Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1956/10.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:06/05/2019
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IMI;
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO ESPECIAL;
JUROS DE MORA.
Sumário:I. Os créditos referentes a dívidas de IMI gozam das garantias especiais previstas no Código Civil para a contribuição predial (cfr. art. 122.°, n.º 1, do CIMI), e portanto, gozam do privilégio imobiliário previsto no art. 744.º, n.º 1, do Código Civil quando esses créditos sejam inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores;
II. Esses créditos têm, em relação aos demais créditos, um direito de preferência no pagamento pelo produto da venda do bem imóvel penhorado na execução, precedendo aos créditos garantidos por hipoteca (art. 751.º do Código Civil);
III. Nas dívidas por créditos do Estado (por impostos indirectos e directos referidos nos arts. 736.º do e 744.º do CCivil ou em normas de natureza tributária) que gozem de privilégio creditório, este abrange os respectivos juros relativos aos últimos dois anos (art. 734º do CCivil), regime idêntico resultando do disposto no art. 8.° do DL n.° 73/99, de 16/3, especificamente para as dívidas provenientes de juros de mora.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, que verificou e graduou os créditos por si reclamados e pela S..., Engenharia, SA, bem como, pela C....

A Recorrente, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES:

A. A graduação dos créditos operada omite a necessária e destacada referência ao IMI dos anos de 2007 e 2009, inscritos para cobrança em 2008 e 2009 respectivamente.

B. Dos elementos constantes dos autos, designadamente das folhas 84 a 89, decorre que os créditos respeitantes a IMI dos anos de 2007 e 2009 e respectivos juros de mora foram devidamente reclamados pela Fazenda Pública, sem que os mesmos tenham sido contestados pelos demais intervenientes processuais.


C. Com efeito, de uma análise cuidada aos autos, dúvidas não restam de que os créditos de IMI dos anos de 2007 e 2009 respeitam efectivamente ao imóvel penhorado, a que os presentes autos de verificação e graduação de créditos diz respeito, e que os mesmos foram inscritos para cobrança num dos dois anos anteriores ao da penhora.


D. Ora, de acordo com o disposto no art.º 122º, n.º1 do Código de Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), o imposto municipal sobre imóveis goza das garantias especiais previstas no Código Civil para a contribuição predial.


E. Por sua vez, o art.º 744º do Código Civil dispõe que os créditos por contribuição predial, inscritos para cobrança no ano corrente da penhora e nos dois anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos àquela contribuição.


F. Acrescendo que, nos termos do disposto no art.º 8º do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março (Regime Jurídico dos Juros de Mora), os créditos de juros de mora gozam dos mesmos privilégios das dívidas sobre que incidem.

G. Ora, consta do probatório que a penhora em causa nos autos foi registada em 25/02/2010, tendo incidido sobre o lote de terreno para construção urbana, localizado na Ericeira – L… 2… Ericeira, com a área total de 472 m2, inscrito na matriz predial urbana da Freguesia da Ericeira sob o artigo 5….

H. Deste modo, e verificando-se que a penhora teve lugar em 2010, beneficiam de privilégio creditório os créditos de IMI respeitantes ao imóvel penhorado, inscritos para cobrança nos anos de 2010, 2009 e 2008.


I. Por conseguinte, deveria o probatório da sentença de que ora se recorre ter considerado como assente que “os créditos reclamados pela Fazenda Pública relativos a IMI dos anos de 2007 e 2009 sobre o imóvel penhorado, e respectivos juros de mora (inscritos para cobrança em 2008 e 2009, respectivamente), estão titulados pela certidão de fls. 6 dos autos e decorrem também de fls. 84 a 89 dos autos)”.


J. E nesta sequência, a graduação operada pela sentença recorrida deveria ter mencionado os referidos créditos a par com o crédito de IMI do ano de 2008, ocupando assim o primeiro lugar da graduação.


K. A sentença recorrida ao omitir qualquer referência no seu probatório aos créditos de IMI dos anos de 2007 e 2009 sobre o imóvel penhorado nos autos e não procedendo à graduação destes em primeiro lugar a par do IMI do ano de 2008, apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos supra mencionados, não merecendo ser confirmada, mas antes ser reformulada no sentido que resulta da argumentação acima expendida.

L. Em suma, com o devido e muito respeito, a Sentença ora recorrida, ao decidir como efectivamente o fez, não deu como assente e provada a matéria de facto relevante para a boa decisão da causa, estribando o seu entendimento numa inadequada valoração da prova documental junta aos autos e assim aplicando mal o direito, tendo violado assim o disposto nas supra mencionadas disposições legais, designadamente os art.ºs 122º, n.º1 do CIMI e art.º 744º do Código Civil.


Termos em que, e com o douto suprimento de vossas excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença ora recorrida, com as demais e devidas consequências legais, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»

Não foram apresentadas contra-alegações.

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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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A questão invocada pela Recorrente Fazenda Pública nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito, ao não ter feito constar do probatório e graduado os créditos reclamados referente a IMI dos anos de 2007 e 2009 (e respectivos juros de mora), considerando que esses créditos deveriam ser graduados em 1.º lugar a par dos créditos de IMI de 2008, porquanto beneficiam do privilégio imobiliário especial previsto no art. 744.º do Código Civil.


II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«3.1. - DE FACTO
Analisados os documentos juntos aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

A. Corre termos no Serviço de Finanças de Amadora – 3, em nome da Executada, “E... – Construções Civis, Lda.”, o processo de execução fiscal (PEF) n.º 36112008… e apensos, por dívidas de coimas, de 2008 e 2009, IMI, de 2008, IVA, de 2004, IRC de 2004, 2005 e 2006 (cfr. fls. não numeradas do PEF apenso);

B. Em 15.09.1998, foi constituída, a favor da C..., hipoteca voluntária sobre lote de terreno para construção, sito na freguesia da Ericeira, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 5… e descrita na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.º 3…, pelo valor de 350.000.000$00, com o montante máximo assegurado de 465.500.000$00 (cfr. ap. 29 da certidão da Conservatória do Registo Predial, a fls. não numeradas do PEF apenso);

C. Em 18.06.2003, foi constituída, a favor da S... Engenharia, S.A., hipoteca voluntária sobre lote de terreno identificado na alínea antecedente, pelo valor de € 600.000,00, com o montante máximo assegurado de € 906.000,00 (cfr. ap. 43 da certidão da Conservatória do Registo Predial, a fls. não numeradas do PEF apenso);

D. Em 16.04.2009, foi registado a favor da Fazenda Nacional, no âmbito do PEF referido em A. e apensos, o arresto do lote de terreno identificado na alínea B. supra, pela quantia exequenda de € 250.913,90 (cfr. ap. 3925 da certidão da Conservatória do Registo Predial, a fls. não numeradas do PEF apenso);

E. Em 25.02.2010, foi registada a penhora a Favor da Fazenda Nacional do lote de terreno identificado na alínea B. supra, pela quantia exequenda de € 296.394,81 (cfr. ap. 5760 da referida certidão);

F. A dívida exequenda de IMI, de 2008, referente ao lote de terreno identificado na alínea B. supra, é de € 942,10 (cfr. informação, a fls. 214 dos autos).»



Considerando a matéria de facto supra exposta, a Meritíssima Juíza do TAF de Sintra graduou os créditos do seguinte modo:

“1.º O crédito exequendo de IMI, de 2008, no valor de €942,10, e respectivos juros;
2.º O crédito reclamado pela C... e respectivos juros até 3 anos, com o limite máximo garantido pela hipoteca constituída a seu favor;
3.º O crédito reclamado pela S... Engenharia, S.A. e respectivos juros até 3 anos, com o limite máximo garantido pela hipoteca constituída a seu favor;
4.º Os restantes créditos exequendos e respectivos juros”.

A Reclamante Fazenda Pública não se conforma com esta graduação, na parte em que não graduou os créditos de IMI de 2007 e 2009, e respectivos jutos de mora.

Com efeito, alega, em síntese, que a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito, ao não ter feito constar do probatório e graduado os créditos reclamados referentes a IMI dos anos de 2007 e 2009 (e respectivos juros de mora), considerando que esses créditos deveriam ser graduados em 1.º lugar a par dos créditos de IMI de 2008, uma vez que beneficiam do privilégio imobiliário especial previsto no art. 744.º do Código Civil.

Vejamos então.

Resulta da alínea A) da matéria de facto da sentença recorrida que a dívida exequenda diz respeito a coimas de 2008 e 2009, IMI de 2008, IVA de 2004, IRC de 2004, 2005 e 2006, e portanto, não está incluído naquela dívida os créditos de IMI reclamados pela Fazenda Pública. Por outras palavras, o crédito de IMI de 2007 e 2009 em causa no presente recurso não constitui crédito exequendo, e portanto, deveria ter sido reclamado nos termos do disposto no n.º 1 do art. 240.º do CPPT.

Ora, resulta de fls. 60 e ss dos autos que a ora Recorrente Fazenda Pública efectivamente apresentou requerimento de reclamação de créditos pela qual reclamou os créditos de IMI de 2007, inscritos para a cobrança em 2008 (1.ª e 2.ª prestação) cada um no valor de 538,34€, e ainda o crédito de IMI de 2009, inscrito para cobrança em 2010, no valor de 488,71€, tudo perfazendo o valor total de 1565,39€.

Aliás, sublinhe-se que no relatório da sentença não se ignora tal reclamação, fazendo-se menção à mesma e a estes créditos (cfr. fls. 2 da sentença), e mais, refere-se na fundamentação da sentença que “Os créditos reclamados e os créditos exequendos da Fazenda Pública, porque suportados em título, e não impugnados, têm-se por reconhecidos (cfr. art. 868.º, n.º 4 do CPC, actual n.º 4 do art. 791.º, aplicável ex vi art. 246.º do CPPT).

Porém, na decisão de verificação e graduação de créditos graduou-se em primeiro lugar apenas o crédito exequendo de IMI de 2008.

É neste contexto que a Recorrente Fazenda Pública invoca erro de julgamento de facto e de direito.

Começando pelo erro de julgamento de facto, resulta da análise à matéria de facto dada como provada na 1.ª instância a omissão de facto relevante para a decisão de graduação de créditos, relativo aos créditos reclamados pela Fazenda Pública.

Com efeito, dos documentos juntos aos autos (fls. 84 a 89) resulta que o IMI do ano de 2007 e 2009 reclamados pela Fazenda Pública dizem efectivamente respeito ao prédio urbano inscrito na matriz da Ericeira sob o artigo 5… penhorado nos autos de execução fiscal e foram inscritos para a cobrança em 2008 e 2010 respectivamente.

Portanto, porque a questão em recurso implica decisão sobre a matéria de facto que foi omitida pela 1.ª instância, e porque a prova produzida nos autos sustentam o aditamento de matéria de facto relevante para a decisão do recurso, nos termos do art. 662.º, n.º 1 do CPC adita-se o seguinte facto:

G) Os créditos de IMI dos anos de 2007 e 2009 reclamados pela Fazenda Pública referem-se ao imóvel referido em B) e foram inscritos para cobrança, respectivamente, em 2008 e 2009 (cfr. documentos de fls. 84 a 89 dos autos).

Estabilizada a matéria de facto, vejamos então quanto ao direito aplicável, aferindo, pois, do erro de julgamento de direito invocado pela Fazenda Pública.

Nos termos do art. 240.º do CPPT, n.º 1, podem reclamar os seus créditos os credores que gozem de garantia real sobre os bens penhorados, sendo pacífico na jurisprudência que é de considerar abrangidos os credores que gozam de privilégios creditórios (Nesse sentido vide, Acórdão do Pleno do STA da secção do CT, de 18/05/2005, processo n.º 0612/04 e mais recentemente, por todos, o Ac. do STA de 26/03/2014, proc. n.º 0850/13).

Ora, os créditos referentes a dívidas de IMI gozam das garantias especiais previstas no Código Civil para a contribuição predial (cfr. art. 122.°, n.º 1, do CIMI), e portanto, gozam do privilégio imobiliário previsto no art. 744.º, n.º 1, do Código Civil quando esses créditos sejam inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores.

Ou seja, têm, em relação aos demais créditos, um direito de preferência no pagamento pelo produto da venda do bem imóvel penhorado na execução, pelo que devem ser graduados em primeiro lugar, precedendo os créditos garantidos por hipoteca, ex vi do disposto no artigo 751.º do Código Civil – cfr. Ac. do STA de 28/05/2014, proc. n.º 0355/14.

“I - Face ao que dispõem os arts. 122º do CIMI, 735º e 744º, nº 1, do Código Civil, o crédito de IMI relativo ao imóvel penhorado goza de privilégio imobiliário especial quanto aos créditos de imposto inscritos para cobrança no ano em que se verificou a penhora e nos dois anos anteriores. II - O art. 8º do Dec. Lei nº 73/99, de 16/3, estende o mesmo privilégio aos juros de mora que incidam sobre esse crédito de imposto. III - No concurso com crédito garantido por hipoteca, os créditos de IMI e respectivos juros moratórios têm, necessariamente, de ser graduados em primeiro lugar, como impõe o art. 751º do Código Civil.” (Ac. do STA de 13/11/2013, proc. n.º 1348/13) – sublinhado nosso.

Por fim como se sumaria no acórdão do STA de 08/01/2014, proc. n.º 1660/13 “Nas dívidas por créditos do Estado (por impostos indirectos e directos referidos nos arts. 736º do e 744º do CCivil ou em normas de natureza tributária) que gozem de privilégio creditório, este abrange os respectivos juros relativos aos últimos dois anos (art. 734º do CCivil), regime idêntico resultando do disposto no art. 8° do DL n° 73/99, de 16/3, especificamente para as dívidas provenientes de juros de mora.” (sublinhado nosso)


Regressando ao caso dos autos, temos então que os créditos de IMI dos anos de 2007 e 2009 reclamados pela Fazenda Pública referem-se ao imóvel referido em B) e foram inscritos para cobrança, respectivamente, em 2008 e 2009 (cfr. alínea G) aditada à matéria de facto). Por outro lado releva que a penhora do imóvel efectivou-se em 2010 (cfr. alínea E) dos factos provados).

Assim sendo, importa concluir face ao direito supra exposto que esses créditos reclamados beneficiam do privilégio imobiliário especial previsto no art. 744.º, nº 1, do Código Civil, porque inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora (2010) e nos dois anos anteriores (2009 e 2008), e portanto nos termos do art. 751.º, n.º 1 do Código Civil têm de ser graduados em 1.º lugar, bem como os respectivos juros relativos aos últimos dois anos, nos termos do art. 734.º do Código Civil, uma vez que estes juros se encontram abrangidos pelo privilégio creditório. A graduação deverá ser a par do crédito exequendo de IMI de 2008 que já havia sido graduado na sentença.

Pelo exposto, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, devendo ser revogada nessa parte, concedendo-se, deste modo, provimento ao recurso.


III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar-se a decisão recorrida, e consequentemente, altera-se a decisão de graduação de créditos nos seguintes termos:

1.º O crédito exequendo de IMI de 2008, no valor de 942, 10€, e respectivos juros, a par dos créditos reclamados pela Fazenda Pública referentes a IMI de 2007, 1.ª e 2.ª prestação, cada uma no valor de 538,34€ e 2009, no valor de 488,71, e respectivos juros relativos aos últimos dois anos;
2.º O crédito reclamado pela C... e respectivo juros até 3 anos, com o limite máximo garantido pela hipoteca constituída a seu favor;
3.º O crédito reclamado pela S... Engenharia, S.A. e respectivos juros até 3 anos, com o limite máximo garantido pela hipoteca constituída a seu favor;
4.º Os restantes créditos exequendos e respectivos juros.

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Sem custas.
D.n.
Lisboa, 5 de Junho de 2019.

Cristina Flora

Tânia Meireles da Cunha

Anabela Russo