Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07155/11
Secção:CA-2ºJUÍZO
Data do Acordão:02/24/2011
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA – FACTO CONSUMADO
– PREJUÍZOS DE DIFÍCIL REPARAÇÃO – PONDERAÇÃO DE INTERESSES
Sumário:I – Se os requerentes da providência alegaram que a ordem de cessação da utilização da creche/jardim de infância constante do despacho cuja suspensão requereram, porque conducente ao imediato encerramento da mesma, tornava fundado o receio de constituição duma situação de facto consumado, nomeadamente porque deixava os respectivos educandos sem um local onde pudessem continuar o seu desenvolvimento cognitivo, afectivo e psico-motor, sendo igualmente certo que na cidade de Lisboa existe um défice acentuado na oferta de creches e jardins de infância, que não consegue cobrir uma procura que vem crescendo de ano para ano, e se, por outro lado, esse facto traduziria para a respectiva esfera jurídica a ocorrência de prejuízos que dificilmente poderiam ser reparados, nomeadamente pelos efeitos negativos que se produziriam no desenvolvimento harmonioso dos seus filhos, os mesmos são suficientes para caracterizar o “periculum in mora”, não podendo pois ter-se a respectiva alegação por conclusiva e desprovida de verosimilhança.

II – Por outro lado, se a ordem de cessação da utilização da creche/jardim de infância constante do despacho cuja suspensão vem requerida assentou no facto de terem sido realizadas obras de alteração em desconformidade com o projecto constante do Processo nº 863/EDI/2003 e sem licença, estando o mesmo a ser utilizado, sem autorização prévia administrativa, como estabelecimento de ensino pré-escolar denominado “Colégio Terra da Fantasia”, e não resulta da matéria de facto dada como assente a existência de qualquer dano concreto para o ordenamento do território e planeamento urbanístico originado pela existência da creche/jardim de infância em causa, deverá dar-se prevalência a esses prejuízos, sobre a mera legalidade formal de falta de licenciamento, na ponderação a efectuar de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 120º do CPTA.

III – Porém, como o nº 3 do artigo 120º do CPTA prevê que “as providências cautelares a adoptar devem limitar-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente”, mostra-se suficiente para acautelar os interesses dos requerentes e ora recorrentes que a suspensão de eficácia do despacho em causa só vigore até ao termo do presente ano lectivo, ou seja, até ao dia 31 de Julho de 2011.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
Sandra ……………., Sónia ………….. e Sérgio ………….., todos com os sinais dos autos, requereram no TAC de Lisboa contra o Município de Lisboa uma providência cautelar de suspensão de eficácia da decisão que determinou o encerramento do Jardim-de-Infância “Terra da..........”.
Aquele tribunal, por sentença datada de 23-11-2010, julgou improcedente a providência cautelar requerida [cfr. fls. 462/477 dos autos].
Inconformados, os requerentes recorreram para este TCA Sul, tendo concluído a sua alegação nos seguintes termos:
1 – O Tribunal «a quo» incorreu em erro no julgamento da matéria de facto que considerou como assente e que se ficou a dever principalmente à não produção da prova requerida, ou seja, insuficiência instrutória.
2 – Nesse sentido, vê-se que existe uma contradição da decisão porquanto, considerou a Mª Juíza «a quo» como estando provados, entre outros, os seguintes factos:
«[...]
3. Em 25-7-1997, na sequência do procedimento de hasta pública para "Atribuição do Direito de Construção e Exploração de um Campo de Golfe Municipal", foi deliberado pela CML adjudicar à firma "AB …….. – Sociedade de Empreendimentos ……………….., Ldª" o direito de construção e exploração de um campo de golfe municipal, sito na área de prolongamento para norte do Parque da Bela Vista [cfr. docs. de fls. 118 a 136 dos autos e de fls. 1 a 15 do PA].
4. Na sequência de recurso interposto pelos segundos concorrentes da hasta pública, o STA, por Acórdão de 14-10-2004, veio a anular a referida deliberação camarária, por violação do prazo máximo legalmente estabelecido [cfr. artigo 40º do DL nº 100/84, e artigo 10º do DL nº 390/82] para a concessão: 20 anos» [cfr. doc. de fls. 118 a 125 e de fls. 73 a 115 do PA]».
3 – O certo é que, também como se provou, "7. Em 4-9-2008, a CML deliberou adjudicar à autora, nos exactos termos e condições inicialmente contratualizados – com excepção do prazo de concessão, que passou a ser de 20 anos – o direito de construção e exploração do campo de golfe municipal...", o que quer dizer que, passados 4 anos depois de o STA ter determinado que a concessão ficava reduzida ao prazo de 20 anos, é que a CML tomou tal deliberação e só em 2010, passados, pois, quase 6 anos sobre o acórdão mandar reduzir a 20 anos o prazo da concessão, veio a CML fazer exigências de duvidosa legalidade, concretamente, a celebração de nova escritura que, à face da lei e da melhor jurisprudência, a ora recorrente entende não ser necessária contra um parecer em que a CML se apoia e que não passa disso mesmo, de um parecer, com base no qual não se podem postergar as regras legais que apontam, como a melhor jurisprudência também entende, para que uma mera redução do contrato incidindo sobre a cláusula contratual que estabelecia o prazo [ilegal] de 25 anos para a concessão, havendo lugar, quando muito, à rectificação da escritura.
4 – Não obstante, a Mª Juíza consignou no probatório que «8. Foi comunicado à autora para a apresentação de diversos documentos necessários para a celebração de nova escritura pública, tendo a autora somente entregue cópia do BI do seu representante e certidão do regista de constituição da sociedade [cfr. doc. de fls. 137 a 141 e fls. 388 e 389 do PA].
9. No dia agendado para a escritura o gerente da autora alegou encontrar-se psiquiatricamente impossibilitado para a prática de actos jurídicos [cfr. doc. de fls. 142].
10. Nunca foi efectuada a outorga do contrato de concessão [cfr. PA].
11. Em 5-5-2010 foi deliberado pela CML dar a referida adjudicação sem efeito, conforme doc. de fls. 143 a 145 dos autos e de fls. 547 a 551 do PA, que aqui se dá por reproduzido».
5 – Todavia, consta dos autos que a entidade proprietária do colégio "Terra da …………", embora discordando da solução que a CML impôs porque a considerava ilegal, quis satisfazer – e satisfez – todas as condições para a celebração da nova escritura o que só não aconteceu porque a CML, de forma arbitrária, não aceitou as justificações apresentadas, vindo a decretar que a adjudicação ficava sem efeito.
6 – Todas essas razões foram apresentadas pela «AB – ……….., Ldª» no requerimento em que se pronunciou sobre a "intenção" da CML dar sem efeito a hasta pública que, contrariamente ao que é dito no artigo 11. do probatório, só depois da decisão suspendenda é que veio a ser decretada, concretamente no dia 28 de Julho de 2010 – cfr. documento nº 1 que se junta – pelo que devia ter sido levada ao probatório toda essa factualidade porque relevante para pôr em causa a tese da "inexistência" do contrato de concessão que é um dos fundamentos capitais da decisão recorrida e cuja ilegalidade os recorrentes contestam por pôr em causa direitos fundamentais de pessoas na dependência da recorrente o que, por isso, lhe conferem um interesse legítimo para propor esta acção, além dos patrimoniais.
7 – Assim, a decisão recorrida padece do vício processual da contradição, o qual deve ser qualificado como um erro de julgamento.
8 – Acresce que, como se afirma no probatório dos autos de providência cautelar que corre os seus termos sob o nº …………../10.1BELSB, 2ª Unidade Orgânica, sob o ponto «6. Com data de 4-9-2007 foi apresentada pela autora à CML a carta de fls. 48, solicitando uma audiência para explicitar o projecto que a autora pretendia desenvolver de reactivação de um jardim infantil», mas a AB – …………e, Ldª alegou que há décadas, no espaço abrangido na concessão, existia uma creche que pretendia reactivar, como reactivou, e que, após ter dado conhecimento à CML, procedeu a obras de conservação e beneficiação precisamente em 2007, sendo que só em 2010 é que a CML entendeu vir embargá-las, bem sabendo que há vários anos estava em funcionamento o Colégio e o que a AB – …………, Ldª pretendia era "legalizar" as obras como resulta da matéria vertida no ponto 17º do probatório dos referidos autos e para a comprovação dessa factualidade relevante para a ponderação dos interesses em jogo, devia ter sido produzida a prova indicada, designadamente, a audição das testemunhas, o que não foi feito e traduz insuficiência instrutória que influiu no exame e decisão da causa.
9 – Assim, deve concluir-se que o Tribunal «a quo» carecia de elementos suficientes para concluir no sentido em que decidiu, antes se impondo a realização da prova requerida para cabal esclarecimento dos factos tendentes à ponderação dos interesses em causa e à determinação da providência adequada ao caso em escrutínio, mormente, da legalidade do acto e da inevitabilidade do encerramento do Colégio sacrificando direitos fundamentais para defesa do interesse no licenciamento que sempre será possível sem aquela medida drástica, quando é certo que a sua manutenção assenta na consideração de que não existe um contrato de concessão quando, no plano da legalidade, não existe caso julgado sobre essa matéria.
10 – A Mª Juiz «a quo» não dispunha de elementos probatórios suficientes para decidir nos termos em que decidiu, existindo um manifesto déficit instrutório.
11 – Os recorrentes têm conhecimento que a AB – ……….., Ldª sempre sustentou que o edifício se inseria na área da concessão e que nele funcionou durante décadas uma creche, não se prevendo no contrato do concessão nada sobre o destino a dar-lhe nem a CML proibindo que ali fosse reactivada a creche na sequência da carta datada de 4-9-2007 [fls. 48], em que manifestou essa intenção, valorando a recorrente o silêncio da recorrida como deferimento tácito, constitutivo do direito, quando é certo que se tratava apenas de obras de beneficiação e conservação, que a recorrente julgava não carecerem de licenciamento e por isso que a recorrente entendesse – e continua a entender – que se justificava uma vistoria ao local para aferir dessa realidade o que, tal como a audição das testemunhas ou outras diligências que, no uso do poder inquisitório o tribunal podia e devia levar a cabo, foram pura e simplesmente indeferidas a pretexto da celeridade.
12 – É que a urgência não se configura como um valor absoluto susceptível de prevalecer irrestritamente sobre outros valores também merecedores de tutela como é o caso da correcção das "deficiências processuais", que dificultem ou afectem, sem razão, a obtenção de uma decisão quanto ao mérito" [ponto V do Sumário do Acórdão do STA, de 18-10-99, in Recurso nº 45.403, e recentemente o Acórdão do STA, de 12-3-2003, in Recurso nº 1950/02.
13 – Por assim ser, tendo a proprietária do estabelecimento "Terra ………………" alegado, no âmbito do respectivo articulado, factos relevantes para demonstrar a não violação dos direitos de licenciamento e que o edifício do Colégio se inseria na área concessionada e que nele durante décadas ali funcionou um estabelecimento de ensino, e a veracidade [ou probabilidade] de tal factualidade só através das aludidas diligências probatórias se alcançaria, sendo essa factualidade, no mínimo, relevante para a apreciação do requisito do «fumus boni iuris», previsto no artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
14 – Tivesse o Tribunal «a quo» concedido aos requerentes e à AB – ………, Ldª a oportunidade de provar os factos que estas em devido tempo alegaram, teria certamente ficado afastada de violação das normas de licenciamento às quais se pretende sacrificar direitos fundamentais e, tais factos essenciais, foram, pura e simplesmente, ignorados pela Mª Juiz «a quo» que, ao invés de tomar em consideração a factualidade alegada pelos aqui recorrentes, ou, no limite, de sujeitar a mesma à produção de prova, considerou o Tribunal recorrido, na sentença em crise, toda a factualidade alegada pela CML para determinar o encerramento do Colégio, com as consequências públicas e notórias para os que a frequentam [crianças] e lá trabalham relativamente às quais nada se levou ao probatório quando havia prova documental suficiente para tanto.
15 – Tudo isso ignorou a Mª Juiz «a quo», escusando-se a usar o seu poder inquisitório a pretexto de se tratar de um processo urgente, para mandar notificar os requerentes para comprovar o registo das quotas, quantificar os prejuízos, se a CML veio a dar sem efeito a hasta pública e juntar a planta das instalações, dada a manifesta pertinência desses factos alegados pelos recorrentes para a boa decisão da causa, vindo, sem tais elementos essenciais para uma correcta e rigorosa ponderação, a concluir de forma taxativa pela não verificação "in casu" dos pressupostos necessários para o decretamento da medida cautelar requerida; não decretando, em consequência, a providência cautelar nos termos e pelos fundamentos constantes da decisão recorrida. Em bom rigor, tal conclusão sobre matéria altamente controvertida surge desacompanhada de qualquer diligência probatória no sentido de apurar a existência ou não de qualquer violação dos direitos fundamentais das crianças e seus pais e dos trabalhadores, dando guarida a um projecto da CML de desapossar a recorrente das estruturas construídas a suas expensas durante uma década, só porque aquela entende que devia ter-se realizado uma escritura no tempo e pelo modo que arbitrariamente impôs.
16 – Constitui Jurisprudência fixada desse Tribunal Central Administrativo Sul, «O errado julgamento da matéria de facto derivado de omissão de produção de prova é determinante de anulação da sentença por défice instrutório […]» – cfr. o decidido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28 de Outubro de 2009, Processo nº 00743/05, in http://www.dgsi.pt.
17 – Assim, o erro de julgamento agora identificado, derivado essencialmente da decisão de não produção de prova, viciou todo o raciocínio conducente à decisão em crise, por isso se impondo a anulação da sentença recorrida por manifesto e evidente déficit instrutório e omissão na produção de prova, ordenando-se, em consequência, a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa com vista à produção da prova oferecida pelos ora recorrentes sobre a factualidade alegada, para o cabal esclarecimento da violação ou não dos direitos fundamentais das crianças, pais e professores, bem como dos patrimoniais da recorrente, que foram invocados com a prática do acto administrativo suspendendo.
18 – Verificam-se "in casu" os pressupostos necessários para o decretamento da medida cautelar requerida pois estamos na presença de acto manifestamente ilegal, por vícios que importam a sua anulação ou declaração de nulidade ou inexistência já que a recorrente assaca ao despacho impugnado, antes de mais, os vícios de:
a) nulidade nos termos do artigo 133º, alínea d) do CPA, por ofender os direitos fundamentais consagrados, designadamente, nos artigos 17º [Regime dos direitos, liberdades e garantias; O regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga], 18º [Força jurídica: 1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas]; artigo 43º [Liberdade de aprender e ensinar]; 53º [Segurança no emprego]; artigo 58º [Direito ao trabalho]; artigo 61º [Iniciativa privada, cooperativa e autogestionária: 1. A iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral]: artigo 67º [Família: 1. A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros. 2. Incumbe, designadamente, ao Estado para protecção da família: a) Promover a independência social e económica dos agregados familiares; b) Promover a criação e garantir o acesso a uma rede nacional de creches e de outros equipamentos sociais de apoio à família); artigo 68º [Paternidade e maternidade: 1. Os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país]; 69º [Infância: 1. As crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições]; 73º [Educação, cultura e ciência]; 74º [Ensino: 1. Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar. 2. Na realização da política de ensino incumbe ao Estado: a) Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito; b) Criar um sistema público e desenvolver o sistema geral de educação pré-escolar; c) Garantir a educação permanente e eliminar o analfabetismo]; 75º [Ensino público, particular e cooperativo: 1. O Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população. 2. O Estado reconhece e fiscaliza o ensino particular e cooperativo, nos termos da lei.]. E, em relação a estes direitos liberdades e garantias últimos, a tutela jurídica da nulidade é directa, sendo o acto administrativo inválido e nulo mesmo que não haja lei mediadora, como resulta do nº 1 do artigo 18º da Constituição que estabelece o carácter preceptivo de tais normas.
b) vício de violação de lei derivado da violação de princípios constitucionais e administrativos, a saber: princípios da legalidade, da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da confiança, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.
19 – A decisão recorrida considerou tais alegações manifestamente improcedentes por falta de substanciação por os requerentes se limitarem a invocá-los e a transcrever os preceitos legais que consagram os correspondentes direitos.
20 – Porém, o que é evidente não necessita de ser explicado nem indagado: sempre que haja necessidade de explicar a bondade da pretensão do requerente, indagando factos ou o direito, não se pode ter a respectiva procedência por evidente, para efeitos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sendo que a evidência ali prevista, não é uma evidência resultante de demonstração, antes constatável a olho nu, de tal forma que o mero juízo célere e sumário do julgador cautelar possa levar a uma certeza com evidentes repercussões no julgamento da causa principal [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 14 de Junho de 2007 – Processo nº 420/07, e do Tribunal Central Administrativo Sul, de 9 de Fevereiro de 2006 – Processo nº 1.349/06, in http://www.dgsi.pt.
21 – Por assim ser, não é verdade que os recorrentes não hajam substanciado o bastante os alegados vícios porquanto, alegavam os requerentes que através da presente providência cautelar, pretende manter ou conservar o direito a manter em funcionamento um estabelecimento de ensino, propriedade da AB – …………., Ldª, mas integrada na área abrangida pela concessão em cujo objecto não se contempla a sua demolição ou encerramento, como agora, no despacho suspendendo, na prática se determina e a presente providência cautelar justifica-se pelo justo receio por parte dos requerentes em ver consumada uma situação de facto que terá como consequência a produção de prejuízos de difícil reparação, que se cifram em danos patrimoniais emergentes não só da retirada e/ou destruição do edificado, mas também para as famílias, de valor ainda indeterminável mas que ascende a centenas de milhares de euros mas, mais graves ainda, de valores não patrimoniais, interesses que a requerente visa assegurar ou ver reconhecidos no processo principal que irá intentar.
22 – Mais se alegava que a imediata execução do despacho suspendendo, que determinou o encerramento da creche, deixará irremediavelmente o prédio da propriedade da própria requerida absolutamente vulnerável em termos de segurança para pessoas e bens e interromperá abruptamente as crianças de continuarem o seu processo de desenvolvimento harmonioso num ambiente afectivo e emocional, constituindo um trauma para elas e para as famílias, gerando, outrossim, o desemprego de cerca de uma dúzia e meia de pessoas, pelas razões supra explicitadas, isto num momento em que ainda existe a certeza de que a requerida tinha conhecimento da situação da creche e de que foi mantida em funcionamento desde sempre, situação a que se pretende pôr termo mediante uma decisão unilateral e autoritária.
23 – Ora, as consequências nefastas para as crianças e trabalhadores resultantes do encerramento de um estabelecimento de ensino são públicas e notórias e, por isso, nem careciam de alegação e prova, sendo certo que a Mª Juíza fala em "matéria indiciariamente provada" e essa é aquela baseada em indícios ou regras da experiência à luz das quais aquelas consequências e a violação daqueles princípios num processo que se basta com prova perfunctória aparecem com forte verosimilhança, não se alcançando que certa prova em certo processo seja valorada contra a evidência de um juízo comum.
24 – E um dos poderes mais significativos do juiz é a "livre apreciação da prova" da qual resulta que o juiz só se decide pelo não decretamento da providência quando não tem "dúvida razoável" sobre os factos e, no reverso, a eventual dúvida é sanada quando a prova existente é, em conjunto, suficiente para se estar convicto da versão dos factos que leva à suspensão do acto, ainda que a título provisório.
25 – Assim, é por demais evidente a procedência dos alegados vícios de nulidade e de violação dos direitos de fundamentais e dos princípios constitucionais e administrativos invocados pela recorrente, ou seja, é manifesto que a acção principal poderá proceder.
26 – Os ora recorrentes também imputaram ao acto administrativo suspendendo o vicio de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, na consideração de que a AB – ……, Ldª se limitou a manter em funcionamento a creche, melhorando as suas condições, nada a obrigando a demolir uma escola propriedade da concedente e nada impedindo o seu funcionamento o qual se prolongou por todos estes anos e com o conhecimento da requerida e daí que haja sido feito dos factos verificados um erróneo juízo subsuntivo.
27 – Tanto mais errado quanto é certo que a Mª Juíza considerou este vício manifestamente improcedente com fundamento em que o contrato em questão não voltou a ser celebrado após a anulação da adjudicação e nunca existiu qualquer base legal ou expectativa para a concessão do local para exploração de uma escola e tal utilização não integra o concurso, o contrato de concessão inicial ou os termos de um posterior contrato – que não veio a ser celebrado, não alegando a autora que haja iniciado qualquer processo de licenciamento para a utilização do local como escola e o mesmo lhe haja sido deferido, admitindo que sem ser detentora da correspondente licença iniciou no local a exploração de um Colégio e prosseguiu durante anos essa exploração, alegadamente sem oposição e com o conhecimento dos "serviços competentes da Segurança Social e da Direcção Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo", porém, o conhecimento e passividade daquelas entidades públicas não permitem à autora a conclusão de que a utilização e exploração da escola tornou-se legal.
28 – Ora, essa é uma questão que se prende com o fundo da causa que se discute na acção principal sendo que no âmbito deste processo cautelar, não é exigível um juízo definitivo [exclusivamente reservado ao processo principal] sobre os factos a apreciar, mas sumário que deverá assentar numa apreciação meramente perfunctória, a única válida para a apreciação da possibilidade de o requerente vir a ter êxito no âmbito do processo principal.
29 – E, numa análise perfunctória, é forçoso concluir que "in casu" estamos na presença de acto manifestamente ilegal, já que o contrato de concessão não foi anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente, mas apenas uma das suas cláusulas.
30 – É que os recorrentes alegaram que há décadas, no espaço abrangido na concessão, existia uma creche que a AB – Golfe, Ldª pretendia reactivar, como reactivou, e que, após ter dado conhecimento à CML, procedeu a obras de conservação e beneficiação precisamente em 2007, sendo que só em 2010 é que a CML entendeu vir embargá-las, bem sabendo que há vários anos estava em funcionamento o Colégio e o que a recorrente pretendia era "legalizar" as obras como resulta da matéria vertida no ponto 17º do probatório pelo que errou o Tribunal recorrido ao entender que não existindo o contrato de concessão [ou mesmo que existisse] sempre seria era inevitável o encerramento do Colégio sacrificando direitos fundamentais para defesa do interesse no licenciamento que sempre será possível sem aquela medida drástica, quando é certo que a sua manutenção assenta na consideração de que não existe um contrato de concessão quando, no plano da legalidade, não existe caso julgado sobre essa matéria.
31 – Com efeito, os recorrentes, na esteira da AB – …………, Ldª, sempre sustentaram que o edifício se inseria na área da concessão e que nele funcionou durante décadas uma creche, não se prevendo no contrato do concessão nada sobre o destino a dar-lhe nem a CML proibindo que ali fosse reactivada a creche na sequência da carta datada de 4-9-2007 [fls. 48], em que manifestou essa intenção, valorando a recorrente o silêncio da recorrida como deferimento tácito, constitutivo do direito, quando é certo que se tratava apenas de obras de beneficiação e conservação, que a recorrente julgava não carecerem de licenciamento pois o edifício do Colégio se inseria na área concessionada e durante décadas ali funcionou um estabelecimento de ensino.
32 – Por outro lado, quanto à decisão do Acórdão do STA, vê-se que o que nele estava em causa era a cláusula 2ª que previa um prazo de 25 anos para a duração da concessão, que foi reduzido para 20 anos por aquele acórdão e, por isso, estamos perante uma circunstância em que a deliberação camarária foi anulada em virtude do prazo estipulado na cláusula 2ª do contrato de concessão, pelo que, de acordo com o alcance considerado pelo aresto do STA, é anulável pelas razões em que se fundou, ou seja: trata-se de uma anulabilidade parcial da própria cláusula 2ª, pois só se reporta à vertente do erro-vício, que não determina, necessariamente, a invalidade de todo o contrato de concessão celebrado através da escritura pública outorgada em 2000, não se retirando do parecer apropriado pela Câmara que se deva celebrar nova escritura em todos os seus elementos, antes os princípios e regras acabadas de analisar impõem uma mera rectificação ou, no exagero, uma escritura celebrada agora mas expurgada do vício que lhe foi imputado no acórdão do STA.
33 – Com efeito, em linha com o princípio de que "utile per inutile non vitiatur", dispõe o artigo 292º do Código Civil que a "nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada" e essa regra, como princípio geral, é aplicável à actividade administrativa. Isso mesmo se doutrina no Acórdão do STA – 2ª Subsecção do CA, de 2-12-2009, no Processo nº 036/08, que aponta para que no artigo 292º do Cód. Civil está consagrada como regra a redução dos negócios jurídicos em termos de que o negócio só não será reduzido se se mostrar que, sem a parte viciada, não teria sido concluído, o que significa que não é preciso provar a vontade de limitar os efeitos do negócio.
34 – Não resulta, pois, inequívoco dos elementos carreados para os autos a inexistência do contrato de concessão nem que fossem violadas as normas de licenciamento em termos de se poder concluir, com a inabalável certeza com que o fez a Mª Juíza [como que antecipando já o sentido da decisão da causa], existindo, pois, indícios fundados da verificação do vício invocado tanto mais que a decisão de dar sem efeito a hasta pública da concessão é posterior ao despacho suspendendo.
35 – Os recorrentes continuam a entender que o acto suspendendo está inquinado dos vícios formais de insuficiente/incongruente fundamentação quando, de forma vaga, genérica e conclusiva, contraditória e incongruente pois não passam de meras insinuações pretende fazer crer que a creche funcionava clandestinamente e sem o conhecimento da Câmara, quando isso não está minimamente provado.
36 – Está, outrossim, verificado o «fumus boni iuris» [formulação positiva, previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos] agora na vertente «fumus non malus iuris», ou a "aparência de bom direito" da pretensão formulada pela requerente e ora recorrente.
37 – Isso porque, antes de mais, importa ter presente que a decisão proferida no âmbito dos processos cautelares tem impreterivelmente de fundar-se num juízo de "summaria cognitio". A "summaria cognitio" é um dos instrumentos que permite atingir os objectivos da tutela cautelar. São eles, o de, por um lado, assegurar que não seja feita uma análise tão profunda sobre o mérito da causa que o processo cautelar se transmute na acção principal e o de, por outro, permitir obter uma decisão cautelar com a celeridade necessária à obtenção de uma tutela efectiva dos interesses em questão. Não obstante, uma apreciação mesmo que perfunctória de uma questão suscitada pelo requerente no âmbito de um processo cautelar implicará necessariamente a apreciação efectiva da mesma.
38 – O mesmo sucede quanto a todos os demais vícios que os requerentes invocaram pelas razões que supra expenderam pelo que é manifesta a procedência dos pedidos de invalidação formulado ou a formular na acção principal pela aqui recorrente, pelo que está verificada a condição do «fumus non malus iuris» necessário e essencial ao decretamento da providência cautelar requerida.
39 – E, contrariamente ao entendido pela Mª Juíza tais prejuízos podem ser imputados ao Município de Lisboa, pois os prejuízos pessoais das educadoras, alunos ou pais, embora não sejam partes nesta acção, são prejuízos que acarretam num juízo de normalidade, responsabilidades para a AB – ………….., Ldª como é público e notório, a qual, assim, tem interesse legítimo, em os invocar, e visto que estamos em sede de providência cautelar e não de julgamento da acção principal, não pode antecipar quais os efectivos prejuízos que resultarão para si do fecho da escola, por isso não podendo neste momento alegar factos concretos e suficientemente especificados relativos aos prejuízos que resultam para si com o fecho do estabelecimento, salvo no que se refere aos investimentos que a AB – Golfe, Ldª fez e o volume de negócios que perde.
40 – O requisito do "periculum in mora" deve considerar-se preenchido porque os factos concretos alegados pelos requerentes permitem perspectivar a criação de uma situação de impossibilidade da restauração natural da sua esfera jurídica, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente ou, mesmo que não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível pela mora do processo, aqueles factos inspirem o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar, ou, pelo menos, de reparar integralmente.
41 – Ora, contrariamente ao que se afirma na sentença no requerimento inicial, alegaram os ora recorrente os prejuízos que decorriam directamente do despacho suspendendo como, aliás, também se demonstrou nas precedentes conclusões.
42 – Deve, pois, proceder o pedido de providência cautelar conservatória formulado pelos recorrentes tendo em conta a ponderação dos interesses públicos e privados em presença [cfr. artigo 120º, nº 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos] da qual resulta que a concessão da providência requerida não provocará danos ao interesse público.
43 – É que, abstraindo por ora da discussão concreta acerca da titularidade e funcionamento do estabelecimento de ensino com o acto suspendendo, é naturalmente do interesse público que uma escola, que pode classificar-se de excelência possa prosseguir a sua actividade e, uma vez que sempre será património municipal, impõe-se promover oficiosamente o procedimento administrativo tendente ao licenciamento o mais rapidamente possível para que estejam em condições que estão na preocupação da Mª Juíza, para que não seja violadora da legalidade a que têm naturalmente de estar sujeitas.
44 – A realidade dos factos pressuposta pela Mª Juíza que certamente não emitiria aqueles juízos de valor sobre a escola se procedesse a uma vistoria como requereu a AB – Golfe, Ldª para poder constatar a excelência da qualidade do estabelecimento atestada pelas entidades oficiais.
45 – Dessa análise, resulta que é não só do interesse privado dos recorrentes poder progredir no processo administrativo de licenciamento, como é também do interesse público que esse procedimento se vá desenvolvendo, sem qualquer violação da lei, nem causar qualquer prejuízo para a recorrente, as crianças e suas famílias e aos trabalhadores que são irremediavelmente prejudicadas nos seus direitos com a execução do despacho suspendendo não encerrando uma escola nesta altura do ano.
46 – Ora, isso significa que, em bom rigor, há interesses públicos e privados que se confundem ou interpenetram e que merecem ser tutelados, tão só porque o acto administrativo que está aqui em causa produz um prejuízo a bens juridicamente tutelados pois existem direitos em causa, alguns sendo até direitos fundamentais, que podem ser invocados para justificar o decretamento da providência cautelar requerida, quando é certo que, em termos puramente legais, a dúvida sobre a legalidade do funcionamento da creche é questão que só por si não releva na graduação da grave lesão do interesse público até por que essa é questão que só a acção irá decidir.
47 – Consequentemente, no âmbito do pedido de suspensão de eficácia, perante a ponderação do interesse que a Administração sempre passa por que seja cumprido o interesse público o que impõe, por ser proporcionado e adequado, a continuidade do funcionamento da creche no ano lectivo em curso e sendo certo que a requerida não indicou qualquer outra solução e os interesses dos particulares em causa ficariam, irremediavelmente, prejudicados com a execução imediata do acto, devendo a balança pender, naturalmente, a favor dos particulares requerentes.
48 – Donde seja forçoso concluir que a providência cautelar requerida deverá, também por força da ponderação dos interesses em jogo, ser decretada.
49 – Encontrando-se verificados "in casu" os pressupostos previstos no artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a sentença recorrida, deve ser revogada, pois a mesma faz uma incorrecta aplicação das normas legais vigentes e aplicáveis à situação” [cfr. fls. 484/534 dos autos].
O Município de Lisboa contra-alegou, pugnando pelo improvimento do recurso [cfr. fls. 560/568 dos autos].
O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste TCA Sul não emitiu parecer.
Com dispensa de vistos, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida deu como assente a seguinte factualidade:
i. Em 18 de Junho de 2010, foi proferido despacho conjunto pelos Vereadores dos Pelouros do Urbanismo e do Ambiente e Espaços Verdes da CML [de fls. 494 e 495 dos autos] nos seguintes termos:
DESPACHO Nº /2010
Considerando que:
Das deslocações efectuadas pelos Serviços da Direcção Municipal de Ambiente e Espaços Verdes e da Direcção Municipal de Gestão Urbanística às instalações do Complexo Municipal do Campo de Golfe do Parque da Bela Vista verificou-se estarem em curso um conjunto de obras, trabalhos e intervenções no perímetro do recinto que envolvem significativas alterações espaciais e de uso sem parecer e ou controlo prévio administrativo municipal;
A AB …….. – Sociedade de Empreendimentos ………………, Ldª não dispõe de qualquer título jurídico habilitante à promoção e realização de operações urbanísticas no recinto do Complexo Municipal do Campo de Golfe do Parque da Bela Vista;
Os trabalhos em causa respeitam a operações urbanísticas de remodelação de terrenos, reparação e reconstrução de caminhos e de pavimentos sem a devida orientação técnica, envolvendo a destruição do revestimento vegetal, a alteração do relevo natural e comprometendo a estabilidade dos taludes;
Estas obras de urbanização e os trabalhos de remodelação de terrenos consubstanciam operações urbanísticas sujeitas a licença administrativa, nos termos das alíneas h) e l) do artigo 2º e alínea b) do nº 2 do artigo 4º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação [RJUE], aprovado pelo DL nº 555/99, de 16/12, na versão, em vigor, alterada e republicada pela Lei nº 60/2007, de 4 de Setembro;
No edifício designado por "Instalações de Apoio ao Campo de ………..", localizado no topo Norte, do Complexo Municipal do Campo de Golfe do Parque da Bela Vista foram realizadas obras de alteração em desconformidade com o projecto constante do Processo nº …………/EDI/2003 e sem licença, estando o mesmo a ser utilizado, sem autorização prévia administrativa, como estabelecimento de ensino pré-escolar denominado "Colégio Terra da Fantasia", em incumprimento do uso admissível, para a área onde está implantado, classificada na Planta de Ordenamento do PDM como Área Verde de Recreio a qual, nos termos do artigo 81º, nº 2 do RPDM, apenas admite o uso de equipamento de apoio ao recreio e lazer.
Ao abrigo da delegação de competências conferida pelo Despacho nº 166/P/2009, publicado no BM nº 824, de 3-12-2009, determina-se:
1. O Embargo administrativo, das obras de urbanização e trabalhos de remodelação de terrenos, em execução, nos termos do artigo 102º, nº 1, alínea a), com os efeitos previstos no nº 1 do artigo 103º do RJUE; e,
2. A cessação de utilização indevida do edifício acima identificado, no prazo de 60 dias, sob pena de despejo coercivo, nos termos do nº 1 do artigo 109º do RJUE.
Paços do Concelho, em 18 de Junho de 2010
Os Vereadores,
Manuel ……… José ……………..”.
ii. Frequentam a escola cerca de oitenta crianças.
iii. Trabalham na escola cerca de 20 pessoas.
E, por se mostrarem também com interesse para a decisão, ao abrigo do disposto no artigo 712º, nº 1, alínea a) do CPCivil, aplicável “ex vi” artigo 1º do CPTA, aditam-se à matéria de facto dada como assente na 1ª instância, os seguintes factos:
iv. Existe na cidade de Lisboa um défice acentuado na oferta de creches e jardins de infância, que não consegue cobrir uma procura que vem crescendo de ano para ano – cfr. docs. de fls. 351 a 356 dos autos.
v. O Colégio Terra ………….., referido no despacho identificado em i. supra, existe há vários anos no local em questão – Clube de Golfe da Bela Vista –, tendo celebrado vários protocolos com instituições e empresas, nomeadamente a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, a ANA – Aeroportos de Portugal, SA e o clube Galp Energia – cfr. docs. de fls. 363 a 368 dos autos.
vi. Os requerentes e ora recorrentes são pais e encarregados de educação, respectivamente, dos menores Jaime ……………, Carolina ………..e Margarida ……….., que frequentam a creche e jardim de infância referido em v. – cfr. docs. de fls. 33/34, 35/36 e 37/38 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
vii. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor dos documentos de fls. 64, 65 e 346 dos autos.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A sentença cujo acerto ora se pretende ver escrutinado considerou que não se estava perante a situação excepcional da aplicação da alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, uma vez que não era patente, gritante, a evidente procedência da pretensão formulada ou a formular na acção principal, pelo que concluiu não poder o seu decretamento ser ordenado ao abrigo do citado preceito.
E, analisando os demais requisitos de que depende a concessão da providência requerida, enunciados na alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, concluiu nos seguintes termos:
O "periculum in mora" deve avaliar-se segundo juízos de probabilidade, assentes nos elementos de prova dos autos e na experiência comum das coisas, tendo como referência a possibilidade de reintegração natural da esfera jurídica do requerente.
Para substanciar o "periculum in mora" alega que frequentam a escola infantil cerca de oitenta crianças que ficariam sem colégio caso a decisão de encerramento se tornasse definitiva, sendo que tal facto ocasionaria, certamente, um profundo impacto negativo na vida das crianças, por falta do espaço físico que estão habituadas a compartilhar e, sobretudo, por falta do apoio afectivo que estão habituadas a receber das suas educadoras e respectivas auxiliares de educação.
E dizem que o enceramento da escola infantil se repercutiria, negativamente, na vida de mais de 160 pais e mães das crianças que frequentam o estabelecimento.
E que tal facto, a ocorrer, provocaria distúrbios a nível pessoal e profissional aos referidos pais, sendo certo que não conseguiriam colocação para os seus filhos em outros colégios, atenta a dificuldade de arranjar um estabelecimento de ensino com as características do dos autos, na cidade de Lisboa.
Dizem, ainda, que a imediata execução do despacho suspendendo, que determinou o encerramento da dita creche, impossibilitará abruptamente as crianças de continuarem o seu processo de desenvolvimento harmonioso num ambiente afectivo e emocional, constituindo um trauma para elas e para as famílias, gerando, outrossim, o desemprego de cerca de 17 pessoas que são funcionários do jardim-de-infância.
A alegação dos requerentes, que, segundo alegam no articulado de resposta à excepção da ilegitimidade, se encontram na presente acção cautelar a representar e a defender os interesses dos seus filhos [admitindo, no artigo 9º do seu articulado de fls. 437 e segs., que não se trata de uma acção popular] baseia-se em juízos conclusivos, genéricos e conjecturais.
Não basta dizer que a ordem de encerramento "impossibilitará abruptamente as crianças de continuarem o seu processo de desenvolvimento harmonioso num ambiente afectivo e emocional, constituindo um trauma para elas e para as famílias". Era necessário que os requerentes se reportassem à situação concreta dos seus filhos e à sua própria situação concreta enquanto pais, e explicassem as razões efectivas pelas quais o desenvolvimento harmonioso dos mesmos não se poderia dar noutro estabelecimento de ensino e pelas quais ocorreriam distúrbios irreparáveis a nível pessoal e profissional.
A invocação de que as crianças ficariam sem colégio em caso de execução da ordem de encerramento suspendenda não é verosímil uma vez que existem outros estabelecimentos de educação na cidade de Lisboa. Na verdade, os requerentes, a quem incumbe o ónus de alegação e prova, limitam-se a dizer que existe "dificuldade de arranjar um estabelecimento de ensino com as características do da recorrente, na cidade de Lisboa", mas não concretizam esta alegação genérica. Desde logo, não concretizam as características do estabelecimento em causa, nem provam a impossibilidade de integrar as crianças noutros estabelecimentos de ensino na cidade de Lisboa.
Quanto ao desemprego de cerca de 17 pessoas que são funcionários do jardim-de-infância, e quanto às alegações que os requerentes tecem respeitantes aos demais pais e crianças, não se vê em que é que essa situação afecta a esfera jurídica dos requerentes, pelo que, não podem ser tidos em consideração.
Em suma, a alegação do requerente a respeito do "periculum in mora", para além de conclusiva [porque é desacompanhada da alegação de factos concretos que permitam demonstrar as conclusões extraídas pelo requerente], é desprovida de verosimilhança.
Em face do exposto, não se podem, desde logo, dar por demonstrados, nem mesmo indiciariamente, prejuízos de difícil reparação ou a criação de uma situação de impossibilidade de reintegração específica da esfera jurídica do requerente no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente.
Não se tendo concluído, no caso em apreço, pelo fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízo de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende ver reconhecido no processo principal, improcede, desde logo, o pedido de adopção da providência cautelar requerida, não havendo lugar ao juízo sobre os fundamentos da pretensão formulada no processo principal, juízo que a última parte da alínea b) do nº 1 do artigo 120º exige, nem à ponderação dos interesses públicos e privados em presença a que alude o nº 2 do artigo 120º do CPTA”.
De acordo com a fundamentação expendida na sentença recorrida, considerou-se que os requerentes da providência não tinham concretizado, no plano dos factos, o requisito do “periculum in mora” exigido na primeira parte da alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, ou seja, não concretizaram a existência do fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízo de difícil reparação para os interesses que visavam assegurar no processo principal.
Porém, salvo o devido respeito, não se concorda com a conclusão a que se chegou na sentença recorrida.
Com efeito, se é certo que os requerentes da providência e ora recorrentes alegaram factos que extravasavam do âmbito do direito que lhes era lícito defender na providência – nomeadamente todos os danos decorrentes da ordem de cessação da utilização da creche/jardim de infância em causa e que se projectam na esfera jurídica da entidade que vem procedendo à respectiva exploração, bem como aqueles que se projectam na esfera jurídica dos cerca de 20 trabalhadores ou na dos pais das outras 80 crianças que a frequentam –, o certo é que foram alegados factos suficientes para concretizar o “periculum in mora” exigido pela alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA.
Senão, vejamos.
Os requerentes da providência alegaram que a ordem de cessação da utilização da creche/jardim de infância constante do despacho cuja suspensão requereram, porque conducente ao imediato encerramento da mesma, tornava fundado o receio de constituição duma situação de facto consumado, nomeadamente porque deixava os respectivos educandos sem um local onde pudessem continuar o seu desenvolvimento cognitivo, afectivo e psico-motor, sendo igualmente certo que na cidade de Lisboa existe um défice acentuado na oferta de creches e jardins de infância, que não consegue cobrir uma procura que vem crescendo de ano para ano. E, por outro lado, esse facto traduziria para a respectiva esfera jurídica a ocorrência de prejuízos que dificilmente poderiam ser reparados, nomeadamente pelos efeitos negativos que se produziriam no desenvolvimento harmonioso dos seus filhos.
Os factos em causa, e que os requerentes da providência sumariamente alegaram e provaram [vd. a factualidade ora aditada ao probatório], são suficientes para caracterizar o “periculum in mora”, não podendo pois ter-se a respectiva alegação por conclusiva e desprovida de verosimilhança, como considerou a sentença recorrida.
E, por outro lado, considerando que não é manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal, nem se vislumbra a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito [cfr. a segunda parte da alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA], temos também por demonstrado o requisito do “fumus non malus iuris”.
Aqui chegados, importa efectuar a ponderação dos interesses públicos e privados em presença, de modo que os danos resultantes da concessão da providência não sobrelevem aqueles que possam resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados por outras providências [cfr. o nº 2 do artigo 120º do CPTA].
Como se viu, a ordem de cessação da utilização da creche/jardim de infância constante do despacho cuja suspensão vem requerida assentou no facto de no edifício designado por “Instalações de Apoio ao Campo de Golfe”, localizado no topo Norte do Complexo Municipal do Campo de Golfe do Parque da Bela Vista terem sido realizadas obras de alteração em desconformidade com o projecto constante do Processo nº ………../EDI/2003 e sem licença, estando o mesmo a ser utilizado, sem autorização prévia administrativa, como estabelecimento de ensino pré-escolar denominado “Colégio Terra …………..”, em incumprimento do uso admissível, para a área onde está implantado, que se encontra classificada na Planta de Ordenamento do PDM como Área Verde de Recreio a qual, nos termos do artigo 81º, nº 2 do RPDM, apenas admite o uso de equipamento de apoio ao recreio e lazer.
Ora, salvas as pertinentes diferenças entre o direito que os ora recorrentes pretendem ver acautelado e as situações em que a jurisprudência dos tribunais superiores o admite, sempre têm sido apresentados como casos paradigmáticos do preenchimento de “prejuízo de difícil reparação” a situação em que a execução do acto implica o encerramento do estabelecimento comercial ou a cessação de actividades profissionais livres, em virtude de originar lucros cessantes indetermináveis e envolver a perda de clientela não quantificável, numa base de certeza [cfr. Santos Botelho, in Contencioso Administrativo, 1995, pág. 286, e os Acórdãos deste TCA Sul, de 13-12-2007, proferido no âmbito do processo nº 03203/07, e de 18-3-2010, proferido no âmbito do processo nº 05935/10, só para citar os mais recentes].
E, por outro lado, os prejuízos invocados pelo Município de Lisboa são atinentes à defesa da legalidade e do correcto ordenamento do território e planeamento urbanístico.
Contudo, no caso em apreço, não resulta da matéria de facto dada como assente a existência de qualquer dano concreto para o ordenamento do território e planeamento urbanístico originado pela existência da creche/jardim de infância em causa. Assim, acarretando o encerramento desse estabelecimento, necessariamente, elevados prejuízos para os recorrentes, como supra referido, deverá dar-se prevalência a esses prejuízos, sobre a mera legalidade formal de falta de licenciamento, na ponderação a efectuar de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 120º do CPTA [cfr., neste sentido, o Acórdão deste TCA Sul, de 9-10-2008, proferido no âmbito do recurso nº 04226/08].
Porém, como o nº 3 do artigo 120º do CPTA prevê que “as providências cautelares a adoptar devem limitar-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente”, mostra-se suficiente para acautelar os interesses dos requerentes e ora recorrentes que a suspensão de eficácia do despacho de 18 de Junho de 2010, que determinou a cessação da utilização da creche/jardim de infância em causa, só vigore até ao termo do presente ano lectivo, ou seja, até ao dia 31 de Julho de 2011.
Procede, pois, nos termos sobreditos, o presente recurso jurisdicional.

IV. DECISÃO
Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes do 2º Juízo do TCA Sul em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando a sentença recorrida e decretando a suspensão da eficácia do despacho datado de 18 de Junho de 2010, da autoria dos vereadores Manuel ………. e José …………, que determinou a cessação de utilização indevida do edifício onde se encontra a funcionar o Colégio “Terra da Fantasia”, com efeitos limitados até ao dia 31 de Julho de 2011.
Custas a cargo do Município de Lisboa.
Lisboa, 24 de Fevereiro de 2011
[Rui Belfo Pereira – Relator]
[António Coelho da Cunha]
[Fonseca da Paz]