Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:341/13.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/15/2021
Relator:ANA PINHOL
Descritores:RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA;
GERÊNCIA DE FACTO;
FIXAÇÃO DA RESIDÊNCIA DOS ADMINISTRADORES DA DEVEDORA.
Sumário:I.A responsabilização subsidiária ao abrigo do artigo 24.º, nº 1 da LGT exige a prova da gerência efectiva ou de facto, o efectivo exercício de funções de gerência, não se bastando com a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.

II.É sobre a administração tributária, enquanto exequente e como titular do direito de reversão, que recai o ónus de alegar e provar os factos integradores do efectivo exercício da gerência.

III.Por força do disposto no artigo 36.º, n.º 1, alínea c), do CIRE, na sentença que declarar a insolvência, o juiz identifica e fixa residência aos administradores do devedor, bem como ao próprio devedor.

IV.A fixação da residência dos administradores da devedora, tem por finalidade fixar o domicílio para onde hão-de ser remetidas as notificações,evitando-se, assim, demoras na comunicação dos actos, não permitindo à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão quanto à gerência efectiva do Oponente.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO



I.RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença do Meritíssimo Juiz do TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA, que julgou procedente a oposição apresentada por M..................., enquanto revertida, no âmbito da execução fiscal nº………… e apensos, originariamente instaurada contra a sociedade « C.................., SARL», para a cobrança coerciva de dívidas de Imposto de Valor Acrescentado (IVA) e Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS) (retenções na fonte), no valor global de 20.840,69€.

Tendo alegado, formulou, a final, as seguintes conclusões:

«A.Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se considera que se pode extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida.

B.Na presente oposição, considerou o douto Tribunal que a administração fiscal não logrou demonstrar que a Oponente haja exercido a gerência de facto da sociedade, concluindo pela procedência do pedido e julgando a Oponente parte ilegítima para os processos de execução fiscal, nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 204.° do CPPT.

C.Salvo o devido respeito, por opinião contrária, não pode a Fazenda Pública concordar com tal decisão, pois se por um lado esteve bem o serviço de finanças ao considerar a Oponente como administradora de direito da sociedade (ponto 4 dos factos provados) “Analisada a certidão comercial da sociedade devedora originária ...Considerando que os contribuintes referidos foram nomeados para o cargo de administrador..., ” e constatando que “a) M................... ... €31.763,90... Ora, nos termos do n.° 1 do artigo 399.° do Código das Sociedades Comerciais ... o exercício de funções de administrador é remunerado ...”. Isto ainda considerado o facto de na certidão permanente serem duas assinaturas vinculativas da sociedade, assim considerando só existirem dois administradores, desde a renuncia de 24/01/2011. Seria obrigatoriamente necessário que a oponente participasse ativamente na vida societária.

Não obstante, há ainda que relevar o seguinte:

D.Importa dizer que na petição inicial a Oponente não confirma o exercício de gerência, no entanto também não desmente, vem só e apenas salientar que se trata de um ónus que pertence à esfera da administração fiscal.

E.No entanto, junta com a sua petição inicial, o doc. 1 e o doc. 2 que se tratam duas sentenças proferidas nos processos de insolvência; No doc. 1 relativamente ao processo de insolvência da própria Oponente, sendo bastante relevante para a questão que se afigura e onde consta a seguinte informação que passamos a transcrever “ ... - desde 1981, sempre trabalhou como Administradora e Directora Financeira da empresa “C.................. S.A.”, fundada pelo seu pai, sendo que, face à crise económica instalada no país, tal empresa, fornecedora do Estado, teve de se apresentar à insolvência, que foi decretada, ficando a requerente sem qualquer vencimento, o que a levou a pedir a reforma antecipada, no valor de 1.193,18 mensais; - u, como avalista ou fiadora, resultantes de financiamentos concedidos ao “C.................., S.A. ”, tendo dívidas que ascendem, pelo menos, a €280.476,44, não tendo como honrá-las posto que todo o rendimento que dispõe - proveniente da reforma - é consumido pelas despesas domésticas (mensais) essenciais no valor, indicado, de €1.400,00 -, sendo que vive em casa dos filhos maiores e tem a seu cargo um irmão, que se encontra desempregado e sem quaisquer rendimentos;”

F.No doc. 2, onde figura a sentença de insolvência relativa à sociedade, no processo n.° 678/12.2TYLSB, consta também no ponto 2, a seguinte informação “Fixo a residência aos administradores da insolvente em: a) M................... – Rua…………., 4.° C 2.° D ……….Lisboa".

G.Com se costuma dizer perante os factos não há argumentos e neste caso cremos que não existem dúvidas quanto ao facto da Oponente ter sido administradora, nomeadamente “...desde 1981, sempre trabalhou como Administradora e Directora Financeira da empresa “C............. S.A.”.

H.Pelo que estranhamos que apesar de constar nos autos a respetiva prova, através de declarações realizadas pela própria e efetivamente escritas em documentos oficiais, tenha sido feita tabua rasa pelo douto tribunal que não teve em atenção, salvo a devida vénia, primeiramente aos documentos ora juntos e também que uma sociedade não pode permanecer em atividade sem que existam pessoas para a gerir, sendo que neste caso com exclusividade para vincular a sociedade e que efetivamente é necessário e intransponível que o façam, na documentação que houver para assinar, designadamente perante bancos, fornecedores, clientes, AT, Segurança Social, entre outras.

I.Perante tal quadro factual não pode a Fazenda Pública concordar com a desconsideração de tais documentos, provando-se que a Oponente foi nomeada gerente e que no período temporal a que se reportam as dívidas exequendas exerceu de facto esse cargo que assumiu.

J.Inclusivamente quando se encontra também devidamente evidenciado que a Oponente “...assumiu responsabilidades bancárias, como avalista ou fiadora, resultantes de financiamentos concedidos ao “C.................., S.A.”.

K.Significando, pois, que não se poderia tratar de uma mera funcionária que cumpria ordens, pois que se assim fosse, não se iria responsabilizar pelas dívidas da sociedade, como fiadora.

L.Assim e salvo o devido respeito, a prova ínsita nos autos e, as consequências necessárias que dali de aferem sustentam a posição da Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão da execução fiscal contra a responsável subsidiária, devendo ser considerada legitima a reversão contra o recorrida.

I.Por todo o exposto, deveria determinar-se a improcedência da oposição pela convição da gerência de facto da Oponente/Recorrida, formada a partir do exame crítico das provas.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA»


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal Central, pugnou no seu douto parecer pela improcedência do recurso.
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Colhidos os «Vistos» dos Ex.mos Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir, submetendo-se para o efeito os autos à Conferência.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a questão a decidir é a de saber se em face da factualidade que se tenha como provada, se mostra acertada a procedência da oposição com fundamento na ilegitimidade (substantiva) da Oponente para a execução fiscal.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

A.DOS FACTOS

Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:

«1. Em 12/09/2011 foi instaurado sobre a sociedade C.................., SARL o processo de execução fiscal n.° ………….onde se encontra em cobrança dívida de IRS, relativa a retenções na fonte, referente ao exercício de 2011 - cfr. fls. 31 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.

2. Ao processo de execução fiscal referido em 1. foram apensos os processos de execução fiscal n.°s……….., …………, ………. e …….. referentes a dívidas de IVA e IRS (retenções na fonte) do ano 2011 - cfr. fls. 32, 34, 33 e 44 e 45 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.

3. Da apensação referida em 2. resultou que no processo de execução fiscal n.° ………….e apensos se encontram em cobrança dívidas de IVA e IRS referente ao ano de 2011 no valor global de 20.840,69€ - cfr. fls. 178 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.

4. Foi elaborada pelo órgão da execução fiscal informação com o seguinte conteúdo: “...Os processos de execução fiscal n.° ………..e aps. foram instaurados contra a sociedade C.................., S.A., por falta de entrega nos cofres do Estado de IVA e montantes de IRS retidos na fonte. A sociedade devedora originária foi declarada insolvente em 04 de Maio de 2012 e, tendo-se verificado a falta de bens penhoráveis na sua esfera jurídica foi preparada a reversão das dívidas contra os responsáveis subsidiários, nos termos dos artigos 23° e 24° da Lei Geral Tributária... para os efeitos do n.° 2 do artigo 23° da LGT, refira-se que não foram encontrados bens da devedora originária que satisfaçam o crédito do Estado. De facto, não foram localizados bens sujeitos a registo e os pedidos de penhora efectuados pelo órgão de execução nas diligências de cobrança que efectuou, tiveram resposta negativa das entidades notificadas... Analisada a certidão comercial da sociedade devedora originária, verifica-se que nos períodos em causa exerceram as funções de administrador os contribuintes: a) M...................... Compulsados os elementos disponíveis ao órgão de execução, verifica-se os contribuintes supra referidos auferiram em 2011 rendimentos da categoria A pagos pela sociedade devedora originária, com os valores seguintes: a) M...................... € 31.763,90... Ora, nos termos do n.° 1 do artigo 399° do Código das Sociedades Comerciais... o exercício das funções de administrador é remunerado, tendo em conta as funções desempenhadas e a situação económica da sociedade. Considerando que os contribuintes referidos foram nomeados para o cargo de administrador, de acordo com a certidão de registo comercial (administração de direito), e cada um auferiu em 2011 em média €2.268,85/mês, pode afirmar- se que, sem margem para dúvida, ambos exerceram de facto as funções de administração da C.................., S.A. (administração de facto). Nestes termos conclui-se que estão reunidos os pressupostos legais da reversão das dívidas tributárias da sociedade C.................., S.A.... que deram origem aos processos de execução n.° ………….. e apensos contra M...................... por responsabilidade subsidiária, nos termos da al. b) do n.° 1 do artigo 24° da LGT. ” - cfr. fls. 176 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.

5. Por referência à informação referida em 4. foi proferido pelo órgão da execução fiscal despacho com o seguinte conteúdo: “ ...Verificada a inexistência de bens penhoráveis em nome da originária devedora... em conformidade com o disposto no n.°2 do artigo 23°da LGT, e tendo os interessados sido notificados para o exercício do seu direito de audição, sem que o tivessem feito até à presente data, cumpre decidir. As dívidas deram origem aos processos de execução n.° …………e apensos respeitam a IVA e retenção na fonte de IRS entre Julho e de 2011 e Fevereiro de 2012, não entregues nos cofres do Estado. Analisada a certidão do registo comercial, conclui-se que M...................... foram nomeados para o exercício dos cargos de administrador da sociedade C.................., S.A., para o período em que terminou o prazo de entrega dos tributos e auferiram rendimentos da categoria A de IRS em 2011. Face ao exposto, mostra-se inequívoco o exercício das funções de administrador de direito e de facto, reunindo-se assim os pressupostos da responsabilidade subsidiária, nos termos e para os efeitos dos artigo 23° e 24° da LGT. Fazendo total apropriação dos pressupostos em que assentou o projecto de decisão, reverta-se a execução fiscal contra: M...................... ” - cfr. fls. 176v do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.

6. Na decorrência do constante de 5., foi proferido pelo órgão da execução fiscal “Despacho de reversão” com o seguinte conteúdo: “... Face às diligências de fls. e estando concretizada a audição do(s) responsável(veis) subsidiário(s), prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra M................... contribuinte n°………... na qualidade de Responsável Subsidiário, pela divida abaixo discriminada. Atenta a fundamentação infra, a qual tem de constar da citação, proceda-se à citação do(s) executado(s) por reversão, nos termos do Art.° 160° do C. P. P. T. para pagar no prazo de 30 (trinta) dias, a quantia que contra si reverteu sem juros de mora nem custas (n.° 5 do Art.° 23° da L. G. T). Fundamentos da Reversão... Fundamentos de emissão central. Insuficiência de bens da devedora originária (art.° 23/2 e 3 da LGT): decorrente de situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada(IES) e/ou em fase de insolvência declarada pelo Tribunal. Gerência (administrador, gerente ou director) de direito (art.° 24/1/b da LGT), no términus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT); Gerência de facto, decorrente da remuneração de categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante nos artigos 255°e/ou 399°do Código das Sociedades Comerciais... Total: 20.840,69 EUR... ” - cfr. fls. 180 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.

7. Na decorrência do constante de 6. foi elaborada citação, por reversão, da Opoente para o processo de execução fiscal n.° …………e apensos, a qual apresentava como “Fundamentos da Reversão... Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art.° 23°/n.° 2 da LGT): Fundamentos de emissão central. Insuficiência de bens da devedora originária (art.° 23/2 e 3 da LGT): decorrente de situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada(IES) e/ou em fase de insolvência declarada pelo Tribunal. Gerência (administrador, gerente ou director) de direito (art.° 24/1/b da LGT), no términus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT); Gerência de facto, decorrente da remuneração de categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante nos artigos 255° e/ou 399° do Código das Sociedades Comerciais...” - cfr. fls. 178 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.

8. A citação referida em 7. foi remetida à Opoente através de carta registada com aviso de recepção, tendo o respectivo aviso de recepção sido assinado em 28/12/2012 - cfr. fls. 194 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.

9. A Opoente consta como administradora da sociedade referida em 1. desde a sua constituição - cfr. fls. 127 a 129 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.

10. A presente acção deu entrada em 28/01/2013.

Factos não provados.

Com relevância para a pronúncia a emitir nos presentes autos, inexistem factos que importe dar como não provados.

Motivação da decisão sobre a matéria de facto.

A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes dos autos e no processo de execução fiscal apenso, referidos em cada uma das alíneas do elenco dos factos provados, os quais não foram impugnados, merecendo a credibilidade do tribunal, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova.»


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Alteração oficiosa, por ampliação, da decisão sobre a matéria de facto

Por se entender relevante à decisão de mérito a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, adita-se, ao probatório, a coberto do estatuído no artigo 662.º, nº1, do CPC ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

11) Na conservatória do Registo Comercial de Lisboa, 4.ª secção, foram inscritos na matrícula da sociedade « C.................., SA.», os seguintes factos:

«Forma de obrigar: As assinaturas de dois Administradores

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO:

M..................

M..................

R...................

Ap.48/20110208

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO

M..................

Causa: renúncia

Data: 2011.01.24» (fls. não numeradas do processo de execução fiscal)


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B. DO DIREITO

A execução fiscal, por dependência da qual foi deduzida a presente oposição, respeita a dívidas de IVA e IRS (retenções na fonte) do ano de 2011, inicialmente exigida à sociedade denominada «C.................. S.A.» no montante de 20.840,69€, revertida contra M..................., considerada responsável subsidiária por aquelas dívidas, na qualidade de administradora daquela sociedade.

Por sentença do Meritíssimo Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa a oposição deduzida pela Oponente no âmbito do processo de execução supra identificado, foi julgada procedente alicerçada na seguinte argumentação: « (…)o órgão da execução fiscal não enunciou nenhum facto (ocorrência da vida real) demonstrativo de que a Opoente tivesse uma acção decisiva no desenvolvimento da actividade da sociedade devedora originária. Sustentando-se o órgão da execução fiscal somente na circunstância de a Opoente constar como administradora da sociedade devedora originária na certidão do registo comercial e de a sociedade devedora originária ter pago à Opoente rendimentos da categoria A de IRS no ano de 2011. O que, como já vimos, se mostra manifestamente insuficiente para que se possa concluir pelo exercício da gerência de facto pela Opoente. E isto porque, como bem já deixámos explícito nos excertos que supra transcrevemos, inexiste qualquer presunção legal que imponha a conclusão de que uma vez verificada a gerência de direito/nominal se tenha por verificada a gerência de facto da sociedade devedora originária.».

Entende a Fazenda Pública, por sua vez, que o Tribunal «a quo» incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao concluir pelo não exercício efectivo da gerência da sociedade executada pela Oponente e, nessa medida, era parte legítima para a execução.

Vejamos, se lhe assiste razão.

Como é sabido, o regime da responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador da responsabilidade (cfr artigo 12º do Código Civil), assim porque as dívidas exequendas se constituíram no ano 2011, (cfr. pontos 1, 2. e 3 do probatório) é de aplicar o regime previsto no artigo 24.º da LGT.

Este artigo 24.º, n.º 1 da LGT estabelece o seguinte:

«1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação (…)

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.(…) ».

À luz do regime da responsabilidade subsidiária descrito em qualquer uma das suas alíneas a possibilidade de reversão não se basta com a gerência de direito, exigindo-se o exercício de facto da gerência (neste sentido, entre muitos outros, vide o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.03.2011, proferido no processo n.º 944/10, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Sabido que são os gerentes de facto quem exterioriza a vontade da sociedade nos respectivos negócios jurídicos, que são eles quem manifesta a capacidade de exercício de direitos da sociedade, quem toma decisões sobre o destino das suas receitas e quem dá ordens de pagamento em nome e no interesse dela, exteriorizando, por essa via, a vontade da sociedade e vinculando-a com a sua assinatura perante terceiros (cfr. artigo 260.º nº 4 do Código das Sociedades Comerciais -CSC-).

Tal como vem sendo entendimento pacífico, reiterado e uniforme da jurisprudência, é à Fazenda Pública, como titular do direito de reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário, que compete fazer a prova da gerência como pressuposto da obrigação de responsabilidade subsidiária.

No caso dos autos, resulta provado que a Oponente foi nomeada administradora da sociedade originária devedora desde a data da constituição da sociedade conjuntamente com R.................. e que para obrigar a sociedade eram necessárias as assinaturas dos dois administradores [cfr. Ponto 11) do Probatório].

Neste contexto factual, resulta sem margem para dúvidas que a Oponente era administradora de direito da sociedade executada originária, quer no período em que as dívidas se constituíram, quer no período em que se venceram.

Contudo, como é sabido, não há uma disposição legal que estabeleça que a titularidade da qualidade de gerente faz presumir o exercício efectivo do respectivo cargo. Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (artigos 350.º e 351.º do CC).

Assim, a prova da gerência de direito não permite presumir, nem legal nem judicialmente, a gerência de facto, impondo-se ao exequente fazer a respectiva alegação e subsequente prova, sob pena de contra si ser valorada a falta sobre o efectivo exercício da gerência (neste sentido, vide - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção do Contencioso Tributário) de 28.2.2007, proferido no processo n.º 1132/06, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

A este propósito, e como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10.12.2008, proferido no processo n.º 861/08, « (…) o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.

E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.

Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.».

O que equivale dizer, que o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.

Neste caso em concreto, compulsada a matéria de facto provada não se divisa na mesma qualquer facto que indicie o exercício da gerência de facto da sociedade executada por parte da Oponente.

É certo que do probatório consta que a Oponente é administradora da devedora originária, juntamente com outro administrador e que para obrigar a sociedade eram necessárias as assinaturas de dois administradores [cf. Ponto 11. do probatório] e que recebeu rendimentos de trabalho dependente (da categoria A) pagos pela devedora originária.

Porém, ainda que conjugados e relacionados tais elementos, perante a ausência de qualquer outra realidade fáctica mostram-se insuficientes para demonstrar o exercício efectivo da gerência.

É que mesmo que tenha ficado demonstrado que a Oponente auferiu rendimentos pagos pela devedora originária, nunca tal facto, poderá conduzir à conclusão que a mesma exercia a gerência de facto, por tal circunstância estar longe de integrar a prática de concretos actos que exprimam poderes representativos e poderes administrativos face à sociedade devedora originária (v.g.contacto com os fornecedores; pagamento do salário aos empregados).

Por outro lado, embora não se ignore a referência efectuada pela recorrente no sentido de que a Oponente «(...) assumiu responsabilidades bancárias, como avalista ou fiadora, resultantes de financiamentos concedidos ao “C.................., S.A.”.», o certo é que trata-se, todavia, de uma afirmação indefinida e genérica pois não está situada no tempo.

Para além de que, não obstante na sentença de insolvência relativa à devedora originária (processo n.° 678/12.2TYLSB), conste a seguinte menção: «Fixo a residência aos administradores da insolvente em: a) M................... – Rua…………, 4.° C 2.° D …….Lisboa», a verdade é que a fixação da residência dos administradores da devedora, nos termos da alínea c) do artigo 36.º do CIRE, tem unicamente por finalidade fixar o domicílio para onde hão-de ser remetidas as notificações, evitando-se, assim, demoras na comunicação dos actos (Neste sentido Pedro Macedo, Manual de Direito das Falências, Vol. II, pág. 52) nada permitindo extrair, de conclusivo, quanto à efectividade da gerência.

Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, a estatuição prevista na alínea c) do artigo 36.º do CIRE, visa-se «estabelecer a localização do insolvente e administradores, retirando-lhe a possibilidade legal de mudar livremente de residência, de modo a assegurar que estejam sempre contactáveis para o cumprimento das obrigações para eles decorrentes da declaração de insolvência, nomeadamente no que respeita aos deveres de apresentação e colaboração.» (CIRE Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris, a pág. 265).

Em face de tudo o que vem de dizer-se, resulta que a Fazenda Pública não logrou provar, como lhe competia, que, para além de deter a qualidade de administradora de direito da executada originária, a Oponente também exercia de facto a administração enquanto pressuposto, da responsabilidade subsidiária que se efectiva através da reversão, sendo que a lei, como já atrás dissemos, não estabelece qualquer presunção que inverta o ónus da prova nesta matéria.

Em último caso, fica pelo menos, uma dúvida substancial e fundada sobre o efectivo exercício da gerência da sociedade executada por parte da Oponente, de modo que, competindo à Fazenda Pública o ónus probatório do exercício efectivo da administração por parte da oponente, a tal título, como responsável subsidiário, e sendo a presunção desse mesmo exercício, decorrente da respectiva qualidade jurídica, meramente de facto ou judicial, então forçoso se impõe concluir que a referida dúvida tem desfavorecer a Fazenda Pública.

Termos em que se impõe manter a sentença recorrida, que julgou verificado o fundamento de oposição previsto no artigo 204.º, nº1, alínea b) do CPPT, improcedendo todas as conclusões de recurso.

IV.CONCLUSÕES

I.A responsabilização subsidiária ao abrigo do artigo 24.º, nº 1 da LGT exige a prova da gerência efectiva ou de facto, o efectivo exercício de funções de gerência, não se bastando com a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.

II.É sobre a administração tributária, enquanto exequente e como titular do direito de reversão, que recai o ónus de alegar e provar os factos integradores do efectivo exercício da gerência.

III.Por força do disposto no artigo 36.º, n.º 1, alínea c), do CIRE, na sentença que declarar a insolvência, o juiz identifica e fixa residência aos administradores do devedor, bem como ao próprio devedor.

IV.A fixação da residência dos administradores da devedora, tem por finalidade fixar o domicílio para onde hão-de ser remetidas as notificações, evitando-se, assim, demoras na comunicação dos actos, não permitindo à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão quanto à gerência efectiva do Oponente.

V.DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes que integram a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente.


Lisboa, 15 de Abril de 2021


[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Isabel Fernandes e Jorge Cortês]


(Ana Pinhol)