Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1200/16.7BESNT-A
Secção:CA
Data do Acordão:06/18/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL,
PRESCRIÇÃO,
DANO MORTE,
ARTIGOS 498.º, N.º 1 E 306.º, DO CC.
Sumário:I. O direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas de direito público prescreve nos termos do artigo 498.º do CC.

II. O artigo 5.º do RRCEE, aprovado em anexo à Lei n.º 67/2007, de 31/12, acolhe remissivamente a disciplina estabelecida no artigo 498.º do CC sobre a prescrição, preceito que na sistemática do Código Civil se encontra inserido no regime da “Responsabilidade civil por factos ilícitos”, previsto no artigo 483.º e segs. do CC.

III. O artigo 5.º do RRCEE não opera uma remissão genérica ou global para o regime da prescrição previsto no Código Civil, nos termos em que o instituto se encontra previsto e regulado no artigo 300.º e segs., por antes proceder a uma remissão para o regime da prescrição previsto no âmbito da regulação da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos.

IV. O artigo 498.º, n.º 1 do CC estabelece o prazo de prescrição – 3 anos –, assim como o dies a quo relevante que marca o início da contagem do prazo, regulando, por isso, quer o prazo, quer o termo inicial da contagem do prazo de prescrição.

V. Não estabelece o artigo 5.º a remissão para qualquer outra matéria respeitante à prescrição, mas tão só a referente à suspensão e interrupção da prescrição.

VI. Disciplinando o artigo 498.º, n.º 1 do CC quer o prazo de prescrição, quer o momento a partir do qual tal prazo se inicia, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e a da extensão integral dos danos, não é aplicável à presente ação o disposto no artigo 306.º, n.º 1 do CC.

VII. O disposto no artigo 498.º, n.º 1 do CC ao disciplinar quer o prazo, quer o termo inicial da contagem do prazo, não só não carece da aplicação do disposto no artigo 306.º, n.º 1 do CC, como se mostra incompatível com a sua regulação, visto se preverem em tais preceitos regras diferentes de termo inicial da contagem do prazo de prescrição.

VIII. Se o prazo de prescrição do direito à indemnização, fundada no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas coletivas públicas, inicia a sua contagem sob a regra especial prevista no artigo 498.º, n.º 1 do CC, tal como dispõe o artigo 5.º do RRCEE, não se pode aplicar afastar essa regra e aplicar a regra de contagem de prazo prevista em geral no artigo 306.º, n.º 1 do CC.

IX. O direito de indemnização, segundo o disposto no artigo 498º do CC, prescreve a contar da data em que o lesado teve conhecimento da verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade do lesante, ou seja, o prazo prescricional conta-se a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade (o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade), soube ter direito à indemnização.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

D..........., SA, antes designada Hospital A..........., SA, devidamente identificada nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 09/11/2016, que no âmbito da ação administrativa instaurada por R..........., M..........., H........... e N..........., contra C..........., W..........., A…………………….., o Hospital A..........., SA e a F…………, SA, julgou improcedente a exceção de prescrição, determinando o prosseguimento da ação.


*

Formula a Ré, aqui Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:

I. O Despacho recorrido incorre num erro na determinação da norma aplicável, uma vez que o artigo 306.º do Código Civil não é aplicável ao caso dos autos, mas apenas e somente o disposto no artigo 498.º daquele diploma.

II. O artigo 5.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas - aplicável ao caso dos autos nos termos do artigo l.º, n.º 5 daquele diploma - remete expressamente, em matéria de prescrição da responsabilidade civil, para o disposto no artigo 498.º do Código Civil e para as regras relativas à suspensão e interrupção da prescrição (ou seja , para os artigos 318.º a 327.º daquele diploma).

III. Como resulta do próprio Despacho recorrido, o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas é o único regime aplicável nesta matéria.

IV. Assim, para efeitos do início da contagem do prazo de prescrição da putativa responsabilidade civil da ora Recorrente deve ter-se única e exclusivamente em conta o disposto no artigo 498.º do Código Civil e já não, como faz o Despacho recorrido, o disposto no artigo 306.º daquele diploma.

V. Os artigos 5.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, 498.º e 306.º do Código Civil, tal com o interpretados conjuntamente pelo Despacho recorrido, i.e., no sentido de que o prazo de prescrição só começou a correr após o trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito do processo penal é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 2.º e 3.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.

VI. A norma do artigo 498.º do Código Civil constitui norma especial face à norma geral do artigo 306.º, pelo que o termo inicial do prazo de prescrição nele previsto aplica-se preferencialmente no seu domínio específico de aplicação - i.e., da responsabilidade civil extracontratual -, ficando afastado o regime daquela última norma.

VII. Foi intenção clara e expressa do legislador adotar um regime especial para o termo inicial da contagem do prazo da prescrição quando está em causa a responsabilidade civil extracontratual (n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), não se justificando qualquer interpretação restritiva do artigo 498.º do Código Civil que afaste do seu campo de aplicação os casos em que o lesado estaria impedido de exercer o direito na data em que teve conhecimento do mesmo.

VIII. O n.º 1 do artigo 321.º do Código Civil prevê a suspensão do prazo de prescrição “durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior, no decurso dos últimos três meses do prazo”, donde resulta que na perspetiva legislativa, é razoável que o prazo de prescrição corra em situação em que o credor está impossibilitado de o exercer desde que seja assegurado o prazo mínimo de três meses para exercer o direito, ficando assegurado o equilíbrio entre as soluções jurídicas.

IX. O Despacho recorrido fez uma incorreta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 306.º do Código Civil e 71.º e 72.º do CPP.

X. Nos termos do artigo 72.º, n.º 1, alínea f) do CPP o pedido de indemnização cível dos Recorridos nunca esteve sujeito ao princípio da adesão, donde resulta que os Recorridos estavam em condições de exercer o seu putativo direito desde 10 de Agosto de 2008, i.e., desde a data em que a Srª. Dª. F........... veio a falecer e que, portanto, os Recorridos tiveram conhecimento do direito indemnizatório que alegadamente lhes compete.

XI. A responsabilidade civil emergente de crime a que se refere o artigo 71.º do CPP é aquela que pode ser efetivada "perante o tribunal civil" e cuja disciplina substantiva se encontra "regulada pela lei civil", conforme prevê o artigo 129.º do Código Penal, sendo certo que a responsabilidade civil ora em apreciação encontra a sua disciplina substantiva no Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, sendo o seu conhecimento da competência dos tribunais administrativos (cfr. artigo 4.º, n.º 1, alínea h) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, na versão aprovada pelo Decreto-Lei n.º 214- G/2015, de 2 de Outubro).

XII. Nada impedia que os Recorridos tivessem instaurado ação autónoma de indemnização contra a ora Recorrente ao abrigo do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, pelo contrário, não sendo os tribunais comuns competentes para julgar tal acção de responsabilidade civil, impunha-se mesmo aos Recorridos que tivessem instaurado uma tal ação autónoma, nos tribunais administrativos.

XIII. Não estando o direito indemnizatório dos Recorridos sujeito ao princípio da adesão vigente no processo penal, não se pode falar em relação à Recorrente, em impossibilidade de exercício do direito nem em interrupção da prescrição do (alegado) direito indemnizatório.

XIV. O Despacho recorrido incorre numa notória incorreta aplicação do disposto nos artigos 323.º, n.ºs 1 e 4 e 327.º, n.º 1 do Código Civil, não se verificando as respetivas previsões normativas.

XV. Note-se, que, não tendo sido parte no processo-crime, a Recorrente nunca foi notificada de qualquer acusação, despacho de pronúncia ou despacho que designasse dia para a audiência de julgamento, não tendo igualmente sido deduzido qualquer pedido de indemnização cível, naquele processo, contra a ora Recorrente e, nesses termos não se verificou qualquer facto interruptivo da prescrição quanto à ora Recorrente, sendo evidente que, para este efeito, é absolutamente irrelevante a eventual interrupção da prescrição quanto aos restantes Réus, resultante daqueles factos.

XVI. Acresce que, a mera pendência de um processo penal não constitui, por si só, uma causa interruptiva do prazo prescricional, sendo certo que o artigo 306.º também, não prevê, em si, uma causa de interrupção do prazo prescricional, mas antes uma regra geral quanto ao termo inicial para esse prazo prescricional (sendo certo que, como vimos, aquela regra geral nem sequer é aplicável ao caso dos autos).

XVII. E, in casu, inexistiu qualquer causa de interrupção da prescrição do putativo direito dos Recorridos, porquanto a Recorrente não foi (i) citada nem notificada judicialmente pelos Recorridos de qualquer acto que exprimisse a intenção de exercerem o seu direito (cfr. artigo 323.º n.º 1 do Código Civil) nem, de resto, foi quanto a ela praticado (iii) qualquer outro meio judicial pelo qual se tivesse dado conhecimento desse mesmo ato (cfr. artigo 323.º, n.º 4 do Código Civil).

XVIII. Sendo irrelevante, para estes efeitos, a eventual interrupção da prescrição quanto aos restantes Réus resultante da citação para o processo-crime, um a vez que a figura da interrupção da prescrição, conforme prevista no artigo 323.º do Código Civil, exigia que os Recorridos tivessem expressado a sua intenção de exercer o direito indemnizatório concretamente contra a ora Recorrente, o que, efetivamente, não lograram fazer.

XIX. De resto, o artigo 323.º do Código Civil, tal como interpretado pelo Despacho recorrido, i.e., no sentido de que o prazo prescrição do putativo direito de indemnização dos Recorridos se considerar interrompido, pela mera existência de um processo-crime do qual a Recorrente não fez parte e sem que essa interrupção resulte de um acto que dê conhecimento ao devedor da intenção de exercer o direito é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 2.º e 18.º da Constituição da República Portuguesa.

XX. Nestes termos, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 498.º do Código Civil, é manifesto que qualquer hipotético direito de indemnização dos Recorridos, com fundamento na responsabilidade civil extracontratual da Recorrente já prescreveu, porquanto a ação de condenação apenas foi instaurada em 17 de Abril de 2015 (e a ora Recorrente apenas citada em 24 de Abril de 2015), ou seja, cerca de 6 anos e 8 meses desde que tomaram conhecido do putativo direito.

XXI. Ainda que se considere aplicável ao presente caso o disposto no artigo 321.º, n.º 1 do Código Civil - o que jamais se concede, e só por dever de patrocínio se equaciona - na hipótese mais favorável aos Recorridos, qualquer hipotético direito de indemnização destes com fundamento em responsabilidade civil extracontratual da Recorrente teria de ter sido exercido até 2 de julho de 2014 (i.e., até ao termo do prazo de três meses após o trânsito em julgado da sentença proferida no processo­ crime).

XXII. Em suma, resulta de tudo o exposto que o Tribunal a quo incorreu num erro na determinação da norma aplicável (que deveria ter sido o artigo 498.º e não o artigo 306.º do Código Civil), bem como num erro na interpretação e aplicação do disposto nos artigos 306.º do Código Civil, 71.º e 72.º do CPP e 323.º do Código Civil.

XXIII. Em face do exposto, deve o Despacho recorrido ser revogado na parte que julgou improcedente a exceção perentória de prescrição e substituído por outro que julgue aquela exceção procedente e, em consequência, absolva a Recorrente do pedido.”.

Pede a revogação da decisão recorrida, pedindo a sua substituição por outra que julgue a exceção procedente e absolva a Recorrente do pedido.


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O Autor, R..........., ora Recorrido contra-alegou o recurso apresentado pela Ré, nele tendo formulado as seguintes conclusões:

“I - Não merece reparo a douta decisão de julgar improcedente a excepção peremptória de prescrição, em sede de despacho saneador.

II - Há Jurisprudência nos Tribunais Superiores, como por exemplo o processo 206/09.7YFLSB, do STJ, 6.º Secção de 13/10/2009, que sustenta que o prazo de prescrição apenas começa a correr com o desfecho do inquérito (o que nos presentes autos aconteceu em 21/01/2011).

III - Já outros Acórdãos como o Acórdão do STJ, processo 198/06.4TBFAL.E1.S1, 1.ª Secção, d.d. 23/10/2012 vai mais longe referindo que o prazo para a prescrição apenas se começa a contar após o trânsito em julgado do processo crime.

IV - Nos presentes autos o trânsito em julgado apenas ocorreu em 02/04/2014.

V - De referir ainda que houve abertura de Instrução cujo despacho de pronúncia ocorreu em 08/02/2012.

VI - Tendo como ponto de partida qualquer uma das referidas datas e de concluir que não ocorreu qualquer prescrição pelo que a presente excepção foi, salvo douta opinião em contrário, correctamente, julgada improcedente.

VII - Não se vislumbra que possa a Ré Recorrente ter qualquer razão na interpretação que faz do artigo 498.º do Código Civil.

VIII - Conta a tese da Ré Recorrente relativamente à sua tese e interpretação normativa temos o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul processo 13102/16, de 21/04/20 l6.

IX - O douto Acórdão do STJ, de 3/12/2009, processo 73/99.7TAVIS.C1.S1, 5.ª secção refere que a pendência do processo crime representa uma interrupção contínua ou continuada do prazo de prescrição do direito à indemnização contra o civilmente responsável, quer o pedido de indemnização cível possa, quer não possa, ser deduzido em separado.

X - Tal Acórdão vai ao encontro do que o Autor afirma nos autos deixando claro que se a actividade ilícita que está na base do pedido de indemnização civil foi realizados pelo médicos enquanto funcionários do Hospital, no exercício das suas funções e por causa desse exercício, ao serviço do Hospital, sendo este demandado, é responsável perante os demandantes, porque responde em vez dos seus agentes.

XI - Qualquer facto interruptivo que possa ser oposto aos agentes. pode ser oposto a quem, em nome e no interesse estavam a agir e praticaram os factos geradores de danos indemnizáveis.

XII - Qualquer facto interruptivo que se possa opor aos agentes. (médicos que praticaram o dano. lesantes. em sentido estrito) pode ser oposto à Recorrente, em nome e no interesse de quem estavam a agir e praticaram os factos que causaram os danos.

XIII - Não houve violação ou má interpretação de qualquer norma jurídica. pelo que nenhuma censura merece a douta decisão proferida em 1.ª Instância e por isso deverá a mesma ser confirmada nos seus exactos termos.”.

Pede que o recurso interposto pela Recorrente seja julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.


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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.º 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e da manutenção da decisão recorrida.

Defende a aplicação do disposto no artigo 306.º, n.º 1 do CC, pelo que, só depois de esgotadas as possibilidades de punição criminal é que o lesado poderá deduzir, em separado, a ação de indemnização.

Assim, o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido.


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Notificada, a Recorrente veio pronunciar-se sobre o parecer emitido pelo Ministério Público, defendendo que segundo o artigo 5.º do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades publicas, o artigo 306.º do CC não é aplicável, mas apenas o artigo 498.º do CC.

Mais defende que não se verificam as previsões dos artigos 306.º do CC e os artigos 71.º e 72.º do CPP.

Além de invocar que não foi parte no processo penal, pelo que, contra si, nunca se poderia falar de interrupção de prescrição.

Reitera a procedência do recurso.


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O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

A questão suscitada pela Recorrente resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de direito quanto à questão da improcedência da exceção perentória de prescrição do direito à indemnização, em violação dos artigos 306.º, n.º 1, 323.º, n.ºs 1 e 4, 327.º, n.º 1 e 498.º, n.º 1, do CC e artigos 71.º e 72.º, n.º 1, f) do CPP.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“Em 21/01/2011, foi deduzida acusação no processo de inquérito criminal.

Em 08/02/2012, foi proferido despacho de pronúncia, na instrução criminal.

Em 14/06/2013, foi proferida a sentença criminal de fls 21/ss dos autos, que condenou os RR médicos pela prática de um crime de homicídio negligente, previsto e punido pelos artigos 15-al b) (negligência inconsciente), e 137-1, do CP [na sentença consta 131-1, do CP, o que só pode ser lapso, pois o crime negligente tem tipo próprio no artigo 137, e o artigo 131, que não tem número, é o crime de homicídio simples, que é doloso, e aliás, é lapso manifesto em face como resulta de pg 25, dessa sentença].

Em 02/04/2014, transitou em julgado a sentença criminal.”.


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Nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, no presente Tribunal ad quem, aditam-se os seguintes factos provados:

A) Em 10/08/2008 faleceu M.......... de F........... – docs. 5 e 6 juntos com a petição inicial, a fls. 212 e segs. do processo físico;

B) No mesmo ano de 2008 foi instaurado processo crime contra os médicos C..........., W........... e I..........., o qual seguiu termos sob o Processo n.º 5434/08.0TDLSB, do 2.º Juízo Criminal de Lisboa – doc. 4 junto com a petição inicial, a fls. 196 e segs. do processo físico;

C) Por sentença proferida em 14/06/2013 os médicos, 1.º e 2.º Réus, foram condenados pelo crime de homicídio negligente – doc. 4 junto com a petição inicial;

D) Em 17/04/2015 os Autores, ora Recorridos, instauraram ação de condenação contra os Réus, C........... (1.º Réu), W........... (2.ª Ré), A..........., C..........., SA (3.ª Ré), o H..........., EPE (4.º Réu) e o H……………………………, SA (5.ª Ré), no Tribunal de Comarca de Lisboa Oeste, Instância Central – Sintra, a qual correu termos sob o Processo n.º 8755/15.1T8SNT, pedindo a sua condenação ao pagamento de indemnização emergente dos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da morte de M.......... de F........... – cfr. petição inicial, a fls. 91 e segs. do processo físico;

E) Na referida ação os Réus foram todos citados em 24/04/2015 – Acordo;

F) Em 01/06/2016 foi proferida decisão de incompetência em razão da matéria e absolvidos os Réus da instância – cfr. SITAF;

G) Em 11/10/2016 os citados autos foram remetidos para o TAF de Sintra – cfr. SITAF.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada e a ora aditada, importa, agora, entrar na análise do fundamento do presente recurso jurisdicional.

Erro de julgamento de direito, quanto à questão da improcedência da exceção perentória de prescrição do direito à indemnização, em violação dos artigos 306.º, n.º 1, 323.º, n.ºs 1 e 4, 327.º, n.º 1 e 498.º, n.º 1, do CC e artigos 71.º e 72.º, n.º 1, f) do CPP

Vem a Recorrente interpor recurso da sentença que julgou improcedente a exceção perentória de prescrição do direito, com isso, determinando o prosseguimento da ação, contra ela dirigindo o erro de julgamento de direito.

Sustenta que a decisão recorrida enferma de erro de julgamento de direito, quanto à determinação da norma aplicável, por o artigo 306.º, n.º 1 do CC não ser aplicável, mas apenas o artigo 498.º do CC, visto o artigo 5.º do regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas (RRCEE) remeter expressamente para o artigo 498.º do CC e para as regras relativas à suspensão e interrupção da prescrição.

Alega que o entendimento de que o prazo de prescrição só começou a correr após o trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito do processo penal é inconstitucional, por violação dos artigos 2.º, n.º 3, n.ºs 1 e 2 da CRP.

A norma do artigo 498.º do CC constitui uma norma especial em face da norma geral do artigo 306.º do CC, afastando o seu regime.

Defende que a decisão recorrida fez uma incorreta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 306.º do CC e dos artigos 71.º e 72.º do CPP.

Os Autores estavam em condições de exercer o seu direito desde o dia 10/08/2008, isto é, desde a data em que ocorreu o falecimento, tendo a partir dessa data conhecimento do direito indemnizatório.

Nada obstava que os Autores tivessem instaurado ação autónoma de indemnização contra a ora Recorrente ao abrigo do RRCEE, pois o direito indemnizatório dos Recorridos não está sujeito ao princípio da adesão vigente no processo penal, não se podendo falar em impossibilidade de exercício do direito, nem em interrupção da prescrição.

Além de que, não tendo o Recorrente sido parte no processo crime, nunca no mesmo interveio, não se verificando qualquer facto interruptivo da prescrição quanto à ora Recorrente, sendo irrelevante a eventual interrupção da prescrição quanto aos restantes Réus.

Mais alega a Recorrente que a mera pendência do processo crime não constitui, só por si, uma causa interruptiva do prazo prescricional.

Defende que o artigo 306.º, n.º 1 do CC também não constitui uma causa interruptiva do prazo prescricional, mas uma regra geral quanto ao termo inicial para esse prazo prescricional.

Assim, por a Recorrente não ter sido citada, nem notificada judicialmente pelos Recorridos de qualquer ato que exprimisse a intenção de exercerem o seu direito, nem ter sido praticado qualquer outro meio judicial pelo qual se tivesse dado conhecimento desse mesmo ato, é irrelevante a eventual interrupção da prescrição quanto aos restantes Réus resultante da citação no processo-crime, pelo que, o direito de indemnização dos Recorridos já prescreveu, por a ação ter sido instaurada em 17/04/2015 e a Recorrente ter sido citada em 24/04/2015, decorridos cerca de 6 anos e 8 meses desde que tomaram conhecimento do direito.

Tendo presente a alegação da Recorrente e o fundamento do recurso, vejamos, antes de mais, a matéria de facto que se extrai dos presentes autos.

Nos termos dos factos ora aditados, extrai-se que em 10/08/2008 faleceu M.......... de F..........., tendo sido no mesmo ano de 2008 instaurado processo crime contra os médicos C..........., W........... e I..........., o qual seguiu termos sob o Processo n.º 5434/08.0TDLSB, do 2.º Juízo Criminal de Lisboa.

A Ré, ora Recorrente não foi parte nesse processo, não tendo sido constituída arguida, nem intervindo de qualquer modo ou sido notificada de qualquer decisão ou despacho que haja sido proferido.

Por sentença proferida em 14/06/2013 os médicos, 1.º e 2.º Réus, foram condenados pelo crime de homicídio negligente.

Em 17/04/2015 os Autores, ora Recorridos, instauraram ação emergente de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos contra os Réus, C........... (1.º Réu), W........... (2.ª Ré), A..........., C..........., SA (3.ª Ré), o H..........., EPE (4.º Réu) e o Hospital A……………………, SA (5.ª Ré), no Tribunal de Comarca de Lisboa Oeste, Instância Central – Sintra, a qual correu termos sob o Processo n.º 8755/15.1T8SNT, pedindo a sua condenação ao pagamento de indemnização emergente dos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da morte de M.......... de F..........., no âmbito da qual os Réus foram citados em 24/04/2015.

Remetidos os autos para o TAF de Sintra, a decisão ora recorrida veio a decidir pela improcedência da exceção de prescrição com base na circunstância interruptiva e suspensiva adveniente do processo crime, considerando o princípio da adesão, previsto no artigo 71.º do CPP, sendo aplicável o prazo de prescrição de cinco anos, previsto no artigo 498.º, n.º 3 do CC e o disposto no artigo 306.º, n.º 1 do CC, que estabelece a regra geral relativa ao momento inicial do prazo de prescrição, que começa a correr quando o direito puder ser exercido.

Defendeu-se na decisão sob recurso que prevendo o artigo 498.º, n.º 1 do CC que o início do prazo de prescrição se conta da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, o início da contagem do prazo “tem de ser entendida em termos hábeis.”.

Mais consta da decisão ora recorrida, o seguinte, que ora se extrai: os Autores “pelo menos, em 10/08/2008 conheciam o seu direito e sabia quem eram os responsáveis civis do evento danoso.”, mas constitui “entendimento jurisprudencial pacífico que quando o facto danoso constitua crime (…) não começa a correr enquanto não findar o procedimento criminal iniciado com a denuncia ou notícia do crime ou com a participação criminal. É que o supra citado artigo 71.º do CPP, consagra o princípio da adesão obrigatória, pois o legislador optou, em homenagem ao princípio da suficiência do processo penal, por essa adesão obrigatória da acção cível à acção penal. Donde o lesado tem de exercer o seu direito à reparação dos danos no processo penal, só lhe sendo legalmente permitido contornar esta regra nos casos expressamente previstos no artigo 72, do CPP, que, tendo natureza taxativa, não constituem uma derrogação ao disposto no artigo 71.º do CPP, mas excepções que facultam ao lesado a possibilidade de deduzir o pedido em separado. Ou seja, da conjugação dos artigos 71 e 72-1, do CPP, com o artigo 306-1, do CC, concluiu-se que enquanto não cessar o procedimento criminal, em regra, os lesados estão impedidos de exercer autonomamente o pertinente direito de indemnização. (…)”.

Decidiu-se, por isso, que não ocorreu a prescrição do direito à indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual invocada pela Ré.

Perante a configuração dada à ação, não existem dúvidas que foi instaurada ação emergente de responsabilidade civil extracontratual dos Réus, com vista ao ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelos Autores, em consequência da morte da esposa e mãe dos Autores.

A questão decidenda importa em apurar do invocado erro de julgamento baseado na aplicação do disposto no artigo 306.º, n.º 1 do CC à presente ação administrativa, fundada na responsabilidade civil extracontratual dos Réus, nos termos do regime do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e das Pessoas Coletivas Públicas (RRCEE), aprovado em anexo à Lei n.º 67/2007, de 31/12.

Com relevo, estabelece o artigo 5.º do RRCEE:

Artigo 5.º

Prescrição

O direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, das demais pessoas colectivas de direito público e dos titulares dos respectivos órgãos, funcionários e agentes bem como o direito de regresso prescrevem nos termos do artigo 498.º do Código Civil, sendo-lhes aplicável o disposto no mesmo Código em matéria de suspensão e interrupção da prescrição.”.

Este preceito acolhe remissivamente a disciplina estabelecida no artigo 498.º do CC sobre a prescrição, preceito que na sistemática do Código Civil se encontra inserido no regime da “Responsabilidade civil por factos ilícitos”, previsto no artigo 483.º e segs. do CC.

Assim, decorre que o artigo 5.º do RRCEE não opera uma remissão genérica ou global para o regime da prescrição previsto no Código Civil, nos termos em que o instituto se encontra previsto e regulado no artigo 300.º e segs., por antes proceder a uma remissão para o regime da prescrição previsto no âmbito da regulação da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos.

Neste sentido, a busca para a solução à questão controvertida no presente recurso, quanto a saber se o disposto no artigo 306.º, n.º 1 do CC é aplicável à ação de responsabilidade civil extracontratual emergente de factos ilícitos, nos termos regulados pela Lei n.º 67/2007, de 31/12, passa pela interpretação do disposto no artigo 5.º do RRCEE e do disposto no artigo 498.º, n.º 1 do CC, para que aquele remete.

O artigo 498.º, n.º 1 do CC estabelece o prazo de prescrição – 3 anos –, assim como o dies a quo relevante que marca o início da contagem do prazo, regulando, por isso, quer o prazo, quer o termo inicial da contagem do prazo de prescrição.

Procede ainda o artigo 5.º do RRCEE ao acolhimento, mediante expressa remissão, das regras previstas no Código Civil, em matéria de suspensão e interrupção da prescrição.

Não estabelece o artigo 5.º a remissão para qualquer outra matéria respeitante à prescrição, mas tão só a referente à suspensão e interrupção da prescrição.

O que significa que disciplinando o artigo 498.º, n.º 1 do CC quer o prazo de prescrição, quer o momento a partir do qual tal prazo se inicia, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e a da extensão integral dos danos, não seja aplicável à presente ação o disposto no artigo 306.º, n.º 1 do CC.

Tem sido entendimento da doutrina e da jurisprudência que é indiferente, para início da contagem do prazo de prescrição, que o lesado desconheça a identidade do lesante ou a extensão integral dos danos.

Portanto, o prazo de prescrição conta-se a partir o momento em que o lesado tem conhecimento do seu direito à indemnização, não se exigindo “um conhecimento jurídico respeitante aos requisitos da responsabilidade civil, mas apenas um conhecimento empírico que permita o lesado formular um juízo subjectivo quanto à possibilidade de obter um ressarcimento pelos danos decorrentes de uma actuação imputável a terceiro (Acórdão do STA, de 21/01/2003, Processo n.º 1233/02).

“Desde que se constate a ocorrência de um dano indemnizável (ainda que não completamente determinável) que proveio da prática de um facto ilícito e culposo, inicia-se o prazo prescricional, competindo ao lesado desenvolver as diligências para identificar o responsável. No âmbito da responsabilidade civil extracontratual da Administração, é, em todo o caso, possível deduzir um pedido indemnizatório contra o Estado ou outra pessoa colectiva pública quando os danos não tenham resultado do comportamento concreto de um titular do órgão, funcionário ou agente, mas sejam atribuíveis a um deficiente funcionamento do serviço ou quando não seja possível provar a autoria pessoal da acção ou omissão, embora o dano resulte de um concreto comportamento do agente (cfr. artigo 7.º, n.º 2). Por outro lado, quando os danos não sejam determináveis (ou o não sejam ainda em parte), o lesado poderá deduzir um pedido indemnizatório ilíquido, que permitirá remeter a fixação da indemnização para uma decisão ulterior, conforme prevê o artigo 564.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código Civil (ver nota 7 ao artigo 3.º)”, Carlos Cadilha, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pp. 122-123.

O que não pode deixar de implicar que a norma legal relevante em matéria de prescrição do direito de indemnizar é o disposto no artigo 498.º, n.º 1 do CC.

Daqui resulta que o prazo de três anos, para a prescrição do direito de indemnização, decorrente da responsabilidade civil por facto ilícito, tem o seu termo inicial no conhecimento, pelo lesado, dos respetivos pressupostos, ou seja, que sabe ter o direito à indemnização.

O disposto no artigo 498.º, n.º 1 do CC ao disciplinar quer o prazo, quer o termo inicial da contagem do prazo, não só não carece da aplicação do disposto no artigo 306.º, n.º 1 do CC, como se mostra incompatível com a sua regulação, visto se preverem em tais preceitos regras diferentes de termo inicial da contagem do prazo de prescrição.

O que implica que não se possa aplicar a regra estabelecida no artigo 306.º do CC, sobre o início da contagem do prazo de prescrição à ação de responsabilidade civil extracontratual, nos termos do regime previsto nos artigos 5.º do RRCEE e 498.º, n.º 1 do CC.

Se o prazo de prescrição do direito à indemnização, fundada no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas coletivas públicas, inicia a sua contagem sob a regra especial prevista no artigo 498.º, n.º 1 do CC, tal como dispõe o artigo 5.º do RRCEE, não se pode aplicar afastar essa regra e aplicar a regra de contagem de prazo prevista em geral no artigo 306.º, n.º 1 do CC.

Apurando-se em face da factualidade ora aditada que o facto ilícito e danoso ocorreu em 10/08/2008, data em que se deu o falecimento, momento a partir do qual os Autores tiveram conhecimento do direito que lhes competia, conhecendo não apenas a instituição hospitalar em que os factos ocorreram, como o nome dos médicos responsáveis, por os mesmos terem sido constituídos arguidos no processo crime logo em 2008 e acabado por ser condenados na prática do crime de homicídio por negligência, sem que esse processo tivesse tido a ora Recorrente como parte, por a mesma não ter sido constituída arguida, nem contra a mesma ter sido manifestada por qualquer meio a intenção de exercício do direito à indemnização, tem de entender-se que a instauração de ação judicial contra a Ré apenas em 17/04/2015 e a sua citação em 24/04/2015, ocorreu em momento em que o direito à indemnização já se encontrava prescrito, nos termos dos artigos 5.º do RRCEE e 498.º, n.ºs 1 e 3 do CC.

Pelo que, incorre a sentença recorrida em erro de julgamento quer na aplicação à presente ação do disposto no artigo 306.º, n.º 1 do CC.

Além disso, também incorre o Tribunal a quo em erro de julgamento em relação à interpretação e aplicação do disposto nos artigos 71.º e 72.º do Código de Processo Penal (CPP) ao presente caso, pois a ação de responsabilidade civil extracontratual contra a Ré, instaurada segundo as regras do RRCEE, aprovado em anexo pela Lei n.º 67/2017, de 31/12, a correr termos nos tribunais administrativos, não constitui uma ação que possa ser deduzida perante o tribunal civil, para que se aplique o efeito decorrente do princípio de adesão, previsto no artigo 71.º do CPP.

Assim, no caso da instauração de ação administrativa fundada em responsabilidade civil extracontratual, sob o quadro legal do RRCEE, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31/12 e a aplicação das regras previstas no disposto nos artigos 5.º do RRCEE e do artigo 498.º, n.º 1 do CC, o prazo de prescrição inicia-se a contar da data em que o lesado tiver conhecimento do direito que lhe compete e não na data em que o direito poder ser exercido, nos termos do disposto no artigo 306.º, n.º 1 do CC, previsto para a ação cível.

Por isso, não admira que toda a jurisprudência citada pelo Autor, ora Recorrido, seja emanada dos tribunais judiciais, perante os quais a norma do artigo 306.º, n.º 1 do CC tem aplicação.

Nem poderia entender-se de outro modo em relação à ora Recorrente, considerando que nunca antes de 2015 os Autores manifestaram qualquer intenção de agir judicialmente contra ela, pelo que não existe qualquer facto que possa ser considerado como causa da suspensão ou da interrupção da contagem do prazo de prescrição.

Conforme resulta da remissão operada pelo artigo 5.º do RRCEE, aplica-se à interrupção e suspensão dos prazos de prescrição o disposto nos artigos 318.º a 327.º do Código Civil.

Ao abrigo desse quadro legal, tem-se entendido que não pode deixar de considerar-se interrompida a prescrição pela citação ou notificação judicial de qualquer outro ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, independentemente do processo a que o ato pertença ou o tribunal perante o qual tenha sido praticado.

A interrupção da prescrição poderá derivar, por isso, de uma notificação judicial avulsa ou da dedução de qualquer outra pretensão que tenha como causa de pedir a ilegalidade administrativa.

Porém, considerando que a ora Recorrente não figurou como parte no processo crime, nele não tendo sido constituído arguida, nem consta do julgamento de facto qualquer outro facto pelo qual tenha sido revelado à Ré, ora Recorrente, a intenção de exercer o direito à indemnização, apenas com a instauração da ação em 17/04/2015 e a sua citação em 24/04/2015, se poderia falar em interrupção da prescrição, nos termos do artigo 323.º do CC, aplicável por força do artigo 5.º do RRCEE.

Porém, em tais datas já o direito à indemnização se encontrava prescrito, considerando que desde 10/08/2008 os Autores tinham conhecimento do direito que lhe compete.

A citação naqueles autos não teve, por isso, a virtualidade de interromper o prazo de prescrição previsto no artigo 498.º do CC, uma vez que no momento em que foi instaurada a ação no Tribunal de Comarca de Lisboa Oeste, na Instância Central de Sintra, aquele prazo já se encontrava esgotado.

Pelo que, nos termos da factualidade apurada em juízo e em resultado da aplicação do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 498.º do Código Civil (CC), aplicável por força do disposto no artigo 5.º do RRCEE, a decisão ora recorrida não se pode manter, enfermando dos erros de julgamento que se mostram alegados pela Recorrente como fundamento do presente recurso.

Nestes termos, será de conceder provimento ao recurso, por provado, em revogar a decisão recorrida e, em substituição, em julgar procedente a exceção perentória de prescrição, absolvendo a Ré e ora Recorrente do pedido.


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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. O direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas de direito público prescreve nos termos do artigo 498.º do CC.

II. O artigo 5.º do RRCEE, aprovado em anexo à Lei n.º 67/2007, de 31/12, acolhe remissivamente a disciplina estabelecida no artigo 498.º do CC sobre a prescrição, preceito que na sistemática do Código Civil se encontra inserido no regime da “Responsabilidade civil por factos ilícitos”, previsto no artigo 483.º e segs. do CC.

III. O artigo 5.º do RRCEE não opera uma remissão genérica ou global para o regime da prescrição previsto no Código Civil, nos termos em que o instituto se encontra previsto e regulado no artigo 300.º e segs., por antes proceder a uma remissão para o regime da prescrição previsto no âmbito da regulação da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos.

IV. O artigo 498.º, n.º 1 do CC estabelece o prazo de prescrição – 3 anos –, assim como o dies a quo relevante que marca o início da contagem do prazo, regulando, por isso, quer o prazo, quer o termo inicial da contagem do prazo de prescrição.

V. Não estabelece o artigo 5.º a remissão para qualquer outra matéria respeitante à prescrição, mas tão só a referente à suspensão e interrupção da prescrição.

VI. Disciplinando o artigo 498.º, n.º 1 do CC quer o prazo de prescrição, quer o momento a partir do qual tal prazo se inicia, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e a da extensão integral dos danos, não é aplicável à presente ação o disposto no artigo 306.º, n.º 1 do CC.

VII. O disposto no artigo 498.º, n.º 1 do CC ao disciplinar quer o prazo, quer o termo inicial da contagem do prazo, não só não carece da aplicação do disposto no artigo 306.º, n.º 1 do CC, como se mostra incompatível com a sua regulação, visto se preverem em tais preceitos regras diferentes de termo inicial da contagem do prazo de prescrição.

VIII. Se o prazo de prescrição do direito à indemnização, fundada no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas coletivas públicas, inicia a sua contagem sob a regra especial prevista no artigo 498.º, n.º 1 do CC, tal como dispõe o artigo 5.º do RRCEE, não se pode aplicar afastar essa regra e aplicar a regra de contagem de prazo prevista em geral no artigo 306.º, n.º 1 do CC.

IX. O direito de indemnização, segundo o disposto no artigo 498º do CC, prescreve a contar da data em que o lesado teve conhecimento da verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade do lesante, ou seja, o prazo prescricional conta-se a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade (o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade), soube ter direito à indemnização.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, por provado, em revogar a decisão recorrida e, em substituição, em julgar procedente a exceção perentória de prescrição, absolvendo a Ré e ora Recorrente, D..........., SA, antes designada Hospital …………, SA, do pedido.

Custas pelo Recorrido, em ambas as instâncias, sem prejuízo de eventual apoio judiciário.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Pedro Marchão Marques)


(Alda Nunes)