Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:115/20.9BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/18/2021
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO;
ART. 67.º DO CPA - CAPACIDADE PROCEDIMENTAL DOS PARTICULARES;
ART. 111.º DO CPA - DESTINATÁRIOS DAS NOTIFICAÇÕES;
PATRONO NOMEADO;
NOTIFICAÇÃO DO ATO;
ACEITAÇÃO TÁCITA DO PEDIDO DE RETOMA A CARGO;
REGULAMENTO DE DUBLIN III
Sumário:I. A notificação do ato administrativo apresenta-se como uma condição de eficácia deste e não como condição de validade.
II. Resulta dos autos que o SEF solicitou às autoridades italianas a retoma a cargo do Recorrente, ao abrigo do disposto no art. 18.° n.° 1 alínea d) do Regulamento (UE) n.° 604/2013, e que informou estas autoridades de que, perante a falta de resposta ao pedido em apreço após duas semanas, o mesmo se tinha por aceite, nos termos do art. 25.° n.° 2 do mesmo Regulamento, tendo sido tomada a decisão impugnada após o decurso desse prazo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. Relatório

S..., interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, de 24.04.2020, que julgou improcedente a ação executiva em matéria de asilo por si intentada, absolvendo o Executado, ora Recorrido, Ministério da Administração Interna, dos pedidos.

Por acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, de 10.09.2020, foi concedido provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e, conhecendo em substituição, anulado o ato impugnado, por vício de violação de lei, concretamente, por errada interpretação e aplicação do art. 3.º do Regulamento de DublinIII, e por deficit de instrução, por aplicação do princípio de non refulement, ao abrigo do art. 33.º da Convenção de Genebra e art. 47.º da Lei do Asilo.

Admitido o recurso de revista a 03.12.2020, o Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 04.02.2021, decidiu revogar o acórdão recorrido, ordenando a baixa dos autos a este tribunal para que agora se proceda ao conhecimento dos demais erros de julgamento imputados à sentença recorrida, cuja apreciação foi então considerada prejudicada, a saber, dos erros de julgamento de direito decorrentes de i) não ter considerado que a falta de notificação do ato impugnado ao Requerente, ora RECORRENTE, determina a sua anulação e, bem assim, de que ii) o ato impugnado não padece de erro sobre os pressupostos de facto e de falta de fundamentação, no pressuposto de que haviam decorrido os 15 dias necessários à admissão tácita do pedido de retoma a cargo por parte das autoridades italianas aquando foi proferido.

Cumprindo o superiormente decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo, e retomando, atentemos nas alegações de recurso que o Recorrente apresentou, culminando as mesmas, na parte relevante para o conhecimento do presente recurso, delimitado que está o seu âmbito nos termos supra expostos, com as seguintes conclusões:

«(…)

4. Por consulta ao sistema Eurodac - Fingerprint Form, o SEF verificou a existência de um “Hif referente a um pedido de proteção internacional efetuado pelo Exequente em Cosenza (Itália) no dia 7 de junho de 2017

- cfr. fls. 3 do PA no processo n.° 1536/19.5BELSB, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

(…)

8. Em 13 de agosto de 2019, as autoridades portuguesas informaram as autoridades italianas de que, perante a falta de resposta ao pedido de retoma a cargo do Exequente no período de duas semanas, ao abrigo do artigo 25.° n.° 2 do Regulamento (UE) n.° 604/2013, o mesmo se tinha por aceite - cfr. fls. 44-45 do PA no processo n.° 1536/19.5BELSB, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

9. Em 13 de agosto de 2019, o SEF elaborou a informação n.° 1472/GAR/2019, cujo teor se tem por reproduzido, propondo que o pedido de proteção internacional do Exequente fosse julgado inadmissível e que o mesmo fosse transferido para Itália - cfr. fls. 46-49 do PA no processo n.° 1536/19.5BELSB, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

10.

Por outro lado, o ora recorrente, após a decisão supra referida, interpôs uma acção administrativa especial, no âmbito da qual o Tribunal Administrativo do Circulo de Lisboa anulou o despacho em causa por preterição de formalidades essenciais a que se refere o artigo 17° da Lei 27/2008.

11.

Ora, após tal sentença foi proferida nova decisão, em 20.12.2019, decisão essa que não só não cumpre a sentença em causa, como ela própria é ilícita.

(…)

15.

Por outro lado, o recorrente não foi notificado pessoalmente da decisão recorrida, sendo que deveria sê-lo, dado que o signatário é mero patrono deste, e não resulta por isso constituído nos autos.

16.

Em terceiro lugar, mercê de todos estes factos, encontrava-se largamente excedido o prazo previsto no artigo 20 n.° 1 da Lei 27/2008, de trinta dias, pelo que nos termos do n.° 2 do mesmo artigo, o pedido deveria ter-se por admitido, pelo que resulta ainda por esta razão ilícita a decisão da executada, e, por sua vez, a decisão recorrida. (…).»


O Recorrido, notificado para o efeito, não contra-alegou.

Neste tribunal, o DMMP apresentou pronúncia no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente do processo, mas com disponibilização prévia do texto do acórdão, vem o mesmo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

I. 1. Questões a apreciar e decidir

Dos erros de julgamento de direito imputados à sentença recorrida em virtude de i) não ter considerado que a falta de notificação do ato impugnado ao Requerente, ora RECORRENTE, determina a sua anulação e, bem assim, de que ii) o ato impugnado não padece de erro sobre os pressupostos de facto e de falta de fundamentação, no pressuposto de que haviam decorrido os 15 dias necessários à admissão tácita do pedido de retoma a cargo por parte das autoridades italianas aquando foi proferido.

II. Fundamentação

II.1. De facto

Dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto considerada provada na sentença recorrida, transcrevendo-se apenas na parte que releva para o conhecimento do presente recurso, delimitado que está o seu âmbito nos termos supra expostos – cfr. art. 663.º, n.º 6, do CPC:

«(…)

3. Em 17 de julho de 2017, o Exequente solicitou proteção internacional em Portugal, junto do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, ora SEF - cfr. fls. 5-15 do PA no processo n.° 1536/19.5BELSB, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

(…)

7. Em 29 de julho de 2019, foi solicitado pelo SEF às autoridades italianas a retoma a cargo do Exequente, ao abrigo do disposto no artigo 18.° n.° 1 al. d) do Regulamento (UE) n.° 604/2013 - cfr. fls. 38-41 do PA no processo n.° 1536/19.5BELSB, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

8. Em 13 de agosto de 2019, as autoridades portuguesas informaram as autoridades italianas de que, perante a falta de resposta ao pedido de retoma a cargo do Exequente no período de duas semanas, ao abrigo do artigo 25.° n.° 2 do Regulamento (UE) n.° 604/2013, o mesmo se tinha por aceite - cfr. fls. 44-45 do PA no processo n.° 1536/19.5BELSB, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

(…)

10. Em 13 de agosto de 2019, o Diretor Nacional Adjunto do SEF proferiu decisão a considerar inadmissível o pedido de proteção internacional apresentado pelo Exequente, de acordo com o disposto nos artigos 19.°- A n.° 1 al. a) e 37.° n.° 2 da Lei n.° 27/08, de 30 de junho, e com base na informação n.° 1472/GAR/2019 do SEF, mais determinando a sua notificação ao Exequente e a transferência deste para Itália por se tratar do Estado Membro responsável pela análise do respetivo pedido de proteção internacional - cfr. fls. 50 do PA no processo n.° 1536/19.5BELSB, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

(…)

11. Em 21 de agosto de 2019, o Exequente propôs ação administrativa junto deste Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual correu termos sob o n.° 1536/19.5BELSB, pedindo a impugnação do despacho do Diretor Nacional Adjunto do SEF, de 13 de agosto de 2019, cuja petição inicial se dá por integralmente reproduzida - cfr. fls. 1-36 do PA no processo n.° 1536/19.5BELSB, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

12. Em 4 de outubro de 2019 este Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa proferiu sentença no processo n.° 1536/19.5BELSB, julgando a ação procedente e anulando o despacho do Diretor Nacional Adjunto do SEF, de 13 de agosto de 2019 (…);

13. Na sequência da sentença referida no ponto que antecede, em 6 de novembro de 2019, o Exequente prestou novamente declarações junto do SEF, tendo sido elaborado o seguinte auto de entrevista/transcrição (…)

14. Em 6 de novembro de 2019, foi ainda lavrado documento de notificação do Exequente, o qual tem o seguinte teor (…)

15. Em 11 de novembro de 2019, o Exequente pronunciou-se, alegando, em síntese, que mantinha o teor das declarações prestadas na entrevista, que o seu pedido de proteção internacional é fundado, que a proposta de decisão não averiguou as condições concretas em que o pedido foi alvo de apreciação em Itália nem as razões subjacentes ao indeferimento, bem como que o pedido de proteção internacional tem que ser admitido em virtude do decurso do prazo previsto no artigo 20.° n.° 2 da Lei n.° 27/2008 - cfr. fls. 102-106 do PA, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

(…)

17. Em 20 de dezembro de 2019, a Diretora Nacional do SEF proferiu decisão a considerar inadmissível o pedido de proteção internacional apresentado pelo Exequente, de acordo com o disposto nos artigos 19.°- A n.° 1 al. a) e 37.° n.° 2 da Lei n.° 27/08, de 30 de junho, e com base na informação n.° 2424/GAR/2019 do SEF, mais determinando a sua notificação ao Exequente e a transferência deste para Itália por se tratar do Estado Membro responsável pela análise do respetivo pedido de proteção internacional - cfr. fls. 115 do PA, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

18. A decisão mencionada no ponto que antecede foi enviada, por carta registada com aviso de receção, ao Ilustre Defensor Oficioso do Exequente - cfr. fls. 124-126 do PA, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas.(…).»

Adita-se o seguinte facto, ao abrigo do art. 662.º, n.º 1, do CPC:

20. A pronúncia do Requerente, ora Recorrente, em sede de audiência prévia, identificada no facto n.º 15 que antecede, está subscrita por si e pelo seu “Patrono”, Dr. A... – cfr. fls. 106 e 108 do PA, fls. 69 e ss., ref. SITAF.

II.2. De direito

i) Do erro de julgamento de direito imputado à sentença recorrida por não ter considerado que a falta de notificação do ato impugnado ao Requerente, ora RECORRENTE, determina a sua anulação.

O discurso fundamentador da sentença recorrida, sobre a questão ora em apreço, foi o seguinte:

«(...) o Exequente alega que o seu Ilustre Defensor, signatário do requerimento executivo, "não pode confirmar, por dificuldades em contacto com o beneficiário-requerente, se este foi notificado pessoalmente da decisão ora objecto de recurso, sendo que deveria sê-lo, dado que o signatário é mero patrono deste, e não resulta por isso constituído nos autos”.

Assim, invoca a “eventual omissão de notificação do requerido, da decisão recorrida, a ter ocorrido”.

Todavia, como é sabido, a notificação de um ato administrativo, enquanto ato procedimental ulterior à formação da decisão, não fere a validade do ato em si mesmo.

A notificação de um ato administrativo, visando levar ao conhecimento do destinatário o respetivo conteúdo, é mera condição de eficácia do mesmo, não inquinando a sua validade intrínseca.

Pelo que, mesmo que se verificasse a aludida falta de notificação ao Exequente, não seria de anular o despacho da Diretora Nacional do SEF, de 20 de dezembro de 2019.(…)».

Desde já se adianta que o assim decidido é para manter. Vejamos porquê.

Demonstrado está no procedimento – cfr. factos n.º 15 e 20 supra – que o Dr. A..., na qualidade de “Patrono” do Requerente, ora Recorrente, subscreveu com este a sua pronúncia em sede de audiência prévia.

Razão pela qual o Recorrido poderá ter sido levado a supor que os seus poderes abrangeriam o de receber notificações, sem necessidade de outorga de poderes especiais.

Neste sentido propugnam as disposições conjugadas dos art.s 67.º e 111.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aos disporem sobre a capacidade procedimental dos particulares – art. 67.º - e sobre o(s) destinatário(s) da(s) notificações – art. 111.º - dizendo, especificamente que estas são efetuadas na pessoa do interessado, salvo quando este tenha constituído mandatário no procedimento, caso em que devem ser efetuadas a este.

Sobre a concreta questão da constituição de mandatário no procedimento, para este efeito, atente-se na doutrina que dimana de um recente acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul (1), em aresto que dois dos signatários tiveram intervenção e no qual se sumariou o seguinte:

«I - O mandato forense é mandato especial, que inclui os poderes gerais de representação, seja em juízo, seja no âmbito de procedimentos administrativos. Por via do indicado contrato de mandato forense são conferidos ao mandatário poderes para representar o respectivo mandante em todos os actos e termos de qualquer processo e respectivos incidentes, mesmo perante tribunais superiores, pleiteando em juízo. Esse mesmo mandato confere poderes de representação geral no âmbito de quaisquer procedimentos administrativos. Por via do indicado mandato forense o mandatário passa a ter poderes para praticar actos jurídicos em nome do mandante;

II - Os art.ºs 67.º e 111.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) permitem que os interessados se façam representar no procedimento – ainda em aberto ou já concluído - por mandatário constituído e determinam que quando o interessado assim esteja representado, as notificações que devem ser feitas na sua pessoa passem a ser feitas ao seu mandatário;

III - O acto (jurídico) de receber uma notificação no âmbito de um procedimento administrativo deve ser entendido como se enquadrando no âmbito dos “actos de administração ordinária” – cf. art.º 1159.º do CC;

IV - Trata-se também de um acto para o qual a lei não exige que se confiram poderes especiais ao representante quando advogado. Diversamente, atendendo ao consignado no art.º 111.º do CPA estão incluídos nos poderes gerais do mandatário constituído no procedimento administrativo os poderes para receber notificações (da Administração) em nome e em representação do mandante;

V - Os actos que imponham deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções, que causem prejuízos ou restrinjam direitos e interesses legalmente protegidos, ou afectem condições do seu exercício devem ser notificados pessoalmente aos seus destinatários, interessados e só lhes são oponíveis após tal notificação. Porém, estando esse destinatário, interessado, representado no procedimento através do seu mandatário forense, devidamente constituído, essa notificação pessoal deve ser feita na pessoa desse mandatário, que o representa para efeitos de receber as notificações da Administração, conforme art.º 111.º do CPA. (…)».

No caso em apreço, ao subscrever uma pronúncia em sede de procedimento administrativo, juntamente com o Requerente, assim induziu, sem margem para grandes dúvidas a Administração, sendo admissível supor que o Ilustre Patrono nomeado, havia assumido, para todos os efeitos, a representação do Requerente, nos termos que um mandatário o seria.

Acresce que, ademais, foi cumprido o prazo de impugnação do ato impugnado.

Razão pela qual, e aplicando a doutrina que dimana do aresto supra citado e transcrito à situação sub judice, se impõe considerar que a notificação procedimental efetuada no caso em apreço ao “Patrono” do Requerente, ora Recorrente, é válida.

Sem prejuízo, mesmo que se tivesse julgado procedente a invocada falta de notificação do ato impugnado, é de salientar que o não cumprimento ou o cumprimento deficiente do dever de notificar não consubstancia uma ilegalidade, ou torna, sequer, a decisão administrativa ilegal.

Na verdade, a notificação do ato administrativo apresenta-se como uma condição de eficácia deste e não como condição de validade.

Daí que, e mesmo que hipoteticamente se desse como verificado o desvio imputado pelo Requerente, ora Recorrente, ao ato impugnado - que já vimos não ser esse o caso -, a sanção que ocorreria seria, apenas, a da ineficácia do ato, e não a da sua invalidade.

Consequentemente, soçobra também este argumento do Recorrente, razão pela qual bem andou o tribunal a quo ao decidir em conformidade.

ii) Do erro de julgamento imputado à sentença recorrida por ter considerado que o ato impugnado não padece de erro sobre os pressupostos de facto e de falta de fundamentação, no pressuposto de que haviam decorrido os 15 dias necessários à admissão tácita do pedido de retoma a cargo por parte das autoridades italianas aquando foi proferido.

Sobre esta questão, o discurso fundamentador da sentença recorrida foi o seguinte:

«(…) Do erro nos pressupostos de facto e de direito da decisão:

O Exequente começa por alegar que a decisão proferida em 15 de agosto de 2019 (cfr. artigos 3.° e 5.° do requerimento executivo aperfeiçoado) padece de ilegalidade porque ou o SEF não informou as autoridades italianas a 13 de agosto de 2019, ao contrário do que afirma na informação dos serviços, tendo-o feito anteriormente, ou, tendo procedido a tal notificação em tal data, obviamente não decorreram 15 dias. Conclui o Exequente que se verifica, portanto, erro nos pressupostos de facto e fundamentação da decisão de inadmissibilidade do pedido de proteção, e que, por conseguinte, o despacho deverá ser anulado.

Todavia, não assiste razão ao Exequente.

Em primeiro lugar, e compulsando a matéria de facto fixada, é ostensivo que, ao contrário daquilo que foi alegado pelo Exequente, não foi praticado qualquer ato administrativo no dia 15 de agosto de 2019.

Diferentemente, havia sido emitido um despacho, pelo Diretor Nacional Adjunto do SEF, em 13 de agosto de 2019.

No entanto, o despacho de 13 de agosto de 2019, emanado pelo Diretor Nacional Adjunto do SEF, foi anulado em virtude da sentença proferida em 4 de outubro de 2019 por este Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, no âmbito do processo n.° 1536/19.5BELSB - cfr. pontos 10-12 da matéria de facto provada.

Na sequência desta sentença, o SEF retomou o procedimento administrativo e acabou proferindo nova decisão de inadmissibilidade relativamente ao pedido de proteção internacional do Exequente.

De todo o modo, ainda que se entendesse que o Exequente reporta o presente vício ao despacho proferido pela Diretora Nacional do SEF em 20 de dezembro de 2019 (o despacho que foi proferido em sede de execução da sentença anulatória acima mencionada), mantém-se a conclusão de que não lhe assiste razão.

Na realidade, como é bom de ver da matéria de facto fixada, em 29 de julho de 2019, o SEF solicitou às autoridades italianas a retoma a cargo do Exequente, ao abrigo do disposto no artigo 18.° n.° 1 al. d) do Regulamento (UE) n.° 604/2013; e, em 13 de agosto de 2019, as autoridades portuguesas limitaram-se a informar as autoridades italianas de que, perante a falta de resposta ao pedido de retoma a cargo do Exequente, ao abrigo do artigo 25.° n.° 2 do Regulamento (UE) n.° 604/2013 (que estabelece um prazo de duas semanas para o efeito), o mesmo se tinha por aceite - cfr. pontos 7-8 da fundamentação de facto.

É certo que a informação dos serviços do SEF, com o n.° 2424/GAR/2019 (é nesta informação que está contida a fundamentação para a qual o ato atualmente em crise remete), no seu ponto 8, refere, ipsis verbis, que “(...) aos 13-08-2019, Portugal informou as autoridades italianas que ao abrigo do artigo 25°, N° 1, do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho, tinha duas (2) semanas para se pronunciar sobre o nosso pedido”; algo que, na verdade, já havia sido sustentado pelo SEF, no ponto 6 da informação n.° 1472/GAR/2019 - cfr. pontos 16 e 9, respetivamente, da fundamentação de facto.

No entanto, atendendo às circunstâncias do caso e ao próprio contexto da declaração acima transcrita (veja-se o ponto 7 da informação 2424/GAR/2019), é inequívoco que - pese embora a formulação utilizada possa, efetivamente, induzir em erro o seu destinatário - o sentido da mesma consiste, simplesmente, em que, no dia 13 de agosto de 2019, o SEF informou as autoridades italianas de que, perante a falta de resposta ao pedido de retoma a cargo do Exequente (que já havia sido efetuado em 29 de julho) no prazo de duas semanas, o mesmo iria ser considerado como tacitamente aceite ao abrigo do artigo 25.° n.° 2 do Regulamento (UE) n.° 604/2013.

Ou seja, a declaração acima transcrita, embora imperfeitamente expressa, não pretendeu transmitir a ideia de que o prazo de duas semanas apenas se iniciaria com a comunicação que o SEF efetuou às autoridades italianas no dia 13 de agosto de 2019, mas antes de que tal prazo já havia terminado.

Por outro lado, a imperfeição da declaração acima mencionada não tem a virtualidade de contaminar a validade do ato impugnado: verificando-se que o prazo de duas semanas havia efetivamente transcorrido, o SEF atuou corretamente ao considerar o pedido de retoma como tacitamente aceite, por aplicação do disposto no artigo 25.° n.° 2 do Regulamento (UE) n.° 604/2013.

Pelo exposto, não será de anular o ato impugnado com base no alegado erro nos pressupostos de facto e de direito da decisão.»

O Recorrente insurge-se quanto a este entendimento, alegando, em suma, que «(…) de duas uma, ou o SEF não informou as autoridades italianas a 13.08.2019, ao contrário do que afirma, tendo-o feito anteriormente, ou, tendo procedido a tal notificação em tal data, obviamente não haviam decorrido 15 dias à data do despacho supra referido, dado que a decisão é igualmente de 15.08.2019.

Por outro lado, mesmo que se aceitasse que a notificação supra referida ocorreu mais de quinze dias anteriormente à prolação do despacho recorrido, mal esteve a decisão do SEF em presumir a aceitação pelo Estado italiano do pedido de retoma, pela ausência de resposta à notificação em causa.»

Também o aqui decidido é para manter, nos precisos termos em que a decisão recorrida foi proferida, não vislumbrando este tribunal de recurso qualquer erro de apreciação que cumpra corrigir.

Na verdade, o que resulta da matéria de facto provada é que o SEF, a 29.07.2019, solicitou às autoridades italianas a retoma a cargo do Requerente, ora Recorrente, ao abrigo do disposto no art. 18.° n.° 1 alínea d) do Regulamento (UE) n.° 604/2013 - cfr. facto n.º 7 supra – e que a 13.08.2019, informou estas autoridades de que, perante a falta de resposta ao pedido que antecede no período de duas semanas, o mesmo se tinha por aceite, nos termos do art. 25.° n.° 2 do mesmo Regulamento – cfr. facto n.º 8 supra.

Acresce que de 29.07.2019 a 13.08.2019, decorreram, efetivamente, duas semanas, pelo que, à data em que foi proferida a primeira decisão impugnada – cfr. facto n.º 10 supra - já se havia verificado, pois, a aceitação tácita do pedido de retoma a cargo em apreço por parte das autoridades italianas.

Concludentemente, improcedem in totum as conclusões de recurso em análise.

III. Decisão

Nestes termos e face a todo o exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, e em manter a decisão a sentença recorrida.

Sem Custas por isenção objetiva (cfr. art. 84.º da Lei nº 27/2008, de 30.06.).

Lisboa, 18.03.2021.

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Dora Lucas Neto

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Ao abrigo do disposto no art. 15.º-A, do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13.03, na redação que decorre do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01.05, a Relatora atesta que o presente acórdão tem voto de conformidade dos Mmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, Pedro Nuno Figueiredo e Ana Cristina Lameira.

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(1) P.1940/19.9BELSB, de 26.11.2020; esta matéria foi alvo de diversos arrestos do STA, cfr., a título de exemplo: P. 40673, de 30.03.2000; P. 47590, de 16.01.2002; P. 305/04, de 07.10.2004 e também deste TCA Sul, P. 1867/06, de 28.03.2007, ainda por referência ao CPA1991, mas cuja doutrina é inteiramente transponível para o caso em apreço.