Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07366/14
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/30/2014
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:- NULIDADE DA CITAÇÃO; CASO JULGADO; PORTARIA N.º 385/2004, DE 16 DE ABRIL; TAXA; IMPOSTO; PRINCÍPIO DA IGUALDADE; PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.
Sumário:i) Proferida decisão judicial sobre a suscitada nulidade da citação, a qual se encontra devidamente transitada em julgado por ausência de impugnação e, portanto, estabilizada na ordem jurídica, a força de caso julgado impõe-se e impede que o Tribunal ad quem se pronuncie sobre a mesma questão já decidida.

ii) Os tributos previstos no artigo 16.º, n.º 1, da Portaria n.º 385/2004, de 16 de Abril, correspondem à denominada taxa de licença.

iii) O aproveitamento dos bens e serviços públicos associados aos tributos cobrados no exercício da actividade notarial, muito embora possa ser acessível pelos cidadãos em geral, não assume no que a estes respeita o nível de profundidade e intensidade que a mesma prestação implica no caso dos notários, pelo que, atenta a diversidade de situações-tipo, não ocorre violação do princípio da igualdade.

iv) No caso em exame, atendendo ao carácter indispensável das prestações administrativas em causa ao exercício da função notarial, por um lado, e ao valor dos honorários cobrados, no termos da tabela aprovada pela Portaria n.º 385/2004, de 16 de Abril, por outro lado, impõe-se concluir que o princípio da cobertura dos custos não se mostra violado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Aida ……….., Alexandra …………….. Ana Cristina …………., Ana Filipa …………, Ana Maria …………, Ana Paula ………………, Ana Rita ……….., Ana Rita ………., Ana Rita …………., Ana Sofia …………, Anabela …………., Ângela ……………, António ……………, António Jorge ……….., António Pedro …………….., Artur ………….., Branca ……………, Carla ………….., Carla Maria ……….., Carla Sofia ……………, Constança …………., Cristina ……………, Dionísia ……………………., Eliane …………, ELsa ………….. …….., Eugénia …………………, Filipa ………………….., Helena …………………., Isaura ………………., Joana ……………., Joana Maria …………….., Joaquim ………………., Leonor ……………….., Margarida ………….., Margarida Dulce ……………., Maria Alexandra …………….., Maria ………….., Maria dos Anjos …………….., Maria Gabriela ……………, Maria José ………….., Maria Lúcia …………., Maria Luísa ………….., Maria Manuela …………….., Maria Salomé ………………………, Maria Teresa …………….., Marília S……….., Marina ……………….., Melania ………………., Patricia ……………., Pedro ……………, Raquel …………….., Teresa ………….. e Teresa Maria ……….., não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou a improcedente a impugnação por estes deduzida dos indeferimentos dos pedidos de revisão oficiosa das autoliquidações de tributos efectuadas ao abrigo do art. 16.º da Portaria n.º 385/2004, de 16 de Abril., dela vieram recorrer.

As alegações de recurso que apresentaram culminam com as seguintes conclusões:

A) O tributo previsto no artigo 16.º, n.º 1, da Portaria n.º 385/2004, de 16 de Abril é manifestamente ilegal e inconstitucional, pelo que deve a sentença recorrida ser revogada na íntegra.

B) A matéria de facto dada como provada na sentença recorrida apresenta, na opinião dos Recorrentes, omissões importantes para a boa resolução da causa, sendo tais omissões evidenciadas pelos documentos juntos aos autos, pelo que o presente recurso tem também por objeto a matéria de facto, requerendo-se, com fundamento no disposto no artigo 712.º, n.º 1, alínea a), do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT, a adição dos factos omissos.

C) O tributo em causa nos autos configura um imposto, pelo que o artigo 16.º, n.º 1, da Portaria n.º 385/2004, de 16 de Abril, é organicamente inconstitucional.

D) E mesmo se o fosse, haveria aí ilegalidade (melhor, inconstitucionalidade) grave e notória.

E) No que respeita aos sistemas de comunicação, de tratamento e de armazenamento da informação do Ministério da Justiça - que seria, nos termos do artigo 16.º da Portaria n.º 385/2004, uma contraprestação pública enquadrada na taxa em causa -, a inconstitucionalidade é evidente, visto que o Estado nunca conferiu aos Notários o acesso a qualquer sistema que justificasse o pagamento de uma taxa.

F) A utilização dos sistemas que, no entender do Secretário de Estado da Justiça, justifica o pagamento do tributo só foram disponibilizados muitos anos depois do início do pagamento do tributo e, o que é mais grave, são disponibilizados gratuitamente a todos os cidadãos e empresas.

G) Ou se considera que as quantias previstas no artigo 16.º da Portaria n.º 385/2004 são também imputáveis à utilização desses serviços ou sistemas (o que apenas se admite por dever de patrocínio e não resulta da factualidade assente), e então a taxa é inconstitucional por violação grosseira do princípio da igualdade, ou não se considera que tais quantias são imputáveis à utilização desses serviços, e então a taxa não terá qualquer causa ou serviço concreto que a justifique, e será consequentemente um imposto, logo, inconstitucional por violação do princípio da legalidade fiscal, previsto no do artigo 165.º/1, alínea i), da CRP.

H) Não há forma de escapar a um dos vícios sem cair no outro, ou então mais vale assumir, parafraseando o nome de um livro de Gomes Canotilho, que os princípios constitucionais nem sempre são para ser tomados a sério.

I) O próprio Governo que, reconhecendo tardiamente a iniquidade desta suposta "taxa", procedeu à sua revogação, pela Portaria n.º 574/2008, de 4 de Julho.

J) No que diz respeito aos Serviços de Auditoria e Inspeção, que também se encontram elencados no artigo 16.º da Portaria, também aqui não há qualquer prestação de serviços, pelo que, também nesta parte, a "taxa" do artigo 16.º da Portaria n.º 385/2004 não consubstancia um tributo causal, mas um verdadeiro imposto "travestido" de taxa, que, nos termos da Constituição, só poderia ser criado por Lei da Assembleia da República, violando-se assim o artigo 165.º n.º 1, alínea i), da Lei Fundamental.

K) Na parte que se reporta aos serviços de auditoria e inspeção, esta taxa, se não for -como parece -puramente artificial, destina-se, no máximo, a financiar as estruturas orgânicas do Estado dedicadas a tais serviços, se é que elas existem, sendo que este financiamento toma o tributo num imposto (ac. do TC n.º 473/99).

L) Tal como a inspeção tributária não justifica o pagamento de uma taxa aos potenciais inspecionados, também a inspeção dos notários não o pode justificar.

M) A suposta utilização do Arquivo Público também não justifica o pagamento de uma taxa, visto que a guarda e conservação do arquivo notarial é um dever dos notários, tal como dispõe a alínea m) do n.º 2 do artigo 4.º do Código do Notariado.

N) Pretender cobrar uma taxa aos Notários pela utilização do arquivo notarial tem a mesma lógica do de cobrar uma taxa aos Tribunais por estes guardarem e utilizarem os processos judiciais ou às entidades particulares certificadoras da inspeção automóvel por guardarem os processos administrativos.

O) Se a referência a "arquivo público" constante do artigo 16.º da Portaria dissesse (também ou apenas) respeito ao acervo documental que constava dos cartórios notariais públicos que foram objeto do processo de privatização e que ficaram à guarda dos Notários "privados”, vislumbrar-se-ia duas inconstitucionalidades: a primeira, resultante da cumulação das despesas no património do particular (do Notário), da despesa com a taxa e da despesa com a manutenção do Arquivo, em grosseira violação do princípio da proporcionalidade (do artigo 266.º/2 da CRP); a segunda, resultante de, também aqui, nesta parte do Arquivo Público, não haver qualquer prestação de serviço público.

P) Uma demonstração de que esta "taxa" é um imposto (uma "taxa" desligada de qualquer utilização especial de um serviço público) é o modo e critério do apuramento do seu valor, pois recai sobre todos os atos praticados por todos os Notários, independentemente de qualquer outro facto.

Q) Mesmo que assim não se considere (o que não se vê como), a taxa em apreço sempre seria manifesta e gritantemente desproporcional - e é tanto mais desproporcional quanto mais se desse por inexistentes as diferentes causas que supostamente a justificam, elencadas no artigo 16.º da Portaria n.º 385/2004.

R) Se o Governo criou uma taxa devida supostamente por três contraprestações públicas e lhes fez corresponder um montante proporcional de € 10 por cada escritura e € 3 por cada um dos demais atos que o Notário pratica, essa taxa é inevitavelmente inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, mesmo que afinal se constate que afinal há uma contraprestação pública – não se vê qual -, então os montantes em causa, estabelecidos para as três contraprestações, são necessariamente desajustados à realidade, pecando por excesso.

S) A desproporcionalidade elimina ou desvirtua a correspetividade inerente ao conceito da taxa, de onde se conclui que o tributo em causa nos autos constitui um imposto.

T) Face ao acima exposto, os atos de autoliquidação aqui em causa representam uma injustiça grave e notória e foram efetuados em erro, imputável aos serviços nos termos do n.º 2 do artigo 78.º da LGT.

Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo, em consequência, ser revogada a decisão recorrida.



O Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP, notificado da sentença e do despacho de admissão do recurso (cfr. fls. 11.467), veio aos autos referir não ter sido anteriormente chamado ao processo, pelo que não apresentou contestação ou alegações (cfr. fls. 11.469-11.470).

Pelo despacho de fls. 11.484, devidamente notificado ao requerente (cfr. fls. 11.487), a Mma. Juiz do TT de Lisboa pronunciou-se sobre o requerimento do Instituto nos seguintes termos:

Considerando que o requerimento apenas expõe uma situação, sem nada requerer em concreto, não se invoca qualquer nulidade que tenha prejudicado a sua defesa (…), e deixa ao tribunal que ordene o que tiver por conveniente, pois bem, o tribunal não vislumbra o que poderá ser conveniente numa fase em que se encontra proferida sentença favorável ao IGFEJ, II, e da qual foi devidamente notificado, podendo ter apresentado contra-alegações de recurso se assim o entendesse, mas não obrigatoriamente, pois as contra-alegações são facultativas. // Por conseguinte, não se vislumbra nada a ordenar, e porque mais nada foi requerido, nada mais a decidir. // Notifique”.



Neste Tribunal Central Administrativo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no douto parecer que emitiu, concluiu pela existência da nulidade processual por falta de citação do Impugnado, geradora da nulidade de todo o processado (cfr. fls. 11.495-11.496).

Notificados os intervenientes processuais para se pronunciar sobre tal parecer, o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP. veio pronunciar-se em sentido concordante com o mesmo (cfr. fls. 11.509), vindo os Recorrentes emitir pronúncia no sentido da inoportunidade da questão prévia suscitada e de que o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP conhecia o processo não tendo diligenciado pela sua intervenção.



Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.


II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa:

A) Os impugnantes exercem a profissão de Notário, de acordo com o Estatuto do Notariado, aprovado pelo DL n.º 26/2004, de 4 de Fevereiro (cfr. documentos juntos a fls. 278 e ss dos autos).

B) Desde 2005, os Impugnantes têm vindo a autoliquidar todos os meses a quantia devida nos termos do artigo 16.º, n.º 1, da Portaria n.º 385/2004, de 16 de Abril, sendo 10€ por cada escritura e 3€ pelos demais actos praticados (cfr. documentos juntos a fls. 278 e ss dos autos).

C) Em 2009 os Impugnantes apresentaram, junto do Instituto de Gestão Financeira e de Infra-estruturas da Justiça, IP, pedido de revisão de acto tributário, nos termos do art. 78.º da LGT, dos actos de autoliquidação mencionados na alínea anterior, com fundamento em ilegalidade e justiça grave e notória (cfr. documentos juntos a fls. 278 e ss dos autos).

D) Em 2009, os pedidos de revisão oficiosa foram todos indeferidos, com o fundamento, em síntese, de que os pedidos eram intempestivos por decurso do prazo de 120 dias, previsto no art. 78.º da LGT, e, quanto ao mérito, os actos de autoliquidação não enfermavam de qualquer vício (cfr. documentos juntos a fls. 278 e ss dos autos).

E) A Impugnação foi apresentada junto do Tribunal Tributário de Lisboa em 1/07/2009 (cfr. fls. 2 dos autos).

Não foram consignados factos não provados.

Foi a seguinte a fundamentação da decisão da matéria de facto:

Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo em apenso.



Ao abrigo do disposto no artigo 662.º, al. a), do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:

F) Os notários têm acesso a diversos sistemas, como os serviços “Registos on-line”, “Empresa On-Line”, o serviço “Certidão Permanente”, os sistemas electrónicos dos registos para efeitos de publicação de actos constitutivos e do serviço “Automóvel On-Line”.

G) A utilização do Serviço “Registos On-Line”, do serviço “Empreso on-line”, “Certidão permanente”, dos sistemas electrónicos dos registos para efeitos de publicação de actos constitutivos de associações, do serviço “Automóvel on-line” está aberta a advogados e solicitadores, bem como a cidadãos, desde que portadores do cartão de cidadão.

II.2. De direito

Comecemos por analisar a questão prévia que vem suscitada nesta Instância pelo Ministério Público relativa à falta de citação do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP. A mesma a proceder é susceptível de constituir uma nulidade principal nos termos do disposto no art. 206.º, n.º 1, do CPC (actualmente o art. 200.º, n.º 1), a qual, se não tiver sido entretanto sanada, é cognoscível ex officio e em sede de recurso jurisdicional pelo tribunal ad quem e determina a nulidade de todos os actos posteriores à petição (art. 194.º, al. a), do CPC; o art. 187.º, al. a), actual).

Refere o Exmo. Procurador-Geral Adjunto que, e como resulta efectivamente da p.i. (intróito da p.i. a fls. 14, art. 5.º e 6.º), a presente acção foi intentada contra o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP – actualmente o Instituto de Gestão Financeira e de Equipamentos da Justiça, IP (Decreto-Lei n.º 123/2011, de 29 de Dezembro, que aprovou a Lei Orgânica do Ministério da Justiça e Decreto-Lei n.º 31 de Julho que aprova a orgânica do IGFEJ, IP) – sendo que para o efeito foi citada a Fazenda Pública, como constante do ofício de citação de fls. 266. Entidade esta que remeteu aos autos o processo administrativo (cfr. fls. 271) e foi também aquela a notificada dos vários despachos proferidos nos autos. Isto é, como salientado, durante todo o processo foi a Representante da Fazenda Pública a entidade citada para contestar e a destinatária dos despachos que foram sendo proferidos nos autos, tendo o Instituto de gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, IP, só sido notificado da sentença proferida após a admissão do recurso e já terem sido apresentadas as respectivas alegações pelos Recorrentes (cfr. fls. 11.467).

Ora, alega o Ministério Público, certo é que não há norma específica relativa à representação em juízo do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP (actualmente o Instituto de Gestão Financeira e de Equipamentos da Justiça, IP), quer no âmbito da Lei Orgânica aprovada pelo Decreto-lei n.º 128/2007, de 27 de Abril (diploma que criou o Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, IP), quer nos respectivos Estatutos aprovados pela Portaria n.º 519/2007, de 30 de Abril. Em suma, não existe norma especial sobre a representação em juízo do Instituto em causa, designadamente norma que atribua essa competência à Fazenda. Donde, terá que se concluir que não compete à Fazenda Pública a representação do Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, IP (actualmente o Instituto de Gestão Financeira e de Equipamentos da Justiça, IP), o que redunda no chamamento inadequado ao processo do representante da Fazenda Pública, pois está-se perante uma situação em que não foi citado quem foi indicado como réu, o que implica a nulidade de todos os actos posteriores à petição.

Sucede que a questão prévia que vem suscitada foi já alvo de pronúncia judicial pela Mma. Juiz do Tribunal a quo, que decidiu que tendo sido a sentença favorável ao Instituto, nada mais havia a ordenar. Não deixando esse despacho de ser notificado ao requerente, sendo que este contra aquela decisão não reagiu, podendo processualmente fazê-lo.

Em suma, bem ou mal, foi proferida decisão judicial sobre a suscitada nulidade de citação, a qual se encontra devidamente transitada em julgado e, portanto, estabilizada na ordem jurídica. Nessa medida, a força de caso julgado impõe-se e impede que este Tribunal se pronuncie sobre a mesma questão já decidida.

Pelo exposto, terá que improceder a questão prévia suscitada.



Posto isto, nada obstando assim ao conhecimento do mérito do recurso, importa agora apreciar se a sentença recorrida padece dos vícios que lhe vêm assacados, concluindo os Recorrentes que o tributo previsto no artigo 16.º, n.º 1, da Portaria n.º 385/2004, de 16 de Abril é manifestamente ilegal e inconstitucional, pelo que, ao assim não concluir, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento.

Vejamos então.

Começam os Recorrentes por impugnar a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo, concluindo que “a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida apresenta, na opinião dos Recorrentes, omissões importantes para a boa resolução da causa, sendo tais omissões evidenciadas pelos documentos juntos aos autos” (conclusão B. do recurso). A isso dedicando as alegações constantes dos artigos 18.º a 47.º, peticionando o aditamento da matéria de facto nos termos sugeridos nos artigos 36.º, 42.º e 45.º:

F) Em 2000, o Estado projetou a criação de uma base de dados informatizada, em esquema de intranet, a qual englobaria on-line todos os Cartórios Notariais e Conservatórias e que visava a globalização e intercâmbio de toda a iliformaçâo jurídica existente na então DGRN, cuja ideia era construir um sistema que permitia aos notários (e também aos conservadores) o acesso informático aos dados constantes dos registos predial, civil e comercial, possibilitando assim eliminar sobretudo as certidões em papel (provindas das conservatárias), de que aqueles careciam para o exercício da sua atividade, sendo que o núcleo para a módulo do notariado recebeu a designação de "Sistema de Informatização Notariaf' (cfr. documento n.a 3junto à p. i.);

G) Na sequência da interrupção ou abandono do projeto SIN, os Notários, após a privatização, recorreram a fundos próprios e criaram e desenvolveram o seu próprio sistema de comunicação e armazenamento de informação, o qual se encontra atualmente em funcionamento (cf o alegado no artigo 23.º da p.i., não impugnado pela contraparte);

H) enquanto pagaram a "taxa do artigo 16º", os Notários nunca tiveram acesso aos "sistemas de comunicação, tratamento e armazenamento da informação" desenvolvidos pelo Ministério da Justiça para as Conservatórios e outras entidades sob sua alçada e aos que foram criados entretanto também não, como sucede, com o serviço "Casa Pronta", referindo-se no próprio sítio que as instituições bancárias, a par das conservatórios, têm acesso a esse serviço, mas não os Notários (cfr. documento n.a 4 junto à p.i. e alegado nos artigos 27. 28. 30. e 62. da p.i., não impugnado pela contraparte).

I) Os sistemas de informação que os Notários têm acesso são disponibilizados em condições de gratuitidade às pessoas em geral e foram disponibilizados vários anos depois do início do pagamento do tributo previsto no artigo 16. n. 1, da Portaria n.º 385/2004, de 16 de Abril, nos seguintes termos:

(i) Quanto ao acesso ao Serviço "Registos On-line", o registo comercial só está disponível desde 20 Dezembro 2006, enquanto o predial só desde 21 Julho 2008 que se pode fazer consultas apenas, sendo a sua utilização aberta a advogados e solicitadores, bem como a qualquer cidadão, desde que seja portador do Cartão de Cidadão, que não pagam nada pelo acesso ao serviço;

(ii) Quanto ao acesso ao serviço "Empresa On-line", apenas desde Dezembro de 2007 e só para alguns dos atos possíveis, sendo a sua utilização aberta a advogados e solicitadores que possuam um certificado digital, bem como a qualquer cidadão, desde que seja portador do Cartão de Cidadão, que não pagam rigorosamente nada por causa disso;

(iii) Quanto ao acesso ao serviço "Certidão Permanente", apenas desde 20 Dezembro 2006, sendo a sua utilização aberta a qualquer empresa ou pessoa singular, gratuitamente;

(iv) Quanto ao acesso aos sistemas eletrónicos dos registos para efeitos de publicação de atos constitutivos de associações, apenas desde Julho de 2008, sendo a sua utilização aberta a qualquer pessoa que disponha de certificado digital, e a título gratuito;

(v) Quanto ao serviço "Automóvel On-line", apenas desde Dezembro de 2007, senda a sua utilização aberta a qualquer pessoa que disponha de certificado digital, que também não pagará nada pelo respetivo acesso. (cfr. documento n.º 4 junto à p.i. e alegado nos artigos 27. 28., 30.º e 62.a da p.i., não impugnado pela contraparte)

J) O Bastonário da Ordem dos Notários apresentou um requerimento ao Senhor Secretário de Estado da Justiça, em 19 de Julho de 2007, para que lhe fosse concedida e enviada uma chave de acesso para a consulta de bases de dados dos registos, tendo aquele indeferido o pedido, referindo também que os montantes previstos no referido artigo 16" da Portaria n" 385/2004 não são devidos "apenas pelo acesso aos sistemas de comunicação, tratamento e armazenamento da informação, mas também pela utilização do Arquivo Público e dos Serviços de Auditoria e inspecção, serviços estes que têm sido prestados aos notários desde o início do processo de privatização do notariado" e que os "notários privados beneficiam do acesso aos sistemas de comunicação, tratamento e armazenamento de informação que estão actualmente disponíveis em termos sustentáveis de acesso generalizado", como sucederia com a possibilidade, "atribuída exclusivamente aos notários privados, de promover qualquer acto de registo por mero envio de fax à Conservatória ", com os serviços "Registos On-line" e "Empresa On-líne ", com o serviço "Certidão Permanente" e com o serviço "Automóvel On-line" (cfr. documentos n.os 7 e 8 untos à p. i.).

Ora, certo é que para além da matéria constante do aditamento por nós efectuado, a demais factualidade tida por omissa é irrelevante para a correcta decisão da presente causa, a qual se centra na análise das questões atinentes à qualificação do tributo em causa e sua conformidade constitucional, concretamente com o alegado vício de inconstitucionalidade orgânica, bem como com a pretendida violação dos princípios constitucionais da legalidade fiscal, igualdade e proporcionalidade, esta nas suas vertentes de necessidade e de proporcionalidade estrita (v. infra).

Donde se impõe concluir que, para além dos pontos aditados ao probatório, nada mais cumpre acrescentar.

Termos em que improcede o recurso nesta parte.

Continuando, quanto à questão ao fundo – indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa, das autoliquidações de tributos, efectuadas ao abrigo do art.º 16.º da Portaria n.º 385/2004, de 16 de Abril. –, já este TCA Sul teve oportunidade de se pronunciar sobre ela no acórdão de 12.12.2013, proc. n.º 6981/13 (havendo inclusive identidade nas questões colocadas em recurso, cujas conclusões neste e naquele processo são exactamente coincidentes). Assim, concordando-se sem dissensão com o seu discurso fundamentador, nos termos permitidos pela lei processual civil, transcreve-se o mesmo na parte relevante:

2.2.4. Do erro de julgamento quanto à qualificação das prestações tributárias em causa nos autos como taxas, assente no nexo sinalagmático [conclusões I), III e IV)]

Sob o presente item, os recorrentes alegam nos termos seguintes:

i) A taxa é a contrapartida legal de uma utilização individual e concreta proporcionada pela prestação especial e dividida de um serviço público.

ii) O Estado nunca conferiu aos notários o acesso a qualquer sistema de comunicação, tratamento e armazenamento de informação que justificasse o pagamento de uma taxa, mas resolveu, ainda assim, cobrá-la.

iii) Assim, os montantes pagos pelos notários, nos termos do artigo 16.º da Portaria n.º 385/2004, não consubstanciam o pagamento de uma taxa, mas de um imposto, que, nos termos da CRP, só pode ser criado por lei da Assembleia da República, pelo que o tributo em causa é organicamente inconstitucional.

Vejamos.

Através da Portaria n.º 385/2004, de 16 de Abril, foi aprovada a Tabela de Honorários e encargos notariais. O preceito do artigo 16.º da Portaria citada (“Ministério da Justiça”) determina o seguinte: «1. Pelo acesso aos sistemas de comunicação, de tratamento e de armazenamento da informação do Ministério da Justiça, pela utilização do Arquivo Público e pelos Serviços de Auditoria e Inspecção, o notário por sua conta entrega ao Ministério da Justiça: // a) Por cada escritura - €10; // b) Por cada um dos demais actos que pratica - €3».

Nos termos do artigo 4.º (“Pressupostos dos tributos”), da LGT, «1. Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património. // 2. As taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento de particulares».

Dir-se-á que «[a] taxa constitui uma prestação pecuniária coactiva, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de prestação administrativa efectivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo. (…) // O que no plano objectivo caracteriza as taxas está em incidirem sobre prestações administrativas de que o sujeito passivo é o efectivo causador ou beneficiário, sendo esta configuração do pressuposto que antes de mais as define como tributos rigorosamente comutativos e permite distingui-las de contribuições e impostos. As prestações administrativas que servem de pressuposto às taxas podem apresentar contornos muitos diversos, tão diversos quanto o é a moderna actividade pública, sendo comum entre nós distinguir-se entre as taxas devidas pela utilização de um serviço público, as taxas devidas pela utilização de um bem do domínio público, as taxas de licença devidas pela remoção de um obstáculo jurídico à actividade dos particulares» . Tal como se consigna no artigo 3.º do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.º 53-E/2009, de 29 de Dezembro//RGTAL, a propósito das taxas das autarquias locais, regime que se convoca a título de lugar paralelo, «[a]s taxas das autarquias locais são tributos que assentam na prestação concreta de um serviço público local, na utilização privada de bens de domínio público e privado das autarquias locais ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, quando tal seja atribuição das autarquias locais, nos termos da lei». Por outras palavras, ainda, «[a] taxa situa-se apenas no domínio dos serviços públicos divisíveis (v.g. propinas da instrução pública; custas da justiça; portagens pagas nas vias de comunicação). // A taxa pode definir-se como uma prestação coactiva, devida a entidades públicas, com vista à compensação de prestações efectivamente provocadas ou aproveitadas pelos sujeitos passivos. Em contraste com o imposto de características unilaterais, a taxa caracteriza-se pela sua natureza comutativa ou bilateral, devendo o seu valor concreto ser fixado de acordo com o princípio da equivalência jurídica. A natureza do facto constitutivo que baseia o aparecimento da taxa pode consistir na prestação de uma actividade pública, na utilização de bens do domínio público ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares». [Ac. do TCAS, 14.12.2011, P. 04678/11]. «Do ponto de vista finalístico, as taxas distinguem-se por serem exigidas em contrapartida de prestações de que o sujeito passivo é o causador ou beneficiário. (…) [A] bilateralidade das taxas não passa apenas pelo seu pressuposto, constituído por dada prestação administrativa, mas também pela sua finalidade, que consiste nessa mesma prestação. Se a taxa constitui um tributo comutativo não é simplesmente porque seja exigida por ocasião de uma prestação pública, mas porque é exigida em função dessa prestação, dando corpo a uma relação de troca com o contribuinte» . Constitui elemento identificativo das taxas o princípio da equivalência jurídica. O mencionado princípio encontra-se consagração no artigo 4.º/1, do RGTAL, regime que se convoca a título de lugar paralelo, nos termos do qual: «[o] valor das taxas das autarquias locais é fixado de acordo com o princípio da proporcionalidade e não deve ultrapassar o custo da actividade pública local ou o benefício auferido pelo particular». A este propósito, de referir que «a relação sinalagmática inerente à taxa tem de apresentar um carácter substancial ou material, de modo a envolver uma contraprestação» , mas, por outro lado, que «esta exigência não implica a verificação de uma estrita equivalência económica entre o valor do serviço e o montante a pagar pelo utente desse serviço» . É que, «[a]s noções da equivalência jurídica e da equivalência económica prendem-se com diferentes planos de análise das taxas, a primeira respeitando à delimitação conceitual das taxas, a segunda respeitando à sua legitimação material: assim, quando se pergunta pela “equivalência jurídica” de uma taxa local trata-se de apurar se ela é cobrada em função de uma prestação efectivamente provocada ou aproveitada pelo particular, distinguindo-as das contribuições e dos impostos, e de saber se foi lesada a reserva de lei parlamentar fixada no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP; quando se pergunta pela “equivalência económica” de uma taxa local trata-se de apurar se o seu montante corresponde ao custo ou valor das prestações que as autarquias dirigem a quem a paga e de saber se com isso respeitaram os princípios da igualdade e da proporcionalidade» .

No caso sujeito, estão em causa tributos cobrados pela utilização de sistemas de comunicação, tratamento e armazenamento de informação do Ministério da Justiça, pela utilização do Arquivo Público e pelos Serviços de Auditoria e Inspecção.

Importa ter presente as competências dos notários, tal como as mesmas resultam, quer do disposto no Código de Notariado/CNot (Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 207/95, de 14 de Agosto, com alterações posteriores), quer do Estatuto do Notariado/ENot (Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26/2004, de 4 de Fevereiro). Aí (artigo 4.º do CNot e artigo 4.º do ENot) se consigna que «[c]ompete, em geral, ao notário redigir o instrumento público conforme a vontade das partes, a qual deve indagar, interpretar e adequar ao ordenamento jurídico, esclarecendo-as do seu valor e alcance». «Em especial, compete ao notário, designadamente: // a) Lavrar testamentos públicos, instrumentos de aprovação, depósito e abertura de testamentos cerrados e de testamentos internacionais; // b) Lavrar outros instrumentos públicos nos livros de notas e fora deles; // c) Exarar termos de autenticação em documentos particulares ou de reconhecimento da autoria da letra com que esses documentos estão escritos ou das assinaturas neles apostas; // d) Passar certificados de vida e identidade e, bem assim, do desempenho de cargos públicos, de gerência ou de administração de pessoas colectivas; // e) Passar certificados de outros factos que tenha verificado; // f) Certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos; // g) Passar certidões de instrumentos públicos, de registos e de outros documentos arquivados, extrair públicas-formas de documentos que, para esse fim, lhe sejam presentes ou conferir com os respectivos originais e certificar as fotocópias extraídas pelos interessados; // h) Lavrar instrumentos para receber a declaração, com carácter solene ou sob juramento, de honorabilidade e de não se estar em situação de falência, nomeadamente, para efeitos do preenchimento dos requisitos condicionantes, na ordem jurídica comunitária, da liberdade de estabelecimento ou de prestação de serviços; // i) Lavrar instrumentos de actas de reuniões de órgãos sociais; // l) Lavrar termos de abertura de sinal; // m) Transmitir por telecópia, sob forma certificada, o teor dos instrumentos públicos, registos e outros documentos que se achem arquivados no cartório, a outros serviços públicos perante os quais tenham de fazer fé e receber os que lhe forem transmitidos, por esses serviços, nas mesmas condições; // n) Intervir nos actos jurídicos extrajudiciais a que os interessados pretendam dar garantias especiais de certeza ou de autenticidade».

A propósito da actividade de notário, o Tribunal de Justiça da União Europeia teve ocasião de sublinhar o seguinte: «[a] obrigação de os notários verificarem, antes de procederem à autenticação de um acto ou de uma convenção, que estão reunidos todos os requisitos legalmente exigidos para a realização desse acto ou dessa convenção e, se tal não suceder, de recusarem proceder a essa autenticação também não é susceptível de pôr em causa a conclusão acima exposta. É certo que, como sublinha o Reino da Bélgica, o notário exerce essa verificação, prosseguindo um objectivo de interesse geral, isto é, garantir a legalidade e a segurança jurídica dos actos celebrados entre particulares. (…) Contudo, o facto de as actividades notariais prosseguirem objectivos de interesse geral, que visam, nomeadamente, garantir a legalidade e a segurança jurídica dos actos celebrados entre particulares, constitui uma razão imperiosa de interesse geral que permite justificar eventuais restrições ao artigo 43.° CE, decorrentes das especificidades próprias da actividade notarial, como sejam o enquadramento de que os notários são objecto através dos processos de recrutamento que lhes são aplicáveis, a limitação do seu número e das suas competências territoriais ou ainda o seu regime de remuneração, de independência, de incompatibilidades e de inamovibilidade, desde que essas restrições permitam alcançar os referidos objectivos e sejam necessárias para esse efeito. // Também é verdade que o notário deve recusar autenticar um acto ou uma convenção que não preencha os requisitos legalmente exigidos, fazendo o independentemente da vontade das partes. No entanto, na sequência dessa recusa, estas são livres de corrigir a ilegalidade constatada, de alterar as estipulações do acto ou da convenção em causa, ou ainda de renunciar a esse acto ou a essa convenção. // Relativamente à força probatória e à força executória de que o acto notarial beneficia, não se pode contestar que estas conferem aos referidos actos efeitos jurídicos importantes» [Ac. do TJUE, de 24.05.2011, P. C-47/08].

O acervo documental que consubstancia o exercício da actividade de notário está afecto à licença obtida para o exercício da actividade (artigos 4.º/2/m), 51.º e 120.º do ENot). A função notarial corresponde a actividade profissional de outorga de fé pública a instrumentos celebrados por privados, pelo que se exerce em interacção com o público e assente na confiança pública. Donde se justifica a competência do Ministério da Justiça para a fiscalização da actividade notarial (artigo 57.º do ENot). «Os notários são responsáveis, em termos disciplinares, perante o Ministro da Justiça e perante a Ordem dos Notários» (artigo 60.º do ENot). «(…) [C]onsidera-se infracção disciplinar o facto, ainda que meramente culposo, praticado pelo notário com violação de algum dos deveres inerentes ao exercício da fé pública notarial, em especial os consagrados no Estatuto do Notariado e nos regulamentos nele previstos, no Código do Notariado, na tabela de custos dos actos notariais e em quaisquer outras disposições reguladoras da actividade notarial». Recorde-se que a actividade notarial está sujeita a licença. Nos termos do artigo 34.º do ENot, «1. As licenças para instalações de cartório notarial são postas a concurso consoantes as vagas existentes. // 2. O concurso é aberto por aviso do Ministério da Justiça, publicado no Diário da República, ouvida a Ordem dos Notários. // 3. As vagas são preenchidas de acordo com a graduação dos candidatos e as referências de localização dos cartórios manifestadas no respectivo pedido de licença (…)». Nos termos do artigo 35.º do ENot, «1. As licenças de instalação são atribuídas por despacho do Ministro da Justiça. // 2. O notário só pode ser titular de uma licença (…)».

Do acima exposto, flui, como consequência, que os tributos em causa correspondem à denominada taxa de licença. «A emissão da licença, o mesmo é dizer, o levantamento do obstáculo jurídico (que já vimos não ser arbitrário) dá origem a uma relação com o obrigado tributário distinta da que intercede com a generalidade dos administrados, no quadro da qual a entidade emitente assume uma particular obrigação – a duradoura obrigação de suportar (pati) uma actividade que, embora respeitando aqueles deveres, interfere permanentemente com a conformação de um bem público. Com o licenciamento, alteram-se as posições jurídicas recíprocas de administração e administrado, ficando aquela onerada, enquanto a situação persistir, com uma obrigação até aí inexistente». [Ac. do Tribunal Constitucional, n.º 177/2010, de 05.05.2010].

Ora, o acesso às bases de dados do Ministério da Justiça, a garantia da preservação do arquivo notarial e a garantia da observância das regras de disciplina da profissão correspondem a prestações administrativas associadas à licença para o exercício da actividade notarial, sem a qual a confiança e a segurança do público na actividade de outorga de fé pública em que se consubstancia a actividade notarial não tem sentido. Por outras palavras, as mencionadas prestações administrativas garantem a fruição de utilidades e meios sem os quais a fé pública assegurada pela intervenção notarial deixa de existir ou de existir nos parâmetros exigíveis pelo público consumidor dos serviços prestados pelos notários. A remoção do obstáculo jurídico à outorga da fé pública documental, exclusivo da autoridade do Estado, materializa-se através das prestações administrativas de apoio documental/informático e fiscalização que garantem a probidade e rigor no exercício da profissão notarial, condição essencial da confiança do público na mesma e, por conseguinte, do seu valor de uso na sociedade dos nossos dias.

Sem embargo, o controlo da observância da reserva de lei parlamentar a incidir sobre a concreta instituição da licença não pode deixar de sujeitar a mesma ao exame «em dois momentos essenciais: primeiro, o controlo da proibição relativa em que as taxas de licença assentam, depois, o controlo da prestação pública que corresponde ao seu pagamento» . A este propósito dir-se-á que a universalidade de facto e de direito, corporizada pelo estabelecimento notarial exige a actividade de controlo prévio e posterior da Administração Central/Ministério da Justiça, porquanto sendo a mesma exercida em concorrência, a sua desregulação significaria o seu desvirtuamento e, a breve trecho, o aniquilamento do valor de uso e de mercado que a referida universalidade de facto e de direito encerra.

Ao julgar no sentido mencionado, a sentença em crise não merece a censura que lhe é desferida.

Motivo porque se rejeita as presentes conclusões de recurso.

2.2.5. Do alegado erro de julgamento no que respeita à asserção de que se trata de um tributo sem causa [conclusões X) a XV)]

Sob o presente item, os recorrentes censuram a decisão em exame por a mesma ter descurado a falta de causa, ou seja, a falta de prestação administrativa ou serviço público concreto e individualizado que corresponda à contrapartida recebida pelos notários como consequência do pagamento dos tributos em causa.

O princípio da equivalência jurídica está consagrado no ordenamento jurídico no preceito do artigo 4.º do RGTAL, regime que se convoca a título de lugar paralelo. Aí se consigna que «1. O valor das taxas das autarquias locais é fixado de acordo com o princípio da proporcionalidade e não deve ultrapassar o custo da actividade pública local ou o benefício auferido pelo particular».

O princípio da equivalência jurídica constitui uma projecção do princípio da igualdade tributária. «Quando se trata de repartir as taxas, que são tributos bilaterais, com os quais se visa fazer o indivíduo contribuir para o custeamento de prestações administrativas de que é causador ou beneficiário, o que o princípio da igualdade impõe é que cada indivíduo contribua de acordo com o custo ou valor dessas mesmas prestações» . Ora, a concessão do acesso às bases de dados do Ministério da Justiça, a concessão da preservação dos arquivos notariais e a garantia das regras da disciplina da profissão notarial são benefícios de que cada estabelecimento notarial – e por isso, cada notário – usufruiu, no exercício da sua profissão, cuja ausência ou omissão, redundaria na perda de qualidade, rigor, exigência, que a intervenção notarial é suposto assegurar e sem os quais a segurança da fé pública que está associada se vai cada vez mais erodindo.

Doutro prisma, dir-se-á que as utilidades usufruídas pelos notários, bem como os custos coenvolvidos nas prestações administrativas em causa não são sequer igualados pela cobrança das taxas em exame, porquanto o que está em causa é a garantia do acervo de informação e base documental do Ministério da Justiça, cuja administração e acesso envolve custos, a garantia do acervo documental dos notários, cuja preservação exige o cumprimento dos inerentes deveres de cuidado por parte do notário investido na sua posse, mas cuja garantia do cumprimento importa a actuação permanente da Administração, com os inerentes custos e da garantia da observância dos deveres inerentes ao exercício da profissão, valor essencial à existência da confiança do público na fidelidade e rigor da intervenção notarial, o que acarreta também custos para a administração. De referir também que, no que respeita ao arquivo notarial, se é verdade que o dever da sua conservação cabe ao notário que dele dispõe por atribuição inerente à licença que lhe foi conferida, a verificação do cumprimento do referido dever e o seu exercício na impossibilidade do notário é da competência do Conselho do Notariado, organismo que funciona no âmbito do Ministério da Justiça [artigo 52.º e 53.º do Enot].

Ao julgar no sentido mencionado, a sentença em crise não merece a censura que lhe é desferida.

Termos em que se julga improcedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.6. Do alegado erro de julgamento quanto à asserção de que o acesso gratuito por parte dos demais cidadãos aos mesmos serviços base da tributação em causa corporiza violação do princípio da igualdade [conclusões V) a IX)]

Sob o presente item, os recorrentes insurgem-se contra a sentença recorrida por ter desvalorizado a asserção segundo a qual o acesso às bases de dados do Ministério da Justiça é facultado, de forma gratuita, aos cidadãos em geral.

A este propósito cumpre referir que o aproveitamento dos bens e serviços públicos associados aos tributos cobrados no exercício da actividade notarial, muito embora possa ser acessível pelos cidadãos em geral, não assume no que a estes respeita o nível de profundidade e intensidade que a mesma prestação implica no caso dos notários. Por outras palavras, estando em causa as bases de dados do Ministério da Justiça, não se pode dizer que o grau de utilização, o nível de detalhe e rigor que a mesma implica no caso do notário e no caso do cidadão comum é idêntica e-ou equiparável. É que a actividade notarial de outorga da fé pública da documentação depende das referidas bases de dados, bem como dos arquivos notariais, pelo que sem umas e sem os outros, a mesma não teria lugar ou não teria lugar nos termos em que é percepcionada pelo público, numa economia de mercado, com níveis exigentes de qualidade e rigor. Donde decorre que não se apura a existência de termo de comparação entre a utilização das referidas bases de dados por terceiros e a que é feita pelos notários, dadas as diferentes exigências postas pelas funções exercidas por uns e por outros.

Acresce referir que não está em causa a utilização efectiva dos serviços referidos, mas a possibilidade da sua utilização e da acessibilidade dos mesmos por parte dos notários, de forma a garantir a fé pública que constitui a diferença específica da sua intervenção.

Ao julgar no sentido mencionado, a sentença em crise não merece a censura que lhe é desferida.

Termos em que se julga improcedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.7. Do erro de julgamento quanto à alegação de que os montantes liquidados ofendem o princípio da proporcionalidade [conclusões XVI) a XX)]

Sob o presente item, os recorrentes invocam o erro da desvalorização da violação do princípio da proporcionalidade, dado não se apurar qualquer correspondência entre os montantes pagos e a contraprestação pública.

A este propósito, cumpre referir que «[e]nquanto critério de igualdade tributária, o princípio da equivalência impõe que aqueles que provoquem custo igual ou que aproveitem benefício igual paguem tributo igual e que aqueles que provoquem custo diferente ou que aproveitem benefício diferentes paguem tributo também diferente. Assim compreendido, o princípio da equivalência não apenas veda a introdução na estrutura dos tributos comutativos de diferenciações entre os contribuintes alheias ao custo ou benefício como exclui que o montante de um tributo comutativo seja fixado uniformemente acima desse custo ou benefício, sacrificando o todo dos contribuintes em proveito da comunidade» .

No caso em exame, atendendo ao carácter indispensável das prestações administrativas em causa ao exercício da função notarial, por um lado, e ao valor dos honorários cobrados, no termos da tabela aprovada pela Portaria n.º 385/2004, citada, por outro lado, impõe-se concluir que o princípio da cobertura dos custos não se mostra violado.

Cumpre, por isso, repristinar, nesta sede, o discurso fundamentador da sentença recorrida: «Invoca ainda a Impugnante, a violação do princípio da proporcionalidade. // Com efeito, no que diz respeito à invocada desproporcionalidade, as taxas autoliquidadas e sua a relação custo/benefício teria de se demonstrar a existência de uma desproporção intolerável entre a quantia a pagar e, o benefício (utilidade do serviço) que os impugnantes retiram. // Por outro lado, o montante da taxa a cobrar deve ter uma relação que possa ser apercebida pela ordem jurídica como correspondente à prestação proporcionada, mas não, necessariamente, ao respectivo valor, não obstante, também não tão manifestamente desproporcional que se desligue do seu custo, perdendo toda a correspectividade perceptível. // Desproporção que se não mede, só, por referência ao custo instantâneo do concreto serviço individualizado, mas ao conjunto das despesas a que dá lugar a manutenção da estrutura permanente que assegura a prestação do serviço público. E que se não se afere, apenas, em relação ao custo do serviço, mas também ao valor da própria utilidade propiciada, isto é, ao valor da passagem ou beneficio que aquele a quem se exige a taxa retira do serviço que lhe é prestado. // Seria necessário demonstrar, em suma, uma manifesta desproporção entre a taxa autoliquidada e o respectivo benefício retirado pelos impugnantes, que ponha em causa a referida o carácter sinalagmático da taxa, o que não resulta demonstrado pelos Impugnantes. // Por outro lado, da forma como foi gizado o cálculo do montante do tributo a ser cobrado, não resulta qualquer desproporcionalidade, considerando que se faz depender quer do número de actos praticados, e até mesmo se fazendo uma distinção bipartida da natureza desses acto, sendo que, do valor de 10€ por cada escritura, e 3€ por cada um dos demais actos, também não se afiguram excessivos, face à tabela de emolumentos notariais que constam da mesma portaria. // Por conseguinte, não se verifica a invocada inconstitucionalidade. // Por último, em face do exposto, há que concluir que não se verifica qualquer ilegalidade grave e notória das autoliquidações, que consubstanciassem fundamento para o deferimento dos pedidos de revisão apresentados ao abrigo do art. 78.º da LGT, e nessa medida, as decisões de indeferimento na parte em que apreciou o mérito dos pedidos, não enferma de qualquer ilegalidade».

Termos em que, aderindo aos fundamentos supra transcritos, ao julgar no sentido mencionado, a sentença em crise não merece crítica, pelo que se terá que julgar improcedente o recurso da mesma interposto na sua totalidade.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelos Recorrentes.
Lisboa, 30 de Outubro de 2014
Pedro Marchão Marques
Jorge Côrtes
Pereira Gameiro