Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:154/21.2BCLSB
Secção:JUIZ PRESIDENTE
Data do Acordão:12/15/2021
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:JUSTIÇA DESPORTIVA
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
FUMUS BONI IURIS
Sumário:
Votação:DECISÃO SUMÁRIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Decisão

(artigo 41.º, n.º 7, da Lei do TAD)


I. Relatório

J …………………, treinador da Sport ………….. - Futebol, SAD, com os sinais dos autos, intentou no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), em 15.12.2021, uma providência cautelar contra a Federação Portuguesa de Futebol, pedindo a suspensão da eficácia, sem a audiência prévia da Requerida e com a maior urgência, em termos integrais e até ao respectivo trânsito em julgado, dos efeitos do Acórdão de 14 de Dezembro de 2021, proferido pelo Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF, no âmbito do Processo Disciplinar n.º …………../2021.

O Requerente da providência veio alegar, essencialmente e ao que a estes autos cautelares importa, que da pena de suspensão de funções decorrem danos graves e de difícil reparação para: (i) os interesses do Demandante, (ii) os interesses da Sport ………….. - Futebol SAD que contratualmente lhe estão confiados enquanto Treinador da equipa A de futebol profissional e, por fim, para (iii) os interesses públicos específicos da credibilidade da Justiça desportiva e o da paz social inerente ao poder sancionatório disciplinar dos agentes desportivos. Sustenta, também, que o acto suspendendo padece de ilegalidade decorrente de ilegalidades procedimentais e formais do processo disciplinar que lhe deu origem, bem como que a pena de suspensão de funções é discriminatória, desproporcionada e desadequada ao grau da ilicitude e à intensidade da culpa na adopção dos comportamentos sancionados.

Juntou 6 documentos com a p.i., procuração forense e comprovativo do pagamento da taxa de arbitragem.



II. Da intervenção do Presidente do TCA Sul

Por despacho de 15.12.2021 do Exmo. Presidente do TAD, foram os autos remetidos a este TCA Sul para apreciação e decisão, na constatação de não ser viável em tempo útil a constituição do colégio arbitral e, assim, estar o TAD em condições de apreciar o pedido cautelar formulado.

Vejamos se estão reunidos os pressupostos que justificam a intervenção do Presidente do TCA Sul.

O artigo 41.º da Lei do TAD, sob a epígrafe “procedimento cautelar”, estatui no seu n.º 7 que “consoante a natureza do litígio, cabe ao presidente do Tribunal Central Administrativo do Sul ou presidente do Tribunal da Relação de Lisboa a decisão sobre o pedido de aplicação das medidas provisórias e cautelares, se o processo ainda não tiver sido distribuído ou se o colégio arbitral ainda tiver constituído”.

No presente caso, verifica-se, efectivamente, ser manifesta a impossibilidade de constituição do colégio arbitral. Entre a instauração da providência cautelar no TAD - no dia 15.12.2021 - e o dia do jogo em que o ora Requerente pretende participar enquanto treinador - 15.12.2021, às 19:00 horas - medeiam poucas horas, no decurso das quais não se mostra possível a constituição do colégio arbitral junto do TAD.

Como referido no despacho do Exmo. Presidente do TAD: “2. O Demandante funda a especial urgência, motivadora do desencadeamento do mecanismo previsto no artigo 41.º, n.º 7 da LTAD, em eventos desportivos que ocorrerão no dia de hoje, 15 de desembro, em 19 e em 23 também deste mês. // 3. Considerando os fundamentos do pedido cautelar, e independentemente do seu mérito, é por demais evidente não ser viável a constituição da formação arbitral em prazo que possibilite a apreciação pelo TAD da medida cautelar requerida.

Assim, entende-se que, no caso presente, está preenchida a condição de que depende a intervenção do Presidente do TCA Sul, ou seja, a verificação da impossibilidade da constituição do colégio arbitral em tempo útil (cfr. artigo 41.º, n.º 7 da Lei do TAD).



III. Da dispensa da audição da Requerida

De acordo com o n.º 5 do art. 41.º da Lei do TAD, “[a] parte requerida é ouvida dispondo, para se pronunciar, de um prazo de cinco dias quando a audição não puser em risco sério o fim ou a eficácia da medida cautelar pretendida”.

Donde, considerando que a audição da entidade requerida, por força do prazo injuntivamente fixado neste preceito, que é de 5 dias, é susceptível de pôr em risco a eficácia da medida cautelar pretendida, ao abrigo do disposto neste art. 41.º, n.º 5 da Lei do TAD, dispensa-se a audição da Requerida, procedendo-se de imediato à apreciação do mérito da presente providência cautelar.

Considerando a natureza do processo, após a análise sumária dos documentos juntos, entende-se que nenhuma outra prova carece de ser produzida, sendo, portanto, a existente suficiente para a apreciação do mérito da causa.



IV. Da instância

As partes são legitimas e o processo é o próprio.

Não existem excepções ou outras questões prévias que devam ser, desde já, conhecidas e que obstem à apreciação do mérito da providência requerida.

Atenta a natureza indeterminável dos interesses em discussão no presente processo, nos termos previstos no art. 34.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, fixa-se ao presente processo o valor de EUR 30.000,01.



V. Fundamentação

V.i. De facto

Com interesse para a decisão da presente providência cautelar, relevam os seguintes factos, documentalmente comprovados:

a) O Requerente foi, em 14.12.2021, notificado do Acórdão proferido no proc. disciplinar n.º 100-20/21 e apensos, pelo qual lhe foi aplica a sanção de 15 (quinze) dias de suspensão e de EUR 12.240,00 (doze mil, duzentos e quarenta euros de multa) - cfr. documento n.º 1, junto com a p.i. e que se dá por integralmente reproduzido.

b) Do acórdão supra, consta como factualidade provada a seguinte (idem):

« Texto no original »

c) O requerente, J ……………, é treinador de futebol profissional da Sport …………… - Futebol, SAD.

d) Do calendário desportivo a disputar pelo SL ………, constam os seguintes jogos oficiais:

a. SL ……., SAD vs S ………….., SDUQ, LDA a contar para a fase de grupos da Taça da Liga, a realizar a 15 de Dezembro de 2021;

b. SL ………., SAD vs …………… SAD, a contar para a Liga NOS, a realizar a 19 de Dezembro de 2021;

c. FC …………, SAD vs SL ………… SAD, a contar para os oitavos de final da Taça de Portugal, a realizar a 23 de Dezembro de 2021.

Nada mais importa indiciariamente provar.



V.ii. De direito

Nos termos do disposto no art. 41.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, aprovada pela Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro, “[o] TAD pode decretar providências cautelares adequadas à garantia da efetividade do direito ameaçado, quando se mostre fundado receio de lesão grave e de difícil reparação, ficando o respetivo procedimento cautelar sujeito ao regime previsto no presente artigo. E, de acordo com o n.º 9 desse artigo, “[a]o procedimento cautelar previsto no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, os preceitos legais relativos ao procedimento cautelar comum, constantes do Código de Processo Civil”.

Dispõe o art. 368.º do CPC:

1- A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.

2 - A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.

3 - A providência decretada pode ser substituída por caução adequada, a pedido do requerido, sempre que a caução oferecida, ouvido o requerente, se mostre suficiente para prevenir a lesão ou repará-la integralmente.

4 - A substituição por caução não prejudica o direito de recorrer do despacho que haja ordenado a providência substituída, nem a faculdade de contra esta deduzir oposição, nos termos do artigo 370.º.

Como já se deixou estabelecido anteriormente, são requisitos essenciais destas providências cautelares (cfr., i.a., a decisão de 5.11.2021, proc. n.º 130/21.5BCLSB):

a) A titularidade de um direito que releva do ordenamento jurídico desportivo ou relacionado com a prática do desporto; e

b) O receio fundado da lesão grave e de difícil reparação desse direito.

Sendo que esta titularidade do direito, deve ser séria; ou seja, no sentido de que ao requerente da providência lhe venha a ser reconhecida razão, ainda que essa análise deva ser feita – como não podia deixar de o ser, face à natureza deste meio processual – sob os ditames próprios de uma summario cognitio.

Vejamos então.

No caso concreto, o Requerente alega que a acusação é nula, bem como toda a tramitação subsequente, pois que, em momento algum, são enunciadas as sanções abstractamente aplicáveis, nomeadamente, quais os limites mínimos e máximos das sanções aplicáveis ao caso, sendo que não podia ser considerado reincidente, pois que não foi sancionado por qualquer decisão transitada em julgado.

Quando ao fundo, alega que a sanção punitiva é manifestamente ilegal. As declarações por si prestadas e que estiveram na base do procedimento disciplinar em questão, consubstanciam uma opinião, logo após o final de um jogo e não contêm quaisquer factos ou juízos ofensivos da honra, consideração, dignidade e prestígio da equipa de arbitragem. Defende que se tratou de um exercício legítimo e lícito do direito ao pensamento e indignação por parte do Demandante, o que se integra no direito à liberdade de expressão enquanto direito fundamental consagrado no artigo 37.° da Constituição da República Portuguesa. Identifica a seu favor, designadamente, a Jurisprudência do TEDH e a relevância do Direito da União na interpretação e aplicação das normas jurídicas nesta matéria, concretamente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.12.2019.

Mais alega que, “ainda que tais afirmações tivessem um sentido acusatório pessoal, só poderiam ser sancionadas como lesões à honra e reputação do visado se correspondessem a acusações falsas, coisa que não foi averiguado nem provado (aliás, as considerações tecidas pelo Demandante aparecem corroboradas pela crítica desportiva e correspondem ao sentir da larga maioria dos seguidores de futebol)”.

Em relação ao periculum, alega a suspensão de eficácia do acto em análise é a única via de garantir a efectividade dos seus direitos subjectivos, que se encontram ameaçados por esse acto. A saber: o direito de livre exercício de uma profissão, consagrado no artigo 47.° n.° 1, e o direito de livre iniciativa privada, consagrado no artigo 61.°, n.° 1 , ambos da Constituição da República Portuguesa. Nos termos da sua alegação, “[d]estes direitos decorre a garantia constitucional de não se ser privado de forma ilegal do exercício de profissão, i.e, de não ser alvo de uma pena de suspensão de funções desigual, discriminatória, desproporcionada e desadequada ao grau da ilicitude e à intensidade da culpa na adopção dos comportamentos sancionados.

Sustenta, também, o Requerente que a pena de suspensão cuja suspensão de efeitos requer, viola igualmente os direitos de livre iniciativa económica da B……… SAD que o escolheu para o cargo de Treinador Principal, porquanto esta liberdade constitucional abrange o direito de gestão de empresas, como é o caso de uma SAD. Concluiu neste ponto, afirmando que “a suspensão do acto em causa é condição sine qua non de efectividade de gozo de direitos fundamentais, por parte do Demandante e dos accionistas da SAD, direitos que gozam, inclusivamente, de protecção jurídica constitucional”.

Ainda quanto periculum in mora, alega que: “o conhecimento técnico do Requerente é insubstituível e a capacidade de agir e reagir do Requerente no decurso dos jogos - reitere-se, insubstituível - pode ser decisiva no final dos jogos. // Sem esse contacto directo, que se quer permanente, com a equipa, que se exige sem hiatos, os resultados desportivos ficam em causa, e se estes não forem exitosos muitos sócios, adeptos e simpatizantes ficam insatisfeitos, o que, motiva reacções emotivas e críticas que afectam a serenidade dos jogadores, equipa técnica e estrutura profissional.

Isto posto, apreciando, lida a causa de pedir e tendo presente o que deixámos provado, afigura-se que não ocorre probabilidade séria da existência do direito invocado.

Com efeito, face ao que ficou provado em b) supra, concretamente nos artigos 5.º, 6.º e 7.º, teremos que evidenciar o seguinte:

- “Foram muitas muitas decisões que foram sempre contra aquilo que o B........ fez no jogo (...). Não conseguimos, mas hoje também houve momentos decisivos do árbitro, principalmente - não ponho em dúvida se foi penálti ou se não foi penálti, agora, a bola do P.... é um segundo amarelo que tem de dar. Ele poupou nitidamente o P..... Depois colocámos a bola rápido em jogo e ele não deixa que a equipa ponha a bola em jogo. Portanto, duas vezes, não é? E há pormenores, esses pequenos pormenores que ninguém vê, mas a gente sente para onde está a balança.

- “E na dúvida, foi sempre contra o B......... Tudo o que foi decisão da dúvida foi contra o B........, sempre. (...) O P.... tem que ser expulso, não é? O árbitro não quis expulsar o P..... Não quis porque (...) é um jogadora menos, num clássico, tem muita influência. Não se percebe. Nós, após essa jogada, que não deu amarelo, nós marcámos o livre, isolamos e fizemos golo, ele volta a anular a jogada. Quer dizer, não dá para entender, não é?

- “Dois penáltis, que depois não foi, o golo que não foi, agora, a decisão em relação ao P.... não é o VAR, não é? É ele, é o árbitro, que é soberano, que está ali em cima, que impede duas vezes a jogada (...) não dá amarelo ao P...., que já tinha amarelo e depois tira-nos a jogada, nós pusemos a bola logo em jogo e tirou-nos, invalidou essa jogada. Neste resultado, a gente vê as tendências, não é? É um bom árbitro? É sim senhora, como temos vários árbitros. Mas também, os árbitros, com os anos de arbitragem vão criando uma experiência que comandam os jogos conforme lhes interessa (…)”.

Ora, lidos os excertos transcritos, a conclusão vertida na decisão punitiva não é de repudiar e encontra devida sustentação na factualidade evidenciada. Como aí se afirmou: “traduziu- se em ter lançado o labéu de que no seu desempenho funcional o árbitro da partida Sr. A ………….. não foi equidistantes e imparcial como juiz do jogo em causa, na medida em que não se limitou a criticar objectivamente a actuação do árbitro principal, antes inculcou a ideia de que actuou ao arrepio de critérios de objectividade e isenção, imbuído da intenção de favorecimento de interesses que não os de um funcionamento imparcial, lançando sobre o mesmo um clima de suspeição.

E será que nos movemos no estrito âmbito da liberdade de expressão?

Vejamos o que a jurisprudência do STA tem dito nesta matéria, para o que se convoca o discurso fundamentador do acórdão de 10.09.2020, no processo 38/19.4BCLSB, que cita outros acórdãos desse mais alto tribunal:

Dispõe o artº 112º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP), sob a epígrafe, “Lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros”:

«1. O clube que use de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com órgãos da Liga ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos, nomeadamente em virtude do exercício das suas funções desportivas, assim como incite à prática de atos violentos, conflituosos ou de indisciplina, é punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 75 UC e o máximo de 350 UC.

2. (…)

3. Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo das multas previstas nos números anteriores serão elevados para o dobro.

4. O clube é considerado responsável pelos comportamentos que venham a ser divulgados pela sua imprensa privada e pelos sítios na Internet que sejam explorados pelo clube, pela sociedade desportiva ou pelo clube fundador da sociedade desportiva, diretamente ou por interposta pessoa».

E o artº 136º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe: “Lesão da honra e da reputação e denúncia caluniosa”:

«1. Os dirigentes que pratiquem os factos previstos no n.º 1 do artigo 112.º contra órgãos da Liga ou da FPF respetivos membros, elementos da equipa de arbitragem, clubes, dirigentes, jogadores, demais agentes desportivos ou espectadores, são punidos com a sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de um mês e o máximo de dois anos e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 300 UC.

2. Os dirigentes que pratiquem os factos previstos no n.º 1 do artigo 112.º-A são punidos com a sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de seis meses e o máximo de três anos e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 300 UC.

3. Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo das sanções previstas nos números anteriores são elevados para o dobro.

4. Caso as infrações previstas nos nºs 1 e 2 sejam praticados através de meios de comunicação social, nomeadamente em programa televisivo ou radiofónico que se dedique exclusiva ou principalmente à análise e comentário do futebol profissional, as sanções nele previstas são elevadas para o dobro».

Ora, nos presentes autos, o que se discute consiste precisamente em saber se as declarações proferidas pelos arguidos nos pontos 1, 2, 3 e noticiadas (quanto ao arguido A……….) e nos pontos 4, 5, 6 e 7 (quanto ao arguido B…………), preenchem os tipos de infracção disciplinar previstos no nº 1 do artº 112º e, nº 1 do artº 136º ambos do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP).

E cremos não restarem dúvidas de que os mesmos se mostram preenchidos [aliás de acordo com o que vem sendo decidido por este Supremo Tribunal – cfr. Acórdãos de 26.02.2019, in proc. nº 066/18.7BCLSB, de 04.06.2020, in proc. nº 0154/19.2BCLSB e de 21.05.2020, in proc. nº 0139/19.9BCLSB].

Com efeito, estamos no âmbito de uma responsabilidade disciplinar, que não depende do preenchimento dos tipos legais de crime de difamação ou de injúrias, mas apenas da violação dos deveres gerais e especiais a que estão adstritos os clubes, e respectivos membros, dirigentes e demais agentes desportivos em relação a órgãos da Liga ou da FPF, respectivos membros, e elementos da equipa de arbitragem, entre outos, no âmbito dos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável à realização das competições desportivas.

Estes deveres resultam exclusivamente, da conjugação dos artºs 19º e 112º do citado RDLPFP, não sendo necessário o recurso ao Código Penal para preencher o respectivo tipo disciplinar.

No nº 1 do artº 19º do RD em questão, estabelece-se que todos os clubes e agentes desportivos que, a qualquer título ou por qualquer motivo, exerçam funções ou desempenhem a sua actividade no âmbito das competições organizadas pela Liga Portugal «devem manter conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e rectidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva, económica ou social».

E no nº 2 da citada norma, prevê-se de forma explícita a inibição daqueles mesmos sujeitos de «exprimir publicamente juízos ou afirmações lesivos da reputação de pessoas singulares ou colectivas ou dos órgãos intervenientes e seus agentes, nas competições organizadas pela Liga».

Ora, as declarações proferidas pelos arguidos visando os árbitros intervenientes, as decisões do Conselho de Arbitragem, designadamente do seu Presidente, não podem, nem devem considerar-se dentro da liberdade de expressão, nem constituir somente um excesso de linguagem “permitida” no mundo do futebol; ao invés, violam o bom nome e a reputação dos visados – árbitros e Presidente do Conselho de Arbitragem – quer perante a comunidade desportiva, quer perante toda a demais comunidade que ouviu e/ou leu as expressões proferidas, tentando ainda fazer uma pressão inadmissível sobre a arbitragem e seus agentes.

Com efeito, a denominada “linguagem desportiva” não permite que se profiram insultos e se façam difamações dirigidas aos árbitros e muito menos a quem os nomeia.

Mal seria que as expressões utilizadas pelos arguidos, se enquadrassem numa crítica meramente opinativa no seio do fervor desportivo, dado que não se limitam a enunciar factos objectivos ou a exprimir opiniões acerca da sua qualificação à luz das regras do jogo; pelo contrário, são de molde, a colocar em crise, quer objectiva, quer subjectivamente, a arbitragem em Portugal, a honra e reputação dos árbitros em questão e, em particular, a do Presidente do Conselho de Arbitragem, configurando insultos, injúrias e difamações em relação aos visados, que extravasam o direito de liberdade de expressão [artº 37º da CRP].

Veja-se a propósito da integração deste género de imputações, o que se deixou consignado no Ac. de 26.02.2019, in proc. nº 066/18.7BCLSB, onde se refere:

«Imputações estas que atingem não só os árbitros envolvidos, como assumem potencialidade para gerar um crescente desrespeito pela arbitragem e, em geral, pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem e disciplinam o futebol em Portugal, sendo o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros necessário para a prevenção da violência no desporto, já que tais imputações potenciam comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva que é o bem jurídico protegido pelas normas em causa».

E ainda o que se deixou consignado, a propósito da liberdade de expressão e informação, no Acórdão proferido em 04.06.2020, in proc. nº 0154/19.2BCLSB:

«(…)

Naturalmente, a liberdade de expressão e de informação não protege tais imputações, quando as mesmas não consubstanciem factos provados em juízo, ou objetivamente verificáveis, pois aquelas liberdades não são absolutas e tem de sofrer as restrições necessárias à salvaguarda de outros direitos fundamentais, como são os direitos de personalidade inerentes à honra e reputação das pessoas, garantidos pelo nº 1 do art.º 26.º da Constituição.

O disposto nos artigos 19.º e 112.º do RDLPFP não é, por isso, inconstitucional, nem os mesmos podem ser interpretados no sentido de que a liberdade de expressão e de informação se sobrepõe à honra e reputação de todos aqueles que intervém nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, nomeadamente a dos respetivos árbitros, tanto mais que não está em causa a liberdade de expressão e de informação de órgãos de comunicação social independentes, mas da imprensa privada do próprio clube – cfr. art.º 112.º/4 do RDLPFP.

Acresce ainda, na linha do que se decidiu no Acórdão desta Secção, de 26 de fevereiro de 2019, atrás citado, que o respeito estrito pelos deveres de lealdade, probidade, verdade e retidão inerentes ao regime disciplinar estabelecido pelas normas em apreciação é indispensável à prevenção da violência no desporto, que é também um valor constitucional legitimador da compressão da liberdade de expressão e de informação dos clubes desportivos, nos termos do n.º 2 do art.º 79.º da CRP. O que nos permite responder afirmativamente à questão colocada no Acórdão Preliminar proferido nestes autos, sobre «(…) até que ponto se pode disciplinarmente reagir – com base em normas disciplinares, aliás similares às do estrangeiro – contra declarações dos clubes que, para além de excitarem anormalmente os ânimos dos seus adeptos e assim induzirem comportamentos rudes, contribuam para o descrédito das competições desportivas e do negócio que as envolve». Não só se pode, como se deve reagir sempre que os clubes extravasem o âmbito estrito da mera informação ou opinião, e ofendam a honra e a reputação dos árbitros e de todos aqueles que intervém nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional».

Assim e sem necessidade de quaisquer outras considerações, conclui-se que as multas em causa foram correctamente aplicadas pelo Conselho de Disciplina da FPF, devendo, por isso manter-se o ali decidido, ao invés do que foi determinado no Acórdão recorrido.

Posição que aqui se acompanha, como aliás este TCAS já o fez, como resulta dos acórdãos de 9.09.2021, nos proc. n.º 21/20.7BCLSB e 122/19.4BCLSB.

Por outro lado, de acordo com a análise sumária que é própria das providências cautelares, também a medida da pena está contida nos parâmetros definidos nos respectivos tipo de ilícito. Relevam aqui os art.s 136.º e 112.º do RDLPFP.

De igual modo, se entende por preenchidos os pressupostos subjectivos da infracção – ilicitude e culpa -, pois que imputou ao árbitro do jogo uma estratégia e actuação imparcial e não isenta, com interesses deliberados para prejudicar a Sport Lisboa e B........ - Futebol SAD. Donde, o acórdão em questão ter concluído que: “incorreu numa já aludida quebra de equidistância, isenção e imparcialidade em prol de determinados interesses que não os da verdade desportiva. Ora, ao fazer uma imputação de tal calibre é atingido o núcleo essencial da função da arbitragem, pois os árbitros devem ser, por definição, isentos e imparciais, pelo que pôr em causa tais atribuições é sem dúvida lesar os bens jurídicos que a norma em causa protege.

Mas o Requerente, a montante, defende igualmente que se verificam vícios de procedimento que levam à nulidade da acusação e actos subsequentes. Mas não lhe assiste razão.

Com efeito, como se diz no acórdão objecto de crítica, “a acusação em causa está elaborada de forma clara, precisa, detalhada e circunstanciada, evidenciando os factos que são imputados de forma a poder aceitar a sua veracidade ou contraditá-los. Para além do mais, é permitido à Arguida conhecer os factos que lhe são imputados, bem como a infração disciplinar que se apresenta suficientemente individualizada apontando o preceito regulamentar violado, pelo que a Arguida não vê ofendido o seu direito à defesa, ao invés, pode defender-se de forma cabal e completa como é bem evidenciado pelo memorial de defesa apresentado. Entende-se, por conseguinte, na esteira do consignado no artigo 283.º, n.º 3, alínea c) do Código do Processo Penal, que é determinante a acusação conter, sob pena de nulidade, a indicação das disposições legais aplicáveis, e é precisamente isso que faz a acusação em apreço”.

Dispõe o referido art. 283.º do CPP o seguinte:

“(…)

3 - A acusação contém, sob pena de nulidade:

a) As indicações tendentes à identificação do arguido;

b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;

c) A indicação das disposições legais aplicáveis;

d) O rol com o máximo de 20 testemunhas, com a respectiva identificação, discriminando-se as que só devam depor sobre os aspectos referidos no n.º 2 do artigo 128.º, as quais não podem exceder o número de cinco;

e) A indicação dos peritos e consultores técnicos a serem ouvidos em julgamento, com a respectiva identificação;

f) A indicação de outras provas a produzir ou a requerer;

g) A indicação do relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, quando o arguido seja menor, salvo quando não se mostre ainda junto e seja prescindível em função do superior interesse do menor;

h) A data e assinatura.

Ora, verificada a acusação, aqui dada por reproduzida e constante do “§2, §2.1. acusação”, temos que não foi omitida a narração de factos que fundamentem a imputação ao arguido do ilícito disciplinar de que foi acusado, sendo identificados os artigos, de modo individualizado, onde a conduta se encontra prevista.

Assim sendo, num juízo de prognose de summaria cognitio - que é o que aqui se impõe -, que não se pode concluir pela verificação de uma titularidade séria do direito invocado pelo Requerente.

Temos para nós que, sendo características comuns das providências cautelares a provisoriedade e a instrumentalidade, não é possível decretar a pretendida providência cautelar, se através dela se visa apenas retardar a execução do acto, e não, como seria sua função e vocação, acautelar o efeito útil da acção principal destinada à anulação daquele mesmo acto. É que as providências cautelares visam impedir que, durante a pendência de qualquer acção principal, a situação de facto se altere de modo a que a decisão nela proferida, sendo favorável ao requerente, perca toda a sua eficácia ou parte dela (cfr., i.a., o ac. de 22.09.2016 deste TCAS, proc. n.º 13468/16).

Assim sendo, concluindo, não se verificando o requisito do fumus boni iuris, desnecessário se torna, por prejudicado, conhecer do alegado a propósito do periculum in mora – que, sem embargo, se aceita como susceptível de ocorrer -, uma vez que o decretamento da providência sempre depende da sua verificação cumulativa.

Nada mais, nesta sede, cumpre apreciar.



VI. Decisão

Nestes termos e pelo exposto, julga-se a presente providência cautelar improcedente e absolve-se a Federação Portuguesa de Futebol do pedido, mantendo-se integralmente a decisão suspendenda.

Custas a cargo do Requerente.

Notifique pelo meio mais expedito.

Lisboa, 15 de Dezembro de 2021

Pedro Marchão Marques

(Juiz presidente)