Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1058/10.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/31/2019
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:REVISÃO OFICIOSA DO ACTO DE RETENÇÃO NA FONTE
LIVRE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS
PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO NO TRATAMENTO DE DIVIDENDOS
Sumário:1) A revisão oficiosa do acto de retenção na fonte pode ser solicitada pelo contribuinte, com base em erro de direito imputável aos serviços, no prazo de quatro anos a contar da data do acto tributário.
2) Da demonstração da não neutralização por via da Convenção sobre Dupla Tributação da maior tributação dos dividendos percebidos pela sociedade não residente em face das sociedades residentes, em situação comparável, impõe-se concluir pela existência de tratamento fiscal discriminatório não consentido pelo Direito da União Europeia.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I- Relatório
A Fazenda Pública interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 598/623, que julgou procedente a impugnação deduzida por “A…… BV.”, [anteriormente “E….. BV” e que incorporou por fusão a sociedade denominada “A…. NV”], contra o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa da liquidação, por retenção na fonte, ocorrida em 2005, no valor de €400.443,68, aquando da colocação à disposição dos dividendos que auferiu da sua participação no B…., S.A.
Nas alegações de recurso de fls. 633v/646, o recorrente formula as conclusões seguintes:
I. -Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalve-se melhor e Vosso douto entendimento, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal “ad quo” caiu em erro, porquanto os factos dados como provados devem levar, na aplicação devida das normas substantivas, a solução diversa da constante na sentença recorrida e, portanto, conduzir a uma decisão diferente da adoptada pelo Tribunal a quo. Assim sendo, somos levados a concluir pela existência de uma distorção na aplicação do direito de tal forma a que o decidido não corresponde à realidade normativa objecto de uma análise deficiente, levando a decisão recorrida a enfermar de error juris.
II. – A…. BV sociedade devidamente constituída ao abrigo das leis holandesas e que incorporou a sociedade de direito holandês denominada "A…. NV" veio apresentar IMPUGNAÇÃO JUDICIAL do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão do acto tributário por iniciativa da Administração Tributária, relativo à retenção na fonte sobre dividendos distribuídos pelo B…. SA., (B…) a 19.10.2005, relativa às acções com o código PTBC….., no montante de 0,033 por acção, tendo auferido o rendimento bruto de € 4.004.436,71, por ser titular da totalidade de 121 346 567 acções.
Esse rendimento bruto foi objecto de retenção na fonte à taxa de 25 %, no montante de €1.001.109,18, tendo sido efectuado o reembolso parcial de € 600.665,50, permanecendo por restituir €400.443,68, ou seja, está em causa a retenção definitiva à taxa de 10%.
III. - As questões controvertidas são, tal como a decisão do Tribunal ad quo as definiu, a caducidade do direito de acção e a legalidade das retenções na fonte efectuadas à impugnante respeitantes ao pagamento de dividendos distribuídos pelo B…, atento ao direito Europeu e, especificamente o princípio da livre Circulação de Capitais.
IV. - Em primeiro lugar entende o Tribunal ad quo que estamos perante um erro imputável aos serviços, o que abriria a via da revisão oficiosa a pedido do contribuinte no prazo de 4 anos. Com efeito, a revisão dos actos tributários por iniciativa da Administração Tributária com fundamento em erro imputável aos serviços pode ser requerida pelo próprio sujeito passivo, valendo assim o prazo de 4 anos após a liquidação como vem sendo pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (acórdãos n.º 1009/10 de 23.03.2011 e nº 01007/11 de 14.03.2012).
V. - Mas, com o devido respeito o TT não esteou a sua decisão ao abrigo das normas legais, máxime desconsiderou a Lei Geral Tributária Portuguesa que prevê no seu art.º76º, 4, que fazem fé “as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado.”
Ou seja, estando em causa a tributação de dividendos distribuídos pelo B..., S.A. a 19 de Outubro de 2005 a uma sociedade não residente, a informação necessária para que se proceda ou não à retenção na fonte, depende de saber qual a situação fiscal ou tributária do sujeito passivo e, portanto não se encontra na disponibilidade da AT. Dependendo tal informação da comunicação das Autoridades Fiscais do país de residência do sujeito passivo, não será antes disso do conhecimento da AT. E, não sendo assim de conhecimento oficioso da AT, nem por via do exercício das funções que lhe são atribuídas por lei ou por via legal, não se pode ao presente caso aplicar o prazo máximo previsto para o procedimento de correcção oficiosa – 4 anos.
Nos termos do artigo 78º nº 1 da LGT, conforme já expresso no mesmo sentido pela AT nos autos, ”erro imputável aos serviços” não se pode identificar com” qualquer ilegalidade”, sob pena de não se encontrar qualquer racionalidade da norma. Deste modo, a falta de fundamentação ou a errada interpretação da norma aplicada, são ilegalidades que não se enquadram no conceito de “erro”, como ignorância ou imperfeito conhecimento das regras do Direito, ou das circunstâncias de facto, revelada pela declaração, e não na vontade de quem emitiu o acto. De outra forma corre-se o risco de transformarmos as anulabilidades em nulidades, caso o tributo não tenha sido pago. O erro previsto naquela norma (imputável aos serviços) só pode ser o “erro material” ou o “erro obstáculo” que pode ser corrigido a todo o tempo, ou no prazo de quatro anos, conforme o imposto tenha ou não sido pago.” Vide entre outros no sentido seguido o acórdão do STA nº 01007/11 de 14-03-2012 disponível em www.dgsi.pt.
VI. - Como se conclui, sendo o pedido de revisão oficiosa intempestivo por estar em causa matéria que não é de conhecimento oficioso, também o será a presente impugnação, dele subsequente.
VII. - Quanto à legalidade das retenções na fonte efectuadas à impugnante aquando do pagamento de dividendos distribuídos pelo B..., atentos ao direito europeu e, especificamente o princípio da livre Circulação de Capitais, importa concluir sobre a boa aplicação e cumprimento do Direito Comunitário, por duas ordens de razões.
VIII. - A primeira directamente por via da aplicação da Convenção bilateral assinada por Portugal e Holanda, Resolução da Assembleia da República nº 62/2000 aprova, para ratificação, a Convenção entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital, assinada no Porto em 20 de Setembro de 1999 a que ambos os Estados se vincularam e que vigora na ordem jurídica, nos termos do artº8º da CRP.
A segunda por via da observância da directiva sobre o regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados membros diferentes (nº90/435/CEE) na redacção à data dos factos: 2005.
IX. - A sociedade impugnante que não se conforma com a retenção na fonte (operada a título definitivo a uma taxa de 10%), porque, não considerando o valor da participação por si detida no capital do B... – valor de aquisição não inferior a €20.000,00 correspondente a uma participação inferior a menos de 20% do capital da sociedade distribuidora que foi detida por mais de dois anos, entende que nenhuma retenção deveria ter ocorrido (ponto 11 da p.i.).
Considera ainda essa retenção assente numa discriminação injustificada entre accionistas residentes e não residentes em Portugal, em violação do princípio da livre circulação de capitais, em contrariedade com o previsto no artigo 56.º do Tratado da Comunidade Europeia (“TCE”) e, consequentemente, consubstanciando uma violação do primado do direito comunitário sobre o direito interno, tal como consagrado no n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
X. - Tal discriminação não se verifica porque nas condições estabelecidas no artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho, de 23 de Julho, a isenção apenas ocorre sempre que se coloque à disposição de entidade residente noutro Estado membro da União Europeia que esteja nas mesmas condições e que detenha directamente uma participação no capital da primeira não inferior a 20 % e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante dois anos. (Redacção da Lei nº55-B/2004, de 30 de Dezembro) - negrito nosso. Ora, a impugnante não cumpre esses requisitos.
Assim, para que fosse materialmente e imediatamente aplicável o disposto no número 3 do art.º 14.º do CIRC, a isenção, deveria ser feita prova perante a entidade que se encontrava obrigada a efectuar a retenção na fonte, anteriormente à data da colocação à disposição dos rendimentos ao respectivo titular, de que a mesma se encontraria nas condições de que depende a isenção aí prevista, sendo esta a relativa às condições estabelecidas no artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CEE, de 23 de Julho, a efectuar através de declaração confirmada e autenticada pelas Autoridades Fiscais competentes do Estado membro da União Europeia da residência da entidade beneficiária dos rendimentos (ainda de observar seriam as exigências previstas no artigo 119.º do CIRS).
Tal prova, não foi feita porque a sociedade impugnante não cumpre os requisitos da directiva, na redacção à data em vigor, ao contrário do que parece ser o seu entendimento.
XI. - De facto, face à possibilidade de ocorrência de dupla tributação internacional, por estarmos perante uma ato que ocorre por previsão das normas tributárias de dois Estados, a situação deve ser ainda enquadrada com o auxílio das convenções internacionais. Nesse âmbito tal situação, encontra-se prevista e regulada pelas Convenções Internacionais, livremente ratificadas pelos Estados, in casu: a Convenção entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital, assinada no Porto em 20 de Setembro de 1999, aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República nº62/2000, em 27 de Abril de 2000.
Desse modo e com efeito, a reciprocidade de tratamento entre Administrações Fiscais é evidente sendo disso também expressão o que se colhe de https://www.belastingdienst.nl/wps/wcm/connect/bldcontenten/belastingdienst/business/other_subjects/refund_or_exemption_dividend_tax/dividend_tax_refund ou de https://www.belastingdienst.nl/wps/wcm/connect/bldcontenten/belastingdienst/business/other_subjects/ref und_or_exemption_di vid en d_tax/forms
XII. - Como tal, para qualquer interpretação sobre a matéria decidenda há que atentar ao que refere o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo: 0968/12, Acórdão datado de 23-01-2013, disponível em www-dgsi-pt, ou seja, o direito comunitário não pode deixar de ser observado pelo que, em caso de dúvidas face à aplicação do direito comunitário e em consumação do art.º 8º nº4 da CRP, existe o reenvio prejudicial para o TJCE, cujas decisões são vinculativas para os tribunais portugueses, conforme é exemplo o acórdão datado de 2003/07/27, proferido no processo n.º 0874/03, disponível também em www-dgsi-pt. Ora desde já se invoca que em caso de dúvida se deve colocar a questão em apreço ao TJCE.
XIII. - Questão semelhante (tributação de juros) foi apreciada no acórdão TJUE proferido em 22 dezembro 2008 (processo nº C-282/07), tendo sido emitida pronúncia nos seguintes termos:
“Os artigos 52º do Tratado CE (que passou, após alteração a artigo 43º CE), 580 do Tratado CE (actual artigo 48º CE), 73º-B e 73º-D do Tratado CE (actuais, respectivamente, artigos 56º CE e 58º CE), devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação fiscal de um Estado-membro que obriga à retenção na fonte do imposto sobre os juros pagos por uma sociedade residente desse Estado a uma sociedade beneficiária residente de outro Estado-Membro, embora isente dessa retenção os juros pagos a uma sociedade beneficiária residente do primeiro Estado-membro cujos rendimentos são tributados neste último Estado-Membro a título do imposto sobre as sociedades.
Este considerando deve ser conjugado com o considerando 32 do acórdão TJUE proferido em 8 novembro 2007 (processo C-379/05), que apreciou questão semelhante de diferença de tratamento fiscal resultante das diferentes residências de sociedades beneficiárias de dividendos distribuídos.
(...) há que distinguir tratamentos desiguais, permitidos nos termos do artigo 58º, nº1, alínea a), CE, das discriminações proibidas pelo nº deste mesmo artigo. (…) para que uma regulamentação fiscal nacional (...) possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais , é necessário que a diferença de tratamento respeite a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral (v. acórdãos de 6 de Junho de 2000, Verkoojjen,C-35/98 (…); de 7 de Setembro de 2004, Manninen, C-319/02 (..); e de 8 de Setembro de 2005,Blanckaert,C-512/03(...)
XIV. - E, como se refere a propósito na obra “A Tributação das Sociedades na União Europeia” consideram-se impostos equiparáveis os impostos vigentes em vários Estados que, embora podendo ter denominações distintas, tenham uma natureza semelhante.
XV. - A Directiva 90/435/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990, veio em consonância regular a retenção na fonte dos lucros distribuídos entre uma sociedade afiliada e a sociedade-mãe, com domicílio fiscal em um dos diversos países membros da União Europeia, tendo em vista criar condições análogas às de um mercado interno e facilitar os agrupamentos de sociedades à escala comunitária.
Tal directiva veio impor aos Estados-Membros que a distribuição de lucros não se encontrasse sujeita à retenção na fonte, salvo se necessário para prevenir fraudes e abusos, autorizando ainda a derrogação desta não retenção a três países, entre os quais a Portugal, em que permitiu tal retenção por razões orçamentais.
XVI. - Relativamente ao montante detido pela impugnante no capital social da sociedade distribuidora de lucros, verifica-se que a situação em causa não se pode subsumir ao quadro legal previsto no normativo acabado de referir, tal como decorre dos factos articulados e por ela própria afirmados, isto é, como se verifica, a sociedade não detinha a participação mínima exigível de 20% pelo que não se pode considerar afiliada, não preenchendo consequentemente os requisitos impostos por essa Directiva; pelo que, salvo melhor entendimento, o Tribunal ad quo caiu em erro.
E em boa verdade se diga que já no que se refere ao mencionado artigo 46.º do CIRC, tal normativo enquadra situações diferentes, os casos de sociedades residentes e, não de entidades que disponham de relações com não residentes, ou seja, visa eliminar a dupla tributação económica de lucros distribuídos e, já não a dupla tributação internacional.
XVII. - Por outro lado, face ao acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 3 de Junho de 2010” Incumprimento de Estado - Livre Circulação de capitais – Artigos 56.º CE e 40.º do Acordo EEE – Diferença de Tratamento – Dividendos distribuídos a sociedades residentes e a sociedades não residentes” processo C – 487/08, que tem por objecto uma acção de incumprimento nos termos do art.º 266.º CE, verificamos que na acepção do artigo 5.º n.º 1 da Directiva 90/435 existe para Portugal uma inicial derrogação consagrada pelo n.º 4 do mesmo artigo que permite à República Portuguesa “ cobrar uma retenção na fonte sobre os lucros distribuídos pelas sociedades afiliadas às sociedades mães.
XVIII. - Ou seja, a eliminação da dupla tributação encontra-se prevista no âmbito da EU no art.º 239.º do Tratado CE, nos termos do qual “Os Estados Membros entabularão entre si, sempre que necessário, negociações destinadas a garantir, em benefício dos seus Nacionais … a eliminação da dupla tributação na Comunidade”.
Nessa medida vigora a CDT celebrada entre Portugal e a Holanda que se encontra de acordo com as regras do direito comunitário.
XIX. - A retenção foi em conformidade, efectuada à taxa 10% nos termos do art.º 10.º da CDT.
Concluindo-se definitivamente que a impugnante foi até tributada, comparativamente, com base numa taxa mais favorável do que a aplicada a residentes que se encontrem nas mesmas condições e que são tributados a uma taxa de 20% - situação comparável aos lucros de uma entidade residente em território português, são as condições estabelecidas no artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho, de 23 de Julho, quando se coloque à disposição de entidade residente noutro Estado membro da União Europeia lucros, desde que esteja nas mesmas condições e que detenha directamente uma participação no capital da primeira.
Pese embora, como acima se pode verificar e, sem conceder, sempre se diga que a sociedade impugnante não cumpre os requisitos da directiva, ao contrário do que parece ser o seu entendimento.
XX. - Portanto os dividendos em causa, como lucros gerados em Portugal - país fonte dos rendimentos, estão sujeitos a tributação a título definitivo mediante retenção na fonte quando distribuídos a não residentes, sendo que em regra as retenções na fonte para residentes têm um carácter de pagamento por conta do imposto devido a final. Ou seja, por via do crédito de imposto a impugnante beneficiará no seu país a eliminação da dupla tributação, país esse onde se verifica a reciprocidade de tratamento à semelhança do que acontece em Portugal e onde se tributam os dividendos.
Pelo que, com o muito devido respeito, o douto Tribunal “ad quo”, face a tudo o supra exposto, não esteou a sua fundamentação de facto e de direito de acordo com a solução adoptada pelo legislador e, nessa medida a decisão recorrida deve ser afastada da ordem jurídica.
X
A fls. 679v/693v a sociedade recorrida proferiu contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado.
Formula as conclusões seguintes:
A. Andou bem o douto Tribunal a quo ao proferir a decisão, ora em recurso, manifestando uma correcta valoração da matéria de facto e de direito com interesse para a decisão, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrida e, por conseguinte, anulando a retenção na fonte impugnada, no montante de €400.443,68, sobre os dividendos distribuídos pelo B... em 19/10/2005, e, em consequência, condenando a Fazenda Pública no pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios até ao efectivo reembolso.
B. Perante o teor da motivação apresentada pela Fazenda Pública em face das quais esta extraiu as suas conclusões, cumpre antes de mais referir que, conforme é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é precisamente pelas conclusões que a Recorrente extrai da motivação apresentada que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (artigos 635° n°4 e 639° n°l do CPC ex vi artigo 2° alínea e) do CPPT).
C. Assim sendo, foca-se a questão em discussão nos presentes autos e objecto do presente Recurso nas questões da caducidade do direito de acção e da discriminação imposta pela legislação portuguesa às sociedades não residentes no que diz respeito à tributação de dividendos de fonte portuguesa em violação do princípio da liberdade de circulação de capitais, consagrada nos artigos 56° e 58° do TCE (actualmente artigos 63° e 65° do TFUE).
D. Diga-se, desde já, que não pode o presente recurso proceder, pois à Fazenda Pública não assiste qualquer razão ao alegar: (i) a caducidade do direito de acção, (ii) a falta de comparabilidade entre a situação da sociedade beneficiária de dividendos quando é residente e quando não é residente; (iii) a inexistência de efeito directo da Directiva; e (i) a inexistência de efeito directo do artigo 56° do TCE.
E. Ao contrário do que alega a Recorrente, a presente situação é enquadrável nos termos do disposto no artigo 78°, n°l, da Lei Geral Tributária (LGT), disposição legal que estabelece que, havendo erro imputável aos serviços, a Autoridade Tributária poderá proceder oficiosamente à revisão do acto em causa.
F. É de particular relevância para o presente caso e importa referir que o STA tem uniforme e reiteradamente afirmado que "(...) havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar a liquidação afectada por erro" já que "a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (artigos 266°, n°l da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços" [Vide no mesmo sentido e por todos, os acórdãos do STA de 6 de Fevereiro de 2002. recurso n°026690; recurso n°0392/02, de 5 de Junho de 2002: recurso nº 026233, de 12 de Dezembro de 2001; recurso nº026391, de 16 de Janeiro de 2002; recurso nº026231, de 30 de Janeiro de 2002 e recurso nº026580, de 20 de Março de 2002.]
G. No mesmo sentido (ou seja, possibilidade de o pedido de revisão oficiosa do acto ser requerido pelo contribuinte) dispõem igualmente vários dispositivos legais, nomeadamente, o art.78°, n°2 e 6 da LGT e o art.86°, n°4, alínea a) do CPPT.
H. Desta forma, discutindo-se no caso vertente a ilegalidade da retenção na fonte efectuada pelo B..., por violação do direito comunitário, o meio processual utilizado (ou seja, requerimento de revisão oficiosa do acto tributário) é, não só o meio adequado, como o único meio processual à disposição da Recorrida, falecendo por completo pretensão da Recorrente quanto à intempestividade, tal como se encontra expressa e cabalmente demonstrado nos presentes autos.
I. No que respeita à questão da comparabilidade entre a situação de uma entidade residente e de uma entidade não residente, existe hoje sobre a matéria extensa jurisprudência, assente e pacífica, quer do Tribunal de Justiça, quer dos Tribunais nacionais, sendo evidente que se trata de situações comparáveis e que o regime na legislação português apresenta um tratamento discriminatório de residentes e não residentes, conforme se enunciou e ficou demonstrado na presente acção.
J. A obrigação de proceder à retenção na fonte sobre os dividendos recebidos por entidades não residentes decorria do n°l, c) do artigo n°88°, e n°2, c) do artigo n°80° do CIRC, nas redacções em vigor à data dos factos, bem como do n°3 do artigo n°14° do CIRC, a contrario, estando também idêntica obrigação prevista para entidades residentes em território nacional mas relativamente às quais se estabelecia a dispensa deste dever, bem como a não tributação dos dividendos recebidos nos termos dos artigos 90° n°l c) e 46° n°l (nas redacções em vigor à data).
K. A análise comparativa dos referidos regimes conduz à conclusão de que as entidades residentes beneficiavam da isenção da tributação dos dividendos (e não apenas da dispensa de retenção na fonte sobre os mesmos) em condições substancialmente mais favoráveis do que as entidades beneficiárias não residentes.
L. Sendo uma sociedade residente para efeitos fiscais na Holanda, a Recorrida foi sujeita a retenção na fonte em Portugal relativamente aos dividendos que lhe foram distribuídos pelo B..., facto que padece de ilegalidade por violação do direito europeu, nomeadamente, princípio da livre circulação de capitais.
M. Porquanto, caso fosse a Recorrida residente para efeitos fiscais em Portugal, os lucros distribuídos pelo B... seriam deduzidos da base tributável para efeitos de determinação do lucro tributável da beneficiária e estariam dispensados de retenção na fonte.
N. Ou seja, não incidiria qualquer tributação ao nível da beneficiária sobre os dividendos recebidos, ao contrário do que sucede no caso da Recorrida em resultado apenas da sua residência noutro país da EU que não Portugal, o que configura uma verdadeira discriminação proibida pelo artigo 58° n°3 do TCE, restritiva da liberdade de circulação de capitais estabelecida pelo artigo 56° TCE (ora, artigo 63° do TFUE), e do investimento de sociedade não residentes em Portugal.
O. A referida discriminação do tratamento não é resolvida nem pelo direito interno nem por via convencional, conforme reconheceu o TJUE nos Acórdãos Secilpar (Processo C-199/10) e Amorim Energia BV (Processo C-38/11).
P. Na realidade, a Recorrida não beneficiou de qualquer crédito na Holanda pelos impostos retidos na fonte em Portugal sobre os dividendos pagos pelo B..., porquanto esses dividendos se encontravam isentos de tributação na Holanda ao abrigo do regime de participation exemption Holandês.
Q. Desta forma, a Recorrida foi obrigada a efectuar um esforço fiscal maior - correspondente à retenção efectuada - do que uma sociedade nas mesmas condições (i. e., mesmo nível de participação, pelo mesmo período) residente em território nacional.
R. Esta diferença de tratamento consubstancia uma restrição da liberdade de circulação de capitais, porquanto reduz o retorno económico que uma sociedade não residente obtém de uma participação social numa sociedade Portuguesa, em comparação com a detenção, em iguais condições, por parte de uma sociedade residente em Portugal, criando um obstáculo ao investimento em Portugal por parte de residentes de outros Estados-Membros, maxime, uma restrição à livre circulação de capitais.
S. Ora, a violação invocada tem, não só, correspondência legal - o actual art.63° do TFUE -como apoio na jurisprudência vasta e unanime do Tribunal de Justiça e dos Tribunais nacionais, que inclusivamente já se pronunciaram no sentido de as diferenças de tributação sobre os dividendos serem discriminatórias e restritivas da liberdade de circulação de capitais em situações idênticas à da Recorrida.
T. Conforme foi decidido repetidas vezes pelo TJUE (designadamente, nos enunciados processos Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, Denkavit Internationaal e Denkavit France, e Amurta), as situações como a sob análise são situações comparáveis na medida em que "(…) a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os accionistas residentes mas também os accionistas não residentes, relativamente aos dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos referidos accionistas não residentes assemelha-se à dos accionistas residentes (acórdãos, já referidos, Test Claimants in Class IV of the ACT Group Litigation, n. ° 68, Denkavit Internationaal e Denkavit France, n°35, e Amurta, n°38)."
U. No mesmo sentido foi a decisão tomada pelo TJUE nos já enunciados Processo C- 199/10 (Secilpar) e Processo C-38/11(Amorim), disponíveis em http://curia. europa.eu, pronunciando-se sobre uma situação idêntica à situação em análise nos presentes autos por existir uma restrição injustificada à liberdade de circulação de capitais.
V. Assim como neste sentido se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo nos Acórdãos proferidos em 07/10/2015 e 12/11/2014, nos Recursos n°768/13 e n°461/14-30, respectivamente, negando provimento à pretensão da Fazenda Pública e confirmando as decisões proferidas pelo Tribunal Tributário de Lisboa no âmbito dos processos n°53/09.6BELRS e n°52/09.8BELRS, impugnações nas quais era parte a Recorrida e nas quais se discutiu matéria de facto e de direito em tudo semelhante à que se encontra ora em discussão e cujas decisões se encontram juntas aos presentes autos.
W. Deste modo, ter-se-á de concluir que as situações em discussão são objectivamente comparáveis, pelo que estamos perante um caso de discriminação e não de mero tratamento desigual justificado pelas diferenças objectivas de tributação entre residentes e não residentes, como pretende a Recorrente.
X. Tal como foi já referido, o Direito da União Europeia tem primazia sobre as normas de direito interno, nos termos do artigo 8°, n°4 da CRP, gozando o princípio da liberdade de circulação de capitais, incluído no artigo 56° do TCE (actual artigo 63° e seguintes do TFUE), de aplicação directa no nosso ordenamento jurídico, impondo uma clara, precisa e incondicional obrigação de abstenção conforme já foi amplamente reconhecido pelo TJUE.
Y. Assim sendo, estando sociedades residentes e sociedades não residentes em situações comparáveis, o benefício de uma isenção de tributação deve, igualmente, ser estendido residentes e não residentes nos mesmos exactos termos.
Z. Nestes termos, a retenção na fonte de que a Recorrida foi alvo no âmbito da distribuição de dividendos do B... ora em crise, é ilegal por violadora das liberdades fundamentais estabelecidas no TCE/TFUE, em particular, da liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 56° e seguintes do TCE (actual artigo 63° do TFUE) porquanto, embora titular de uma participação social representativa de menos de 10% do capital social do B..., a verdade é que o valor de aquisição das mesmas é consideravelmente superior a EUR 20.000.000,00 (vinte milhões de euros), cumprindo deste modo os requisitos exigidos pela lei interna para isenção de tributação dos lucros distribuídos entre entidades residentes em Portugal.
AA. Vigorando em Portugal o princípio do primado do Direito Comunitário tanto os Tribunais como a AT estão vinculados à sua estrita aplicação, ainda que a norma comunitária imponha normativos diferentes dos impostos pela lei interna (primando aquela sobre esta).
BB. Sobre esta matéria, o próprio TJUE não se tem furtado a reconhecer direitos aos particulares directamente decorrentes do artigo 56° TCE, nomeadamente nos Acórdãos C-35/98 Verkooijen, C-334/02 Comission v.France, C-315/02 Leni, C-319/02 Manninen e C-329/05 Meindl, disponíveis em http://curia.europa.eu.
CC. A consagração do direito aos juros indemnizatórios prevista nos artigos 43° e 100° da LGT, bem como no artigo 61° do CPPT, mais não é do que a concretização, em matéria fiscal, do direito à indemnização com fundamento constitucional no artigo 22° da CRP.
DD. A imputabilidade do erro aos serviços visa excluir unicamente as situações em que o erro seja imputável ao sujeito passivo e a AT não tenha tido oportunidade de o corrigir.
EE. No presente caso, a ilegalidade da liquidação não decorre de qualquer erro do sujeito passivo ou do substituto tributário mas antes da aplicação directa das normas de direito interno que inequivocamente impunham o dever de retenção na fonte sobre os dividendos pagos a entidades não residentes. Ilegalidade essa, que foi mantida pela AT em todas as oportunidades que teve para revogar o acto e que continua a ser defendida no presente recurso.
FF. Também quanto a este aspecto bem andou o Tribunal a quo ao decidir que resultando dos autos "(…) que a liquidação colocada em causa nos autos viola o direito comunitário, (...) deverá entender-se que o ato impugnado enfermando de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito é imputável ao Réu [a Administração Tributária], para efeitos do disposto no art.43.°, n°l, da LGT."
GG. Pelo que, por força do artigo 43° n°l da LGT, tem a Recorrida direito a juros indemnizatórios, devidos nos termos do disposto no artigo 61° n°3 do CPPT, desde a data da retenção na fonte, porquanto o referido acto teria sido praticado nos exactos mesmo moldes se houvesse sido praticado ab initio pela AT e não por um substituto tributário.
HH. Em face do exposto, sendo patente o vício de violação de lei que ostenta o acto impugnado, assim como totalmente incompreensível a postura assumida pela Fazenda Pública (persistindo em comportamentos dilatórios e lides que não se justificam quando já existe uma assumida orientação jurisprudencial nacional e comunitária formada e expressa em decisões unanimes dos tribunais sobre a matéria em discussão nos presentes autos), bem decidiu nesse mesmo sentido a douta Sentença recorrida, devendo a mesma, por conseguinte, ser mantida na íntegra na ordem jurídica e improceder o recurso da Fazenda Pública.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr. fls. 718/719) no qual se pronuncia no sentido da recusa do provimento do presente recurso jurisdicional.
X
II- Fundamentação
2.1.De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
A)
A impugnante é uma sociedade de directo Holandês denominada por A…. BV.”, devidamente constituída ao abrigo das lei holandesas, com sede em Handelweg 2, Zeist, nos Países Baixos com o número de identificação fiscal português 980 408…, anteriormente denominada por “E…. BV” e que em 19.11.2011, incorporou por fusão a sociedade de direito holandês denominada “A…. NV”, conforme certificado de fusão de fls. 191 dos autos;
(cfr. doc. n.º5 junto com a PI)
B)
Em 17.03.2008 foi certificado pela Administração Fiscal Holandesa – Amesterdão que a ora impugnante «é sujeito a imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas nos Países Baixos sem possibilidade de opção ou isenção» (vennootshapsbelasting in the Neetherlands);
(cfr. declaração emitida pele Administração Fiscal de Amesterdão)
C)
Em 28 de Março de 2003 a sociedade E… B.V., adquiriu 19.024.014 acções nominativas na capital social do B…, SA à «Interamerican H…, SA.», pela quantia de €45.945.472,34, conforme Relatório da Auditoria, datado de 09.04.2009;
(cfr. doc. n.º4 junto com a PI)
D)
Em 28 de Março de 2003 a sociedade E… B.V., adquiriu 1.217.849 ações nominativas na capital social do B…, SA à «Interamerican P…, SA.», pela quantia de €2.813.231.19, conforme relatório da Auditoria, datado de 09.04.2009;
(cfr. doc. n.º4 junto com a PI)
E)
Em 31 de Março de 2003 a sociedade E…. B.V. adquiriu 36.404.897 acções nominativas por subscrição em aumento de capital social do B..., pelo valor de €36.404.897, conforme relatório da Auditoria, datado de 09.04.2009;
(cfr. doc. n.º4 junto com a PI)
F)
No período entre 4 de Junho de 2003 e 26 de Junho de 2003, a E… alienou 20.000.000 de acções nominativas no capital do B..., conforme relatório da Auditoria, datado de 09.04.2009;
(cfr. doc. n.º4 junto com a PI)
G)
As transmissões acima referidas correspondem em 18 de Março de 2009 a um valor de aquisição mínimo de 20 milhões de euros (€20.000.000), conforme relatório da Auditoria, datado de 09.04.2009;
(cfr. doc. n.º4 junto com a PI)
H)
Em 18.10.2005, foi efectuada a retenção na fonte à taxa de 25%, sobre 121.346.567 acções do código PTB...0AM00, resultando um valor líquido de €1.001,109,18, comunicado à impugnante pelo B..., em 26.05.2008;
(cfr. doc. n.º2 junto com a PI)
I)
Na mesma data e pela mesma entidade, foi a impugnante informada de que foi devolvido pela Administração Fiscal, ao abrigo da Convenção de Eliminação da Dupla Tributação entre Portugal e a Holanda, através de reclamação, o montante de €600.665,51;
(cfr. doc. n.º2 junto com a PI)
J)
Mais informou o B... que, o montante de €400.443,67, foi incluído no montante total de imposto sobre o rendimento, pago às Autoridades Fiscais Portuguesas, em 20.11.2005;
(cfr. doc. n.º2 junto com a PI)
K)
Em 17.07.2009, a impugnante deu entrada no serviço de finanças de Lisboa-8 dum pedido de revisão oficiosa do ato tributário por Iniciativa da Administração Tributária;
(cfr. doc. nº1 junto com a PI)
L)
Em 20.04.2010 deu entrada neste tribunal a presente impugnação, conforme data do carimbo aposta a fls. 2, onde tomou o número 130159.
X
Em sede de «FACTOS NÃO PROVADOS» consignou-se:
«1.Não se provou que a Autoridade tributária e Aduaneira se tenha pronunciado sobre o Pedido de Revisão do Ato Tributário sindicado nos autos;/ Não se provaram outros factos, com relevância para a presente decisão.».
X
Em sede de «MOTIVAÇÃO» consignou-se:
« A matéria de facto, dada como assente nos presentes autos, foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida, segundo a análise critica dos documentos juntos aos autos e segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito e, a formação da convicção do tribunal, para efeitos da fundamentação dos factos, atrás dados como provados, está referida no probatório com remissão para as folhas do processo onde se encontram.».
X
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
K) A Autoridade Tributária da Holanda emitiu a declaração seguinte:
«PARA OS DEVIDOS EFEITOS
Pela presente as autoridades tributárias dos Países Baixos declaram que no ano de 2005 a E… BV era residente no Reino Unido dos Países Baixos para efeitos de tributação do imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas neerlandês; e
- que à E…. BV foi concedida uma isenção de imposto nos Países Baixos nos termos do Artigo 13 do Código do IRC neerlandês (Wet vennootschapsbelasting 1969) sobre os dividendos distribuídos, em 2005, pelo Banco pelo Banco C… (B...) à E…. BV;
e
- que, dado que os dividendos do B... pagos à E… BV não são tributados nos Países Baixos, o imposto retido em Portugal sobre os dividendos do B... não pode ser deduzido do imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas neerlandês.
Autoridade tributária Competente nos Países Baixos:
Belastingdienst/Large Enterprises Kingsfordweg 1, Amsterdam The Netherlands
Inspector fiscal:
[carimbo redigido em neerlandês seguido de assinatura, data e carimbo]».
X
2.2. De Direito.
2.2.1. Vem impugnada a sentença proferida a fls. 598/623, que julgou procedente a impugnação deduzida por “A…. BV.”, [anteriormente “E… BV” e que incorporou por fusão a sociedade denominada “A…. NV”], contra o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa da liquidação, por retenção na fonte, ocorrida em 2005, no valor de €400.443,68, aquando da colocação à disposição dos dividendos que auferiu da sua participação no B...-B…., S.A.
2.2.2. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Invoca que a sentença incorreu em erro de julgamento, seja no que respeita ao juízo de improcedência da excepção da caducidade da acção (i), seja no que respeita ao juízo de procedência da impugnação, com base na alegada preterição do princípio da não discriminação, por referência à livre circulação de capitais, de Direito Europeu (ii).
Vejamos cada um dos fundamentos do recurso jurisdicional de per si.
2.2.3. No que respeita ao fundamento do recurso referido em primeiro lugar, a sentença julgou improcedente a excepção em apreço, tendo por base o discurso argumentativo seguinte.
«Para análise da invocada exceção resulta dos autos a seguinte factualidade:
1) Em 17.07.2009, a impugnante deu entrada no serviço de finanças de Lisboa-8 dum pedido de revisão oficiosa do ato tributário por Iniciativa da Administração Tributária; (cf. processo de Pedido de Revisão junto aos autos)
2) Em 18.10.2005, foi efetuada a retenção na fonte sobre 121.346.567 ações do código PTB...OAM00…, comunicada à impugnante pelo B... em 26.05.2008; (cf. fls. 85 dos autos).
3) Em 20.04.2010 deu entrada neste tribunal a presente impugnação, conforme data do carimbo aposta a fls. 2, onde tomou o número 130159.
Com efeito, a revisão dos atos tributários por iniciativa do Administração Tributária com fundamento em erro imputável aos serviços pode ser requerida pelo próprio sujeito passivo, contando assim o prazo de 4 anos após a liquidação com vem sendo pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (acórdãos n.º 01009/10 de 23.03.2011 e n.º 01007/11 de 14.03.2012).
Assim, podemos dizer que o prazo de interposição do pedido de revisão oficiosa, efetuado pela, ora impugnante, é de quatro anos, contados nos termos do art.º 279 do Código Civil, aplicável ex vi art.º20 do CPPT, pelo que se verifica, desde logo que, à data da interposição do pedido de revisão não havia decorrido tal prazo.
Quanto à interposição da impugnação, preceitua a al. d) dos n.º1 e 2 do art.º 95 da LGT que, do indeferimento expresso ou tácito do pedido de revisão cabe impugnação judicial, atendendo aos princípios da legalidade e justiça de que o interessado tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo prescritas na lei.
No caso dos autos como reconhece a representação da Fazenda Pública, o pedido de revisão não foi decidido até à prepositura da presente ação, podendo então presumir-se o indeferimento tácito, no prazo de seis meses, nos termos previstos nos n.ºs 1 e 5 do art.º 57 da LGT.
Assim, tendo em conta que o pedido de revisão deu entrada no serviço de finanças de Lisboa-8, em 17.07.2009 e, atendendo à regra do cômputo do prazo previsto no referido artigo 279º do CC, o termo inicial do indeferimento tácito ocorreu no dia 20.07.2009, em virtude de ser o dia útil seguinte, terminando em 20.01.2010.
Dispondo a impugnante de 90 dias para deduzir impugnação, nos termos da al. d) do n.º1 do art.º [102] do CPPT, contados nos termos do disposto no art.º144 do CPC, aplicável ex vi do n.º2 do art.º20.º do CPPT, suspendendo-se durante o período de férias judiciais, vislumbra-se desde logo que a petição inicial de impugnação entrada em 20.04.2010 é tempestiva, improcedendo a exceção invocada».
A recorrente censura o entendimento que fez vencimento na instância, porquanto, defende, que o prazo de quatro anos previsto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, não se aplica ao caso em exame. Invoca as razões que de imediato se enunciam:
i) está em causa a tributação da distribuição de dividendos pelo B... a uma sociedade não residente, de forma que a informação necessária para que se proceda ou não à retenção na fonte depende de saber qual a situação tributária do sujeito passivo, informação a prestar pela Administração Fiscal do Estado da residência da sociedade beneficiária, informação que não estaria na disponibilidade dos serviços da recorrente;
ii) o erro previsto no artigo 78.º/1, da LGT, corresponde ao erro material ou ao erro obstáculo, pelo que a falta de fundamentação ou a errada interpretação da norma aplicada não se enquadram no conceito de erro em referência, com vista a activar o mecanismo do artigo 78.º da LGT.
Vejamos.
O preceito do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, à data dos factos, tinha a redacção seguinte:
«A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços».
Nos presentes autos está em causa a impugnação judicial do indeferimento tácito do pedido revisão oficiosa do acto de retenção na fonte a título definitivo do IRC incidente sobre os dividendos distribuídos por sociedade residente em Portugal à sociedade impugnante, residente na Holanda, com base na violação do direito europeu.
Sobre a situação objecto de análise nos autos, o STA teve ocasião fixar a orientação seguinte(1):
«Os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.°, nº 2, da CRP e 55.° da LGT) impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei; // O “erro imputável aos serviços” constante do artº 78º, nº da LGT compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro».
O referido Supremo Tribunal, perante situação idêntica à dos autos, na qual é aferida a tempestividade do pedido de revisão oficiosa da retenção na fonte de dividendos pagos por sociedade residente a sociedade residente noutro Estado-membro da União Europeia, teve ocasião de sublinhar que «[a] circunstância de ter decorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação do acto de liquidação, não obsta a que seja pedida a respectiva revisão oficiosa e seja impugnado contenciosamente o eventual acto de indeferimento desta»(2).
Aí se consigna que «como tem vindo a afirmar-se na jurisprudência do STA, decorre do nº 1 do art. 78º da LGT que a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços. Ou seja, admite-se, a par da denominada revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (dentro do prazo de reclamação), que se faça, também na sequência de pedido seu, a «revisão oficiosa» (que a Administração deve realizar por sua iniciativa).
— Por outro lado, dado que na al. d) do nº 2 do art. 95º da LGT também se referem os actos de indeferimento de pedidos de revisão entre os actos potencialmente lesivos, que são susceptíveis de serem impugnados contenciosamente, não se fazendo, porém, qualquer distinção entre actos de indeferimento praticados na sequência de pedido do contribuinte efectuado no prazo da reclamação administrativa ou para além dele, deve, então, concluir-se pela impugnabilidade contenciosa dos actos de indeferimento de pedidos de revisão praticados em qualquer dessas situações, e que, por isso, no caso vertente, o pedido de revisão do acto tributário pode também ser efectuado pelo contribuinte, como resulta do disposto no nº 6 do art. 78º da LGT (na redacção da Lei nº 55-B/2004, actual nº 7) da LGT e 86º, nº 4, al. a) do CPPT, com fundamento em erro imputável aos serviços. — Sendo que o erro imputável aos serviços concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte mas à Administração, compreendendo o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, no âmbito do qual se enquadra a violação das normas de direito da UE. — Em suma, para decidir pela procedência da impugnação o Tribunal de 1ª instância entendeu que, ao contrário do que considerou a AT, ocorreu, no caso, violação do direito comunitário, o que configura erro de direito, a enquadrar no conceito de “erro imputável aos serviços” e que, assim sendo, apelando à jurisprudência resultante do acórdão do STA de 12/12/2001, no proc. nº 026.233, o pedido de revisão é o meio processual adequado para suscitar a apreciação do vício de violação do direito comunitário por parte de norma da legislação nacional, por ser imputável aos serviços. Sendo que o pedido de revisão apresentado pela impugnante (atendendo ao prazo de 4 anos previsto no nº 1 do art. 78º da LGT) é tempestivo e meio idóneo para a apreciação da ilegalidade da liquidação, uma vez que é invocado o apontado erro imputável aos serviços»(3).
No caso, a sentença considerou que o pedido de revisão oficiosa do acto de retenção na fonte ocorreu dentro do prazo de quatro anos, previsto no artigo 78.º/1, da LGT e que a interposição da presente impugnação judicial contra o indeferimento tácito do pedido de revisão ocorreu dentro dos prazos consagrados nos artigos 57.º/1 e 5, da LGT e 102.º/1/d), do CPPT. E, desta feita, considerou improcedente a excepção da caducidade da acção. Juízo que é de manter, dado que o mesmo não padece de qualquer erro.
Mais se refere que está em causa alegado erro de direito imputável aos serviços, consistente na emissão de acto tributário em violação do Direito da União Europeia, o qual é recondutível ao 2.º inciso do n.º 1 do artigo 78.º da LGT. Está em causa erro de direito determinante do agravamento da situação fiscal do contribuinte.
De onde se extrai que, ao julgar improcedente a excepção da caducidade da acção, a sentença não enferma do alegado erro de julgamento, pelo que deve ser confirmada, nesta parte.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.4. No que respeita ao fundamento do recurso jurisdicional referido em segundo lugar, a recorrente defende que a alegada discriminação do tratamento fiscal, em sede de imposto sobre o rendimento, entre os dividendos distribuídos por sociedade residente a sociedade não residente sua accionista e idêntico rendimento distribuído a sociedades residentes não se comprova nos autos.
Vejamos.
A este propósito, na sentença recorrida consignou-se, em síntese, o seguinte:
«A legislação vigente à data dos factos estabelecia, no art.º4º nº3 al. c) subalínea 3) do CIRC, a extensão do imposto, considerando-se obtido em território português os rendimentos de aplicação de capitais, cujo devedor tenha residência, sede ou direcção efectiva em território nacional ou, cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável, nele situado.
Continua o n.º2 do mesmo artigo que as pessoas colectivas e outras entidades que não tenham sede ou direcção efectiva em território português ficam sujeitas a IRC, apenas quanto aos rendimentos, nele obtidos.
Não obstante, estabelecia o art.º88 n.º1 al. c), 3, al. b) e 6 do CIRC que o imposto (IRC) é objecto de retenção na fonte relativamente aos rendimentos de aplicação de capitais obtidos em território nacional, tendo as retenções na fonte carácter definitivo quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território nacional ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis.
Já no que diz respeito às entidades residentes, a percepção dos rendimentos é também acompanhada de retenção na fonte, mas, nos termos do disposto no art.º88, n.º3 do CIRC, não tendo essa retenção a natureza de imposto por conta de carácter definitivo.
A taxa liberatória aplicada a entidades não residentes, relevante para ao caso em apreço, era de 25% em 2005 (cf. art.º80 do CIRC).
Dispunha então o art.º80 do CIRC que a taxa liberatória do IRC era 25%, redação dada pela Lei de Orçamento de Estado n.º 107-B/2003 de 31 de Dezembro, excepto nos casos dos rendimentos dos títulos de dívida e outros rendimentos de aplicação de capitais, exceptuados os lucros colocados à disposição por entidades sujeitas a IRC.
Quanto às entidades residentes, estas eram objecto de uma retenção na fonte de uma taxa não liberatória de 15% para 2004 e 2005, por força do disposto no artigo 88 n.º 4 do CIRC (redacção dada pela Lei de Orçamento de Estado n.º32- B/2002 de 30 de Dezembro) relativamente aos exercícios de 2004 e 2005, e do art.º 71 n.º3 al. c) do CIRS (redacção dada pelo Decreto Lei n.º 192/2005 de 7 de Novembro).
O n.º3 do art.º14 do CIRC preceitua que estavam isentos os lucros que uma entidade residente em território nacional, nas condições estabelecidas no art.º2 da Directiva n.º 90/435/CEE, de 13 de Julho, coloque à disposição de entidade residente noutro Estado Membro da União Europeia nas mesmas condições e que detenha directamente uma participação no capital da primeira, não inferior a 25% e, desde que esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante dois anos (redacção do Dec-Lei n.º198/01 de 03.07.01), tendo a detenção na participação social exigida, passado a não ser inferior a 20% por força da redacção dada a esta norma pela Lei de Orçamento de Estado n.º 55- B/2004 de 30 de Dezembro, e a não inferior a 15% por força da redacção dada pela Lei (OE) n.º 53-A/2006 de 29 de Dezembro.
Por outro lado, preceituava a al. b) do n.º 2 do art.º10 da Convenção, entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos, para evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o rendimento que, os dividendos distribuídos podem ser tributados no Estado onde a sociedade distribuidora tem sede (como no caso dos autos em Portugal) não podendo a tributação na fonte exceder 10 % do montante dos dividendos.
Neste conspecto, as sociedades residentes noutros Estados Membros que detivessem uma participação superior a 10% e, inferior ao exigido previsto no referido art.º14º, ou seja, 25%, 20% ou 15 %, consoante a legislação em vigor à data do pagamento dos dividendos, ou inferior ao referido limite com valor de aquisição igual ou superior a €20.000.000 ou, superior àquele limite, mas detidas por um período entre um e dois anos estavam sujeitas, àquela data, a um regime de tributação mais agressivo do que as sociedades residentes em território nacional.
É em relação a esta questão em particular que a impugnante alega haver uma discriminação entre as sociedades detentoras de participações sociais residentes e não residentes.
No caso em apreço, podemos afirmar, porque decorre do probatório que a impugnante detém há vários anos uma participação no capital social do B... inferior a 10%, mas um valor de aquisição superior a €20.000.000 e, como é residente nos Países Baixos não foi possível a aplicação do disposto no n.º3 do art.º 14 do CIRC.
Não obstante, se fosse uma sociedade residente em Portugal, ser-lhe-ia aplicável a dispensa de retenção na fonte, prevista na al. c) do n.º1 do art.º90 do CIRC, por preencher os requisitos do n.º1 do art.º46 do mesmo código, sendo-lhe também legalmente concedida a possibilidade de deduzir integralmente os dividendos distribuídos no apuramento do seu lucro tributável».
Vejamos.
Recordem-se os normativos relevantes.
Do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (4), extrai-se o princípio da proibição da discriminação em razão da nacionalidade (artigo 18.º ex 12.º) e o princípio da proibição de restrições aos movimentos de capitais (artigo 63.º ex artigo 58.º). Tais princípios são direito directamente aplicável na ordem jurídica portuguesa (artigo 8.º/3 e 4, da CRP).
O artigo 88.º/1/c) do CIRC (versão vigente) estabelece a necessidade da retenção na fonte dos rendimentos de capitais, como sucede com os dividendos, assumindo a retenção na fonte em causa o carácter de pagamento definitivo, no caso de entidades não residentes, como sucede com a recorrida (artigo 88.º/3/b) do CIRC (versão vigente).
E o preceito do artigo 81.º/11 (“Taxas de tributação autónoma”) determina que «[s]ão tributados autonomamente, à taxa de 20%, os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período».
A taxa liberatória aplicada a entidades não residentes, relevante para ao caso em apreço, era de 25% em 2005 (cf. art.º80/2, do CIRC).
O artigo 10.º da CDT celebrada entre Portugal e a Holanda(5), que dispõe que «[o]s dividendos pagos por uma sociedade residente de um Estado Contratante a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributados nesse outro Estado» (n.º 1) e que «[e]sses dividendos podem, no entanto, ser igualmente tributados no Estado Contratante de que é residente a sociedade que paga os dividendos, e de acordo com a legislação desse Estado, mas se o beneficiário efectivo dos dividendos for um residente do outro Estado Contratante, o imposto assim estabelecido não excederá 10% do montante bruto dos dividendos» (n.º 2).
A questão do tratamento nacional de entidades não residentes no que respeita à percepção de dividendos formados em território nacional, à luz do regime de Direito Europeu da livre circulação de capitais não é nova, quer na doutrina, quer na jurisprudência.
Refere-se, a este propósito, que «[o] tratamento fiscal diferente de residentes e não residentes não residentes não constitui, no âmbito do Direito Fiscal Internacional, uma discriminação. O artigo 24.º do Modelo de Convenção da OCDE proíbe a discriminação em razão da nacionalidade, mas não é aplicável quando exista diferenciação fiscal em razão de outros critérios»(6) «Em contrapartida, no contexto da União Europeia, o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade e as liberdades de circulação consagradas no Tratado de Funcionamento da União Europeia – embora não vedando a priori, a diferenciação do tratamento fiscal de residentes e não residentes – implicam uma análise bastante mais cuidadosa dos casos concretos, de forma a aferir-se se, na situação em análise, tal diferenciação é admissível face ao Direito da União Europeia»(7).
A propósito da situação em causa nos autos, o STA fixou a orientação seguinte(8).
«Perante o artigo 24.º da CEDT Portugal/Holanda - no contexto da distribuição de dividendos por uma sociedade residente em Portugal a uma sociedade sua accionista residente na Holanda - é necessário apurar o tratamento fiscal conferido nos Países Baixos aos dividendos em causa -maxime a sua isenção de tributação - para determinar a existência ou não do crédito de imposto e, desse modo, para aferir da eventual neutralização da discriminação decorrente da tributação em sede de IRC de tais rendimentos e fazer respeitar a imposição comunitária da livre circulação de capitais (art. 56º do Tratado da Comunidade Europeia, actual art. 63º TFUE). // É ilegal a retenção na fonte, a título definitivo, que incide sobre dividendos distribuídos a uma entidade residente noutro Estado-Membro, efectuada à luz da legislação fiscal portuguesa, por tal configurar uma violação do direito delivre circulação de capitais, consagrado no art. 56º do Tratado da Comunidade Europeia, actual art. 63º TFUE, face à isenção de tributação no País de residência (Holanda)».
A este propósito, o TJUE teve também ocasião de afirmar o seguinte (despacho proferido no P. C-199/10, de 22.11.2010):
«Os tratamentos desiguais permitidos pelo artigo 58.º, n.º 1, alínea a), CE [actual artigo 65.º] devem, por isso, ser distinguidos das discriminações proibidas pelo n.º 3 deste mesmo artigo. Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral.
O Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um Estado-Membro a fim de evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos lucros distribuídos por uma sociedade residente, os accionistas beneficiários residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à dos accionistas beneficiários residentes de outro Estado-Membro
Todavia, a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os accionistas residentes mas também os accionistas não residentes, relativamente aos dividendos que recebam de uma sociedade residente, a situação dos referidos accionistas não residentes assemelha-se à dos accionistas residentes.
Com efeito, é o mero exercício, por esse mesmo Estado, da sua competência fiscal que, independentemente de qualquer tributação noutro Estado-Membro, cria o risco de tributação em cadeia ou da dupla tributação económica. Nesse caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação da capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 56.º CE (actual artigo 63.º), o Estado de residência da sociedade que procede à distribuição deve certificar-se que, em relação ao mecanismo previsto pela sua legislação nacional para prevenir ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades accionistas não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades accionistas residentes.
É certo que não se pode excluir que um Estado-Membro consiga garantir o cumprimento das suas obrigações resultantes do Tratado, celebrando uma convenção destinada a evitar a dupla tributação com outro Estado-Membro.
Contudo, é necessário, para esse efeito, que a aplicação da convenção para evitar a dupla tributação permita compensar os efeitos da diferença de tratamento decorrente da legislação nacional. Assim, só no caso de o imposto retido na fonte poder ser imputado no imposto devido noutro Estado-Membro até ao montante dessa diferença de tratamento é que a diferença de tratamento entre os dividendos distribuídos a sociedades estabelecidas noutros Estados-Membros e os dividendos distribuídos às sociedades residentes desaparece totalmente»(9).
Perante uma situação em tudo idêntica à dos presentes autos(10), o STA(11) teve ocasião de referir o seguinte:
«No caso sub judice, tal como na situação concreta relatada no acórdão 461/14 e no Acórdão do pleno acabado de citar, a diferença de tratamento decorrente da retenção na fonte efectuada a título definitivo e à taxa de 10%, sobre os dividendos distribuídos à impugnante, aquando da distribuição de dividendos pelo Banco B……, SA, só pode ser neutralizada, nos termos da legislação nacional e da CDT, se tais dividendos forem suficientemente tributados no outro Estado-Membro (Holanda).
Sucede que, como atrás se referiu, um dos fundamentos para a procedência da impugnação foi precisamente o facto de na sentença recorrida se ter tido em consideração que a legislação holandesa consagra a “participation exemption”, que isenta de tributação os dividendos auferidos, designadamente pelas besloten vennootschap como é a impugnante, desde que haja uma participação superior a 5%, o que também sucede no caso em apreço, não sendo considerados custos nem podendo ser deduzidos os valores suportados no estado fonte, a título de retenção na fonte, exceptuando alguns casos de países em vias de desenvolvimento (cf. arts. 10.º e 13.º, do Wet op de vennootschapsbelasting, e 31.º, do Besluit voorkoming dubbele belasting 2001).”
Sendo que este é um argumento preponderante para a procedência da impugnação já que a recuperação do imposto cobrado em Portugal por via de crédito de imposto, nos termos da CEDT Portugal/Países Baixos (artº 24º, nº 2), se encontra limitada ao imposto devido no Estado da residência (Holanda) sobre a mesma parcela de rendimento, ou seja, no caso, nenhum.
Ora a Fazenda Pública não põe em causa no seu recurso que assim seja, isto é, que a recorrida beneficie de um regime de isenção no tocante a estes rendimentos e que tal regime de isenção resulte dos preceitos legais invocados na sentença recorrida.
Assim no caso sub judice, estando, como está, suficientemente adquirido nos autos o regime de tributação de tais dividendos nos Países Baixos (isenção), forçoso é concluir que se trata de um regime que não permite a neutralização da tributação, ainda que por via da aplicação da CEDT, impondo-se, por conseguinte, a anulação das liquidações, por vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no art. 56º do TCE (63º do actual TFUE)».
No caso, não é passível de dúvida que a taxa liberatória aplicada a entidades não residentes, relevante para ao caso em apreço, era de 25% em 2005 (cf. art.º80 do CIRC). Taxa que foi aplicada ao rendimento em apreço (alínea h), do probatório).
Quanto às entidades residentes, estas eram objecto de uma retenção na fonte de uma taxa não liberatória de 15% para 2004 e 2005, por força do disposto no artigo 88 n.º 4 do CIRC (redacção dada pela Lei de Orçamento de Estado n.º32- B/2002 de 30 de Dezembro) relativamente aos exercícios de 2004 e 2005.
De referir que a Recorrida não beneficiou de qualquer crédito na Holanda pelos impostos retidos na fonte em Portugal sobre os dividendos pagos pelo B..., porquanto esses dividendos se encontravam isentos de tributação na Holanda ao abrigo do regime de participation exemption Holandês(12)
Do exposto se infere que o rendimento percebido pela recorrida, objecto da liquidação impugnada, foi objecto de tratamento fiscal discriminatório em relação a idêntico rendimento percebido por entidades residentes. Tal tratamento discriminatório não foi neutralizado pela CEDT aplicável, dado que a recorrida está isenta de imposto no país da residência.
Como se escreve no Acórdão do STA, de 14.05.2014, P. 01319/13, «[a]tendendo ao primado do direito comunitário e resultando da jurisprudência do TJUE (i) que os tratamentos desiguais permitidos pela al. a) do nº 1 do art. 58º do Tratado CEE devem ser distinguidos das discriminações proibidas pelo nº 3 deste mesmo artigo e (ii) que para que uma regulamentação fiscal possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral, é de anular a retenção na fonte efectuada pelo substituto tributário a entidade não residente, se ficou provado que aquela restrição, substanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada, em concreto, por via da Convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação». Por outras palavras, da demonstração da não neutralização por via da CDT da maior tributação dos dividendos percebidos pela sociedade não residente, ora recorrida, em face das sociedades residentes, em situação comparável, impõe-se concluir pela existência de tratamento fiscal discriminatório não consentido pelo Direito Europeu(13).
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida deve ser confirmada na ordem jurídica, ainda que com a presente fundamentação.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)


(1º. Adjunto)


(2º. Adjunto)


(1) Acórdão do STA, de 08.03.2017, P. 01019/14.
(2) Acórdão do STA, de 08-02-2017, P. 0678/16.

(3) Acórdão do STA, de 08.02.2017, P. 0678/16.

(4) Publicado no JOUE, nº 115, de 09.05.2008.
(5)Aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 62/2000, publicada no DR, I Série-A, n.º 159, de 12.07.2000
(6) Paula Rosado Pereira, Princípios do Direito Fiscal Internacional – Do Paradigma Clássico ao Direito Fiscal Europeu, Almedina, 2010, p. 347/348.
(7) Paula Rosado Pereira, Princípios do Direito Fiscal Internacional – Do Paradigma Clássico ao Direito Fiscal Europeu, Almedina, 2010, p. 347.
(8) Acórdão do STA, de 07.10.2015, P. 0768/13.

(9) §§35 a 39 do Despacho proferido em 22.11.2010, P. C-199/10.

(10) Alínea B), do probatório.
(11) Acórdão do STA, de 07.10.2015, P. 0768/13.
(12) Alínea K), do probatório.
(13) No mesmo sentido, V. Acórdão do TCAS, de 9878/16, de 24.11.2016; bem como os Acórdãos do STA, proferidos nos processos n°53/09.6BELRS e n°52/09.8BELRS, cuja situação é semelhante à dos autos.