Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:489/14.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/14/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL /OPOSIÇÃO
INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
GERÊNCIA DE FACTO - ARTIGO 24º, Nº1, ALÍNEA B) DA LGT
Sumário:I - No quadro legal aplicável à data dos factos, a infração das regras de competência territorial determina a incompetência meramente relativa do Tribunal, sendo que essa incompetência apenas pode ser arguida, no processo de execução, pelo executado, até findar o prazo para a oposição [alínea b) do n.º 2 do artigo 17.º do CPPT], não podendo ser arguida pela Fazenda Pública, nem oficiosamente conhecida, em oposição à execução fiscal.

II - A gerência de facto de uma sociedade consiste “no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade”,

III – O ónus da prova do exercício da gerência cabe à Fazenda Pública.

IV - A circunstância de não ter sido acolhido na matéria de facto um determinado circunstancialismo alegado e tendente a demonstrar o não exercício da gerência, não pode beneficiar a Fazenda Pública que estava onerada com a prova (positiva) da efetiva gestão da devedora originária e que, desde a primeira hora (leia-se, desde o direito de audição) ignora esse ónus, bem como a alegação e prova requerida pelo revertido.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença, de 27 de março de 2018, do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida por M ………………………, contra a execução fiscal nº ………………. e apensos, que corre termos no Serviço de Finanças de Lisboa 4, originariamente instaurada contra a sociedade M........... – Indústria ………….., Lda, por dívidas de IVA de Novembro de 2012, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formula, para tanto, as seguintes conclusões:

4.1. Visa o presente recurso reagir contra a decisão que julgou procedente a Oposição judicial, intentada, pelo oponente, ora recorrido, contra execução fiscal com o processo n.º ……….., instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa 4 por dívida de IVA do ano de 2012 contra a sociedade comercial “M........... – Industria ……….., Lda.”, dividas esta posteriormente revertida no oponente, ora recorrido, no montante total de 27.695,15 €.

4.2. Como fundamentos da oposição invocou o oponente no seu petitório inicial, em suma, a ilegalidade do despacho de reversão, decorrente da falta de pressupostos para a reversão, constante do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, alegando para o efeito que nunca exerceu, de facto, a gerência da executada originária. Concluiu o seu articulado inicial peticionando a procedência da oposição, por força da sua ilegitimidade para a execução fiscal, com a consequente extinção da execução fiscal em questão relativamente a ele.

4.3. O Ilustre Tribunal “a quo” conheceu das pela Fazenda Pública suscitadas questões relativas, por uma lado, à (in)tempestividade da oposição e, por outro lado, à (in)competência territorial do Tribunal Tributário de Lisboa para conhecer a contenda opositória, considerando não se verificar a alegada intempestividade da dedução da oposição em questão, por um lado e, por outro lado, apesar de, no seu ponto de vista, se verificar a incompetência territorial do Tribunal Tributário de Lisboa para conhecer o pedido, tal incompetência não poderia ser oficiosamente decretada, nem a mesma poderia ser arguida pela Fazenda Pública.

4.4. Quanto ao demais, julgou procedente a oposição, considerando, em suma, não ter a Administração Tributária demonstrado o exercício efectivos das funções de gerência do oponente na sociedade executada originária, exercício da gerência esse que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 24.º da LGT, constitui requisito do estabelecimento da responsabilidade subsidiária por dívidas de terceiros.

No entanto,

4.4. A decisão ora recorrida, não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub-judice.

Senão vejamos:

I - Da ilegitimidade da Representação da Fazenda Pública para a arguição da excepção da incompetência territorial do Tribunal:

4.5. Considerou o Ilustre Tribunal recorrido, em suma, que “de acordo com o legislador do CPPT existe para o processo de execução fiscal, um regime especial sobre a arguição da incompetência territorial que se afasta do regime estabelecido no art. 13.º do CPTA e que, de alguma forma, se aproxima do previsto no Código de Processo Civil para arguição da incompetência relativa.

Assim nos termos desse regime, a infracção das regras de incompetência territorial determina a incompetência meramente relativa do Tribunal, sendo que essa incompetência apenas pode ser arguida, no processo de execução, pelo executado, até findar o prazo para a oposição.

4.6. Mais considerou o Ilustre Tribunal recorrido que “Se o réu não arguir, em tempo, a excepção da incompetência relativa, dá-se o fenómeno da prorrogação de jurisdição, quer dizer, o Tribunal, que era incompetente, torna-se competente.”.

4.7. E conclui julgando improcedente a pela Fazenda Pública invocada excepção dilatória da incompetência territorial do Tribunal Tributário de Lisboa, considerando que “Desta feita, a incompetência territorial apenas pode ser arguida, no processo de execução, pelo executado, até findar o prazo para a oposição (cfr. a alínea b) do n.º 2 do art. 17.º do CPPT), não podendo ser arguida pela Fazenda Pública nem oficiosamente ser conhecida em oposição à execução fiscal, razão pela qual a excepção tem que improceder.”.

Ora,

4.8. nos termos do disposto na al. b) do n.º 2 do artigo 17.º do CPPT, a Representação da Fazenda Pública não detém legitimidade para arguir a incompetência territorial do Tribunal, só a tendo o executado e até ao termo do prazo para a dedução da oposição.

4.9. Através de uma leitura minimamente atenta do referido preceito legal, conclui-se que o mesmo visa regular o conhecimento da incompetência territorial do órgão de execução fiscal para a instauração e prossecução do processo de execução fiscal, e não a incompetência em razão do território do Tribunal onde devam ser instaurados os incidentes da execução fiscal, nomeadamente a oposição.

4.10. Caso assim não fosse – ou seja, caso se admitisse que apenas o oponente estivesse legitimado a invocar a incompetência territorial do tribunal, e dentro do prazo de oposição, cair-se-ia no absurdo de admitir que apenas o oponente poder invocar tal incompetência, para o conhecimento de uma acção judicial, por ele intentada – e, por conseguinte, por ele próprio erradamente endereçada – sendo que apenas ele poderia invoca-la, dentro desse mesmo prazo que dispunha para a apresentação da oposição.

4.11. Ou seja, seria o oponente a conformar os contornos dos pressupostos processuais, relativos ao tribunal, à revelia de todas as regras processuais relativas aos pressupostos processuais, sem que alguém pudesse – para além da oponente – colocar em causa a regularidade da instância opositória!

4.12. Pelo exposto, dúvidas não restam a al. b) do n.º 2 do artigo 17.º do CPPT é aplicável apenas aplicável ao processo de execução fiscal, quando este corra no órgão de execução fiscal territorialmente incompetente para o efeito.

Aliás,

4.14. neste mesmo sentido bem decidiu o Ilustre Tribunal Tributário de Lisboa, na sua decisão de 26-02-2018, no âmbito do processo de oposição n.º 2457/14.3BELRS, que correu termos na 1.ª Unidade Orgânica.

4.15. Pelo que se conclui pela legitimidade da Fazenda Pública para invocar a incompetência territorial do Tribunal Tributário de Lisboa para o conhecimento do objecto da presente oposição, nos termos gerais do disposto nos artigos 577.º, al. a), 578.º, 102.º, 104.º, n.º 1, al. c) e 105.º, n.º 3, todos do CPC, ora aplicável por força do disposto na al. e) do artigo 2.º do CPPT.

4.16. Ao assim não decidir, o Ilustre Tribunal recorrido, com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimentos, incorreu em erro de julgamento na matéria de direito, violando, assim, o disposto nos artigos 577.º, al. a), 578.º, 102.º, 104.º, n.º 1, al. c) e 105.º, n.º 3, todos do CPC, ora aplicável por força do disposto na al. e) do artigo 2.º do CPPT.

II - Da procedência da oposição, decorrente da inexistência de indícios suficientes de que o oponente tenha praticado actos de gerência:

4.17. Considerou o Ilustre Tribunal a quo que “… do probatório não conseguimos concluir que existem indícios suficientes de que o Oponente tenha praticado esses factos de gerência.”, sendo que “… impunha-se, pelo menos, saber se o oponente chegou efectivamente a praticar actos no exercício de poderes de representação da sociedade e para isso era necessário que a Fazenda Pública fizesse prova que o Oponente assinou documentos da sociedade por exemplo.”,

4.18. concluindo que “… falhando a prova de que o Oponente exercia de facto, praticando os actos próprios e típicos da gerência no período aqui em causa, resultará inviável a respectiva responsabilização a título subsidiário do pagamento da dívida exequenda e, com isso, deverá concluir-se pela ilegitimidade dos mesmos para a execução e implicar a procedência da oposição à execução fiscal,…”.

Ora.,

4.19. no que a esta questão diz respeito, não pode a Fazenda Pública, com o devido respeito, conformar-se com a conclusão colhida pelo Ilustre Tribunal recorrido.

E isto porque,

4.20. resultou provado que o oponente encontrava-se nomeado gerente da executada originária desde 08-12-2010, ao lado da A ……………. – Vd. o ponto E) da matéria factual tida por provada.

4.21. Resultou também provado que “a gerente A ……………. cessou as suas funções por renúncia a 10-08-2011” – Vd. o ponto F) dos factos tidos por provados.

4.22. Resultou ainda provado que “o Oponente renunciou à gerência a 15-03-2013” – cfr. o ponto G) do provatório.

4.23. Finalmente, provado ainda resultou que “a sociedade devedora originária obrigava-se pela assinatura de um gerente” – Vd. o ponto H) da matéria de facto tida por provada.

4.24. Mais ficou demonstrado que a dívida em cobrança coerciva no âmbito da execução fiscal n.º ……………… é referente a IVA de Novembro de 2012, – Vd. o ponto A) do provatório – e que, de acordo com o constante nos artigos 27.º, n.º 1, e 41.º, n.º 1, al. a), do CIVA, na sua versão vigente no ano de 2012, a sociedade executada originária deveria entregar ao Estado o IVA em questão até ao dia 10-01-2013, circunstância que não se verificou.

4.25. Assim, colhe-se que à data do termo do prazo que a executada originária dispunha para efectuar o pagamento do IVA em questão – ou seja, em 10-01-2013 –, o oponente era o único gerente da sociedade executada, mantendo essa qualidade de gerente único da sociedade executada desde 11-08-2011 até 15-03-2013.

4.26. conclui-se, também, que durante o período que mediou entre 11-08-2011 e 15-03-2013, o oponente era quem, unicamente, pôde representar e obrigar a executada originária perante terceiros, nos termos da legislação comercial aplicável, conclusões estas que se colhem, apenas e tão só, através da análise da factualidade tida por provada.

Ora,

4.27. tendo em conta o exposto, note-se que o oponente nenhuma prova fez chegar – tanto aos autos executivos como aos autos de oposição – sobre o não exercício da gerência de facto na sociedade executada, no período que mediou entre 11-08-2011 e 15-03-2013.

4.28. Como se sabe, o facto que fica abrigado pela presunção registral é o facto em si da nomeação, a gestão ou administração dita nominal, nos termos do disposto nos artigos 349.º do Código Civil, 3.º corpo, 11.º, 15.º, n.º 1, al. m), e 70.º corpo, e al. a), do Código do Registo Comercial, não o efectivo, não o efectivo exercício da gerência.

4.29. Todavia, se assim é, tendo a sociedade em questão sido constituída pelo oponente e outra sócia, tendo ambos sido logo [auto]nomeados gerentes, e tendo o oponente figurado como único gerente nominal da executada originária durante o período que mediou entre 11-08-2011 e 15-03-2013 – e, concretamente, durante o período do termo do prazo legal que a executada originária dispunha para efectuar o pagamento voluntário do IVA em questão – o que daí resulta não é uma presunção legal, por certo, mas uma presunção natural, baseada nas regras da experiência comum, de que, por um lado, o oponente também há-de ter exercido as funções para que se nomeou como um dos dois únicos sócios da sociedade, ao que acresce que em dado momento ulterior a elas viria a renunciar formalmente, e, por outro lado, de que o oponente, para além de ter gerido a sociedade executada, era também o único que o poderia fazer, durante o período que mediou entre 11-08-2011 e 15-03-2013.

Ora,

4.30. se o oponente não apresentou uma única prova, de alguma tipologia, de que a essa nomeação não se seguiu, máxime no período aqui relevante, um efectivo exercício dessas funções, como lhe era lícito que o fizesse, embora lhe não fosse exigível a prova do não exercício, certo é que também não apresentou prova alguma, de algum tipo, que abalasse uma tal presunção natural.

Assim,

4.31. e pelo exposto, é entendimento da Fazenda Pública que o Ilustre Tribunal a quo, de acordo com a factualidade constante do provatório, não poderia decidir-se pela não verificação do exercício da gerência do oponente na sociedade executada originária, com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, incorreu em erro de julgamento da matéria de facto provada, uma vez que esta impõe uma solução jurídica diferente da colhida pelo Ilustre Tribunal recorrido na decisão ora em crise.

Razão pela qual,

4.32. com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, deve ser revogada a decisão ora recorrida, no que concerne à procedência da oposição em questão, com as legais consequências daí decorrentes.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada

JUSTIÇA!


*

O Recorrido apresentou contra-alegações que concluiu assim:

1. A incompetência em razão do território, apenas pode ser arguida, no processo de execução, pelo executado, até findar o prazo para a oposição (cfr. a alínea b) do n. 2 do art.º 17º do CPPT), não podendo ser arguida pela Fazenda Pública nem oficiosamente ser conhecida em oposição à execução.

2. A responsabilidade subsidiária dos gerentes, assenta na prova da gerência de facto pelo sujeito.

3. E para o apuramento dessa responsabilidade, não basta a constatação, registral comercial, da gerência de direito, é fundamental a prova da gerência de facto.

4. Que só pode ser atribuída em função do real e efectivo exercicio do cargo de gerente cujo ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública.

5. A prova carreada para os autos, não permite inferir que tivesse havido uma gerência de facto

6. E falhando essa prova, a de que o Oponente exercia de facto, praticando os actos próprios e típicos da gerência no período aqui em causa, resultará inviável a respectiva responsabilização a título subsidiário pelo pagamento da dívida exequenda e, com isso, deverá concluir-se pela ilegitimidade do mesmo para a execução o que implica a procedência da oposição à execução fiscal, como bem se decidiu na douta Sentença Recorrida,

Pelo que deverá manter-se

Assim, mantendo e confirmando integralmente a douta decisão proferida nos autos pelo Meritíssimo Juiz “a quo”.

Vs. Exs. Farão

JUSTIÇA!


*

O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer confirmando os termos do parecer proferido pelo EMMP junto do STA, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

*

Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.

*

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, as questões que constituem objecto do presente recurso consistem em saber se:

(i) - a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao decidir que “a incompetência territorial apenas pode ser arguida, no processo de execução, pelo executado, até findar o prazo para a oposição (cfr. a alínea b) do n.º 2 do art. 17.º do CPPT), não podendo ser arguida pela Fazenda Pública nem oficiosamente ser conhecida em oposição à execução fiscal, razão pela qual a excepção tem que improceder”.

(ii) - a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao decidir pela ilegitimidade do ora Recorrido, enquanto responsável subsidiário pela dívida contra si revertida no processo de execução fiscal nº …………………. e apensos, originariamente instaurado contra a sociedade M........... – Industria de ……………, Lda.


*

II - FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

“Compulsados os Autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

A) Em 6/02/2013, foi instaurado em nome da sociedade “M........... – Industria ……….., Lda. - Em liquidação” portadora do NIPC ………….., no Serviço de Finanças de Lisboa 4, o processo de execução fiscal nº …………………. relativo ao IVA de Novembro de 2012 no valor de 27.695,15€ – cfr. fls. 35 do Processo de Execução apenso aos Autos;

B) Em 25/06/2013, foi proferido o despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 4 constante a fls. 41 do PEF apenso aos Autos, e cujos termos se dão por integralmente reproduzidos, através do qual reverteu a dívida do PEF n.º ……………. contra o Oponente e no qual consta o seguinte:

« (…)

6. Se afirma não ter sido o gerente de facto, uma vez que é sócio da sociedade, então coloca-se a seguinte questão: a gerência foi exercida por quem? Quem foi nomeado como gerente? Até porque, caso tivesse renunciado à gerência em data anterior, de acordo com o artigo 191º do Código das Sociedades Comerciais, não havendo estipulação em contrário, são gerentes todos os sócios, quer tenham constituído a sociedade, quer tenham adquirido essa qualidade posteriormente. Além do mais, não juntar qualquer documento que prove que a gerência era exercida, de facto por F ………………………...(…)».

C) Em 09/07/2013, no âmbito do PEF ……………….., o Serviço de Finanças de Lisboa 4 remeteu para o Oponente, por carta registada, com aviso de recepção, o instrumento constante a fls. 42 dos Autos, denominado de “Citação (Reversão)”, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual consta o seguinte « (…) Pelo presente fica citado(a) de que é EXECUTADO(a) POR REVERSÃO, nos termos do art. 160º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), na qualidade de Responsável Subsidiário para, no prazo de 30 (trinta) dias a contar desta citação, PAGAR a quantia de 27.695,15 EUR de que era devedor (a) o(a) executado(a) infra indicado(a) , ficando ciente de que nos termos do n. 5 do artigo 23º da Lei Geral Tributária (LGT), se o pagamento se verificar no prazo acima referido não lhe serão exigidos juros de mora nem custas.(…)»;

D) O aviso de recepção referido na alínea anterior foi assinado a 12/07/2013 por M ……………….. – cfr. fls. 43 dos Autos;

E) Encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, a nomeação do Oponente enquanto gerente da sociedade “M …………– Industria ………, Lda. – Em liquidação.” desde 8/12/2010, ao lado da gerente A ………………… - cfr. Ap. 6/2………..constante na certidão do registo comercial de fls. 23 e 24 dos Autos;

F) A gerente A ……………… cessou as suas funções por renúncia a 10/08/2011 - cfr. An. 1- ………….. constante na certidão do registo comercial de fls. 23 e 24 dos Autos;

G) O Oponente renunciou à gerência a 15/03/2013 - cfr. Ap. 11/…………. constante na certidão do registo comercial de fls. 23 e 24 dos Autos;

H) A sociedade devedora originária obrigava-se pela assinatura de um gerente - cfr. certidão do registo comercial constante a fls. 23 e 24 dos Autos;

I) A p.i. foi apresentada por correio registado de 1/10/2013 junto do SF de Lisboa 4 - cfr. etiqueta dos correios aposto no envelope de fls. 12 dos Autos.


*

Motivação: A convicção do Tribunal que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou na análise dos documentos constantes dos Autos, tudo conforme discriminado em cada uma das alíneas dos Factos Assentes, conjugado com o princípio da livre apreciação da prova, entendido como o esforço para alcançar a verdade material, analisando dialecticamente os meios de prova ao seu alcance, procurando harmonizá-los entre si de acordo com os princípios da experiência comum.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados”.


*

- De direito

Deixámos oportunamente enunciadas as questões que aqui nos ocupam.

Vejamos por partes.

Desde logo, a Recorrente manifesta a sua discordância com a sentença recorrida por entender que a mesma incorreu em erro de julgamento ao decidir pela ilegitimidade da Representação da Fazenda Pública para a arguição da exceção da incompetência territorial do Tribunal.

Considera a Recorrente que da leitura do artigo 17º, nº 2, alínea b) do CPPT (na redação em vigor à data dos factos), se conclui que “o mesmo visa regular o conhecimento da incompetência territorial do órgão de execução fiscal para a instauração e prossecução do processo de execução fiscal, e não a incompetência em razão do território do Tribunal onde devam ser instaurados os incidentes da execução fiscal, nomeadamente a oposição”. Caso assim não fosse entendido - prossegue a Recorrente - “cair-se-ia no absurdo de admitir que apenas o oponente pode invocar tal incompetência, para o conhecimento de uma acção judicial, por ele intentada – e, por conseguinte, por ele próprio erradamente endereçada – sendo que apenas ele poderia invoca-la, dentro desse mesmo prazo que dispunha para a apresentação da oposição”. Para a Fazenda Pública, não restam dúvidas sobre a sua legitimidade para invocar a incompetência territorial do Tribunal Tributário de Lisboa para o conhecimento do objeto da presente oposição, nos termos do disposto nos artigos 577.º, al. a), 578.º, 102.º, 104.º, n.º 1, al. c) e 105.º, n.º 3, todos do CPC, aplicável por força do disposto na alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

Comecemos por deixar nota daquele que foi o discurso fundamentador do Tribunal a quo a propósito de tal exceção de incompetência.

Lê-se na sentença o seguinte:

“Em sede de Contestação suscitou o RFP a incompetência do TT de Lisboa para julgar a presente acção, alegando em síntese que o Oponente reside no concelho de Guimarães e deste modo é o TAF de Braga o Tribunal competente.

(…)

Prevê o artigo 151.º, n.º 1, do CPPT, com a redacção introduzida pela Lei n. º 64-B/2011, de 30 de Dezembro o seguinte: «Compete ao tribunal tributário de 1.ª instância da área do domicílio ou sede do devedor, depois de ouvido o Ministério Público nos termos do presente Código, decidir os incidentes, os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária e a reclamação dos actos praticados pelos órgãos da execução fiscal.».

Por outro lado, o art. 17º do CPPT estabelece o seguinte:

1 - A infracção das regras de competência territorial determina a incompetência relativa do tribunal ou serviço periférico local ou regional onde correr o processo.

2 - A incompetência relativa só pode ser arguida:

(…)

b) No processo de execução, pelo executado, até findar o prazo para a oposição.(…)».

De acordo com o legislador do CPPT, existe para o processo de execução fiscal, um regime especial sobre a arguição da incompetência territorial que se afasta do regime estabelecido no art. 13.º do CPTA e que, de alguma forma, se aproxima do previsto no Código de Processo Civil para arguição da incompetência relativa.

Assim nos termos desse regime, a infracção das regras de competência territorial determina a incompetência meramente relativa do Tribunal, sendo que essa incompetência apenas pode ser arguida, no processo de execução, pelo executado, até findar o prazo para a oposição.

Se o réu não arguir, em tempo, a excepção de incompetência relativa, dá-se o fenómeno da prorrogação de jurisdição, quer dizer, o Tribunal, que era incompetente, torna-se competente.

Desta feita, a incompetência territorial apenas pode ser arguida, no processo de execução, pelo executado, até findar o prazo para a oposição (cfr. a alínea b) do n.º 2 do art. 17.º do CPPT), não podendo ser arguida pela Fazenda Pública nem oficiosamente ser conhecida em oposição à execução fiscal, razão pela qual a excepção tem que improceder”.

Vejamos, então.

À data em que a presente oposição foi deduzida e em que a sentença foi proferida, o artigo 17º, nºs 1 e 2 do CPPT apresentava a seguinte redação (entretanto alterada pela Lei nº 118/19, de 17/09):

“Incompetência territorial em processo judicial

1 - A infracção das regras de competência territorial determina a incompetência relativa do tribunal ou serviço periférico local ou regional onde correr o processo.

2 - A incompetência relativa só pode ser arguida:

a) No processo de impugnação, pelo representante da Fazenda Pública, antes do início da produção da prova;

b) No processo de execução, pelo executado, até findar o prazo para a oposição”.

Ora, como evidenciou o acórdão do STA, de 19/09/19, proferido no recurso nº 608/15.0BELRS - 2.ª Secção, sobre precisamente a mesma questão que aqui nos ocupa e no domínio da mesma legislação, “Esta questão já não é nova e tem merecido por parte deste Supremo Tribunal respostas antagónicas, sendo que a maioria dos acórdãos que sobre ela se pronunciaram são em sentido contrário àquele que é defendido na decisão recorrida, no essencial, com a seguinte argumentação:

O art. 17.º do CPPT estabelece, para os processos de impugnação e de execução fiscal, um regime especial sobre a arguição da incompetência territorial que se afasta do regime estabelecido no art. 13.º do CPTA e que, de alguma forma, se aproxima do previsto no Código de Processo Civil para arguição da incompetência relativa (artigo 103.º do Código de Processo Civil).

Assim nos termos desse regime, a infracção das regras de competência territorial determina a incompetência meramente relativa do Tribunal (cf. o n.º 1 do art. 17.º), sendo que essa incompetência apenas pode ser arguida, no processo de execução, pelo executado, até findar o prazo para a oposição (cf. a alínea b) do n.º 2 do art. 17.º do CPPT) e no processo de impugnação pela Fazenda Pública, antes do início da produção da prova, não podendo ser oficiosamente conhecida.

Como decorre daquele normativo a legitimidade e o tempo de arguição da incompetência territorial variam consoante a natureza do processo.

No de impugnação, em que a iniciativa cabe ao contribuinte, a incompetência relativa apenas pode ser arguida pelo Representante da Fazenda Pública antes do início de produção da prova. No processo de execução fiscal, cuja iniciativa cabe à Fazenda Nacional, apenas pode excepcionar a incompetência relativa o executado, até findar o prazo da oposição.

Após esses momentos processuais fica precludido o direito de arguir a incompetência territorial naqueles processos.

Trata-se de uma solução algo semelhante à consagrada no Código de Processo Civil em que a incompetência absoluta pode ser arguida por qualquer das partes e deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal, ao passo que a incompetência relativa só pelo réu pode ser deduzida (artigo 103.º).

Se o réu não arguir, em tempo, a excepção de incompetência relativa, dá-se o fenómeno da prorrogação de jurisdição, quer dizer, o tribunal, que era incompetente, torna-se competente, vê a sua competência prorrogada em consequência da passividade do réu.

O que está na base desta diversidade de regime é o pensamento seguinte: as regras de competência em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia inspiram-se em razões de interesse e ordem pública, e por isso a sua tutela é confiada ao cuidado do próprio órgão jurisdicional; pelo contrário, as regras de competência em razão do valor e do território obedecem a considerações de interesse particular, pelo que a sua violação tem de ser acusada pelo réu (Cf., neste sentido, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Reimpressão, Coimbra Editora, 1985, vol. I, pag. 246.).

Será também por essa razão que, no processo de execução fiscal, cuja iniciativa cabe à Fazenda Nacional, apenas pode excepcionar a incompetência relativa o executado, até findar o prazo da oposição enquanto, no de impugnação, em que a iniciativa cabe ao contribuinte, a incompetência relativa apenas pode ser arguida pelo Representante da Fazenda Pública.

Ora no caso presente a questão da incompetência em razão do território foi suscitada pela Fazenda Pública já no âmbito da oposição à execução fiscal e o Mº Juiz do Tribunal recorrido invocou o preceituado no artigo 13.º do CPTA, aplicável ex vi artigo 2.º alínea c) do CPPT, para conhecer desde logo da competência territorial.

Será que a Fazenda Pública tinha legitimidade para arguir a incompetência relativa nesta fase e o Tribunal podia dela conhecer ao abrigo do disposto no artigo 13.º do CPTA?

Entendemos que não face à previsão da norma do artigo 17.º, n.º 2 do CPPT e ao regime de arguição da incompetência relativa no processo de execução fiscal, ali expressamente previsto, também aplicável ao processo de oposição à execução fiscal, atenta a sua natureza, pois que, embora com tramitação processual autónoma relativamente à execução fiscal, funciona na dependência deste como uma contestação à pretensão do exequente. (Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário, Áreas Edit., 6.ª edição, Volume III, anotação 2 ao art. 203.º, pág. 428, com indicação de jurisprudência. (No mesmo sentido, ALFREDO JOSÉ DE SOUSA e JOSÉ DA SILVA PAIXÃO, Código de Processo Tributário Comentado e Anotado, Almedina, 4.ª edição, anotação 2 ao art. 285.º, pág. 603: «conquanto a oposição apresente a fisionomia de uma acção, instaurada pela apresentação duma petição inicial, a verdade é que ela funciona como contestação. O seu fim é impugnar a própria execução fiscal; daí o nome de oposição».)).

Com efeito, e como bem se sublinhou no Acórdão desta Secção de 12.03.2014, proferido no recurso 111/14, «(...) a alusão constante do artigo 17.º do CPPT ao processo de execução fiscal deve ser entendida, não apenas como referindo-se à competência do Serviço de Finanças no processo de execução fiscal, mas também à competência do Tribunal para decidir dos meios judiciais de defesa do executado na execução fiscal instaurada, como paradigmaticamente sucede com a oposição à execução fiscal ou a reclamação de decisão do órgão de execução fiscal (quanto a esta última, cf. o recente Acórdão deste STA de 22 de Janeiro último, rec. n.º 1945/13). É que nenhum sentido faz afastar nesta matéria a regra especial contida na lei processual tributária e sobre ela fazer prevalecer a regra contida no CPTA, sabido que a oposição à execução fiscal é regulada por regras processuais próprias contidas na lei processual tributária (artigos 203.º a 213.º do CPPT) e pelas regras processuais da impugnação judicial (cf. o n.º 1 do artigo 211.º do CPPT), e não pelas regras do CPTA, sendo em relação aos meios processuais regulados pela lei processual administrativa, e não aos regulados por normas próprias contidas na lei processual tributária, que se admite que a infracção às regras de competência territorial seja de conhecimento oficioso, por aplicação subsidiária do disposto no artigo 13.º do CPTA (neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Volume I, 6.ª ed., 2011, p. 248 - nota 4 a) ao artigo 17.º do CPPT).»

Neste pendor e no sentido de que a infracção às regras da incompetência territorial não pode ser oficiosamente conhecida em processo de oposição à execução fiscal se pronunciaram também, entre outros, os Acórdãos desta Secção de 22.01.2014, recurso 1945/13, de 29.04.2015, recurso 164/15, e de 17.06.2015, recurso 191/15, todos in www.dgsi.pt.

Em face de tudo o exposto concluímos que, nos termos do regime do artigo 17.º do CPPT a infracção das regras de competência territorial determina a incompetência meramente relativa do Tribunal (cf. o n.º 1 do referido normativo), sendo que essa incompetência apenas pode ser arguida, no processo de execução, pelo executado, até findar o prazo para a oposição (cf. a alínea b) do n.º 2 do art. 17.º do CPPT), não podendo ser arguida pela Fazenda Pública nem oficiosamente ser conhecida em oposição à execução fiscal, cf. acórdão datado de 17-02-2016, rec. n.º 01618/15, e ainda, entre outros, os acs. proferidos nos recursos n.os 01343/16 de 08-03-2017, 02597/14.9BELRS 0361/18 de 17-10-2018, 0191/15 de 17-06-2015 e 0164/15, de 29-04-2015.

É este o entendimento que se nos afigura correcto e aqui se reitera, no sentido de que a excepção da incompetência territorial do tribunal não pode ser arguida no âmbito do processo de oposição à execução fiscal pela parte contrária na contestação ou no prazo para ela fixado, nem pode ser oficiosamente conhecida pelo Tribunal”.

Como está bem de ver, a resposta dada pelo TT de Lisboa à arguição da incompetência territorial, por parte da Fazenda Pública, mostra-se ancorada no quadro legal aplicável à data dos factos e absolutamente em linha com a jurisprudência dominante do STA que, no âmbito de tal quadro normativo, considera que a infração das regras de competência territorial determina a incompetência meramente relativa do Tribunal, sendo que essa incompetência apenas pode ser arguida, no processo de execução, pelo executado, até findar o prazo para a oposição [alínea b) do n.º 2 do artigo 17.º do CPPT], não podendo ser arguida pela Fazenda Pública, nem oficiosamente conhecida, em oposição à execução fiscal.

Assim sendo, sem necessidade de considerandos adicionais, julgam-se improcedentes as conclusões respeitantes a esta primeira questão que nos vinha dirigida.


*

Passemos, então, à segunda questão já antes identificada, a saber: se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao decidir pela ilegitimidade do ora Recorrido, enquanto responsável subsidiário pela dívida contra si revertida no processo de execução fiscal nº ………….. e apensos, originariamente instaurado contra a sociedade M........... – Indústria de …….., Lda.

Comecemos por dizer que a matéria de facto constante do probatório não vem impugnada.

A sentença que aqui vem posta em causa julgou a oposição procedente e, em consequência, determinou a extinção da execução quanto ao oponente, ora Recorrido, por considerar a ilegitimidade da pessoa citada para a execução.

Para assim decidir, o Mmo. Juiz a quo, após fazer o enquadramento legal e jurisprudencial da questão a apreciar, alinhou o seguinte discurso fundamentador que, na parte relevante, se transcreve de seguida:

“(…)

Deste modo, à luz do regime legal aplicável ao caso vertente e na esteira do citado Acórdão do TCAN, a responsabilidade subsidiária, como referido supra, só pode ser atribuída em função do exercício efectivo do cargo de gerente e reportada ao período do respectivo exercício, cujo ónus da prova recaía sobre a Fazenda Pública.

(…)

Da factualidade dada como assente retira-se que o Oponente foi nomeado gerente da sociedade devedora originária em 2010.

E consta dos factos assentes que o Oponente renunciou à gerência a 15/03/2013.

Ora, para que se verifique a responsabilidade do gerente da sociedade, é mister a existência de uma gerência de facto. E entende-se correntemente que é gerente efectivo ou de facto aquele que exerce uma gerência que consubstancia no uso efectivo dos poderes de administração e representação da sociedade.

Porém, do probatório não conseguimos concluir que existem indícios suficientes de que o Oponente tenha praticado esses actos de gerência.

Assim sendo, impunha-se, pelo menos, saber se o Oponente chegou efectivamente a praticar actos no exercício de poderes de representação da sociedade e para isso era necessário que a Fazenda Pública fizesse prova que o Oponente assinou documentos da sociedade por exemplo. E falhando a prova de que o Oponente exercia de facto, praticando os actos próprios e típicos da gerência no período aqui em causa, resultará inviável a respectiva responsabilização a título subsidiário pelo pagamento da dívida exequenda e, com isso, deverá concluir-se pela ilegitimidade dos mesmos para a execução e implicar a procedência da oposição à execução fiscal, quedando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos autos nos termos do artigo 608º nº 2 do CPC, ex vi do artigo 2º al. e) do CPPT, nomeadamente a questão da prova da culpa para efeitos da reversão das coimas e restantes dívidas, uma vez que parte da reversão foi feita ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do art. 24º da LGT”.

A Recorrente discorda do assim decidido, destacando que “à data do termo do prazo que a executada originária dispunha para efectuar o pagamento do IVA em questão – ou seja, em 10-01-2013 –, o oponente era o único gerente da sociedade executada, mantendo essa qualidade de gerente único da sociedade executada desde 11-08-2011 até 15-03-2013”. Para mais, sublinha a Fazenda Pública, “o oponente nenhuma prova fez chegar – tanto aos autos executivos como aos autos de oposição – sobre o não exercício da gerência de facto na sociedade executada, no período que mediou entre 11-08-2011 e 15-03-2013”, sendo certo que “tendo o oponente figurado como único gerente nominal da executada originária durante o período que mediou entre 11-08-2011 e 15-03-2013 (…) o que daí resulta não é uma presunção legal, por certo, mas uma presunção natural, baseada nas regras da experiência comum, de que, por um lado, o oponente também há-de ter exercido as funções para que se nomeou como um dos dois únicos sócios da sociedade”.

Vejamos, então, se, como defende a Fazenda Pública, o Tribunal a quo errou ao considerar a ilegitimidade do revertido, por falta de demonstração do exercício de facto da gerência da devedora originária.

Tal como resulta da matéria de facto, encontra-se registada na CRC de Lisboa a nomeação do Oponente/Recorrido como gerente da sociedade “M........... – Indústria ………., Lda. – Em liquidação” desde 8/12/2010, ao lado da gerente A ……………... A gerente A………… cessou as suas funções por renúncia em 10/08/11 e o M.............. fê-lo em 15/03/2013. Resultou ainda demonstrado que a sociedade devedora originária obrigava-se com a assinatura de um gerente.

Ora, a AT reverteu a execução fiscal contra o Recorrido, M …………., com base na gerência de facto da M..........., nos termos do disposto no artigo 24º, nº1, alínea b) da LGT.

Dispõe tal preceito nos seguintes termos:

«1 - Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

(…)

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento».

Como é evidente, a reversão operada ao abrigo da apontada alínea b) do nº1 do artigo 24º da LGT, pressupõe que o gerente de facto o tenha sido no momento em que se verifica o termo do prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tributárias, sendo que nesta hipótese, e se assim for, caberá ao revertido provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento.

É para nós claro, atentas as especificidades do caso concreto, como o Tribunal a quo evidenciou, que a AT não demonstrou o que lhe competia, isto é, que o revertido era gerente de facto da devedora originária no período temporal aqui em causa, não oferecendo dúvidas que é à Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão, que cabe fazer a prova do exercício da gerência.

Na verdade, em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, fácil é concluir que não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respetivas funções. Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efetivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.

Com efeito, e como repetidamente se vem considerando na jurisprudência, da gerência de direito não se retira, por presunção, a gerência de facto.

A este propósito, deixamos transcritas as considerações feitas no acórdão do TCAN, de 30/04/14, processo nº 1210/07.5, as quais assumem aqui inteira pertinência:

“(…)

Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).

De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.

No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.

E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).

Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.

Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»

Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que o revertido tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.

Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar” (fim de citação).

Ora, da factualidade apurada resulta que, entre 11/08/11 e 15/03/13, o oponente era gerente único da M..........., em resultado da renúncia apresentada pela A……………. Mais se apurou que a empresa se obrigava com a assinatura de um gerente. Em março de 2013 o Oponente comunicou a sua renúncia.

Daquilo que se trata, no que vem evidenciado, é da gerência de direito, a qual, repete-se, não foi questionada pelo revertido.

Note-se que, já em sede de direito de audição (e na p.i de oposição também), o executado, aqui Recorrido, defendia que nunca tinha exercido de facto a gerência da devedora originária, que a mesma sempre tinha sido exercida por F …………………., que nunca teve qualquer interferência nas decisões de gestão da executada e que desconhecia se o património da devedora era, ou não, suficiente para pagar as dívidas, precisamente por nada saber sobre o negócio da originária devedora. Nessa ocasião, como o mesmo refere na p.i de oposição, foi requerida ao órgão da execução fiscal a audição de duas testemunhas, o que não foi acolhido.

Na realidade, a AT, em sede de reversão, limitou- se a invocar a condição de gerente nominal (único, num determinado período temporal) do Oponente relativamente à devedora originária. Aliás, não obstante a alegação e requerimento de prova, o Chefe de Finanças, no despacho de reversão, avança com interrogações, tais como: “A gerência foi exercida por quem? Quem foi nomeado como gerente?” A estas perguntas seguiu-se a resposta singela: “O requerente era o gerente de facto em 05/02/13”.

Assim procedeu também a Fazenda Pública em sede de contestação.

Note-se que a gerência de facto de uma sociedade consiste “no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139” – cfr. acórdão do TCA Norte, de 30/04/14, no processo nº 1210/07.5 BEPRT.

É verdade – e este parece ser o argumento de maior peso apresentado pela Fazenda Pública - que o Oponente era, desde 11/08/11 e até à sua renúncia, o único gerente da sociedade executada, o que parece levar a Recorrente a considerar que a viabilidade funcional da devedora originária ficaria comprometida sem a intervenção do oponente.

Contudo, como se considerou no acórdão do TCA Norte, de 12/06/14, no processo nº 00013/12.0BEBRG, “tal argumento não se revela assim tão decisivo, na medida em que, se bem que se afigure compreensível que se postule a necessidade da respectiva intervenção no que concerne ao giro comercial normal da executada originária, tal apenas é legítimo, no entanto, à luz do enquadramento legal aplicável, nada impedindo, de facto, que ela exerça a actividade para que se constituiu, negociando com clientes e fornecedores, sem o acatamento da aludida prescrição estipulada no pacto e que, como é sabido, inúmeras vezes é desconhecida daqueles que entram em relações comerciais com as empresas que assim operam.

Ou seja e dito de outra forma, a circunstância do pacto estipular a necessidade da assinatura de um ou mais sócios da executada originária para a poderem vincular perante terceiros, não acarreta forçosamente que ela assim tenha procedido, podendo ter girado comercialmente sem respeitar tal condicionalismo, sendo certo que tal conduta apenas se reflecte ao nível da sua responsabilidade perante aqueles e, por consequência, se e na medida em que não cumpra os acordos e transacções comerciais que tenha celebrado” – no mesmo sentido, o acórdão deste TCA de 06/12/18, processo nº 550/11.3 BESNT.

Refere a Recorrente nas suas conclusões de recurso que o Recorrido “não apresentou uma única prova, de alguma tipologia, de que a essa nomeação não se seguiu, máxime no período aqui relevante, um efectivo exercício dessas funções, como lhe era lícito que o fizesse”.

Sucede, porém, que esta falta de prova por parte do Recorrido não assume o relevo que a Fazenda Pública lhe pretende dar, até porque, como explicado anteriormente, o ónus da prova do exercício da gerência cabia à Fazenda Pública e esse não se mostra cumprido. Dito de outro modo, a circunstância de não ter sido acolhido na matéria de facto um determinado circunstancialismo alegado e tendente a demonstrar o não exercício da gerência, não pode beneficiar a Fazenda Pública que estava onerada com a prova (positiva) da efetiva gestão da devedora originária e que, desde a primeira hora (leia-se, desde o direito de audição) ignora esse ónus, bem como a alegação e prova requerida pelo revertido. Dito de outro modo ainda, entende-se que a montante da prova do não exercício da gerência, se impunha a demonstração pela Fazenda Pública de tal exercício, da prática de atos de gestão.

Ora, nada disso foi feito, repete-se.

A Fazenda limitou-se a alegar a gerência nominal do M …………….., para daí extrair como consequência a gerência de facto da M............

No nosso entendimento, os factos trazidos aos autos não permitem que este Tribunal se afaste das conclusões alcançadas em 1ª instância, pois ficou por demonstrar uma realidade suscetível de evidenciar o exercício efetivo dos poderes de gerência por parte do ora Recorrido (o que não se mostra contrariado pela gerência única num determinado lapso temporal), sendo que, como antes já dissemos, era sobre a FP que recaia o ónus de provar o exercício da mesma.

Em suma, não se provando o exercício efetivo da gerência, o qual é pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efetivar através da reversão, é evidente que só se pode manter a sentença recorrida que julgou verificado o fundamento de oposição previsto no artigo 204º, nº1, alínea b) do CPPT.

Na mesma linha decisória, relativamente ao mesmo Recorrido e a dívidas de IVA do mesmo ano e da mesma devedora originária, pode ver-se o acórdão deste TCA Sul de 05/03/20, proferido no processo nº 485/14.8 BELRS.

Tanto basta, pois, sem necessidade de maiores considerandos, para concluir pela improcedência das conclusões da alegação de recurso, impondo-se, como tal, confirmar a decisão sindicada, negando-se provimento ao recurso jurisdicional em análise.


*

III - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 14/10/21


Catarina Almeida e Sousa

Isabel Fernandes

Lurdes Toscano