Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 3172/10.2BEPRT |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 02/02/2023 |
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Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
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Descritores: | IRS MAIS-VALIAS HABITAÇÃO PRÓPRIA E PERMANENTE DOMICÍLIO FISCAL REINVESTIMENTO |
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Sumário: | I - As mais-valias imobiliárias são, em regra, tributadas em sede de IRS. II - Não obstante, o legislador consagrou situações de exclusão de tributação, para ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, quando, designadamente, esses ganhos sejam reinvestidos na aquisição de imóvel com o mesmo destino. III - Os conceitos de domicílio fiscal e habitação própria e permanente não são sinónimos, ainda que, desde 2015, o CIRS faça presumir a segunda do primeiro, presunção essa ilidível. IV - Tendo ficado provado que o Impugnante e a mulher tinham o centro de interesses vitais localizado num imóvel adquirido no Porto, a circunstância de serem proprietários de um outro imóvel, onde o Impugnante exerce a sua atividade profissional e tinha o seu domicílio fiscal, não afasta a prova de que a sua habitação própria e permanente é no primeiro dos mencionados imóveis. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | I. RELATÓRIO
A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 28.02.2022, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por J… (doravante Recorrido ou Impugnante), que teve por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que, por seu turno, versou sobre a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e a dos respetivos juros compensatórios, relativas ao ano de 2007. Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos: “A. Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida. B. No caso em apreço, decidiu o douto Tribunal que o reinvestimento feito pelo ora recorrido foi reinvestido na aquisição de habitação própria e permanente, no entanto, salvo o devido respeito, não concorda a Fazenda Pública com tal entendimento C. Salvo o devido respeito, que é muito, não pode a Fazenda Pública concordar com tal raciocínio e isto porque no caso de existir uma mudança de domicílio sem que tal seja comunicado à Administração Fiscal, a consequência é a respetiva ineficácia, enquanto tal comunicação não for feita - artigo 19º LGT. D. Ao contrário do entendimento do Tribunal a quo e salvo a devida vénia, não resultou provado que o Impugnante não morasse na casa do Estoril, mas sim que o Impugnante, ora recorrido, adquiriu uma casa no Porto e passava algum tempo nesta casa, deslocando-se com bastante frequência a Lisboa, devido aos negócios que mantinha. E. No presente processo pretende-se descobrir o local onde se situa a habitação própria e permanente do impugnante, ora recorrido, tendo o douto Tribunal feito tábua rasa às provas inequívocas de que o domicílio do Impugnante se situava no Estoril, como é o caso da alteração do cartão de cidadão e as faturas da água e da luz, recebidas na morada do Estoril. F. Todos estes elementos demonstram, ao contrário do entendimento do Tribunal, que a residência própria e permanente do Impugnante se localizava na Rua Melo e Sousa n.º 395 – 4.º C, Estoril. G. Por todo o descrito e ressalvando sempre o devido respeito, que é muito, não podemos concordar com o entendimento perfilhado pela douta sentença recorrida, relativamente à questão controvertida. Termos em que com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo Douto Tribunal “a quo”, assim se fazendo a costumada Justiça!”. O Recorrido apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões: “A) O presente recurso foi interposto pela Fazenda Pública contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial n.º 3172/10.2BEPRT, que tinha por objeto o ato de liquidação de liquidação adicional de IRS n.º 2008 5113335816, referente ao ano de 2007, no montante de € 12.634,95; B) Fundamentalmente, considera a Fazenda Pública que o reinvestimento em causa não poderia ser excluído de tributação, à luz do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, pois defende que o imóvel adquirido no Porto não era a habitação própria e permanente do Recorrido; C) A Fazenda Pública sustenta esse entendimento em duas únicas constatações: i) o facto de o Recorrido, após a venda do imóvel anterior, ter alterado a morada do seu cartão de cidadão e indicado, para esse efeito, a casa do Estoril; e ii) o facto de as faturas da água e da luz, relativas aos consumos do imóvel do Porto, terem sido enviadas para o imóvel do Estoril; D) No entanto, tais argumentos foram contrariados em toda a linha pelo Tribunal Recorrido, o qual se alicerçou desde logo na prova testemunhal produzida nestes autos e que lhe mereceu, e bem, toda a credibilidade, na base da qual fixou a matéria assente e da qual se destacam os factos enunciados nas alíneas K) a S; E) Ficou em concreto provado, no entendimento do Tribunal, o seguinte: · Desde o ano de 2007 que o Recorrido exercia a sua atividade profissional, através de uma sociedade unipessoal em seu nome, no imóvel do Estoril, sito na Rua M…, nº 3…, 4º …, do qual era proprietário juntamente com a sua esposa - facto demonstrado pelo depoimento das testemunhas inquiridas nos autos; · O Recorrido tinha, em 2010, o seu domicílio fiscal no Estoril, enquanto que a sua esposa tinha como domicílio fiscal o imóvel do Porto – factos demonstrados, nomeadamente, através dos documentos n.ºs 6 e 7 juntos com a p.i.; · O Recorrido e a sua esposa deslocavam-se ao apartamento do Estoril, vindos do Porto, cerca de 2 a 3 vezes por mês - facto demonstrado pelo depoimento das testemunhas inquiridas nos autos; · Estas deslocações ocorriam em trabalho - facto demonstrado pelo depoimento das testemunhas inquiridas nos autos e através do documento n.º 6 junto com a p.i.; · O apartamento do Estoril servia também para o Recorrido e a sua esposa visitarem amigos e a mesma ter acompanhamento médico devido a doença oncológica - facto demonstrado pelo depoimento das testemunhas inquiridas nos autos e através do documento n.º 6 junto com a p.i.; · Para além de terem nascido na Póvoa do Varzim (o Recorrido) e em Vila Nova de Gaia (a sua esposa), é no Porto que se encontra toda a família de ambos, tais como irmãos e sobrinhos, sendo que não têm filhos – factos demonstrados pelo depoimento das testemunhas inquiridas nos autos e através do documento n.º 6 junto com a p.i.; · O Recorrido e a sua esposa foram viver para o Porto para estarem mais acompanhados pela família - facto demonstrado pelo depoimento das testemunhas inquiridas nos autos; · É no Porto que o Recorrido e a sua esposa residem habitualmente – facto demonstrado pelo depoimento das testemunhas inquiridas nos autos; F) Contra esta factualidade e a fundada convicção que gerou no Tribunal Recorrido, a Fazenda Pública limita-se a opor os 2 mencionados indícios – e que não passam disso mesmo –, por forma a alegadamente demonstrar que o centro de vida e de interesses de ambos se situava afinal no Estoril e não no Porto; G) Mas, qualquer um desses indícios, foi inequivocamente desvalorizado pela restante prova produzida no processo de impugnação, nomeadamente, pelos depoimentos das 2 testemunhas inquiridas – tal como o Tribunal a quo deixou bem evidenciado; H) De facto, até a questão da alteração do cartão do cidadão do Recorrido foi devidamente esclarecida pela testemunha J…: “Mais referiu que, inadvertidamente, aquando da actualização do cartão de cidadão foi indicada a morada do Estoril, que correspondia à sede da empresa do Impugnante e não a sua residência pessoal no Porto, não obstante a sua esposa ter a residência no Porto. Mais referiu também que desde 1998 que o Impugnante era proprietário de uma casa no Estoril e que, depois de sair do Banco de Portugal onde foi Governador, decidiu criar uma sociedade unipessoal. Normalmente o Impugnante e a sua esposa vivem no Porto, mas 2 ou 3 vezes por mês o Impugnante vem ao Estoril, para exercer a sua actividade de consultoria”; I) E se dúvidas existissem sobre a razão de ciência desta testemunha, isto é, o seu maior (ou menor) e direto (ou indireto) conhecimento sobre os factos em questão, o Tribunal Recorrido deu ênfase, e bem, ao facto de o mesmo ter declarado que “ligava várias vezes [ao Recorrido] a saber em que dias vinha a Lisboa”; J) O depoimento desta testemunha permitiu também afastar as dúvidas/suspeitas, que foram lançadas pela AT e agora pela Fazenda Pública, quanto ao envio da correspondência do imóvel do Porto para a morada do Estoril e aos motivos que poderiam estar subjacentes a essa circunstância; K) Nada mais fácil de explicar, conforme, de resto, fez esta testemunha, ao referir que as faturas da água e da luz do imóvel do Porto são enviadas para a sede da empresa do Recorrido (no Estoril), por ser nesta morada que se centralizam todos os documentos/informações contabilísticos do mesmo e da sua família, para além do facto de ser no Estoril que, por razões de centralização, se procede ao pagamento das respetivas contas/despesas; L) Pelo que se rejeitam as afirmações constantes dos pontos 14. e 15. das alegações, bem como, as conclusões E. e F. do recurso, na medida em que a falta de “lógica” a”. que a Fazenda Pública alude encontra-se perfeitamente justificada e não passa de uma tentativa de abalar a convicção, plenamente sustentada, do Tribunal Recorrido; M) Não existem quaisquer motivos para abalar a presunção e a convicção de veracidade quanto ao seu depoimento, o qual o Tribunal Recorrido considerou que tinha sido realizado com “espontaneidade e imparcialidade, de forma lógica e coerente”, o mesmo se passando quanto ao depoimento da própria esposa do Recorrido; N) O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 02/09/2021, no processo n.º 275/19.1T8TCS-A, considera que o princípio da livre apreciação da prova “nunca atribui ao juiz «o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas», ou seja, a livre apreciação da prova não pode confundir-se «com uma qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios», sendo «antes uma conscienciosa ponderação desses elementos e das circunstâncias que os envolvem»”; O) E esse aresto é absolutamente claro, ao afastar a possibilidade de erro de julgamento nas situações em que a decisão seja justificada pela razão de ciência das testemunhas e na convicção que daí resultou para o Tribunal que proferiu a decisão: “Fundamentando o juiz a sua convicção na razão de ciência das testemunhas inquiridas, e não havendo motivos que contrariem tal convicção, não há erro de julgamento se o juiz optou pela versão relatada pelo primeiro grupo das testemunhas, por tal forma o revelando a prova produzida, na compatibilidade à motivação/fundamentação exarada, como se verifica circunstancialmente. A mera discordância em relação ao decidido não constitui fundamento para invocação da previsão da al. c) do n.º 1 do art. 615.° do NCPC (2013), tanto mais que a estrutura do discurso apresenta coerência entre o juízo e as premissas que a ele conduzem”; P) Foi precisamente esse o caso dos autos, tendo o Tribunal Recorrido feito um julgamento que se baseou desde logo na prova testemunhal, na convicção que a mesma lhe gerou, na medida em que foi produzida de forma lógica e coerente, mas também, julgamos nós, nas regras que resultam da experiência e do bom-senso; Q) No que respeita à aplicação do Direito, o Tribunal a quo também afastou por completo o entendimento que esteve subjacente ao recurso da Fazenda Pública e presente ao longo das suas alegações: de que o domicílio fiscal corresponde necessariamente à habitação própria e permanente do sujeito passivo; R) De facto, estas duas realidades não coincidem, no plano conceptual, como bem nota o Tribunal, pois nesse plano “nem a residência habitual se identifica com a residência permanente, nem o domicílio coincide com a morada, ou seja, o local onde a pessoa tem a sua habitação, tal como se pode inferir dos dois números do artigo 82º do Código Civil (cfr. Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 98 e Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. I, pág. 380 e 381). O pressuposto “habitação própria e permanente” é a situação de facto que condiciona a aplicação de exclusão de tributação em mais-valias”; S) O Tribunal Recorrido apoia-se, aliás, num outro aresto, proferido pelo STA, em 23/11/2011, no processo n.º 0590/11, o qual sustenta que o conceito de “residência”, previsto nas normas tributárias e para efeitos de tributação/exclusão de mais-valias, deve ser entendido no sentido de “habitualidade e normalidade e não propriamente no sentido cronológico absoluto de estadia sem qualquer solução de continuidade”; T) Nessa medida e aderindo totalmente ao entendimento vertido na sentença recorrida, diremos que o é necessário é que o adquirente da nova fração (no caso dos autos, o Recorrido relativamente ao imóvel do Porto), aí fixe o centro da sua vida pessoal, o que apenas acontece “a partir da sua deslocação física e do seu agregado familiar para a fracção adquirida” - o que manifestamente sucedeu no caso vertente, conforme foi alegado pelo Recorrido e corroborado pelas 2 testemunhas inquiridas; U) Por esse motivo também, a circunstância de o Recorrido não ter o seu domicílio fiscal no imóvel do Porto “não basta para considerar que o mesmo não deu ao imóvel o destino de habitação própria e permanente, conforme referido pelo Acórdão identificado, apenas serve de indício”; V) O Recorrido demonstrou que tinha no imóvel do Porto a sua habitação ou residência habitual/permanente, não obstante utilizar o imóvel do Estoril para o exercício da sua atividade profissional, durante 2/3 dias por semana; W) Os requisitos que são impostos pela lei, designadamente no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, estavam inequivocamente verificados no caso vertente, conforme o Tribunal Recorrido, uma vez mais, confirmou; X) Efetivamente, ficou demonstrado que: - o imóvel sito na Rua M…, em Lisboa, constituía a anterior habitação própria e permanente do Recorrido, pelo que só o ganho obtido com a venda deste imóvel deveria ser relevado para efeitos de exclusão de tributação; - o produto obtido com a venda do referido imóvel foi integralmente utilizado para a aquisição do imóvel sito na Rua do F…, no Porto, o qual passou a ser a habitação própria e permanente do Recorrido e do seu agregado familiar; - o produto obtido com essa venda foi integralmente utilizado no prazo dos 24 meses posteriores à sua obtenção, na compra do aludido imóvel da Rua do F…, no Porto, que passou a ser a habitação própria e permanente. Y) Assim e por todo o exposto, não existindo motivos para censurar o entendimento do Tribunal Recorrido, não pode proceder o recurso agora apresentado pela Fazenda Pública e, consequentemente, deverá tal decisão manter-se na ordem jurídica, sendo anulado o ato de liquidação de IRS controvertido, com as demais consequências legais. Termos em que deverá o recurso apresentado pela Fazenda Pública ser julgado improcedente e, em consequência, manter-se a decisão proferida pelo Tribunal Recorrido e a anulação do ato de liquidação de IRS em crise, referente ao ano de 2007, com as demais consequências legais”. O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso. Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.
É a seguinte a questão a decidir: a) Verifica-se erro de julgamento, na medida em que, da prova produzida, não resulta que o Impugnante tivesse habitação própria e permanente no imóvel situado na cidade do Porto?
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “A) De 1994 a 2007, o ora impugnante, tinha a sua habitação própria e permanente na Rua M… n.° s 1… a 1… C e Rua P… n.° … a … C em Lisboa (cfr. depoimento das testemunhas); B) Por escritura pública de compra e venda e mutuo com hipoteca, celebrada em 03 de Fevereiro de 1994, no 20° cartório notarial de Lisboa, a cargo do notário G…, o ora impugnante J… casado sob o regime de comunhão de adquiridos, com M…, adquiriu a fracção autónoma designada pela letra “ F", que corresponde segundo andar, esquerdo do prédio urbano sito na A…, freguesia do L…, concelho de Lisboa, omisso na matriz, pelo preço de vinte e quatro milhões e quinhentos mil escudos, (cfr. fls. 58 do PAT); C) Em 08 de Janeiro de 2007, por escritura de compra e venda, o impugnante e mulher, vendem pelo preço de trezentos e setenta e cinco mil euros, a fracção autónoma designada pela letra “F” correspondente ao segundo andar esquerdo, do prédio sito na Rua M…, da freguesia do L…, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ….., com o valor patrimonial de €125 404,78, (cfr. fls. 53 do processo PAT); D) Em 27 de Abril de 2007, por escritura de compra e venda, o impugnante e mulher compram pelo preço de seiscentos e trinta e cinco mil setecentos e cinquenta euros, a fracção autónoma designada pela letra "I”, correspondente ao 1 º Dt.°, do prédio urbano sito na Rua do F…, da freguesia de F…, concelho do Porto, inscrito na matriz sob o artigo … (cfr. fls. 49 do PAT); E) Em 23 de Maio de 2008, apresentou o impugnante a sua declaração de rendimentos – Modelo 3, respeitante aos rendimentos auferidos no ano de 2007, declarando no anexo G, campo 401 a alienação do imóvel sito na freguesia do Lumiar, concelho de Lisboa, que havia adquirido em 1994, valor realização €375 000,00 e de aquisição €122 205,48 (cfr documento de fls. 73 do PAT); F) Em 23 de Maio de 2008, o Impugnante submeteu uma declaração de substituição alterando os valores inscritos no anexo G, no sentido de passar a figurar no quadro 5 campo 504 o reinvestimento de €252.794,52 (cfr. PAT); G) Em 17.07.2008, entrega uma terceira declaração, alterando novamente o anexo G, o valor reinvestido, para que ficasse a constar o montante de €375 000,00, (cfr. fls. 84 do PAT). H) A Administração Tributária emitiu a liquidação n.° 2008 5113335816, em 21/07/2008, no montante a pagar de €12 634,95 (cfr. fls. 10 do PAT); I) A declaração entregue em 17/07/2008 foi convolada pela Administração Tributária em reclamação graciosa que veio a ser indeferida por despacho proferido em 14/10/2010, pelo Chefe de Finanças de Cascais (cfr. doc. 1 junto com a p.i.); J) O impugnante, procedeu à venda do referido imóvel sito no Lumiar, e com o montante obtido com a referida venda, reinvestiu-o para aquisição do imóvel sito na Rua do F…, no Porto (cfr. depoimento das testemunhas); K) Em 2007, o Impugnante constituiu uma sociedade unipessoal, e exercia a sua actividade num apartamento do Estoril, na Rua M…, nº … -…º C, propriedade do Impugnante e de sua mulher (cfr. depoimento das testemunhas); L) O Impugnante tinha, em 2007, mantendo em 29/10/2010, o seu domicílio fiscal no Estoril, na morada referida na alínea precedente (cfr. fls. 90 do PAT e doc. 6 junto com a p.i.); M) A esposa do Impugnante tem como domicílio fiscal a Rua do F…, nº …, apartamento 1, 4150-310 Porto (cfr. doc. 7 junto com a p.i.); N) O Impugnante e sua mulher deslocavam-se ao apartamento do Estoril, vindos do Porto, 2 a 3 vezes por mês (cfr. depoimento das testemunhas); O) As deslocações ocorriam em trabalho, pois o Impugnante, nessa altura, constituiu uma empresa unipessoal – J…, Unipessoal, Lda. – e tinha a sede e o seu escritório no apartamento do Estoril (cfr. doc. 6 junto com a p.i.); P) O apartamento do Estoril servia também para o Impugnante e a esposa visitarem amigos e a mesma ter, ainda acompanhamento médico devido a doença oncológica (cfr. depoimento das testemunhas); Q) A esposa do Impugnante nasceu em Vila Nova de Gaia e o Impugnante na Póvoa do Varzim e é no Porto que se encontra toda a família, como irmãos a sobrinhos (cfr. depoimento das testemunhas e doc. 6 junto com a p.i.); R) O Impugnante e a esposa não têm filhos e foram viver para o Porto para estarem mais acompanhados pela família (cfr. depoimento das testemunhas); S) É no Porto que o Impugnante e a sua esposa residem habitualmente (cfr. depoimento das testemunhas)”.
II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida: “Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados”.
II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto: “Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na documentação junta com os articulados e no processo administrativo junto aos autos, cuja veracidade não foi posta em causa e, ainda, no depoimento das testemunhas. As testemunhas, não obstante, as relações próximas com o Impugnante, no caso de J…, por ter trabalhado com o mesmo no Banco de Portugal desde 1984 e ainda manter relações profissionais e de amizade, e no caso de M…, por ser sua esposa, depuseram com espontaneidade e imparcialidade, de forma lógica e coerente, tendo convencido o tribunal da veracidade dos factos alegados. A 1ª testemunha teve conhecimento directo dos factos, devido à colaboração que ainda mantém hoje com o Impugnante, preenchendo a sua declaração de IRS anual e acompanhando-o no âmbito da sua relação de amizade. Confirmou que o Impugnante vendeu uma casa em Lisboa em 2007 e foi, ainda nesse ano, morar para o Porto, na Rua do Farol. Mais referiu que, inadvertidamente, aquando da actualização do cartão de cidadão foi indicada a morada do Estoril, que correspondia à sede da empresa do Impugnante e não a sua residência pessoal no Porto, não obstante a sua esposa ter a residência no Porto. Mais referiu também que desde 1998 que o Impugnante era proprietário de uma casa no Estoril e que, depois de sair do Banco de Portugal onde foi Governador, decidiu criar uma sociedade unipessoal. Normalmente o Impugnante e a sua esposa vivem no Porto, mas 2 ou 3 vezes por mês o Impugnante vem ao Estoril, para exercer a sua actividade de consultoria. Sobre a sua razão de ciência referi que lhe ligava várias vezes a saber em que dias vinha a Lisboa. Mais referiu que no apartamento do Estoril não havia quaisquer funcionários e que o mesmo só era usado pelo Impugnante. A nível pessoal, disse que o Impugnante e a sua esposa não têm filhos e que a família se encontra toda no Porto. A 2ª testemunha referiu que quando venderam a casa em Lisboa, na Rua M… foram para o Porto, logo a seguir e que mantiveram o apartamento no Estoril, onde o marido tem o seu escritório. Confirmou que se deslocam de vez em quando ao Estoril pois o Impugnante aí tem de ir a negócios. Costuma acompanhar o marido para vir ao médico fazer exames pois é uma pessoa doente e para matar saudades e quando vêm normalmente, ficam 2, 3 dias. Indicou como razões para irem viver para o Porto o facto de não terem filhos, e estarem mais amparados pela família, até, por questões de saúde”.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO III.A. Do erro de julgamento Considera a Recorrente que o Tribunal a quo laborou em erro, na medida em que, na sua perspetiva, não ficou demonstrado que o Impugnante tivesse a sua habitação própria e permanente no imóvel que adquiriu na cidade do Porto. Vejamos então. Nos termos dos art.ºs 9.º e 10.º do CIRS, são tributadas em sede de IRS as mais-valias, ali definidas, designadamente, como “os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de (…) [a]lienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário”. Nos termos do n.º 4 do art.º 10.º do CIRS: “4 - O ganho sujeito a IRS é constituído: a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do nº 1”. Não obstante, há que ter em conta a norma de exclusão de tributação, constante do n.º 5 do referido art.º 10.º. Assim, na redação à época, dispunham nos n.ºs 5 a 7 do mencionado art.º 10.º: “5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições: a) Se, no prazo de 24 meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal; b) Se o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior, desde que efetuada nos doze meses anteriores; c) Para os efeitos do disposto na alínea a), o sujeito passivo deverá manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando, na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o valor que tenciona reinvestir; d) (revogada) 6 - Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando: a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efetuado; b) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de terreno para construção, o adquirente não inicie, exceto por motivo imputável a entidades públicas, a construção até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efetuado ou não requeira a inscrição do imóvel na matriz até decorridos 24 meses sobre a data de início das obras, devendo, em qualquer caso, afetar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização; c) Tratando-se de reinvestimento na construção, ampliação ou melhoramento de imóvel, não sejam iniciadas as obras até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efetuado ou não seja requerida a inscrição do imóvel ou das alterações na matriz até decorridos 24 meses sobre a data do início das obras, devendo, em qualquer caso, afetar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização. 7 - No caso de reinvestimento parcial do valor de realização e verificadas as condições estabelecidas no número anterior, o benefício a que se refere o nº 5 respeitará apenas à parte proporcional dos ganhos correspondente ao valor reinvestido”. Em termos de cálculo das mais-valias, há que atentar no disposto nos art.ºs 43.º e ss. do CIRS. Considerando este enquadramento normativo, passemos à apreciação da pretensão da Recorrente. Como referimos, a única questão controvertida prende-se com saber se resultou provado que o Impugnante tivesse a sua habitação própria e permanente no imóvel mencionado em D), para efeitos de exclusão de tributação, nos termos consignados no n.º 5 do art.º 10.º do CIRS. Atenta a decisão proferida sobre a matéria de facto, não impugnada, resulta que: a) O Impugnante e a mulher venderam, em janeiro de 2007, a fração mencionada em C) e, em abril do mesmo ano, adquiriram a referida em D), esta situada no Porto; b) A venda da fração mencionada em C) foi feita para que, com o montante obtido, o Impugnante adquirisse a referida em D); c) O Impugnante constituiu uma sociedade unipessoal em 2007 e exercia a sua atividade num apartamento situado no Estoril, de que aquele e a mulher eram proprietários e no qual, pelo menos entre 2007 e outubro de 2010, o Impugnante tinha o seu domicílio fiscal; d) A mulher do Impugnante tinha o seu domicílio fiscal no Porto; e) O Impugnante e a mulher iam ao apartamento do Estoril 2 a 3 vezes por mês, quer em trabalho, quer por questões relacionadas com doença oncológica da mulher, quer ainda para visitarem amigos; f) O Impugnante e a mulher têm família próxima perto do Porto, tendo sido esse um dos fatores que os motivou a viverem em tal cidade, onde estão habitualmente. Atento esse acervo fático, entende-se inexistir razão à Recorrente. Com efeito, a circunstância de o domicílio fiscal do Recorrido não ser no imóvel mencionado em D) do probatório não tem as consequências que a FP extrai. Desde já se refira que, ao contrário do que considera a Recorrente, inexiste uma equivalência entre domicílio fiscal e habitação própria e permanente. A este propósito, chama-se à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14.11.2018 (Processo: 01077/11.9BESNT 01448/17), onde se refere: “No supra transcrito nº 5 do art. 10º do CIRS explicita-se que não estão sujeitos a imposto os ganhos provenientes de transmissão de imóvel destinado a habitação própria e permanente, seja do sujeito passivo, seja do agregado familiar deste (daqui decorrendo que a habitação própria permanente do sujeito passivo – que é o que releva para este efeito – poderá ser distinta da do seu agregado familiar), não se equiparando, portanto, o conceito de habitação própria permanente ao conceito de domicílio fiscal. Sendo que também o nº 6 do mesmo normativo, relevando a necessidade de afectação do imóvel a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, não refere o domicílio fiscal. E a tal conclusão não obsta o disposto nos nºs 1 a 3 do art. 19º da LGT (ineficácia da mudança de domicílio enquanto não for comunicada à AT), em que se permite que a AT continue a considerar o contribuinte residente no domicílio que, porventura, já tenha abandonado (sem prejuízo, ainda assim, do disposto no nº 6 – rectificação oficiosa do domicílio fiscal do respectivo sujeito passivo, se tal decorrer dos elementos ao dispor da AT). É que aqui estamos no âmbito dos pressupostos da incidência do imposto, que não serão afectados por tal presunção” [v. ainda os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 01.07.2020 (Processo: 0114/15.2BELLE) e deste TCAS de 30.09.2020 (Processo: 373/17.6BESNT)]. Aliás, sublinhe-se que, à época, não tinha sequer consagração legal a presunção no sentido de que o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo [cfr. atual n.º 12 do art.º 13.º do CIRS]. Com efeito, esta presunção foi introduzida pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro. Logo, à data da ocorrência dos factos em causa nos autos a administração tributária não beneficiava de qualquer presunção. De todo o modo, sublinhe-se, como inequivocamente decorre do texto do citado n.º 12 do art.º 13.º do CIRS e sempre se extrairia do art.º 73.º da Lei Geral Tributária (LGT), uma presunção deste tipo é sempre ilidível. No contexto legal vigente à época, sendo certo que a circunstância de o domicílio fiscal coincidir com a habitação própria e permanente pode representar um indício da verificação dos pressupostos de exclusão de tributação, o facto de tal coincidência não se verificar não implica que não possam ser demonstrados os pressupostos de incidência pertinentes in casu. Ora, foi justamente isso que ficou provado, extraindo-se da factualidade assente que o Recorrido, sendo certo que mantinha, para efeitos profissionais e ainda para alguns aspetos pessoais (saúde da mulher, contacto com amigos), uma casa no Estoril, alterou o seu centro de interesses para o Porto, para onde foi residir com a mulher, cidade perto da qual têm ambos família, motivo central para tal opção de mudança de residência. Ou seja, ficou demonstrado que o centro de interesses vitais do Impugnante se situa na fração mencionada em D), onde reside com a sua mulher, não obstante, profissionalmente, ter a sua atividade ligada ao Estoril. Não se extrai da factualidade assente, ao contrário do que sustenta a Recorrente, que a habitação própria e permanente do Impugnante fosse no Estoril (a circunstância de lá receber correspondência apresenta contornos de normalidade, considerando ser ali que exercia atividade profissional), sendo que, como referimos, não há qualquer presunção de que o domicílio fiscal equivalha a habitação própria e permanente e, ainda que houvesse, a mesma teria sido, in casu, afastada. Como tal, não assiste razão à Recorrente.
IV. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: a) Negar provimento ao recurso; b) Custas pela Recorrente; c) Registe e notifique. Lisboa, 02 de fevereiro de 2023 (Tânia Meireles da Cunha) (Susana Barreto) (Patrícia Manuel Pires) |