Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05569/12
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:01/22/2013
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IRS. MAIS-VALIAS. CESSÃO DE QUOTAS. RENDIMENTO TRIBUTÁVEL.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. As mais-valias são tributadas em sede de IRS, categoria G (Incrementos patrimoniais), pela diferença entre o valor de aquisição das quotas sociais e o da sua realização, à data desta, com os abatimentos devidos;
2. Tendo os cedentes procedido ao aumento do capital social da sociedade mas não tendo entregue os correspondentes montantes na caixa social da sociedade, os valores de aquisição dessas quotas são os originais que não os declarados como aumentados, por não ter Chegado a ocorrer deslocação patrimonial dos respectivos patrimónios pessoais para o da sociedade;
3. E o valor da realização constitui a contrapartida realmente obtida pela venda dessas quotas, que não o valor declarado na respectiva escritura pública de cessão de quotas.


O Relator
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A... e B..., identificados nos autos, dizendo-se inconformados com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


I. A Administração Fiscal concluiu que o valor de aquisição do capital social cedido pelos recorrentes foi de 65.000 € e 35.000 € e não, respectivamente, de 195.000 € e 105.000 €, mas tratava-se questão controvertida, que carecia de prova e decisão judicial, a fazer no processo judicial donde foram colhidos elementos que serviram de base às correcções e liquidações.
II. O Supremo Tribunal de Justiça decidiu, com trânsito em julgado, que efectivamente a cessão das quotas sociais foi efectuada por 300.000,00 €, tendo os ora recorrentes sido condenados a entregaram à sociedade o montante de 200.000,00 € (diferença entre 100.000,00 € de capital inicial e 300.000,00 € do novo capital).
III. O Senhor Juiz não levou em consideração a decisão final do Supremo Tribunal de Justiça no Processo 1171/06.8 TBCTB, e dela não retirou qualquer fundamento para a decisão, omissão que deve ser corrigida, eventualmente com renovação dos meios de prova.
IV. A renovação da prova, ordenada no primeiro douto acórdão do Tribunal Central Administrati­vo, obrigava a levar em linha de conta o julgamento definitivo da causa, observando a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, sob pena de erro de julgamento, com base em pressupostos de facto incorrectos.
V. A omissão deve ser corrigida, porque está plasmada no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que condenou os recorrentes a pagarem à C...200.000,00 €, não havendo assim lugar a tributação por quaisquer mais-valias, que inexistem.
VI. A Administração Fiscal corrigiu as declarações de IRS de 2005 dos recorrentes com base em denúncia e declarações de F...e no texto dos articulados da acção cível, pelo que deveria ter sido suspenso o processo de impugnação judicial das liquidações, enquanto a acção cível não estivesse resolvida, com trânsito em julgado, como bem se decidiu no primeiro acórdão do Tribunal Central Administrativo.
VII. A jurisprudência fiscal portuguesa só admite a tributação de ganhos ou lucros reais, em con­formidade com o comando constitucional, do n.º 2, do artigo 104.º da constituição, salvo em caso de métodos indiciários, que aqui não têm qualquer cabimento.
VIII. Em caso de fundada dúvida sobre a existência do facto tributário, deveria ter-se lançado mão das regras do n.º 1 do artigo 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, com a consequente procedência da impugnação.
IX. O esclarecimento das questões duvidosas, carecia de espera por decisão com trânsito em jul­gado, que agora chegou do Supremo Tribunal de Justiça e que demonstrou que os recorrentes não obtiveram as mais-valias, que foram injustificadamente tributadas.
X. Caso o Tribunal Central Administrativo entenda não decidir definitivamente a questão, então deve lançar mão da faculdade prevista no n.º 3 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, ordenando a renovação dos meios de prova, em conformidade com o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, com trânsito em julgado e no primeiro acórdão que proferiu neste proces­so.
XI. Não é minimamente justo, nem legal, tributar-se um cidadão/contribuinte, por pretensas mais-­valias, quando o Tribunal tem provas efectivas que nada lucrou com a venda do capital social, da sociedade de que era sócio.

Termos em que:
Deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências, ou, caso assim não seja entendido, ordenada a baixa dos autos, à 1.ª instância, para renovação da prova, de acordo com o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, já com trânsito em julgado e pelo próprio Tribunal Central Administrativo, em primeiro julgamento.
Assim se fará BOA JUSTIÇA


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito suspensivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser concedido provimento ao recurso, por inexistirem mais-valias, pelo menos no montante considerado pela AT, quando muito deverá ser reduzido, de acordo com o acórdão do STJ, pelo qual a presente impugnação judicial se encontrava suspensa.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se deve ser ordenada a renovação da prova; E não sendo, se no caso não há lugar a mais-valias; E se existe fundada dúvida sobre a existência ou quantificação da matéria tributável apurada.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1. A primeira co-Autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à actividade de exploração hoteleira de bares e discotecas.
2. A Ré D...nunca foi gerente da empresa "C...", nunca apôs a sua assinatura em qualquer documento, nem participou em qualquer tipo de negociação.
3. Os Réus D...e A... casaram, entre si, em 12 de Dezembro de 1979, e divorciaram-se em 24 de Janeiro de 2005, mediante decisão imediatamente transitada em julgado.
4. Em 15 de Julho de 2004, foi celebrado um contrato de Cessão de Exploração de Estabelecimento Comercial, tendo como outorgantes a ora Autora «C...- Investimentos Hoteleiros, Lda», «1001 noites ­discotecas, bares e restauração, Lda», e os então sócios de ambas as sociedades, os ora Réus A..., B...e ainda D...e E....
5. Por esse contrato a «C...» cedeu a «1001 NOITES» a exploração do estabelecimento comercial.
6. No dia 15 de Julho de 2004, os Réus prometeram vender aos segundos co-Autores, que prometeram adquirir, as quotas que aqueles detinham na primeira co-Autora, acordando que a respectiva escritura de cessão de quotas, cuja marcação incumbia aos segundos co-Autores, poderia realizar-­se ou em 8 de Janeiro de 2005 ou em 30 de Junho de 2006.
7. No contrato-promessa de 15 de Julho de 2004, os outorgantes A... e B..., únicos sócios da «C...-­Investimentos Hoteleiros, Lda», prometem ceder as suas quotas sociais de 65.000,00 € e 35.000,00 € a F...e mulher G... e foi este capital que os Autores prometeram adquirir, pelo valor de 375.000,00 € ou 350.000,00 €, consoante a escritura notarial de cessão fosse outorgada até 30/06/2006 ou até 08/01/2005.
8. Antes da ce1ebração da prometida cessão, por escritura pública realizada no dia 14 de Setembro de 2004, os A... e B...declararam aumentar o capital social da co-Autora "C...", de cem mil para trezentos mil euros, bem como que a importância do aumento de duzentos mil euros é subscrita e realizada em dinheiro.
9. Nos termos do artigo 3.º, da dita escritura de «aumento de capital», de 14 de Setembro de 2004, foi declarado o seguinte: "O capital social, integralmente realizado em dinheiro, é de trezentos mil euros e correspondente à soma das seguintes quotas:
- Uma no valor nominal de cento e noventa e cinco mil euros, pertencente ao sócio A....
- Uma no valor nominal de cento e cinco mil euros, pertencente à sócia B...".
10. Os Autores F...e mulher G... adquiriram em 16 de Julho de 2004 todo o capital social da «1001 noites - discotecas, bares e restauração, Lda»; capital que antes pertencia a D...e E..., sendo que este recentemente o havia cedido à esposa do D..., H....
11. O contrato de cessão de exploração entre a «C...- Investimentos Hoteleiros, Lda» e a «1001 NOITES - discotecas, bares e restauração, Lda» está expressamente referido na cláusula 3ª do contrato-promessa de cessão de quotas de 15 de Julho de 2004.
12. F...sabia que o contrato de cessão de exploração entre a «C...- Investimentos Hoteleiros, Lda» e a «1001 NOITES ­discotecas, bares e restauração, Lda», tinha integrado um contrato-promessa de cessão de quotas que dava à 1001 NOITES o direito potestativo de comprar o capital da "C..." e por essa via a discoteca indicada na cláusula 2.ª do contrato-promessa de cessão de quotas de 15 de Julho de 2004.
13. Por estes motivos se outorgou o contrato-promessa de cessão de quotas de 15 de Julho de 2004, a que os promitentes-cedentes não podiam fugir, porque era um direito da 1001 NOITES - discotecas, bares e restauração, Lda, consignado no contrato de cessão de exploração vigente à data da outorga daquela promessa, referido na sua cláusula 3ª.
14. No dia 27 de Janeiro de 2005, por escritura pública, os RR. A..., por si e na qualidade de procurador da R., então sua mulher, I..., casados sob o regime de comunhão de adquiridos, e B..., cederam aos AA. F... e mulher G..., pelo preço igual ao seu valor nominal, as quotas que detinham na A. «C...­Investimentos Hoteleiros, Lda».
15. Mais declararam na dita escritura de aumento de capital que a importância do aumento já tinha dado "entrada na caixa social não sendo exigível nem pela Lei, nem pelo contrato a realização de outras entradas".
16. Declararam os Réus A... e B..., ser os únicos sócios da sociedade comercial com a firma «C...­Investimentos Hoteleiros, Lda» e que o capital social da referida sociedade se encontrava "integralmente realizado em dinheiro de trezentos mil euros". 17. Nesse mesmo acto os Réus A... e B...renunciaram aos poderes de gerência em que estavam investidos.
18. Apesar da aludida cedência de quotas e renúncia à gerência, os Réus A... e B...não entregaram de imediato toda a documentação contabilística da primeira co-Autora.
19. Tendo os Autores intentado a respectiva acção para entrega de documentos que corre termos no 3.º Juízo deste Tribunal (Castelo Branco) com o n.º 855/06.5 TBCTB.
20. Os RR. A... e B..., através do contabilista J..., a solicitação do A. K..., entregaram-lhe os documentos contabilísticos da "C...", em Fevereiro de 2006.
21. No balanço sintético referente ao exercício de 2004, no balancete razão e declaração anual de IRC, referentes a 2005, respeitantes à A. "C...", foi contabilizado o referido aumento de capital.
22. O dinheiro correspondente ao capital social não se encontra em nenhum cofre da co-Autora «C...», nem na caixa social, conta bancária ou outro.
23. Tal dinheiro não foi entregue, por qualquer forma, pelos Réus aos Autores.
24. À data da escritura de aumento do capital e cessão de quotas, a co­-Autora «C...» tinha conta aberta no Millenium BCP, com o n.º 1874160.
25. Tal conta sempre foi movimentada pelos Réus enquanto gerentes da «C...» .
26. O dinheiro não foi depositado nessa conta.
27. À data da cessão de quotas a «C...» apresentava na sua contabilidade um saldo de caixa no valor de 169.743,26 €.
28. Na identificada conta bancária, em Dezembro de 2004, havia um saldo a favor da Autora de 9 507,55 €, o que levou o então contabilista da Autora a declarar para efeitos de IRC que a sociedade tinha em depósitos bancários e caixa a quantia global de 179.250,81 €e (169743,26 € + 9507,55 €).
29. O montante de 179.250,81 € de saldo de caixa resulta dos lançamentos efectuados na contabilidade para regularizar o aumento de 200.000,00 € de capital.
30. O caixa teoricamente recebeu os 200.000 € de aumento de capital social subscrito pelos sócios A... e irmã B..., pelo que foi debitado, o que foi creditado em contrapartida nas suas contas de capital 511 e 512.
31. A quantia de € 169.743,26 não deu entrada na caixa da A. «C...».
32. No dia 27 de Janeiro de 2005, foi nomeado gerente da sociedade Autora o sócio e aqui co-Autor F....
33. Para o dia 27 de Janeiro de 2005, os Autores muniram-se de dois cheques visados, sendo um no valor de 122.500,00 €, a entregar à Ré B...e outro no valor de 227.500.00 € para entregar ao A..., o que veio a acontecer no momento da celebração da escritura.
34. A pedido do Réu marido A..., a Ré D...outorgou uma procuração para que o mesmo pudesse celebrar o dito contrato de cessão de quotas, realizado em 27 de Janeiro de 2005.
35. A 20 de Janeiro de 2005, o R. emitiu o cheque sobre o Millenium BCP, n.º 6778033204, a favor da R. J..., no valor de € 74.000,00, solicitando que o cheque não fosse apresentado a desconto sem a sua autorização, visto que nessa data não existia tal quantia na sua conta bancária.
36. Ao ter tido conhecimento da realização da cessão de quotas sociais da «C...», e não tendo qualquer informação por parte do R, a R. K...apresentou o cheque a pagamento.
37. O cheque foi devolvido pela entidade bancária com a informação de que o mesmo tinha sido revogado.
38. Nunca, posteriormente, tal quantia foi paga à Ré J....
39. Na altura da celebração da escritura de cessão de quotas o capital da «C...- Investimentos Hoteleiros, Lda» já não era de 100.000,00 €, mas de 300.000,00 €, porque havia sido aumentado através de escritura notarial de 14 de Setembro de 2004, outorgada pelos sócios A... e B....
40. A razão de ser do aumento do capital social ficou a dever-se a insistências do técnico oficial de contas da «C...- Investimentos Hoteleiros, Lda» - L... - que mesmo antes da promessa de cessão das quotas, vinha afirmando ao Réu A... a necessidade desse aumento, pelo facto da sociedade se encontrar em situação de falência técnica, se o capital não fosse actualizado para aquele valor.
41. Essa necessidade de aumento foi dada a conhecer ao Autor F...pelo Réu sócios A..., que na altura eram amigos e estavam de boas relações.
42. Ao serem informados da intenção dos Réus de proceder ao aumento de capital, imediatamente os Autores F...e mulher G...s os informaram que não estavam dispostos a alterar os preços acordados, tendo as partes acordado em manter os preços da cessão de quotas.
43. Todo o negócio foi sempre tratado exclusivamente por F...Pires, sem qualquer intervenção da mulher, em nome de quem sempre falou e negociou.
44. Pelo menos em 8 de Setembro de 2006, estava a correr termos uma acção para partilha de bens na sequência de divórcio no Tribunal de Família e Menores de Lisboa, com o processo n.º 748/05.3 TMLSB.

A que, nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º 712.º do Código de Processo Civil (CPC), se acrescentam ao probatório mas os seguintes números, em ordem a dele melhor se perceber a factualidade subjacente à sentença ora recorrida:
45. Na presente impugnação judicial havia sido proferida a sentença de 12-10-2009, constante de fls 137/141 dos autos, onde foi decidido julgar a mesma improcedente e manter as liquidações;
46. Objecto de recurso para este TCAS, por acórdão de 12-5-2010, transitado em julgado, constante de fls 181/201 dos autos, foi decidido conceder parcial provimento ao recurso e em revogar nessa parte a sentença recorrida, ordenando a suspensão da instância até à decisão, com trânsito em julgado, da acção cível n.º 1171/06.8 TBCTB, do 3.º Juízo, do Tribunal Judicial de Castelo Branco, mais se tendo confirmado a sentença recorrida quanto à liquidação relativa à importância recebida da Fiat Group por Manuel Rolo;
47. Tal sentença veio a ter trânsito em julgado em 12-9-2011, tendo havido recurso para a Relação de Coimbra e para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo por acórdão deste de 12-7-2011, sido concedido parcial provimento a revista - cfr. certidão de fls 255 a 357 dos autos;
48. Este acórdão confirmou, em parte, o acórdão da Relação de Coimbra, na parte que havia condenado os ora recorrentes no pagamento de € 200.000, por haverem declarado terem entregue tal importância para aumento do capital social da referida sociedade C..., sem que contudo, realmente, o tenham efectuado, quando se encontravam vinculados a tal – cfr. texto dos referidos acórdãos.


4. Para julgar improcedente a impugnação judicial nesta parte ainda erecta e logo, fora do âmbito em que a mesma transitou em julgado pelo acórdão deste TCAS, referido em 46. do probatório supra, considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que deve ser confirmado o juízo efectuado em sede de inspecção tributária, que os impugnantes e ora recorrentes, beneficiaram do correspondente aumento das quotas, e bem assim da quantificação operada, por diferença entre o valor de aquisição e o de realização, desconsiderando o aumento efectivamente não realizado, bem como a mais valia de incremento patrimonial, as despesas e os encargos.

Para os recorrentes, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra parte do assim decidido que vêm a esgrimir argumentos tendentes a este Tribunal exercer um juízo de censura conducente à sua revogação, pugnando que a sentença recorrida não tomou em consideração a decisão final de tal acórdão do STA, não havendo assim lugar a qualquer tributação a tal título de mais-valias, por nenhumas terem obtido, existir fundada dúvida, e parecendo ainda pretender que a M. Juiz do Tribunal “a quo” não tenha acatado, na totalidade, a renovação dos meios de prova que o anterior acórdão deste Tribunal lhe havia ordenado.

Vejamos então.
Quanto ao dever de acatamento, pela M. Juiz do Tribunal “a quo”, da decisão proferida por este TCAS, referida em 46. do probatório ora firmado, tendo em conta o que se lhe ordenava – a suspensão destes autos de impugnação judicial até à decisão com trânsito em julgado da referida acção cível instaurada no Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco – pela matéria constante dos pontos 46. a 48. do probatório ora firmado, facilmente se intui que tal acatamento foi total, já que só depois da junção aos autos da certidão com o trânsito em julgado desta sentença, que diligenciou por obter, é que ordenou o prosseguimento da marcha processual da presente impugnação judicial, ordenando a notificação de tal junção e bem assim para as partes voltarem a produzir alegações pré-sentenciais – cfr. despacho de fls 359 dos autos – que, após parecer do MP, proferiu então a sentença recorrida, desta forma se mostrando integralmente satisfeito tal dever de acatamento, não se vendo que renovação da prova é que os ora recorrentes pretendem.

Quanto ao fundo da causa no que a esta questão concerne, pela matéria firmada e constante no probatório da 1.ª sentença recorrida, constante de fls 137 a 141 dos autos, aliás, de acordo com a matéria apurada pela Inspecção Tributária, constante no PI apenso, os ora recorrentes eram os únicos titulares das quotas de uma sociedade por quotas, denominada C...– Investimentos Hoteleiros, Lda, que em 28-1-2003, tinha o capital social de 100.000€, e que prometeram ceder as respectivas quotas por 375.000€ ou 350.000€, consoante as datas que tal cessão tivesse lugar, tendo-as cedido, efectivamente, por 350.000€ (face à prova deste montante que para os autos foi carreada), ainda que na respectiva escritura pública tenham declarado ser o seu valor de apenas 300.000€, sendo que em 14-9-2004, haviam declarado aumentar o capital social da mesma sociedade em 200.000€, para 300.000€, importância que contudo jamais fizeram entrar na caixa da sociedade (por isso tendo o STJ, no acórdão em causa, mantido a condenação dos mesmos ao pagamento da referida quantia de 200.000€ (diferença entre o capital social inicial e o declarado como aumentado, tendo em vista a respectiva integração), tendo sido, exactamente, este o raciocínio sobre tais montantes expendido pela M. Juiz do Tribunal “a quo” para julgar improcedente a impugnação também nesta parte, secundando o raciocínio expendido pela AT, em sede de exame à escrita, que assim, em termos factuais, nada lhe há a apontar de errado.

Assim, a matéria contida nas conclusões II, III e IX, entre outras, das presentes alegações recursivas, nenhuma correspondência têm com a matéria do citado acórdão do STJ, questão que nem sequer conheceu, de qual o efectivo montante de tal aquisição de quotas, tendo-se limitado a transcrever a matéria de facto tal como fora firmada nas instâncias – cfr. seus pontos 7. e 14. do seu probatório, entre outros – bem com sendo as questões a decidir de saber se existe fundamento para a condenação dos RR. no saldo de caixa e se existe fundamento para a indemnização dos AA. no aumento do capital social, como da mesma, ora a fls 352 dos autos, se pode colher (que não de quaisquer outras questões).

Nos termos do disposto no art.º 10.º, n.º1, alínea b), 44.º, n.º1, alínea d) e 48.º, alínea b) do CIRS, redacção de então, em 2005, introduzida pelo Dec-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, o valor de aquisição das quotas, no caso, tem de corresponder àquele montante de € 100.000, por do património dos sócios, à data da cedência de quotas (27-1-2005), ainda não ter havido o desapossamento dos correspondentes incrementos patrimoniais (que aliás, poderão nunca vir a ter lugar), de acordo com as respectivas percentagens no capital social, a favor da sociedade, não obstante a declaração de aumento de capital já escriturada, que realmente, até então, nenhum efeito produziu, bem como o valor de realização, não poder deixar de ser tal contrapartida obtida (percentagem de cada um dos sócios nas respectivas quotas sociais, sobre tal 350.000€ - importância efectivamente obtida como contrapartida, que não sobre 300.000€), pelo que a sentença recorrida que também assim entendeu e decidiu não é passível da apontada censura, merecendo ser confirmada, não se colocando sequer, a questão de fundada dúvida, sobre a existência ou a quantificação de tal facto tributário.

Como é sabido, o actual IRS constitui um imposto que assenta na concepção do acréscimo patrimonial, como desde logo se pode ler do texto do respectivo preâmbulo, no seu ponto 5 – Na construção do conceito de rendimento tributável, contrapõe-se a concepção da fonte, que leva atributar o fluxo regular de rendimentos ligados às categorias tradicionais da distribuição funcional (rendimento produto) à concepção do acréscimo patrimonial, que alarga a base da incidência a todo o aumento do poder aquisitivo, incluindo nela as mais-valias e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos (rendimento acréscimo).
Em termos práticos, a principal diferença entre as duas concepções reside precisamente no tratamento fiscal das mais-valias, que, não sendo ganhos decorrentes da participação na actividade produtiva, são pela primeira excluídas da incidência do imposto. Ora, razões de justiça recomendam a tributação das mais-valias, que constituem acréscimos de poderes aquisitivos obtidos sem esforço ou pelo acaso da sorte e que, aliás, tendem a concentrar-se nos escalões elevados e rendimento.
...
Em suma, a tributação no caso, do montante correspondente às percentagens que os impugnantes detinham no capital social da referida empresa C..., pela diferença entre o capital social inicial de 100.000€ e o de realização de 350.000€, encontra completa guarida à luz da concepção acolhida de acréscimo patrimonial, por corresponderem aos exactos montantes de poder aquisitivo gerados nos seus destinatários (quer quanto ao que dela obtiveram, quer quanto ao que deixaram de despender), ao tempo que a lei considera relevante para o efeito, o da efectiva realização, ou seja à data da escritura pública de cessão de quotas, desta forma se mostrando preenchidos todos os pressupostos legais com vista a tal liquidação de IRS, a qual assim, igualmente, se manterá erecta.


Improcede assim, na totalidade, a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pelos recorrentes.


Lisboa,22/01/2013

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
PEDRO VERGUEIRO