Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:463/22.3BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/11/2023
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:ANTECIPAÇÃO DO JUÍZO SOBRE A CAUSA PRINCIPAL
PROCESSO CAUTELAR
TRAMITAÇÃO URGENTE
INTEMPESTIVIDADE
Sumário:I. Com a antecipação do juízo sobre a causa principal no processo cautelar, nos termos do disposto no artigo 121.º, n.º 1, do CPTA, o recurso da respetiva sentença tem de ser tramitado no processo cautelar.
II. Após tal antecipação, o processo cautelar mantém-se com tramitação urgente, devendo o recurso interposto da sentença ser apresentado no prazo de 15 dias, a contar da notificação da decisão recorrida, nos termos conjugados dos artigos 144.º, n.º 1, e 147.º, n.º 1, do CPTA.
III. A junção aos autos no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo de uma peça processual já anteriormente apresentada, e a apresentação em dia posterior das alegações de recurso, implica a sua intempestividade.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

M......., Advogado, veio a título preliminar intentar a presente providência cautelar contra a Ordem dos Advogados, na qual pede a suspensão de eficácia do ato administrativo consubstanciado na Deliberação da 2.ª Secção do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, datada de 06/05/2022, que determinou a execução da sanção disciplinar de suspensão do exercício da advocacia pelo período de cinco anos e a sanção acessória de restituição dos montantes indevidamente recebidos.
Por sentença datada de 23/11/2022, o TAF de Sintra, nos termos do disposto no artigo 121.º, n.º 1, do CPTA, antecipou nos presentes autos cautelares a decisão do mérito da causa, e julgou a ação improcedente.
Inconformado, o autor interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem:
“1.ª Ainda que os Tribunais de primeira instância devam ter em conta as decisões dos tribunais de recurso, não devem fazê-lo acriticamente, pois têm o dever, segundo a CRP, de decidirem cada caso avaliando e interpretando o direito aplicável, assegurando a defesa dos interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimindo a violação da legalidade democrática — art 202 nº2 da C.R.P.;
2.ª Os Tribunais não podem aplicar normas — ou deixar de aplicar normas — em violação do disposto na Constituição, ou os princípios nela consagrados — artº 204 da C.R.P.;
3.ª O Rte., advogado inscrito na Ordem, é arguido num processo disciplinar instaurado pelos seus órgãos em 9/11/2001, por factos praticados em 1997, há 25 anos, portanto;
4.ª Processo que tem na sua base factual o recebimento de certa quantia para aplicação em produto financeiro, o que o Rte. fez em produto de risco, perdendo a quantia; não a devolveu mais à sua ex cliente, porque não a tem nem tem possibilidades de o fazer; foi já punido na jurisdição criminal, em pena que cumpriu; a dívida prescreveu e nunca foi demandado para a pagar.
5.ª A O.A. reconhece, na Deliberação proferida em 6/05/2022 que o prazo máximo de duração do procedimento disciplinar, é de 9 anos, contados nos termos das normas estatutárias, concluindo, erradamente e, não obstante, que tal prazo desde a data da prática dos factos ainda não decorreu — cfr.a Deliberação e Parecer em que se fundamentou, doc. 4;
6.ª A decisão recorrida, não reconhecendo a prescrição do procedimento disciplinar e colhendo automaticamente o seu argumento decisório em jurisprudência da qual não faz uma avaliação crítica correcta, patenteia uma errada interpretação do direito aplicável, bem assim de normas e princípios constitucionais consagrados;
7.ª Decisão que se baseia num raciocínio desconforme à boa hermenêutica jurídica, já que confunde prescrição do procedimento disciplinar, com prescrição de ilícitos disciplinares, dois conceitos que emanam da repercusso do tempo sobre o direito, mas que diferem quanto à matéria incidente, como é óbvio;
8.ª O procedimento disciplinar é o conjunto de actos instrutórios que visam apurar se se verifica responsabilidade disciplinar de um profissional, sujeito a deveres e normas sancionatórias estatutárias, pela prática de determinada factualidade que constitui o seu thema decidendum; tem um momento temporal para o seu início e um momento de concluso que se fecha com a decisão final, transitada.— cfr. os arts do Título IV, Capítulo IV do E.O.A., de 144 a 166.
9.ª O procedimento disciplinar não é, nem pode ser eterno e por regra, tem nos principais diplomas estatutários, nomeadamente os das magistraturas e na da LGTFP ( Lei 35/2014 de 20/06), normas delimitativas da sua duração máxima, nos três casos, 18 meses contados do seu início até notificação da decisão final ao visado — cfr. arts 83 B n22 do EMJ, 210 n1 do EMP e 178 n5 da LGTFP;
10.ª O E.O.A. no prevê um limite desta natureza, disciplinador do tempo processual e na verdade um prazo de garantia de celeridade da decisão, mas tem no n5 da norma do artº 117 do diploma actual e 112 n4 do diploma vigente em 2005, uma norma travo, de prescrição absoluta, que estabelece o prazo máximo de duração deste: "A prescrição do procedimento disciplinar tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de sus pensao, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade."
11.ª Que é norma de prescriço absoluta, retira-se no só do elemento literal da norma antes citada, como assim o decidiu o T.C. no Ac. nQ321/2021 de 19/05/2021 na apreciaço de caso idêntico ao caso sub judice, aresto do qual se extracta "É esse, inequivocamente, o sentido da expressão «[e]m qualquer caso, a infracção disciplinar prescreve ao fim de um ano a contar do momento em que teve lugar”
Afirmando o seu ilustre Relator que o sublinhado visava a importância normativa e o alcance da expressão "em qualquer caso", por se tratar de um comando normativo absoluto.
Nem poderia ser de outra forma, pois o direito disciplinar, como direito sancionatório que é, obedece aos princípios e normas constitucionais de garantia do art9 32 C.R.P, vd. o seu n10.
Para mais ilustração da relevância constitucional do caso sub judice, pode cfr. o Ac. do T.C. nº 287/2000 de 17/05, onde se escreveu que "a garantia de segurança jurídica dos trabalhadores, justifica a definição de prazos de prescrição e é tanto mais protegido quanto menores eles forem. A partir do decurso de certos prazos, o trabalhador não tem que se sujeitar ao processo disciplinar".
12.ª Do ilustre jurista conimbricense Prof. José de Faria Costa extracta-se da sua oração de sapiência publicada no Boletim da Faculdade de Direito da U.Coimbra, comemorativo do 75Q Tomo com o subtftulo "Algumas reflexães dentro do nosso tempo e em redor da prescriçüo". "Mas a paz jurídica tem também... um segmento que ajuda à realização da personalidade individual de cada um dos membros da comunidade. Na verdade, em um Estado de direito democrático e liberal, mal se pode conceber ... que sobre o cidadão.., esteja sempre ou esteja para lá de um prazo indesmentivelmente irrazoável... a espada de uma Justiça penosamente lenta1 ou pior, de uma justiça que gere, pra domo sua, a exasperante lentidão. Foi sem dúvida alguma por ter partido deste horizonte, que o legislador introduziu a norma peremptória do 'n. do art 121 da C.P. que expressa que "a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrida a prazo normal de prescrição, acrescida de metade" "norma que é ilustração inequívoca de que a paz jurídica individuo/constitui em si, um valor que o Estado não deixa de proteger" A paz jurídica que a prescrição visa instalar na ordem jurídica, seja no âmbito estadual e exercício de soberania do direito penal, seja no âmbito sectorial de uma ordem disciplinar profissional, como é o caso, contende directamente com a dignidade da pessoa humana e com os direitos de personalidade. Uma pessoa condenada não pode tornar-se um eterno réprobo, sob pena de ver atingida a sua dignidade como ser humano, cuja protecção lhe é garantida pelo artº 13 da CRP.;
Por outro lado, dentro dos direitos constitucionalmente garantidos, na dimensão do Estado Social, está o princípio da ressocialização que decorre claramente do art2 81 a) da C.R.P.
13.ª Na mesma senda de fundamentos, pode citar-se o Parecer do Conselho Consultivo da PGR, nº 123/87, DRIIS 10/10/88:
"A prescrição funda-se no efeito que o tempo produz em todas as coisas e relações humanas. E tem a sua justificação no abalo que a infracção produziu sabendo-se como o tempo vai reduzindo ou apagando suavemente os efeitos inicialmente verificados. Por outro lado, não é justo que o funcionário permaneça indefinidamente submetido à ameaça de procedimento ou de pena disciplinar. "... a autoridade que detém o poder disciplinar não mantém ilimitadamente no tempo, a actuação do seu direito sancionador."
14.ª Ao decidir a improcedência da A.A. com as seguintes asserções:
"Nessa medida, não tendo o Autor até à data da decisão final do procedimento disciplinar cumprido com o dever de entrega daqueles montantes, conclui-se que o prazo de prescrição do procedimento disciplinar, ainda nem sequer começou a correr, aquando da prolação da decisão final emitida nesse mesmo processo disciplinar" (segue-se citação de ac. do TCAN)
"Não tem aplicação à situação dos autos, o prazo de prescrição previsto no disposto no artº 114 nº1 b) e nº2 do EOA, aprovado pela Lei 15/2005, segundo o qual a prescrição teria ocorrido passados nove anos após a instauração do processo disciplinar, por estarmos perante um infração duradouro ou permanente, cujo prazo de prescrição apenas se inicia quando cessar a sua consumação" é de julgar improcedente o pedido de anulação do Acórdão do Conselho Superior de 6/05/2 022, com fundamento no facto dejá ter ocorrido a prescrição do processo disciplinar do Autor, uma vez que, não se verificar que a decisão padeça do alegado vício de violação da lei, na modalidade de erro sobre os pressupostos de direito."
O Tribunal a quo interpretou erradamente a norma do art9 114 n2lb) e n22 do E.O.A. de 2005 e violou, no o aplicando, o art 117 n5 do E.O.A. atualmente em vigor;
15.ª Para além de violar directamente uma norma de prescrição absoluta, a sentença recorrida também no decidiu em conformidade com os princípios gerais de segurança e paz jurídica, princípios que integram o conjunto de valores inerentes ao Estado de Direito e que a Constituição da República consagra no artº 9 b) da C.R.P,;
16.ª E também pôs em causa a dignidade da pessoa do Rte. e aos seus direitos de personalidade, com expresso, entre outras, nas normas do artº 13 nº1 e 81 a) da Constituição da R.P. normas que resultaram violados com a decisão de improcedência da impugnação da Deliberação da O.A. que no considera prescrito o procedimento disciplinar instaurado em 2001, há 21 anos, portanto;
17.ª Do mesmo passo, a sentença recorrida violou o direito de defesa do Rte. garantido pela norma do artº 32 n210 da Constituição da R.P., bem assim as normas dos arts 202 n2 e 204 da Constituição da R. P.;
18.ª Decidindo que a Deliberação da O.A. impugnada por via desta A.A. é o último acto do procedimento disciplinar - o que contraria a lógica da decisão do segmento anterior, no sentido de que o procedimento disciplinar se há-de eternizar até que o Rte. entregue as quantias que recebeu em depósito há 23 anos — o Tribunal a quo errou na apreciação da factualidade provada por documentos, nomeadamente, do documento da Deliberação e Parecer que dela faz parte.
19.ª No Estatuto da Ordem dos Advogados (E.O.A.) as normas respeitantes ao procedimento disciplinar estão contidas no Título IV, Capítulo IV e iniciam-se com o art 144 indo até ao artº 166 que prescreve o momento final sobre o processo, nestes termos: " Julgado definitivamente qualquer recurso, o processo baixa ao conselho de deontologia respectivo".
Por outro lado, a norma do art 173 nº1 do E.O.A. prescreve:
1 - As sanções disciplinares, bem como as determinações constantes dos n.os 8 e 9 do artigo 130.-°, iniciam a produção dos seus efeitos findo o prazo para a respectiva impugnação contenciosa.
20.ª Afirmou nesta A.A. a própria O.A. - vide o texto da Deliberação impugnada - que a prolação do Acórdão pelo órgão competente, em sede de recurso, em 21/04/2015 foi o acto final do processo disciplinar e transitou nesse ano, após notificação ao arguido, aqui Rte.
21.ª Assim, a exequibilidade das sanções disciplinares deve contar-se desde essa data, como dita a norma do arte 173 n1 do E.O.A. e como de resto sustentou a O.A. que pretendia a execução das sanções desde então.
22.ª Ainda que assim no fosse, e considerando que a O.A. demorou sete anos a decidir definitivamente a questão da prescrição do procedimento, invocada pelo ora Rte. — esse longo prazo no pode ser lançado contra o Rte. nômeadamente para impedir a contabilizaço da prescrição das sanções que lhe foram aplicadas;
23.ª As normas conjugadas dos artºs 193 da Lei 35/2014 de 20/06 e 123 do C.P. — a primeira estabelecendo os prazos de prescriço das sanções disciplinares, contados desde a data em que a decisão se tornou inimpugnável " c) seis meses, no caso de sanção disciplinar de suspensão" e a segundo ditando o destino da sanção acessória, aplicadas ao caso, permitiam decidir a prescriço da sanção de suspensão e da sanção acessória decididas e transitadas em 21/04/2015;
24.ª Decidindo como decidiu neste segmento, a sentença recorrida violou o art 173 nº 1 do E.O.A., o art 193 da LGTFP e ainda o artº 123 do C.P.”
A entidade requerida apresentou contra-alegações, as quais termina com as seguintes conclusões:
“1.ª a douta sentença recorrida fez a correcta aplicação da lei e do direito no caso dos autos, mostrando-se, aliás, devidamente fundamentada (excepcionando-se quanto à aplicação do artigo 193. da ltfp ao caso sub judice), não merecendo qualquer censura e, consequentemente deverá ser mantida no ordenamento jurídico.
2.ª a douta sentença recorrida na fundamentação vertida na mesma no que concerne à prescrição do procedimento disciplinar cita jurisprudência análoga à dos presentes autos cumprindo, desde logo, o disposto no artigo 8., 3 do código civil, cumprindo, justamente, os princípios da paz e da segurança ou certeza jurídica inerentes ao estado de direito, harmonizando a aplicação da lei e do direito ao caso em apreço.
3.ª nos presentes autos está em causa o momento em que se inicia a contagem do prazo de prescrição do procedimento disciplinar, não se confundindo, em momento algum, com a prescrição da infracção/sanção disciplinar que, aliás, vem referenciada na segunda parte da decisão recorrida.
4.ª a qualificação da natureza das infracções cometidas pelo recorrente e que deram origem ao processo disciplinar com o n. 324/2001-p/d determinam o início da contagem do prazo de prescrição do procedimento disciplinar, resultando claro da letra da lei.
5.ª a lei prevê expressamente no artigo 112., n.s 2 e 3 do eoa de 2005 e correspondente artigo 117., n.s 3 e 4 do eoa de 2015 o momento em que se inicia a contagem do prazo de prescrição do procedimento, não se confundindo com a prescrição da sanção/infracção disciplinar.
6. no caso sub judice estamos perante uma infracção de natureza duradoura ou permanente, cujo prazo de prescrição se inicia quando cessa a sua consumação, o que no caso não ocorreu, como igualmente reconhecido pelo recorrente.
7. não tendo, ainda, iniciado a contagem do prazo de prescrição do procedimento disciplinar, por maioria de razão, não ocorreu o respectivo prazo de prescrição, consequentemente não tem aplicação o disposto no artigo 112., n. 4 do eoa/2015 ou o 117., n. 5 do eoa na redacção actual.
8. a anti juridicidade de todas as condutas do recorrente (unificação jurídica) mantém-se prolongada no tempo até à remoção dos prejuízos causados aos clientes, designadamente com a restituição das quantias que o mesmo reteve no âmbito do exercício da sua profissão de advogado.
9. não foram violadas pela douta sentença recorrida as normas invocadas pelo recorrente, designadamente os artigos 9•9, al. b), 13., n. 1, 32., n. 10, 81., al. a), 202. e 204. todos da constituição da república portuguesa, tanto mais que o recorrente nem fundamenta cabalmente por falta de concretização em que medida tais preceitos constitucionais terão sido violados.
10.ª não fez a douta sentença recorrida errada interpretação dos artigos 114., n.9 1, al. b) e n.º 2 do eoa de 2005, nem violou o disposto no artigo 117., n. 5 do eoa de 2015, até porque olvida por completo conforme demonstrado a redacção dos artigos 114., n.95 2 e 3 do eoa/2005 e o correspectivo artigo 117., n.s 3 e 4 do eoa/2015.
11.ª quer se contabilize o prazo de prescrição do acórdão de 21/04/2015 ou do acórdão de 06.05.2022 (este último na acepção da douta sentença recorrida), a verdade é que, não se verificou a prescrição sanção disciplinar quer se aplique ou não a lei geral do trabalho em funções públicas (ltfp), aprovada pela lei n.2 35/2014, de 20 de junho.
12.ª embora se concorde com a conclusão de improcedência da prescrição da sanção disciplinar, não se vislumbra que ao caso dos autos seja aplicável o prazo de seis meses previsto naal. c) do artigo 193. da ltfp.
13.ª basta atentar na letra da lei constante do artigo 126.2 do eoa2o15 para se concluir que o mesmo não tem o alcance vertido na douta sentença ou nas alegações do recorrente.
14.ª se o legislador fez questão de fazer referência expressa à natureza procedimental das normas da ltfp a aplicar subsidiariamente, conclui-se que o mesmo pretendeu deixar de fora do âmbito da remissão aí prevista as normas que não tenham essa natureza e, assim, o dispositivo previsto no artigo 193. da ltfp, dado que as normas referentes a prazos de prescrição se tratam de normas de natureza substantiva.”

Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, foi suscitada a questão prévia da intempestividade do recurso, por despacho datado de 27/02/2023, com os seguintes termos:
“O recorrente foi notificado da sentença no dia 24/11/2022, pelo que à data da apresentação do recurso, 19/12/2022, se afigura que já findara o prazo de 15 dias que a lei lhe confere para o efeito, cf. artigo 147.º, n.º 1, do CPTA.”
Pronunciou-se o recorrente, sustentando, em síntese, o seguinte:
- uma vez que foi decidida de mérito a ação principal, o prazo que o recorrente legitimamente pode considerar como aplicável à interposição do recurso dessa decisão, só podia ser o prazo geral do art.º 144 nº 1 do CPTA, que é de 30 dias;
- de todo o modo, o recurso foi interposto no dia 16/12/2022, e não em 19/12/2022, pois naquela primeira data foi anexado, por erro, um ficheiro em formato PDF que continha uma peça processual anteriormente junta a este mesmo processo, lapso corrigido na segunda data indicada.
O Juiz Relator, por decisão sumária de 24/03/2023, julgou findo o presente recurso, ao abrigo do disposto no artigo 652.º, n.º 1, al. h), do CPC.
Notificado, veio o recorrente interpor reclamação para a conferência, invocando:
- a nulidade da decisão sumária por ter sido proferida em processo no qual não foi interposto recurso e que por isso não foi distribuído ao relator;
- a nulidade da decisão sumária por falta de fundamentação de facto e de direito;
- erro de julgamento por aplicação da tramitação dos processos urgentes;
- erro de julgamento por o recurso ter sido interposto dentro no prazo de 15 dias.
*

Na decisão sumária relevaram-se as seguintes ocorrências processuais:
A. Por sentença datada de 23/11/2022, o TAF de Sintra, nos termos do disposto no artigo 121.º, n.º 1, do CPTA, antecipou nos presentes autos cautelares a decisão do mérito da causa, e julgou a ação improcedente (fls. 1068/1091).
B. No dia 24/11/2022 foi enviada notificação eletrónica ao recorrente (fls. 1193).
C. No dia 16/12/2022, pelas 21h48m47s, o recorrente juntou aos autos documento que intitulou ‘recurso’, contendo a réplica que apresentara antes na ação principal (fls. 1387/1434).
D. No dia 19/12/2022, pelas 22h44m47s, o recorrente juntou aos autos as alegações de recurso, invocando lapso na junção da réplica indicada no ponto C (fls. 1387/1434).
*

Vejamos então.
Invoca em primeiro lugar o reclamante que é nula a decisão sumária por ter sido proferida em processo no qual não foi interposto recurso e que por isso não foi distribuído ao relator.
É evidente o equívoco do reclamante.
O recurso foi, efetiva e erradamente, interposto no processo n.º 469/22.2BESNT, o qual subiu a este TCAS.
Uma vez que a sentença de que se recorre foi proferida no processo n.º 463/22.3BESNT.
No primeiro despacho deste TCAS proferido no processo n.º 469/22.2BESNT, no dia 27/02/2023, constatou-se que no âmbito do processo cautelar apenso, com o n.º 463/22.3BESNT, foi decidido antecipar o juízo sobre a causa principal, e aí proferida sentença no dia 23/11/2022, a qual, nos termos do disposto no artigo 121.º, n.º 1, do CPTA, constitui igualmente a decisão final dos autos com o n.º 469/22.2BESNT.
Mais se constatou, em despacho aí proferido no dia 28/02/2023, que estando determinada a apensação do processo n.º 469/22.2BESNT ao processo cautelar n.º 463/22.2BESNT, este não fora enviado a este TCAS.
Pelo que se determinou o envio imediato do processo apenso e a junção ao mesmo de todos os elementos posteriores a 24/11/2022, uma vez que foi aí proferida a sentença objeto de recurso para este TCAS.
Tratou-se de regularizar a tramitação dos autos, perante o notório e clamoroso erro de ser interposto recurso num processo, quando a sentença da qual se recorre foi proferida no processo apenso.
Improcede, pois, à evidência, a primeira questão suscitada pelo reclamante.
Quanto à nulidade da decisão sumária por falta de fundamentação de facto e de direito, não pode merecer qualquer pronúncia, à míngua de mínima concretização por parte do reclamante do seu enquadramento.

Quanto ao erro de julgamento por aplicação da tramitação dos processos urgentes e consequente aplicação do prazo de 15 dias aplicável à interposição de recurso, é igualmente patente o equívoco do reclamante.
Antes do mais, esclareça-se que a decisão que admitiu o recurso não vincula o tribunal superior, conforme expressamente decorre do artigo 641.º, n.º 5, do CPC.
No que se refere à questão a apreciar, como se decidiu no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 26/03/2009 (processo n.º 2088/06), uma das consequências que emerge da convolação operada ao abrigo do artigo 121.º é a de que o processo permanece sob o regime de tramitação urgente, em consonância com a situação de urgência expressa no n.º 1 (apud Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, p. 992).
Aliás, é jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, que “a convolação operada ao abrigo do artigo 121.º do CPTA tem a consequência de o processo permanecer sob o regime de tramitação urgente, em consonância com a situação de urgência da resolução definitiva”, e assim, “tais processos sempre continuaram a ser tramitados como urgentes, mesmo em caso de recurso jurisdicional interposto da decisão proferida sobre a causa principal antecipada” (acórdão do STA de 11/07/2019, processo n.º 0788/18.2BELRA-A-A).
Vale isto por dizer que o prazo para apresentação das alegações de recurso era de 15 dias, e conta-se a partir da notificação da decisão recorrida, nos termos conjugados dos artigos 144.º, n.º 1, e 147.º, n.º 1, do CPTA.
Uma vez que foi enviada notificação eletrónica ao recorrente no dia 24/11/2022, esta presume-se feita no terceiro dia posterior ao do seu envio, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, no caso o dia 28/11/2022, iniciando-se a contagem do prazo no dia seguinte, cf. artigo 248.º, n.º 1, do CPC.
E o aludido prazo terminou no dia 13/12/2022, podendo ainda o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, no caso os dias 14, 15 e 16/12/2022, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, cf. artigo 139.º, n.º 5, do CPC.
Ora, como bem se vê das ocorrências processuais supra descritas, no dia 16/12/2022 o recorrente apresentou o articulado ‘réplica’ e não as alegações de recurso, que apenas vieram a ser juntas aos autos no dia 19/12/2022.
Como é evidente, constituía ónus que impendia sobre o recorrente de apresentar a peça processual correta, no caso, a recursiva, no prazo legal.
Assim não tendo feito, sibi imputet.
Vale isto por dizer que o recurso foi apresentado para além do prazo legal, e bem assim, para além dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo.
Porque assim é, não é de conhecer do seu objeto, mas antes julgar findo o recurso, porque intempestivamente apresentado, cf. artigo 652.º, n.º 1, al. h), do CPC.
Termos em que se conclui ser de indeferir a reclamação para a conferência da decisão sumária.
*

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em indeferir a reclamação para a conferência e assim manter a decisão sumária.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 11 de maio de 2023


(Pedro Nuno Figueiredo)

(Ana Cristina Lameira)

(Ricardo Ferreira Leite)