Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:4128/23.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/19/2024
Relator:JOANA COSTA E NORA
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
PRESSUPOSTOS
Sumário:I - Cabe a quem se pretenda valer da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, a demonstração da verificação dos pressupostos previstos no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, a qual deve assentar em factos cuja alegação se lhe impõe.
II - Para o efeito, deve o autor descrever uma situação factual de “lesão iminente e irreversível” dos direitos que invoca, não lhe bastando afirmar uma mera lesão dos mesmos.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Face ao teor da informação que antecede, importa aferir da extemporaneidade da pronúncia do Ministério Público datada de 22.02.2024, constante de fls. 118 e ss. do SITAF.
Nos termos do n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, “Recebido o processo no tribunal de recurso e efetuada a distribuição, a secretaria notifica o Ministério Público, quando este não se encontre na posição de recorrente ou recorrido, para, querendo, se pronunciar, no prazo de 10 dias, sobre o mérito do recurso, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º.” Acrescenta o n.º 2 que, “No caso de o Ministério Público exercer a faculdade que lhe é conferida no número anterior, as partes são notificadas para responder no prazo de 10 dias.” Estando em causa um processo de natureza urgente, o referido prazo de 10 dias de que o Ministério Público dispõe para se pronunciar sobre o mérito do recurso é reduzido para metade – sendo, assim, de 5 dias -, conforme estipula o n.º 2 do artigo 147.º. Trata-se de um prazo peremptório, cujo decurso, como tal, extingue o direito de praticar o acto (cfr. artigo 139.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 3, do CPTA), podendo, porém, nos termos dos n.ºs 4 e 5, o acto ser praticado fora do prazo em caso de justo impedimento, nos termos regulados no artigo 140.º do CPC, e, independentemente de justo impedimento, dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa.
Quanto à realização da notificação, de acordo com o disposto no artigo 252.º, n.º 2, do CPC – aplicável ex vi artigo 23.º do CPTA -, “As notificações ao Ministério Público são efetuadas por via eletrónica, através do sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais e presumem-se efetuadas no terceiro dia posterior ao do envio da notificação, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.”
No caso em apreço, o ofício de notificação do Ministério Público nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 146.º foi-lhe remetido via electrónica em 01.02.2024 – cfr. fls. 117 do SITAF -, pelo que a sua notificação se presume efectuada em 05.02.2024, correspondente ao primeiro dia útil seguinte ao terceiro dia posterior ao do envio. Considerando que a pronúncia do Ministério Público foi emitida em 22.02.2024, sem que tenha sido invocado o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 139.º do CPC, conclui-se que o foi para além do prazo legalmente previsto para o efeito, sendo, por isso, extemporânea.
Nestes termos, impõe-se o respectivo desentranhamento, o que se determina.
Notifique.
*
ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO

S…, nacional do Bangladesh, residente em Portugal, intentou intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P.. Pede a condenação da entidade demandada a decidir, no prazo de quinze dias, o pedido de concessão de autorização de residência por si apresentado. Alega, para tanto e em síntese, que: (i) Veio para Portugal em 10.03.2023 e está inscrito como contribuinte desde 15.03.2023, tendo iniciado a sua carreira contributiva em 05/2023, enquanto trabalhador subordinado com contrato de trabalho a termo certo, ainda hoje desenvolvendo actividade profissional subordinada nesses termos; (ii) Em 17.05.2023, ao abrigo do artigo 88.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, apresentou manifestação de interesse no sítio do SEF na Internet, com vista à concessão de autorização de residência temporária com dispensa de visto para o exercício de actividade profissional subordinada, nos termos do disposto nos artigos 3.º, n.º 1, alínea x), 77.º e 88.º da referida lei e, com tal pedido, juntou os documentos legalmente previstos; (iii) O requerimento por si apresentado constituiu a entidade demandada no dever de decidir, nos termos do artigo 13.º do Código do Procedimento Administrativo, sujeito ao prazo de 90 dias, atento o disposto no artigo 82.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, prazo esse que já foi ultrapassado; (iv) A inércia da entidade demandada lança o autor numa situação de incerteza absoluta, limitadora do direito de decidir qual o rumo a dar à sua vida, pois está o mesmo indocumentado e reside ilegalmente em Portugal por não ser titular de autorização de permanência ou residência, embora aqui se mantenha a trabalhar desde 05/2023, e a pagar impostos e contribuições tal como os demais trabalhadores portugueses em idênticas condições; (v) Uma vez que o pedido formulado pelo autor se reporta a um documento de identificação, a falta de decisão por parte da Administração representa um obstáculo ao livre desenvolvimento da personalidade, nos termos do disposto no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição; (vi) Vive de modo instável e com constante receio de uma possível expulsão, de invocar um apoio policial, caso necessite, de se deslocar livremente, de se apresentar e celebrar negócios civis básicos, de deslocar-se a um hospital, de tentar alcançar melhor trabalho, de reclamar as devidas condições para o trabalho, vivendo uma situação de profunda vulnerabilidade, devido à inércia da entidade demandada; (vii) A urgência da situação em que vive é evidente e actual; (viii) A legalização da sua residência em Portugal é uma condição sine qua non para que consiga uma legal integração no mercado de trabalho e para que beneficie dos demais direitos dos cidadãos portuguesas, nos termos do artigo 15.º da Constituição; (ix) A omissão de decisão da entidade demandada coloca em causa o princípio da dignidade humana, bem como os seus direitos à liberdade, à livre deslocação no território nacional, à segurança, à identidade pessoal, a trabalhar, à estabilidade no trabalho e à saúde; (x) O uso de meios cautelares é inidóneo pois uma providência antecipatória implicaria a atribuição efectiva, durante o tempo em que decorresse o processo principal, da autorização de residência, equivalendo à atribuição, de facto, do direito que só por via do processo definitivo havia de ser concedido, sobrepondo-se àquela que pudesse corresponder à do processo principal, além de que a providência cautelar, pela sua precariedade, tem um desfecho incerto e depende de uma acção principal, que poderá demorar muitos anos, e é normalmente objecto de recurso por parte da entidade demandada, o que aumenta a incerteza do autor, e o uso de um meio processual não urgente não acautelaria, em tempo útil, a sua situação.
Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferido despacho a determinar a notificação do autor para “(…) substituir a petição inicial, para o efeito de requerer a adoção da providência cautelar adequada à tutela do direito que pretende fazer valer, sob cominação de indeferimento liminar da petição inicial.”, por no mesmo se ter considerado não estarem verificados os pressupostos de que depende o recurso ao processo urgente de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.
Notificada de tal despacho, o autor veio “declinar” o convite que lhe foi dirigido pelo Tribunal e reiterar o pedido de intimação da entidade demandada nos termos da p.i..
Pelo mesmo Tribunal foi proferida sentença a rejeitar liminarmente a petição por o autor não ter substituído a p.i. nos termos do despacho que antecede, aplicando a cominação no mesmo estabelecida.
O autor interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões:
A) O Tribunal a quo faz uma interpretação errada da Lei, e ignora a Jurisprudência assente no STA, e no TCA Sul, sobre a idoneidade do presente instrumento legal.
B) A Intimação para a Defesa de Direitos, Liberdades e Garantias é o ÚNICO instrumento legal adequado para a defesa dos interesses do Recorrente; os quais estão violados.
C) Designadamente, mas não só, o Direito a uma decisão procedimental em tempo razoável (artigo 266.º, n.º 1 da CRP, e artigos 5.º, e 59.º, do CPA).
D) E, também, e uma vez que o procedimento no qual se verificou o atraso desrazoável (atraso de mais de 14 meses) diz respeito à obtenção de um documento de identificação pessoal, ao livre desenvolvimento da personalidade (artigo 26.º, da CRP).
E) Perante a inércia do Recorrido AIMA I.P., o Recorrente fica sem saber qual o grau de estabilidade da sua permanência em território português; o que se repercute nas decisões que tenha de tomar a nível familiar, pessoal e profissional.
F) A Intimação para a Defesa de Direitos, Liberdades e Garantias é o instrumento legal mais adequado na defesa dos valores constitucionais em jogo.
G) O uso de providência cautelar, pela sua precariedade é INCERTO no seu desfecho.
H) Depende de uma Ação Principal; que poderá - e, seguramente - demorará anos e anos.
I) Somado ao facto de o Recorrido AIMA I.P. atualmente recorrer das providências cautelares.
J) O que aumenta ainda mais a incerteza do Recorrente.
K) Existe Jurisprudência no TCA SUL assente sobre a idoneidade do presente instrumento legal.
L) E, também no STA.
M) Desde 2019 que temos uma reversão jurisprudencial.
N) O Recorrente vê ameaçada a sua identidade em território nacional, e o seu emprego, está a pagar impostos e contribuições, mas não vê reconhecidos os seus direitos.
O) O Tribunal a quo não está a acatar a posição do TCA SUL e STA.
P) Estão ultrapassados os prazos legais previstos no artigo 11.º, 1, do CPTA.
Q) Não existe tempo a perder, devendo o Recorrido AIMA I.P. ser devidamente intimado a decidir e a emitir o título de residência do Recorrente.
R) Estão violados os artigos 1.º, 13.º, 15.º, 26.º, 27.º, 36.º, 44.º, 53.º, 58.º, 59.º, 64.º, 67.º, 68.º, e 266.º, da CRP.
S) E, o artigo 109.º, do CPTA.
T) E, os artigos 77.º, 82.º, e 88.º, da Lei 23/2007.
U) Os artigos 5.º, 8.º, 10.º, 13.º, e 59.º, do CPA.
V) E, os artigos 607.º, n.º 4 (ex vi artigo 1.º, da CRP), 639.º, e 639.º, do CPC.
A entidade recorrida não respondeu à alegação do recorrente.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, apresentou pronúncia que foi julgada extemporânea, nos termos do despacho que antecede.
Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), cumpre apreciar e decidir.


II – QUESTÕES A DECIDIR

A questão que ao Tribunal cumpre solucionar é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por ter considerado não verificados os pressupostos de que depende o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida não fixou factos.


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Alega o recorrente que a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, “é o único instrumento legal adequado” à defesa dos interesses que pretende fazer valer e dos valores constitucionais associados, e que um processo cautelar depende de uma acção principal, que poderá demorar anos, aos longo dos quais o mesmo se manterá num estado de incerteza. Mais alega que a jurisprudência tem vindo a decidir nesse sentido e que o Tribunal “a quo” não acatou essa jurisprudência.

A sentença recorrida julgou improcedente a acção por não estar demonstrado o pressuposto de recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, da indispensabilidade de uma célere decisão de mérito, o que fez com a seguinte fundamentação fáctico-jurídica:
“(…) desde logo porque o requerente não alegou/provou factos que concitem qualquer situação de urgência carecida de tutela definitiva, para lá dos normais incómodos associados à incerteza de estar a aguardar uma decisão da Administração há um tempo já (demasiado) longo, relativamente à decisão do seu pedido/candidatura de concessão de autorização de residência para atividade investimento. Com efeito, o requerente não alegou ─ e, consequentemente, não provou ─ que, caso a decisão de mérito não fosse proferida num processo de natureza urgente, haveria (a) uma perda irreversível de faculdades de exercício desse direito (o direito a residir em Portugal), e (b) uma qualquer situação de carência pessoal ou familiar em que estivesse em causa a imediata e direta sobrevivência pessoal de alguém. O requerente limitou-se a alegar que se vê coibido, na vida quotidiana, com receio de uma possível expulsão, de invocar um apoio policial, caso necessite, de se deslocar livremente, ou de se apresentar e celebrar de negócios civis básicos, ou de deslocar-se a um hospital, ou de tentar alcançar trabalho, ou, ainda, de reclamar as devidas condições para o trabalho que consiga angariar nessa situação (Cf. artigos 39.º a 45.º do requerimento inicial). A isto acresce que, e não se olvide, que em relação a cada uma dessas alegações o requerente socorre-se de imputações conclusivas, genéricas, abrangentes e difusas, sem qualquer especificação de factos concretos em que se concretizou a violação dos (pretensos) direitos, liberdades e garantias, sejam eles pessoais ou patrimoniais, com menção do tempo e lugar em que tal aconteceu, não podendo tais alegações servir de suporte à qualificação de uma situação de especial urgência carecida de tutela definitiva. Neste pressuposto, entendemos que o requerente não deu satisfação ao ónus de alegação e de prova que lhe estava cometido.
(…)
Assim sendo, por não virem alegadas concretas circunstâncias que exijam que a tutela pretendida seja urgentíssima, falece o primeiro pressuposto mencionado: a urgência da tutela requerida. Tal será bastante para considerar que não estão reunidos os pressupostos processuais específicos da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias. Mas, além disso, a inadequação do meio processual utilizado ressalta ainda de um outro aspeto.
(…)
o processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não é a via normal de reação a utilizar em situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos, liberdades e garantias, só podendo aquele meio ser utilizado quando o mesmo se revele indispensável para prevenir ou reprimir uma ameaça iminente dos referidos direitos. Essa indispensabilidade tem de ser carreada para os autos pelo respetivo requerente. Primeiro, tem de a alegar. Depois, tem de a provar. E no caso presente, o requerente não fez nenhuma das duas. Note-se que do requerimento inicial apresentado, à exceção de documentos demonstrativos da relação laboral (contrato de trabalho) não vem indicada qualquer outra prova, mormente testemunhal que permitisse ao tribunal atestar as alegações genericamente feitas pelo requerente. Quando o requerente deverá oferecer, logo com o articulado inicial, prova sumária destes pressupostos de ‘indispensabilidade’, de ‘urgência’, de ‘impossibilidade’ e de ‘insuficiência’, necessários, quer para a admissibilidade do pedido de intimação, quer, depois, para a sua procedência – Neste sentido, Cf. Sofia DAVID, ‘Das intimações. Considerações sobre uma (nova) tutela de urgência no Código de Processo nos Tribunais Administrativos’, Editora: Almedina, 2005, p. 124. Assim: Mesmo que se verificasse alguma urgência na tutela requerida, não existe qualquer indício de que essa urgência não pudesse ser acautelada provisoriamente (por meio de tutela cautelar com eventual decretamento provisório da providência a requerer), enquanto o requerente aguarde a decisão de um processo principal condenatório (não urgente). Ou, dito por outras palavras, o requerente não alegou um único facto concreto que permita concluir que o invocado direito a obter a autorização de residência não terá utilidade caso só venha a ser concedido mediante uma decisão a proferir em ação administrativa, eventualmente cumulada com um pedido de natureza cautelar, é dizer, que esta ação não é suficiente para assegurar o exercício em tempo útil desse direito.
E nos casos em que essa tutela requerida possa ser efetivamente assegurada pelo recurso aos demais meios processuais, nomeadamente, por ser possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, o processo de intimação regulado nos artigos 109.º e ss. do CPTA não deve ser admitido. E disso é exemplo o caso presente, pois que, os limites da tutela cautelar, impostos pela provisoriedade que a estruturam, consentem a concessão da autorização de residência a título provisório, de feição transitória e temporária, por esta não conduzir a uma situação definitiva e irreversível, isto é, por não levar ao esgotamento da respetiva ação principal. No caso vertente, o decretamento provisório da providência cautelar, com a consequente apreciação liminar do pedido do requerente, acautela devidamente os seus direitos até à decisão da causa principal, na medida em que, caso lhe seja perfuntoriamente reconhecida a bondade da pretensão que apresentou, estará a partir de então temporariamente munido da autorização que almeja. Sendo certo que inexiste aqui o fator de irreversibilidade desta concessão da autorização, precisamente por se tratar de uma autorização provisória, característica inerente aos processos cautelares, que relega a resolução definitiva do litígio para a ação principal. Por outro lado, a manutenção da incerteza quanto à concessão definitiva da autorização de residência até à decisão da ação principal é algo de inerente a este tipo de litígios.
(…)
Termos em que, para lá da falta de comprovada urgência no presente processo, não se encontra verificado também o pressuposto específico da subsidiariedade da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.”

Vejamos.

A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias “(…) pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.” - cfr. artigo 109.º, n.º 1, do CPTA. Trata-se de um meio processual sumário e principal, pois que visa a prolação de uma decisão urgente e definitiva, recortado para “situações de especial urgência (lesão iminente e irreversível de DLG)” e “destinado a conferir protecção qualificada aos direitos, liberdades e garantias, no âmbito da concretização do comando constitucional consignado no n.º 5 do artigo 20.º da CRP.” – cfr. FERNANDA MAÇÃS, “Meios Urgentes e Tutela Cautelar”, «A Nova Justiça Administrativa», Centro de Estudos Judiciários, 2006, Coimbra Editora, pp. 94 e 95. Por isso mesmo, esta intimação tem carácter excepcional, só se justificando se constituir o único meio para obstar à violação de um direito, liberdade e garantia, sendo a regra a da utilização da acção não urgente, sempre que esta, ainda que conjugada com o processo cautelar, seja apta a satisfazer a pretensão deduzida em juízo.
Nestes termos, a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, apenas pode ser utilizada quando se verifiquem os referidos pressupostos; ou seja, não só (i) que a célere emissão de uma decisão de mérito se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, mas também (ii) que, nas circunstâncias do caso, não seja possível ou suficiente o decretamento de uma providência cautelar. Assim, cabe a quem pretenda valer-se deste meio processual alegar factos concretos idóneos ao preenchimento dos referidos pressupostos, de modo a demonstrar que a situação concreta reclama uma decisão judicial definitiva e urgente.
No que concerne ao primeiro pressuposto – o da indispensabilidade da emissão de uma célere decisão de mérito para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia -, como escrevem Carlos Alberto Fernandes Cadilha e Mário Aroso de Almeida, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4.ª edição, Almedina, 2017, p. 883, o seu preenchimento“(…) pressupõe que o requerente concretize na petição os seguintes aspectos: a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual; e a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo urgente de intimação. Não releva, por isso, a mera invocação genérica de um direito, liberdade ou garantia: impõe-se a descrição de uma situação factual de ofensa ou preterição do direito fundamental que possa justificar, à partida, ao menos numa análise perfunctória de aparência do direito, que o tribunal venha a intimar a Administração, através de um processo célere e expedito, a adoptar uma conduta (positiva ou negativa) que permita assegurar o exercício em tempo útil desse direito.”
Quanto ao segundo pressuposto – o da impossibilidade ou insuficiência do decretamento de uma providência cautelar -, “A impossibilidade poderá resultar do facto de o juiz, para se pronunciar, ter necessariamente de ir ao fundo da questão, o que, como é sabido, lhe está vedado no âmbito dos procedimentos cautelares. Por sua vez, a insuficiência respeita à incapacidade de uma decisão provisória satisfazer as necessidades de tutela do particular, posto que estas apenas lograrão obter satisfação com uma tutela definitiva, sobre o fundo da questão. Estamos a referir-nos àquelas situações sujeitas a um período de tempo curto, ou que digam respeito a direitos que devam ser exercitados num prazo ou em datas demarcadas, maxime, questões relacionadas com eleições, actos ou comportamentos que devam ser realizados numa data fixa próxima ou num período de tempo determinado (como exames escolares ou uma frequência do ano lectivo), situações de carência pessoal ou familiar em que esteja em causa a própria sobrevivência pessoal de alguém, ou, ainda, casos relativos à situação civil ou profissional de uma pessoa.” – cfr. CATARINA SANTOS BOTELHO, “A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias: quid novum?”, O Direito, n.º 143, I, 2011, pp. 31-53.

Considerando o descrito enquadramento jurídico, cumpre aferir se se mostram verificados no caso os pressupostos de recurso ao meio processual utilizado pelo autor.

Antes de mais, àquele que lança mão de uma intimação para protecção de direito, liberdades e garantias, cabe alegar factos que traduzam uma situação de indispensabilidade de uma tutela definitiva urgente, o que, naturalmente, se associa à demonstração da insuficiência de tutela através de uma acção administrativa, de natureza não urgente, ainda que associada ao decretamento de uma providência cautelar. Dependendo a utilização de tal meio processual da verificação de pressupostos legalmente definidos, a demonstração dessa verificação cabe a quem do mesmo se pretenda valer, devendo tal revelação assentar em factos cuja alegação se lhe impõe.
Ora, o recorrente limita-se a alegar que deu entrada do seu pedido para concessão de autorização de residência, ao abrigo do artigo 88.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2007 de 04 de Julho, através de manifestação de interesse apresentada junto da entidade demandada, em 17.05.2023, tendo entrado legalmente em território nacional e apresentado toda a documentação legal exigida para o efeito junto do SEF, não tendo o seu pedido sido, até à data, objecto de decisão. Mais alega que se encontra numa situação de incerteza absoluta, limitadora do direito de decidir qual o rumo a dar à sua vida, pois reside em Portugal sem dispor de autorização de residência para o efeito, embora aqui se mantenha a trabalhar desde 05/2023, e a pagar impostos e contribuições tal como os demais trabalhadores portugueses em idênticas condições, vivendo, assim, de modo instável, numa profunda vulnerabilidade, e com constante receio de uma possível expulsão, de invocar um apoio policial, caso necessite, de se deslocar livremente, de se apresentar e celebrar negócios civis básicos, de deslocar-se a um hospital, de tentar alcançar melhor trabalho, de reclamar as devidas condições para o trabalho. Neste cenário, e em virtude da omissão de decisão do seu pedido de autorização de residência, invoca (i) a violação do dever de decisão que impende sobre a entidade demandada, nos termos do artigo 82.º da referida lei e do artigo 13.º do Código do Procedimento Administrativo, (ii) a violação dos seus direitos à segurança no emprego, à vida familiar, à liberdade e à segurança, à identidade pessoal, e à protecção da saúde, consagrados, respectivamente, nos artigos 53.º, 36.º, 27.º, 26.º e 64.º da Constituição da República Portuguesa, (iii) a violação do princípio da equiparação ou do tratamento nacional, previsto no artigo 15.º, n.º 1, da Constituição.
Todavia, não concretiza minimamente a ameaça de tais direitos, de modo a aferir-se da necessidade de uma tutela definitiva urgente. Efectivamente, o autor recorrente não descreve uma situação factual de “lesão iminente e irreversível” dos direitos que invoca – necessária ao preenchimento dos pressupostos de recurso à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias -, limitando-se a afirmar uma mera lesão dos mesmos, não sendo possível extrair da sua alegação qualquer urgência para o recorrente na concessão de autorização de residência. Tal carência de alegação factual basta, só por si, para concluir pela falta de verificação dos pressupostos de recurso a este meio processual, atendendo a que tais pressupostos carecem de concretização, não sendo aferíveis em geral e abstracto, antes casuisticamente, em face de uma determinada e específica situação individual e concreta.
Nas conclusões das suas alegações, veio o recorrente afirmar que a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, “é o único instrumento legal adequado” à defesa dos interesses que pretende fazer valer e dos valores constitucionais associados. Todavia, trata-se de uma mera – e extemporânea – conclusão sem qualquer substracto factual. Mais refere que um processo cautelar depende de uma acção principal, que poderá demorar anos, aos longo dos quais a mesma se manterá num estado de incerteza. Mas tal constatação desconsidera, em absoluto, a tutela que o processo cautelar assegura.
De todo o modo, sempre se dirá que, atentos os contornos factuais alegados, a situação de facto descrita pelo autor recorrente é susceptível de ser acautelada com a adopção de uma providência cautelar que intime a entidade demandada a emitir um título de residência provisório, de modo a permitir que o autor permaneça, de modo regular, em Portugal até ser proferida decisão em acção principal de condenação a decidir o pedido de autorização de residência, não se mostrando, assim, imprescindível, nem sequer necessário, que se decida definitivamente com carácter urgente se o autor tem direito à emissão de autorização de residência.
Tal decretamento, para além de suficiente para tutela dos direitos cuja violação o recorrente invoca, não põe em causa o regime de entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros do território português, constante da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, considerando que a entidade a quem cabe decidir o pedido de autorização de residência não se pronunciou ainda sobre o preenchimento das condições legalmente previstas para a concessão de tal autorização.
Ante o exposto, nem se revela indispensável a emissão de uma decisão de mérito urgente para assegurar o exercício, em tempo útil, dos direitos que o autor invoca, nem é impossível ou insuficiente para o efeito o decretamento de uma providência cautelar, pelo que não se mostram verificados os pressupostos de recurso à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias.
Por fim, insurgindo-se o recorrente contra a falta de “acatamento”, por parte do Tribunal a quo, da jurisprudência que invoca para sustentar a idoneidade da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias no caso em apreço, cabe referir que o sentido de tal jurisprudência não é independente da factualidade alegada em cada uma das situações concretas a que se reporta (antes sendo por ela condicionada). Acresce que a “jurisprudência” – correspondente ao conjunto de decisões dos tribunais de recurso – não tem, no nosso sistema jurídico, força vinculativa fora do processo a que respeita. Nos termos do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, que estabelece as normas de enquadramento e de organização do sistema judiciário, aplicável aos tribunais administrativos por força do artigo 7.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, “Os juízes julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a quaisquer ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores.”, donde se retira que tal dever de acatamento apenas opera no próprio processo a que respeita.

Termos em que se impõe julgar improcedentes os fundamentos de recurso invocados.
*
Sem custas, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do Regulamento das Custas Processuais.


V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção comum da Secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso interposto e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

Sem custas.


Lisboa, 19 de Março de 2024

Joana Costa e Nora (Relatora)
Marcelo Mendonça
Carlos Araújo