liquidada em consequência de uma acção de inspecção tributária, cujo Relatório foi notificado à devedora originária, em 14/08/2007, na pessoa do seu representante legal.
D) O acto de liquidação do IRC de 2002 foi apenas notificado à devedora originária em 04/09/2007, também na pessoa do seu representante legal.
E) O prazo de pagamento voluntário dos actos de liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios de 2002 a que respeita o processo executivo e a reversão, terminou em 03/10/ 2007.
F) O Oponente foi absolvido do crime de fraude fiscal qualificada no âmbito do processo n.º 179/06.8IDFUN.
G) O património da devedora originária era pouco expressivo.
H) O património do Oponente era pouco expressivo.
I) O Oponente tinha aspecto humilde, um veículo de baixa cilindrada e não aparentava quaisquer sinais exteriores de riqueza antes ou depois da liquidação da empresa.


Vejamos o facto referido na alínea A):
Nos factos provados, o MMº juiz não consignou a data em que o Oponente foi citado para a execução. Este diz ter sido citado em 9/10/2008 enquanto a AT, na contestação, alega que foi citado em 16/10/2008 (artigo 20º da contestação).
O documento n.º 28 para onde remete o Exmo. Representante da Fazenda Pública não nos permite concluir com segurança a data da citação do Oponente. Contudo, na informação do SF prestada a fls. 24 diz-se expressamente que o Oponente foi citado para a execução revertida em 9/10/2008 razão porque será esta a data da citação que se fixa.

Assim, adita-se aos factos provados o n.º 6 com o seguinte conteúdo:
6.
O Oponente foi citado para a execução contra si revertida em 9/10/2008.

Quanto ao aditamento da alínea B), há que dizer o seguinte:
Em primeiro lugar, não é verdade que a factualidade ali referida seja aceite pela AT, porque não tendo sido alegada na petição inicial, não podia o Exmo. Representante da Fazenda Pública pronunciar-se sobre ela na contestação.

Os factos em causa são referidos pelo Recorrente/Oponente nas alegações facultativas a que alude o art. 120º do CPPT "ex vi" do art.º 211º/1 do mesmo diploma. No entanto, entende-se que nas alegações, em regra, apenas é admissível a apreciação crítica das provas e a discussão das questões de direito suscitadas na petição da impugnação, não sendo possível utilizá-las para invocar novos factos ou suscitadas novas questões de ilegalidade do ato impugnado.

Este entendimento tem sido baseado no princípio da estabilidade da instância (art.º 268.º do CPC), e no ónus ao impugnante de expor na petição de impugnação os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido (n.º 1 do art. 108.º do CPPT).

Assim, só relativamente a questões de conhecimento oficioso ou quando surjam factos subjetivamente supervenientes para o impugnante lhe proporcionem a tomada de conhecimento de vícios de que não podia ter conhecimento no momento da apresentação da petição, será permitido ao impugnante invocar novos factos os suscitar novas questões de legalidade do acto impugnado, designadamente imputar-lhe novos vícios.(…)(1)

Ora, a alegada extinção da sociedade em 30/5/2007 em virtude do registo da sua dissolução e liquidação, e que também nessa data o Oponente cessou as suas funções de gerente não é matéria de conhecimento oficioso, nem foi alegado ou indiciado que o Oponente não teve, nem podia ter tido, conhecimento de tais factos quando apresentou a petição inicial.

Porém, uma vez clarificado este ponto, é certo que o Exmo. Representante da Fazenda Pública referiu na contestação que a sociedade cessou actividade nos termos do artigo 8º n. 5 alínea a) do CIRC em 31/5/007.

Este preceito contém várias causas de cessação da actividade, pelo que na ausência de qualquer alegação em momento próprio do Oponente, apenas poderia relevar o facto de a devedora originária cessado a sua actividade em 31/5/2007, nos termos do artigo 8º n.º 5 alínea a) do CIRC.
Mas em complemento dessa factualidade, sabemos também que a deliberação de dissolução e liquidação da sociedade foi registada em ata datada de 30/5/2007, conforme documento n.º 52 junto pela AT.

Estes factos, e a respetiva prova, embora não tenham sido expressamente alegados pelo Oponente em momento próprio como referimos, foram mencionados pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública, permitindo, em obediência ao princípio da aquisição processual (cfr. art.º 413º do CPC), que sejam, por isso, tomados em consideração.

Assim, em conformidade com o exposto, adita-se aos factos provados o n.º 7 com o seguinte conteúdo:
7
A devedora originária cessou a sua actividade em 31/5/2007, nos termos do artigo 8º n.º 5 alínea a) do CIRC e a deliberação de dissolução e liquidação da sociedade foi lavrada com data de 30/5/2007 (fls. 52).

Prosseguindo.
O Oponente sustenta que a notificação do relatório final foi efetuada por ofício n.º ....., de 14/8/2007. Embora não se encontre nos autos cópia do ofício nem qualquer registo da receção, este facto não foi controvertido pelo Exmo. Representante da Fazenda Pública.

Todavia, o facto que pretende ver aditado é diferente do alegado. Pretende em recurso que o “...Relatório de Inspecção Tributária foi notificado à devedora originária, em 14/08/2007, na pessoa do seu representante legal”, o que é algo diferente do alegado na petição inicial, onde, no artigo 25 afirma que “...por ofício n.º ....., de 14/08/2007, foi a reclamante notificada do Relatório da Inspeção Tributária, que mantendo todas as correções projectadas, concluiu pela necessidade de ser liquidado adicionalmente o IRC...”.

Como apenas poderemos admitir por acordo do ERFP os factos alegados na pi, em consonância com o critério enunciado no art.º 110º/7 do CPPT, aditar-se-á o facto acima referido, com o n.º 8, com o seguinte teor:
8
A notificação do relatório final à sociedade devedora originária foi efetuada por ofício n.º ....., de 14/8/2007.

Quanto à alínea D) o facto subjacente alegado (arts. 26º e 32 da douta petição inicial) é o de que a sociedade foi notificada do acto de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, na importância total de € 342.726,28, no dia 4/9/2007.
Não é controvertido, pelo que também se adita o n.º 9 com o seguinte conteúdo:
9
A sociedade devedora originária foi notificada do acto de liquidação adicional de IRC 2002 e juros compensatórios, no montante de € 342.726,28 no dia 4/9/2007.

Quanto ao facto de o prazo para pagamento voluntário do imposto terminar no dia 3/10/2007, constitui uma certeza demonstrada pela cópia da certidão de dívida, pelo que se adita o facto n.º 10 com o seguinte conteúdo:
10
O prazo de pagamento voluntário da liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios de 2002 a que respeita o processo executivo e a reversão, terminou em 03/10/ 2007.

Os restantes factos referidos nas alíneas F), G), H) e I) não podem ser aditados, como veremos de seguida.

Além de não ter qualquer interesse para a decisão da causa e não ter sido alegado (foi apenas referido nas alegações facultativas), a absolvição do crime de fraude fiscal qualificada não está provada nos autos.

O facto de o património da devedora e do Oponente “ser pouco expressivo” é uma conclusão e não um facto, razão por que não pode ser aditado ao probatório.

O aspecto humilde do Oponente, ter um veículo de baixa cilindrada e não aparentar sinais exteriores de riqueza antes ou depois da liquidação da empresa, são avaliações não alegadas, e constituem mera conclusão subjectiva, sem qualquer relevo para a decisão.

Assim, rejeitando o aditamento destes factos, e aditando os que supra se indicam, consideramos estabilizada a matéria de facto, o que nos permite avançar para a apreciação jurídica das questões que nos são colocadas em articulação com os factos que as suportam.

Comecemos então pela apreciação da prova testemunhal em relação à qual a sentença não faz qualquer referência.
Mas sem dúvida devia fazer, uma vez que procedeu à inquirição de uma testemunha conforme acta de fls. 144.
Esta omissão tem consequências processuais, como veremos.

Nos termos do art. 123º/2 do CPPT, na sentença o juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões. Esta exigência de fundamentação deve ser aproximada da disposição correspondente ao art. 607º/4 do segundo o qual na fundamentação da sentença o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo eu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer (sublinhado nosso).

Sendo este exame o resultado de uma imposição legal, o juiz não pode deixar de o fazer, sob pena de nulidade da sentença (art.º 125º/1 do CPPT, e 615º/1, b) do CPC).

Segundo Jorge Lopes de Sousa (in CPPT anotado, II, 2011, pp. 357 e segs.) «Relativamente à matéria de facto, esta nulidade abrange não só a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo n.º 2 do art.º 123º do CPPT, como a falta do exame crítico das provas, previsto no n.º 3 do art. 659º do CPC.
Como vem entendendo uniformemente o STA só se verifica tal nulidade quando ocorra falta absoluta de fundamentação…»


E continua o mesmo autor (pp. 321 e 322) «A fundamentação da sentença, no que concerne à fixação da matéria de facto, é exigida pelo n.° 2 do art. 123. do CPPT.
Essa fundamentação deve consistir na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro.
A fundamentação da sentença visa primacialmente impor ao juiz reflexão e apreciação crítica da coerência da decisão, permitir às partes impugnar a decisão com cabal conhecimento das razões que a motivaram e permitir ao tribunal de recurso apreciar a sua correcção ou incorrecção.
Mas, à semelhança do que sucede com a fundamentação dos actos administrativos, a fundamentação da sentença tem também efeitos exteriores ao processo assegurando a transparência da actividade jurisdicional.
Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto.
Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios.
Mas, quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos relativamente aos quais essa apreciação seja necessária» (sublinhado nosso).

No exame crítico da prova, o juiz deve esclarecer quais foram os elementos probatórios que o levaram a decidir como decidiu e não de outra forma. E no caso de haver elementos probatórios divergentes, explicar (fundamentar) as razões porque deu prevalência a uns sobre os outros.

O exame crítico da prova não precisa de ser exaustivo. Importante é que, tendo presente o dever de fundamentação e os objectivos que a mesma visa alcançar, o julgador se empenhe na sua explicitação e não se escude em fórmulas vazias destituídas de qualquer densidade que nada dizem e por isso nada fundamentam.

No caso dos autos a questão é relevante porque tendo sido inquirida uma testemunha, o julgador nada diz sobre o seu depoimento nem sobre a relevância, ou irrelevância, do mesmo, ignorando-o pura e simplesmente, desconhecendo-se se não encontrou pertinência no depoimento, ou se por erro, ou por lapso, não atendeu ao seu conteúdo.

Como quer que seja, falta o exame crítico da prova, o que, nos termos supra referidos, constitui nulidade da sentença por falta de fundamentação nos termos do art. 125º/1 do CPPT e 615º/1-b) do CPC.

A nulidade (parcial) da sentença não implica, necessariamente, o reenvio do processo para o tribunal "a quo", pois nos termos do art. 665º/1 CPC, ainda que se declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação.

E a tal nada obsta pois o depoimento da testemunha inquirida não trouxe nada de relevante para a decisão dos autos, como podemos ver da parte transcrita nas doutas alegações de recurso.

Por conseguinte, embora declarando a nulidade parcial da sentença, prosseguiremos a análise do recurso nos termos expostos.

Debruçando-nos agora sobre questão relativa ao ónus da prova da culpa, que o Oponente/Recorrente diz caber à AT porquanto o prazo para pagamento voluntário expirou depois do exercício do cargo pelo Oponente, uma vez que o prazo para pagamento expirou em 3/10/2007 e a devedora originária foi extinta em 30/5/2007, em virtude sido registo da sua dissolução e liquidação, ficando igualmente demonstrado que que foi naquela data em 30/5/2007 que o Recorrente cessou as funções de gerente (conclusões 28º e segs.).

Ora, quando acima nos referimos à prova dos factos relativos à dissolução e liquidação da sociedade já tivemos oportunidade de dizer que a prova efetuada não permite concluir com a extensão que o Recorrente reclama. Ou seja, não podemos concluir que foi registada a dissolução e a liquidação da sociedade.

O que sabemos – o que está provado - é que a devedora originária cessou a sua actividade em 31/5/2007, nos termos do artigo 8º n.º 5 alínea a) do CIRC e que a ata de deliberação de dissolução e liquidação da sociedade foi lavrada com data de 30/5/2007.

O facto de a sociedade ter sido dissolvida não implica a extinção da sociedade, pois tal só acontece após o registo do encerramento da liquidação (artigo 160º/2 do Código das Sociedades Comerciais) que até ao momento não está provado que tenha acontecido.

Em todo o caso, sabe-se que a sociedade foi dissolvida em 30/5/2007 e que o prazo para pagamento voluntário da liquidação expirou em 3/10/2007.

Na posse destes dados, vejamos o regime da responsabilidade subsidiária, em especial, na parte relativa à culpa, cujo art.º 24º LGT sob epígrafe “Responsabilidade dos membros de corpos sociais e responsáveis técnicos” dispõe assim:

1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
2 (...).
3 (...).

O exercício efetivo da gerência não suscita nenhuma dúvida. O Oponente não o nega e no artigo 6º das alegações facultativas confirma que até à extinção da sociedade devedora originária exerceu as funções de gerente da mesma.

Com isto, consideramos satisfeita a prova da gerência efetiva do Oponente até à dissolução da sociedade.

Mas para além disso, alega não estarem demonstradas as circunstâncias concretas em que se traduz a sua culpa na insuficiência do património da sociedade devedora originária e que também não foi demonstrado o nexo de causalidade entre os actos por si praticados e a insuficiência patrimonial. Alegação que, embora imperfeita e longe da praxis do foro, se conclui sem grande esforço(2) “pretender” devolver à AT o ónus da prova da culpa nos termos do n.º 1 da alínea a) do art. 24º da LGT.

Diga-se em todo o caso, que se o ónus da prova da culpa couber à AT, também não é necessário que o Oponente o alegue, pois a repartição da carga probatória sobre cada um dos sujeitos decorre da lei (art.º 24º/1-a) LGT).

Identificada a questão, vamos resolvê-la.
Repetimos que o prazo para pagamento voluntário do imposto (3/10/2007) expirou depois da dissolução da sociedade (ata de 30/5/2007).

A data da dissolução da sociedade corresponde à data da deliberação e não à data do registo da mesma - que não foi efetuado, tanto quanto sabemos -, sem prejuízo de, para efeitos de publicidade, ser necessária a sua inscrição no registo comercial (artigo 145.º do Código das Sociedades Comerciais)(3).

O prazo legal de pagamento expirou depois da dissolução da sociedade e não há notícia de que o Oponente tenha exercido, mesmo de facto, quaisquer atos de gerência depois dessa data.

Assim sendo, devemos avaliar a imputação da culpa segundo o critério probatório previsto na alínea a) do art. 24º LGT. Ou seja, cabe à AT a prova de que foi por culpa do Oponente que o património da devedora originária se tornou insuficiente para satisfação das dívidas tributárias.

Ora a AT não efetuou qualquer prova nesse sentido, pelo que o recurso não pode deixar de proceder. E por essa razão, proceder a oposição, inutilizando a apreciação das restantes questões (art 608º/2 "ex vi" do art.º 663º/2 CPC).

Vejamos agora a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Segundo dispõe o nº 7 do art. 6° do RCP, introduzido pelo artigo 2º da Lei n.º 7/2012 de 13 de Fevereiro, nas causas de valor superior a € 275.000,00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

Esta disposição está conexionada com o que se prescreve na tabela I, ou seja, que para além de €275.000 ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000 ou fracção três unidades de conta no caso da coluna A, uma e meia unidade de conta no caso da coluna B, e quatro e meia unidade de conta no caso da coluna C.

É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000 e o efetivo valor da causa, para efeitos de determinação daquela taxa que deve ser considerado na conta final. Se não se dispensar o seu pagamento.

A dispensa tem natureza excecional. Pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes – cfr., a título de exemplo, o acórdão de 18/11/2015, tirado no processo n.º 0346/14; vide também os acórdãos do 2.º Juízo do Tribunal Central Administrativo Sul de 29/05/2014, proc. n.º 7270/13, e de 27/11/2014, proc. n.º 6492/13, bem como do seu 1.º Juízo de 26/02/2015, proc. n.º 11701/14 e, ainda, os acórdãos deste TCAN, de 08/01/2016, proferido no âmbito do processo n.º 1155/10.1BEBRG e de 09/06/2016, proferido no âmbito do processo n.º 369/14.0BEVIS.
Para além destes critérios, a proporcionalidade entre a taxa de justiça devida e o labor jurisdicional não poderá deixar de ser ponderado. Como se refere no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais:
“O valor da acção não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial. Pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspectividade da taxa de justiça, estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da acção, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correcção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa.”

Enunciados os princípios que devem nortear a “dispensa do pagamento do remanescente”, vejamos o caso.

Começando pela conduta processual das partes, a tramitação dos autos limita-se ao que lhes é exigível e legalmente devido, não se destacando também qualquer especial cooperação dos litigantes com o tribunal.

Quanto à complexidade da causa, o RCP não nos fornece critérios específicos pelo que nos socorremos do disposto no artigo 530.º do Código de Processo Civil (CPC), que considera de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:
a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
As alegações não se revelam prolixas, nem implicou a análise de meios de prova complexos.
A questão decidenda não é de especial complexidade, versando até sobre matéria já tratada pela jurisprudência.

Assim, perante a possibilidade de graduação casuística e prudencial do montante da taxa de justiça devida a final e a necessidade de assegurar a correspetividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça devida e ponderando ainda estarmos perante uma complexidade reduzida, julgamos verificados os requisitos legais para dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça.


V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCA em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a oposição.

Custas pela Recorrida em todas as instâncias, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Lisboa, 17 de outubro de 2019.



(Mário Rebelo)





(Patrícia Manuel Pires)





(José Vital Brito Lopes)


_____________________________________
(1)Jorge Lopes de Sousa in "Código de Procedimento e de Processo Tributário", 2011, vol. II pp. 297.
(2)Cfr. ac. do tribunal da Relação de Lisboa n.º 855/16.7T8AMD.L1-2 de 25-10-2018 Relator: LAURINDA GEMAS
Sumário: II - A petição inicial, em especial o pedido, deve ser interpretada, à luz do princípio da prevalência do fundo sobre a forma, procurando-se identificar a pretensão materialmente formulada.
(3)Cfr. acórdão deste TCA n.º 08539/15 de 28-04-2016 Relator: JORGE CORTÊS
Sumário: 1) Está em causa a reversão da execução contra o oponente por dívidas de IVA de 2005 e 2006 e IRC de 2006.
2) Do probatório resulta que em 16.01.2004 foi deliberada a dissolução da sociedade devedora originária, a qual foi levada ao registo em 04.05.2007.
3) Por um lado, a data da dissolução da sociedade corresponde à data da deliberação e não à data do registo da mesma, sem prejuízo de, para efeitos de publicidade, ser necessária a sua inscrição no registo comercial (artigo 145.º do Código das Sociedades Comerciais). Por outro lado, da acta de dissolução da sociedade não consta a designação do oponente como liquidatário da mesma, cargo para o qual foi designado o secretário.
4) Do exposto resulta que os autos não comprovam o exercício da gerência efectiva por parte do oponente, no período de formação do facto tributário da dívidas em causa ou no período em que as mesmas foram postas a pagamento, nem a recorrente logra indicar elemento que tal possa afiançar.
5) O ónus da prova da gerência efectiva corre por conta da exequente, ou seja, a Fazenda Pública, donde resulta, à míngua de elementos que corporizem o preenchimento do pressuposto em apreço, o soçobrar da pretensão executiva em liça.