Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:788/22.8 BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/16/2023
Relator:ANA CRISTINA DE CARVALHO
Descritores:GARANTIA
DISPENSA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
DÉFICE INSTRUTÓRIO DO PEDIDO
PRINCÍPIOS DA COLABORAÇÃO, DO INQUISITÓRIO E DA PROPORCIONALIDADE
Sumário:
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, as Juízas que compõem a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul




I – RELATÓRIO


T. N. Unipessoal, Lda, ora recorrente, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a reclamação de actos do órgão de execução fiscal deduzida contra o despacho do Director de Finanças Adjunto de Lisboa que, em sede do processo de execução fiscal n.º ….529, indeferiu o seu pedido de dispensa de prestação de garantia, formulado na sequência do deferimento quanto ao pagamento em prestações das respectivas dívidas exequendas de acordo com o plano prestacional n.º 3654.2022.8500, veio deduzir o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

«1. O presente recurso vem interposto da Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, proferida no âmbito do Processo n.º 788/22.8BESNT, a qual julgou improcedente a Reclamação deduzida pela ora Recorrente, pedindo a anulação do despacho do Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa, que indeferiu o seu pedido de dispensa de prestação de garantia, no âmbito do plano de pagamento em prestações melhor id. nos respetivos autos.

2. Afigura-se à Recorrente que a Sentença aqui recorrida, ao decidir pela improcedência da Reclamação apresentada, enfermará de error in iudicando na medida em que procedeu a uma errada aplicação do Direito, devendo, pois, o Tribunal Central Administrativo Sul intervir em sede de Apelação reapreciar e alterar o conteúdo da mesma em conformidade.

3. Como se sabe, a execução fiscal visa a cobrança coerciva das dívidas elencadas no art.º 148.º do CPPT. É, pois, um processo de natureza judicial, como decorre expressamente do n.º 1 do art.º 103.º da LGT, sem prejuízo de ser instaurada e se desenvolver perante órgãos da AT, que nela praticam os actos de natureza não jurisdicional que couberem, tudo nos termos dos artigos 10.º, n.º 1, alínea f), 149.º, 150.º e 151.º todos do CPPT.

4. Entre tais actos incluem-se os concernentes à prestação de garantia, quando a ela houver lugar, e às respetivas vicissitudes: apreciação da suficiência, dispensa, reforço, redução e levantamento.

5. É, pelo menos, o que se extrai das disposições dos artigos 169.º, 170.º, 183.º, 195.º, 199.º n.ºs 8, 9 e 10, todos do CPPT.

6. Em síntese, tudo quanto respeite à garantia prestada no âmbito da execução fiscal, quer tenha em vista a sua suspensão, quer o pagamento em prestações da dívida exequenda, é da competência do órgão da execução fiscal.

7. O pedido de dispensa de garantia deve, pois, ser apresentado ao órgão da execução fiscal, nos termos do n.º 1 do art.º 170.º do CPPT – que regulamenta o pedido de dispensa de prestação de garantia previsto no n.º 4 do art.º 52.º da LGT-, pois é a esse órgão que está legalmente atribuída a competência exclusiva para decidir sobre esse pedido.

8. Isto, sem prejuízo de o tribunal tributário competente poder ser chamado, mediante solicitação de qualquer interessado, a sindicar a legalidade da atuação da Administração no âmbito desse pedido (cf. artigos 151.º, n.º 1, e 286.º do CPPT).

9. Estamos, pois, perante um procedimento administrativo tributário enxertado no processo de execução fiscal, sendo a respetiva decisão um verdadeiro acto administrativo.

10. Esse procedimento da iniciativa do executado é um procedimento formal, que deve obedecer às regras legais; designadamente, deve seguir a forma escrita (cf. n.º 3 do art.º 54.º da LGT), deve indicar o órgão a que se dirige, identificar o requerente, com indicação do nome e domicílio [cf. art.º 102.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código do Procedimento Administrativo (CPA)], expor os fundamentos de facto e de direito em que se baseia o pedido e instruir o requerimento com a prova documental pertinente (cf. n.º 3 do art.º 170.º do CPPT).

11. Como expressamente referido em sede de Reclamação, não se pode deixar de sublinhar que o requerimento apresentado pela sociedade Executada, ora Recorrente não foi efetuado por um profissional do foro (vulgo mandatário judicial), antes tendo sido efetuado e assinado pelos respetivos gerentes da ora Recorrente.

12. Ora, em face dessa circunstância afigura-se que maxime o princípio da colaboração plasmado no art.º 59.º da LGT, impunha-se à AT, por efeito da densificação daquele princípio maxime ex vi art.º 7.º do CPC, enquanto órgão de execução fiscal, o dever de auxílio da parte na remoção de dificuldades ao exercício dos seus direitos ou faculdades ou ao cumprimento dos seus ónus ou deveres processuais.

13. E se o dever de colaboração deve ser cumprido quando a parte esteja representada por advogado, não pode deixar de se entender que, não estando a parte patrocinada por mandatário judicial, deve aumentar a diligência da AT, enquanto no cumprimento desse dever de assistência ao executado.

14. Por outro lado, a decisão de imediato indeferimento com base na falta de junção de prova, mas a qual havia sido efetuada noutros processos de execução fiscal anteriores e que, pois, era do perfeito conhecimento da AT, em especial tratando-se de factos negativos, sempre se revela, no caso, uma decisão absolutamente desproporcionada. Tanto mais que quanto às exigências do requerimento de dispensa de prestação de garantia, o artigo 170.º, n.º 3 do CPPT limita-se a referir de forma vaga que o pedido deve conter a “fundamentação de facto e de direito” e ser “instruído com a prova documental necessária.

15. Donde, não se vislumbra quais os interesses que possam justificar a inexistência sequer de um convite para a Executada, ora Recorrente, vir juntar meios de prova adicionais, em curto espaço de tempo, que permitissem aferir da bondade de quanto por si requerido.

16. Afigura-se, pois, à Recorrente que devendo sempre a justiça material prevalecer sobre a justiça formal, e sabendo desde logo que a executada não se encontrava patrocinada por mandatário judicial, caberia à AT convidar a Recorrente suprir a omissão da prova dos factos que alegou, e assim se obviaria a que uma omissão de natureza meramente procedimental conduzisse de imediato ao que veio a constituir uma denegação quase automática e cega do requerimento da ora Recorrente, quando por sinal a própria AT conhecia de uma vário conjunto de processos pelos quais a Recorrente havia já prestado várias garantias e ainda que a ora Recorrente estava e está a ser objeto de um outro conjunto variado de execuções fiscais.

17. O dever de colaboração - que deve mediar as relações entre os sujeitos do procedimento – não foi, pois, cumprido pela AT, sendo que a desproporção entre a irregularidade cometida pela ora Recorrente (não juntar os documentos obre os factos por si alegados) e a consequência que lhe é associada pela AT é manifesta, não se revelando adequada nem, pois, proporcional.

18. Atenta a redação do n.º 3 do artigo 170.º do CPPT, de onde não resulta expressamente quais as consequências do incumprimento ou cumprimento defeituoso do ónus de instrução do incidente de dispensa de garantia, tal resposta só poderá ser, pois, negativa; e para mais quando a executada não vem representada por mandatário judicial. Impondo-se ao órgão de execução, diligências no sentido do suprimento da irregularidade, ora “convidando” a executada requerente a instruir o pedido ou a vir esclarecer melhor as razões por que alegou a insuficiência económica ou a ausência de mais garantias que pudesse prestar.

19. A tal obriga a constatação de que, na compatibilidade entre o princípio da autorresponsabilidade das partes, concretizado no ónus de instrução do requerimento, com o princípio da colaboração, tem preponderância este último, dada a circunstância de a sociedade executada nem se encontrar sequer representada por advogado, poder apresentar prova de factos negativos de que lhe são exigidos, em tão curto espaço de tempo.

20. Donde, aplicando-se supletivamente as regras do processo civil, maxime o princípio da cooperação plasmado no art.º 7.º, n.º 4 do referido diploma, chega-se à conclusão que o órgão de execução fiscal não poderia ficar indiferente à ausência de patrocínio judicial da executada ora Recorrente e avançar desde logo para a aplicação das regras do ónus da prova, impondo-se, antes, uma atitude pro actione que, antes de mais, implicaria desde logo averiguar toda a prova documental que já estava em poder da AT e que imporia desde logo uma diferente decisão ou, no limite, o pedido de apresentação de prova adicional.

21. Acresce que sendo o despacho de indeferimento de pedido de isenção de prestação de garantia não precedido de audição prévia, afigura-se que o princípio do inquisitório e o já supracitado dever de colaboração devem assumir uma dimensão com maior significado e alcance.

22. A aplicação prática dos acima referidos princípios deve ser enquadrada, pois, com maior rigor, no sentido de impor à AT uma atuação mais proactiva, designadamente, na determinação da situação patrimonial concreta do interessado quando são alegados no pedido apresentado junto do órgão de execução fiscal os factos constitutivos do direito à isenção de prestação de garantia, tal como sucedeu in casu e também quando a AT não pode desconhecer que a Recorrente previamente a tal decisão carreou um conjunto de prova documental que não foi sequer levada em linha de conta pela AT.

23. Ora, optando a AT por indeferir logo o pedido, verificamos que não foi dado cumprimento ao princípio da descoberta da verdade material, enquanto corolário do princípio do inquisitório, e que, no fundo, constituem pedras angulares do procedimento administrativo tributário e, pior do que isso, foram violados os princípios da colaboração e da cooperação que se impunham à AT.

NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS SUPRIRÃO, DEVERÁ O PRESENTE RE-CURSO SER DADO COMO PROCEDENTE E, EM RESUL-TADO, DETERMINAR-SE A ANULAÇÃO DA SENTENÇA RE-CORRIDA, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.»



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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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O Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Importa assim, decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, ao manter a decisão reclamada, no entendimento de que não cabe à administração tributária, ao abrigo dos princípios da colaboração e do inquisitório solicitar prova adicional ao reclamante ou efectuar diligências para suprir o défice instrutório de que o requerimento de dispensa de garantia padece.

E, sendo a resposta negativa, importa ainda apreciar e decidir se tal decisão viola o princípio da proporcionalidade.


III - FUNDAMENTAÇÃO

III – 1. De facto


É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

«A) Em 01/04/2022, o serviço de finanças de Oeiras-1 instaurou contra a ora Reclamante T. N. UNIPESSOAL LDA., o processo de execução fiscal n.º ….529, para cobrança coerciva de dívidas de IVA, referentes ao ano de 2022, cujo prazo de pagamento voluntário havia terminado em 21/03/2022 as quais perfaziam em 11/04/2022 - data da citação da ora reclamante para os termos do processo de execução fiscal - o montante global de € 132.212,09 (cento e trinta e dois mil, duzentos e doze euros e nove cêntimos) - ofício de citação de fls. 16, certidão de dívida de fls. 17 e 18 e informação do serviço de finanças de fls. 19 e segs. do SITAF ;
B) Através de requerimento, apresentado em 11/05/2022, a ora Reclamante solicitou o pagamento da dívida exequenda em 24 prestações, com fundamento nas “dificuldades financeiras sentidas, entretanto agravadas pela situação pandémica – citada informação do serviço de finanças;
C) O pedido de pagamento em prestações foi deferido, por despacho datado de 20/05/2022 e notificado à executada em 10/06/2022, tendo sido associado ao PEF, o plano prestacional n.º 2022.8500 - citada informação do serviço de finanças;
D) Na sequência do deferimento obtido, quanto ao pagamento em prestações da dívida exequenda do processo identificado em a), em 07/07/2022, a Reclamante apresentou, junto do Serviço de Finanças de Oeiras-1, pedido de dispensa de prestação de garantia, para suspensão do referido processo de execução fiscal, com os seguintes fundamentos:
1. Afigura-se à Requerente/ Executada que não tem a mesma quaisquer bens económicos já em valor suficiente para prestar garantia.
2. Com efeito, do IES 2020 e do Modelo 22 da Executada, os quais se juntam respetivamente sob DOC 1 e DOC 2 resulta que os activos Fixos Tangíveis, no valor de €1.099.138,33, os mesmos são compostos por cerca de €880.000 referente a obras de beneficiação em edifício alheio e o remanescente referente a equipamento de trabalho que já foram dados como garantia à AT, como se demonstrará infra.
3. No que concerne aos Activos Intangíveis, no valor de €10.968.858,79, refere-se às marcas V. e E., A., T. M. e T., C., C. D. e C. I., as quais já se encontram oneradas.
4. No que respeita aos Outros Activos Financeiros, no valor de €56.733,05, tai valor refere-se ao Fundo de Compensação do Trabalho, o qual não pode ser dado em garantia.
5. Por fim, o item Caixa e Depósitos Bancários, no valor €842.393,93 constitui apenas uma "fotografia” de um determinado momento do tempo e não faz qualquer sentido que possa ser considerado para o efeito pretendido, pois já nem sequer está de momento disponível.
6. As benfeitorias não podem ser apresentadas como garantia, uma vez que fazem parte integrante de um edifício que não é da propriedade da Executada, como bem se alcança da cópia do respetivo contrato de arrendamento, o qual se junta sob DOC 3.
7. No que se reporta aos demais bens móveis, todos eles já foram dados à AT como garantia, conforme auto de penhora que se ora se junta sob DOC 4.
8. Relativamente aos ativos intangíveis da Executada, os mesmos são compostos pelas marcas de revistas que foram adquiridas ao Grupo I..
9. Nos casos das marcas: “C.”, “C. D.” e “C. I.”, a propriedade das mesmas é de entidades terceiras, como bem se alcança dos documentos que oram se juntam coletivamente sob DOC 5, sendo a Executada apenas licenciada, não podendo, por isso, dispor delas para efeito de as dar em garantia.
10. As marcas do grupo V. (“V.”, "V. J.” e “V. H.”) e as marcas do grupo E. (“E.” e “E. I.”), foram já dadas como garantia à Segurança Social no âmbito de processos executivos, conforme documento que ora se junta sob DOC 6.
11. As marcas “A.”, “T. M.’’ e “T.”, foram já dadas como garantia à própria AT no âmbito de outros processos de execução fiscal, conforme auto de penhora que se junta sob DOC 7.
12. Assim sendo, afigura-se à Executada que, de facto não existem, outros activos disponíveis em valor suficiente para a Executada poder apresentar como garantia, como seja um suposto estabelecimento comercial (escritório/ sede da Executada), visto que os ativos corpóreos já foram todos dados em garantia, o bem imóvel onde se situa o estabelecimento é arrendado e os ativos incorpóreos mais valiosos também já foram dados em penhor. Donde, com o devido respeito, se reforça a manifesta insuficiência económica da Executada para prestar garantias adicionais, sendo certo que da parte da Executada não houve quaisquer dissipação de bens com intuito de diminuir a garantia dos credores.
13. Por fim, sempre se diga que a Executada tem a impender sobre si um vasto número de processos executivos fiscais, como sejam os n.° ….016 (cuja quantia exequenda é de € 102.442,00) e apenso n.° ….926 (cuja quantia exequenda é de €82.065,83); n.° ….388 e os apensos …248, …357, ….511,….122,….246,….690,….055 e ….940, pelas quantias exequendas de, respetivamente, €110.821,00 (IRS/DMR 2020-11); €88.657,34 (IVA 2020-10); €215.651,00 (IRS/DMR 2020-12); €122.224,05 (IVA 2020-11); €109.759,00 (IRS/DMR 2021-01); €37.462,39 (IVA 2020-12); €102.571,00 (IRS/DMR 2021 -02), €52.053,82 (IVA 2021-01) e €4.392,42 (IRS/ IRC 2021); n,° ….900 e apenso n.° …..467, pelas quantias exequendas de, respetivamente, €105.666,07 (relativo a IRS/ DMR de 04-2021) e € 86.642,81 (relativo a IVA de 03-2021); n.° ….482 e n.° ….865 pelas quantias exequendas de, respetivamente, € 48.726,18 (relativo a IVA de 2021-09) e 109.304,00 (relativo a IRS/DMR 2020-10); n.° ….409, pela quantia exequenda de €13.410,06 (relativo a coimas referentes ao período de 2021-01); n.°….433 e apenso n.° ….882, instaurados pelas quantias exequendas respetivamente de € 124.701,00 (relativo a IRS/DMR referente ao período de 2021-05) e de € 53.545,32 (relativo a IVA respeitante ao período de 2021-04), etc. etc,
Porém, caso V. Exa entenda, ao contrário do quanto supra exposto, que ainda assim possam haver dúvidas sobre a incapacidade da Executada para prestar garantias, muito se requer que a notifique para prestar quaisquer esclarecimentos ou se entender que ainda haverá algum ativo pertença da Executada que no entender da AT esteja disponível, seja suficiente e idóneo a ser dado com garantia, como seja um penhor em segundo grau sobre os bens já dados em penhor, desde já se requer maxime ao abrigo do dever de colaboração e de cooperação recíprocas com o contribuinte, que a AT informe a Executada para esse efeito.»

- informação do serviço de finanças de fls. 32 e segs. do SITAF e facto admitido por acordo das partes;
E) Em 26/08/2022, por Técnico da Direcção de Finanças de Lisboa, foi emitida informação sob o assunto “INF APRECIAÇÃO PEDIDO DE DISPENSA DE GARANTIA – T. N. UNIPESSOAL, LDA”, do seguinte teor, cuja fundamentação, em parte se transcreve:
(…)
11 - Observado o presente requerimento, bem como a documentação que juntou, conclui-se que a executada nada de novo trouxe que habilite a AT a decidir o pedido no sentido de concessão de dispensa de garantia, senão vejamos.

12 - Juntamente com o requerimento, carreou para os autos cópia da declaração anual IES relativa ao período de tributação de 2020 e Modelo 22 de IRC relativa ao mesmo período.

13 - Ora a executada está já bem ciente de que tais documentos estão disponíveis no sistema informático da AT, por essa razão, não se compreende que tenham feito a sua junção ao pedido, aliás nas várias decisões já proferidas em sede da multiplicidade de pedidos de dispensa anteriormente apresentados pela executada é por demais evidente que a AT, perante a falta de prova, por parte da executada, dos requisitos legais previstos no art° 52 ° n.° 4 da LGT. dos quais depende a concessão de isenção de garantia e à luz dos princípios informadores do procedimento tributário, mormente os princípios da legalidade, do inquisitório e da boa fé por que deve pautar a sua atuação, efetuou consulta aos elementos que tem em seu poder, disponíveis nas suas aplicações informáticas, nomeadamente aos valores do balanço, ao nível do ativo, declarados pela executada na declaração anual IES de 2020, tendo sido destacados, naquelas decisões, valores do ativo da sociedade considerados relevantes para a análise do pedido (e de igual modo destacamos abaixo os valores do ativo com referência a 2021, tendo em conta que foi submetida pela executada a declaração IES referente a esse período):

Demonstração de resultados
2020 2021
Vendas e serviços prestados - € 13.446.355,34------------------€ 12.770.561,90
Outros rendimentos e ganhos - € 2.123.620,63-----------------€ 2.727.249,14

Balanço
Ativos fixos tangíveis – € 1.099.138,33-------------------------€ 1.158.790,72
Ativos intangíveis – € 10.968.858,79---------------------------€ 10.980.509,45
Outros Ativos financeiros - € 56.733,05-------------------------€ 71.755,20
Caixa e depósitos bancários-€ 842.393,93----------------------€ 321.928,42€

14 - Resultando assim evidenciados, a titulo de ativos, os valores que se nos afiguram não se coadunarem com uma situação de manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, e conforme se pode verificar, com referência ao período de 2021, os valores do ativo ao nível dos ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis evidenciam um aumento face aos valores declarados no ano anterior.

15 - É verdade que apresentou garantia sob a forma de penhora das marcas A., T. M. e T., que integram o seu ativo, para suspensão dos processos de execução fiscal n.° ….500 e aps. (plano prestacional nº 2020.544). ….240 (plano prestacional n.° 2020.544), ….511 ….864 (plano prestacional n.° 2020.218), tendo sido aceite as penhoras a título de garantia.
16 - Às referidas marcas A., T. M. e T., da propriedade da executada e registadas no Instituto Nacional da Propriedade Intelectual, foram atribuídos os valores de € 163.561,00, € 1.115.591,00 e € 297.369,00, respetivamente (cfr. auto de penhora).

17 - Foi ainda verificado no processo n.° ….432 e aps. Que foram objeto de penhora bens móveis que se encontravam nas instalações da executada aos quais foi atribuído o valor global de € 631.525,64 para pagamento da quantia de € 471.342,70 e acréscimos legais, conforme resulta do auto de penhora.

18 - E apenas em sede de reclamação judicial que apresentou de um despacho do Sr. DFA que indeferiu um pedido de dispensa anterior, veio a executada dar a conhecer que afinal detém outras marcas - as marcas do grupo V. (V., V. J. e V. H.) e marcas do grupo E. (E. e E. I.) - para além daquelas que haviam sido penhoradas pela AT, informando, naquela sede, que foram oferecidas á Segurança Social para garantia de processos executivos, juntando cópia de notificação, datada de 2020-11-26, do deferimento por parte da referida instituição de plano prestacional em processo executivo identificado pelo n.° ….839 e apensos, cuja quantia exequenda se fixa em € 2.187.103,75, constando do referido documento que foi prestada garantia sob a forma de penhora das marcas E. e V.

19 - Quantos aos ativos intangíveis, informou também apenas em sede de reclamação judicial que esta rubrica é composta pelas marcas de revistas que foram adquiridas ao grupo I. e que no caso das marcas C.. C. D. e C. I. são propriedade de entidades terceiras, sendo a executada apenas licenciada, contudo, apenas juntou cópia do contrato de Licença da marca C.. E de igual modo, quanto ás marcas do grupo V. e do grupo E. veio a requerente apenas em sede de reclamação judicial dá-las a conhecer.

20 - Pelo que, no caso vertente, aquilo que alega no requerimento apresentado, bem como os documentos que junta, é sobejamente conhecido pela AT e a respetiva*análise foi amplamente vertida nas múltiplas decisões anteriormente proferidas por ocasião de outros pedidos de dispensa de garantia e das quais foi notificada.

21 - Porém a executada insiste, a cada novo pedido de dispensa de garantia que apresenta, em continuar a nada carrear para os autos que demonstre que efetivamente não dispõe de qualquer outro património passível de servir de garantia.

Reitere-se, a executada continua a não dar cumprimento àquilo que decorre expressamente do art.° 170 ° n.° 3 do CPPT, não instruindo o seu pedido com o suporte documental necessário para habilitar a AT a decidir o pedido no sentido da sua autorização, cingindo-se a informar aquilo que já havia informado em sede de reclamação judicial de decisões que indeferirem anteriores pedidos de dispensa, que:
Os ativos fixos tangíveis no valor de € 1.099.138,33 são compostos por obras de beneficiação em edifício alheio e o remanescente referente a equipamento de trabalho que já foram dados em garantia á AT; que os ativos intangíveis no valor de 10.968.858,79, referem-se ás marcas V., E. , A., T. M. e T., C., C. D. e C. I., as quais já se encontram oneradas; que as aludidas benfeitorias não podem ser dadas como garantia, pois são parte integrante de um prédio que não é propriedade da executada, como bem se alcança da cópia de contrato de arrendamento que junta e que no que toca aos restantes bens móveis já foram dados em garantia à AT, conforme auto de penhora que junta.

22 - No entanto continua a não juntar aos autos elementos contabilísticos que permitam confirmar aquilo que alega a respeito da composição do seu ativo, ou seja continua a fazer Tábua rasa daquilo que decorre expressamente da lei e que lhe é exigido por força do preceituado no art.° 170.° n.° 3 do CPPT e art.° 52.° n.°4 da LGT, pois que demonstrar não é sinónimo de alegar o que não se afigura suficiente em termos probatórios, continuando a AT a não conhecer a concreta composição dos ativos fixos tangíveis que declarou na IES de 2020 pelo valor de cerca de 1.100.000,00 EUR, não tendo a executada disponibilizado os elementos contabilísticos necessários para confirmar se os mesmos se encontram efetivamente penhorados na sua totalidade. O mesmo se diga a respeito dos ativos intangíveis, cujo valor declarado ma IES de 2020 foi de 10.968.858,79 EUR.

23 - Afigura-se-nos que sem essa demonstração não pode a AT concluir pelo preenchimento do pressuposto legal da manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, previsto no art.° 52.° n.° 4 da LGT.

24 - Por fim, no que respeita ao pedido da executada para que a AT a notifique, ao abrigo do dever de colaboração e cooperação, caso a esta subsistam dúvidas quanto à incapacidade da executada para prestar garantia, ou para que seja prestados esclarecimentos, ou seja, a AT entender que ainda haverá algum ativo pertença da executada que seja idóneo e suficiente para ser dado em garantia, como seja, um penhor em segundo grau sobre os bens já dados em penhor, a informe para esse efeito, tenho a declarar que a contribuinte executada está por demais ciente da conduta adequada a tomar nos múltiplos pedidos de dispensa de garantia que tem apresentado e que continua a apresentar a cada novo PEF instaurado de molde a habilitar a AT a decidir no sentido da sua autorização.

25 - Não tendo qualquer acolhimento na lei, máxime, ao abrigo dos princípios da colaboração e da cooperação, uma eventual notificação da AT à executada para que venha prestar esclarecimentos, caso à AT subsistam dúvidas quanto à sua incapacidade para prestar garantia. Tal hipótese não tem assento na norma do art.° 170. ° do CPPT, sendo evidente que a mesma foi afastada pelo legislador.

26 - A executada continua reiterada e deliberadamente a não carrear para os autos os elementos de prova que lhe compete juntar desde logo com o pedido. Assim, continuando a revelar-se insuficientes os elementos que junta para o efeito de poder a AT decidir em sentido diferente, não podendo senão concluir que ficou por demonstrar o pressuposto legal atinente à manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, previsto no art.° 52.° n.° 4 da LGT.

27 - A prova dos pressupostos legais da dispensa da prestação de garantia compete não à AT, mas antes ao executado, nos termos do regime do ónus da prova, cabendo-lhe provar que a prestação de garantia lhe causará prejuízo irreparável ou que se verifica uma manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis.

28 - Do n.° 3 do art.° 170.° do CPPT resulta expressamente que o pedido de dispensa de prestação de garantia deve ser fundamentado e facto e de direito e instruído com a prova documental necessárias, que o mesmo é dizer, que o pedido deve ser logo instruído com todos os elementos probatórios dos factos relativamente aos quais se exige comprovação, de molde a ser possível obter-se autorização de dispensa de garantia.

29 - A posição sufragada pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.3 edição, 2011, Áreas Editora, volume III, anotação ao art.° 170.°, pag. 231, aponta no mesmo sentido, “ o texto do n.° 3 do art.° 170.° do CPPT(...) ao estabelecer que o pedido deve ser instruído com a prova documental necessária, (...) pressupõe que seja apresentada pelo executado toda a prova relativa a todos os factos que têm de estar comprovados para ser possível dispensar a prestação de garantia”.

CONCLUSÃO

Perante a não junção dos elementos contabilísticos necessários para o efeito da comprovação do que alega no requerimento apresentado e atentos aos valores evidenciados a título de ativos na declaração IES do ano 2020, nomeadamente no balanço, não pode considerar-se demonstrado o pressuposto legal da manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, previsto no art.° 52.° n.° 4 da LGT.
De reiterar que é já sobejamente conhecida pela executada - por força das inúmeras decisões de indeferimento de pedidos de dispensa anteriores e das quais apresentou reclamação judicial, algumas das quais já com decisão desfavorável à executada - a prova documental que importaria juntar ao seu pedido de dispensa, designadamente elementos que permitam aferir da composição dos ativos que compõem o seu património (sendo somente conhecimento da AT o seu valor contabilístico total) que possibilitem a comprovação de que os mesmos se encontram efetivamente onerados na sua totalidade, tal como alega a executada.
Desconhecendo a AT a real composição das várias rubricas do ativo da sociedade e se os ativos se encontram efetivamente onerados na sua totalidade, fica impedida de notificar a executada, para o efeito, da possibilidade de prestar/constituir garantia sobre qualquer ativo que possa estar disponível, por idóneo e suficiente, no património daquela.
Em face do supra exposto e tendo em conta a posição assumida pela DF Lisboa - Divisão de Devedores Estratégicos, deve ser indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia, por se encontrarem inverificados os respetivos pressupostos, nos termos(…)

- citada informação de fls. 32 e segs. do SITAF;
F) Na mesma data, pelo Director de Finanças Adjunto de Lisboa, foi exarado junto da informação transcrita na alínea antecedente, despacho de indeferimento do requerimento identificado em b) – despacho junto a fls. 32 e segs. do SITAF;
G) Em 01/09/2022, foi a Reclamante notificada da decisão que antecede – expediente dos CTT de fls. 27 e segs. do SITAF;
MAIS SE PROVOU QUE:
H) Da Declaração Anual de Informação Empresarial Simplificada (IES), apresentada pela Reclamante, com referência ao ano de 2020, constam, designadamente, os seguintes valores:
- Vendas e serviços prestados: €13.446.355,34 (quadro 03-A, linha A5001);
- Outros rendimentos e ganhos: €2.123.620,63 (quadro 03-A, linha A5015);
- Activos fixos tangíveis: €1.099.138,33 (quadro 04-A, linha A5101);
- Activos intangíveis: €10.968.858,79 (quadro 04-A, linha A5104);
- Clientes: €1.674.601,14 (quadro 04-A, linha A5115);
- Caixa e depósitos bancários: €842.393,93 (quadro 04-A, linha A5125).
- citadas informações de fls. 32 e segs. do SITAF e documentos juntos pelo Reclamante com a petição inicial de outras reclamações pendentes neste TAF;


*
Consta ainda da mesma sentença que «Inexistem factos não provados com relevância para as questões que cumpre apreciar.

MOTIVAÇÃO
A convicção do Tribunal, quanto aos factos provados, decorre da análise crítica dos documentos juntos aos autos, supra identificados a propósito de cada uma das alíneas do probatório e cujo conteúdo não foi impugnado pelas partes.»

*

III – 2. Da apreciação do recurso

A recorrente requereu a dispensa da prestação e garantia no âmbito do plano de pagamento em prestações das dívidas exequendas no PEF n.º ….529.

O órgão da execução fiscal indeferiu tal pedido com fundamento na falta de prova da manifesta falta de meios económicos por inexistência ou insuficiência de bens.

No presente recurso vem imputada a sentença recorrida a verificação de erro de julgamento pois considera a Recorrente que, atenta a circunstância de o pedido de dispensa da prestação de garantia em causa nos autos ter sido efectuado e apresentado pelos gerentes da recorrente sem intervenção de profissionais do foro, se impunha à AT, por força do princípio da colaboração e da cooperação o dever de assistência ao executado convidando a executada a instruir o seu requerimento.

Considera ainda que enquanto corolário do princípio do inquisitório devia ter sido dado cumprimento ao princípio da descoberta da verdade material, impondo-se ao órgão da execução diligências no sentido do suprimento da irregularidade, convidando-a a instruir o pedido no sentido do cumprimento dos seus ónus ou deveres processuais.

Alega ainda que, a decisão de imediato indeferimento com base na falta de junção de prova, em especial tratando se de factos negativos, sempre se revela, no caso, uma decisão absolutamente desproporcionada entre a irregularidade cometida, isto é, a não junção de documentos sobre os factos alegados, e a consequência que lhe está associada.

Importa, antes de mais, referir que as questões invocadas neste recurso foram já, por diversas vezes, objecto de análise e julgamento neste TCA Sul, salientando-se que os factos são em tudo semelhante, em termos uniformes. A título de exemplo, citam-se os acórdãos proferidos nos processos nºs 138/22.3 BESNT, de 13/10/22, 139/22.1BESNT, de 15/09/22 e 25/22.5BESNT, 652/22.0BESNT de 24/11/2022 relatado pela aqui 2ª Adjunta, 663/22.6BESNT, de 20/12/22 este último em que a aqui relatora integrou o colectivo como 1ª Adjunta.

Seguindo, para já, o que se escreveu no acórdão respeitante ao processo nº 138/22.3 BESNT, importa dizer o seguinte:

«(…)

Nos termos do art.º 52.º da LGT, é admissível a suspensão do processo de execução fiscal, designadamente em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução, desde que prestada garantia idónea ou desde que a AT, a requerimento do executado, o isente de tal prestação (cfr. art.º 52.º, n.º 4).

O art.º 170.º do CPPT determina os termos do procedimento do pedido de dispensa em causa, decorrendo do seu n.º 3 que “[o] pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária”.

Como resulta do quadro normativo referido, a dispensa de prestação de garantia depende da verificação cumulativa de dois requisitos:

- Um requisito objetivo: a situação causar prejuízo irreparável ou a manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido;

- Um requisito subjetivo, consubstanciado na imputação da insuficiência ou inexistência de bens ao executado.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 04.11.2020 (Processo: 0289/20.9BEALM):

“Estamos (…) perante um procedimento administrativo tributário enxertado no processo de execução fiscal, sendo a respectiva decisão um verdadeiro acto administrativo (…). Esse procedimento da iniciativa do executado (cf. art. n.º 4 do art. 52.º da LGT, que diz «a requerimento do executado» e o art. 170.º do CPPT, que diz «deve o executado requerer») é um procedimento formal, que deve obedecer às regras legais; designadamente, deve seguir a forma escrita (cf. n.º 3 do art. 54.º da LGT), deve indicar o órgão a que se dirige, identificar o requerente, com indicação do nome e domicílio [cf. art. 102.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código do Procedimento Administrativo (CPA)], expor os fundamentos de facto e de direito em que se baseia o pedido e instruir o requerimento com a prova documental pertinente (cf. n.º 3 do art. 170.º do CPPT). (…)

(…) [O] procedimento de dispensa de prestação de garantia tem regras próprias de alegação e prova dos factos (cf. art. 52.º, n.º 4, da LGT e art. 170.º, n.º 1, do CPPT) (…): (….) [nele] está em causa a pretensão do executado a obter um efeito que se há de ter como excepcional em sede de execução fiscal a norma é a prestação da garantia em ordem a obter a suspensão da execução fiscal e, portanto, o procedimento tem início a pedido do interessado e a decisão fica sujeita ao que foi pedido” fim de citação.

Feito este introito, cumpre apreciar, deixando, para já e no que mais releva, devida nota daquele que foi o discurso fundamentador adotado pelo TAF de Sintra. Aí se escreveu:

“(…)

Em síntese, a AT indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia, com o fundamento de que a Executada não demonstrou a invocada manifesta falta de meios económicos por inexistência ou insuficiência de bens (cf. artigo 52.º, n.º 4, da LGT) e por possuir bens sobre os quais podiam ser constituídas garantias.

Considerou, assim, a AT que, não ocorre a manifesta falta de meios económicos uma vez que a Reclamante pode oferecer como garantia o seu estabelecimento comercial; além de que, os valores evidenciados na declaração anual de IES referentes a 2020, conforme resulta do probatório, não se coadunam com uma situação de manifesta falta de meios económicos.

A Reclamante invocou, ainda, na petição inicial, a violação do princípio do inquisitório, alegando que caberia à AT convidá la a suprir a omissão da prova dos factos alegados.

No entanto, mostra se evidente que, a AT não terá sentido essa necessidade, uma vez que, desde logo, identificou bens que a executada possuía sobre os quais podiam ser constituídas garantias.

Ora, não tendo a AT ficado convencida quanto à insuficiência de bens, mostra se destituído de sentido solicitar documentos que comprovassem essa mesma insuficiência de bens (cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 28/04/2016, proferido no processo n.º 02303/15.0BEPRT).

Nestas circunstâncias, o indeferimento do pedido de dispensa de garantia não terá que ficar dependente de quaisquer diligências a efectuar oficiosamente pela AT”.

E, detendo a ora Reclamante um estabelecimento comercial e atentos os valores evidenciados a título de activos fixos tangíveis e activos intangíveis, bem como o volume de vendas e de prestação de serviços da sua declaração IES de 2020 (cf. alínea f) do probatório), exigia se um cuidado acrescido, pois a alegação de insuficiência económica pressupõe uma análise cuidada da sua situação económica e patrimonial.

Assim, não tendo a Reclamante instruído o seu pedido com quaisquer documentos e tendo a AT identificado factos que não se coadunam com uma situação de manifesta falta de meios económicos, o pedido de dispensa de garantia, formulado junto do órgão da execução fiscal, não poderia deixar de ser indeferido» – fim de citação.

Impõe-se desde já adiantar que o decidido pela Mma. Juíza não merece a censura que lhe vem dirigida. Na indicação das razões para assim concluirmos louvamo-nos no citado Acórdão nos seguintes termos:

«Como já referimos supra, este TCAS já se pronunciou em situações similares à ora sob análise, (…)

Assim se escreveu no Acórdão de 15.09.2022 (Processo: 139/22.1BESNT):

“[C]onstata-se que a AT negou abrigo à pretensão da reclamante, aqui recorrente, porquanto e como se alcança do despacho reclamado a que se refere a alínea D) da matéria assente e cuja fundamentação se transcreve na sua alínea C), «no caso em apreciação, a executada…, cingiu se a apresentar um requerimento no qual alega que tentou por todos os meios ao seu alcance apresentar garantia idónea sob a forma de garantia bancária, porém, tal não lhe foi possível por vários obstáculos criados pelas instituições bancárias, e ainda que os activos que a empresa possui já estão dados como garantia, não detendo a empresa outros bens ou rendimentos que possam servir de garantia.

Não instruindo, porém, o pedido de dispensa com a prova documental necessária exigida pelo n.º 3 do art.º 170.º do CPPT».

Ora, este suporte fundamentador não padece contextualmente de erro nos pressupostos, nem a sentença que o validou enferma de erro de julgamento, como pretende a recorrente, para quem a AT deveria, previamente à decisão de indeferimento, tê-la convidado a suprir as deficiências instrutórias do requerimento que contém o pedido.

Mas não assiste razão à recorrente. Tal como se aponta o Ac. do STA de 04/11/2020, tirado no proc.º 0289/20.9BEALM, «…o procedimento de dispensa de prestação de garantia tem regras próprias de alegação e prova dos factos (cf. art. 52.º, n.º 4, da LGT e art. 170.º, n.º 1, do CPPT), não podendo, sem mais, aplicar--se--lhe as regras do procedimento tributário de liquidação, tanto mais que não é possível estabelecer paralelismo entre ambos: enquanto naquele está em causa a pretensão do executado a obter um efeito que se há--de ter como excepcional em sede de execução fiscal - a norma é a prestação da garantia em ordem a obter a suspensão da execução fiscal - e, portanto, o procedimento tem início a pedido do interessado e a decisão fica sujeita ao que foi pedido (cf. art. 56.º da LGT), neste estamos perante um procedimento tributário que pode ser iniciado oficiosamente (cf. art. 57.º, n.ºs 1 e 7, da LGT) e em que a AT não vê a sua decisão limitada senão pela prossecução do interesse público e pelos princípios enunciados no art. 54.º da LGT; enquanto naquele o interessado pretende obter um efeito constitutivo de direitos, neste o efeito será a declaração (concretização) de uma obrigação tributária. …».

Ou seja, invocando a executada a manifesta falta de meios económicos por insuficiência de bens penhoráveis susceptíveis de garantir a dívida exequenda e o acrescido, em ordem a obter a dispensa de prestação de garantia nos termos do art.º 52.º, n.º 4, da LGT, incumbe--lhe o ónus de alegar e demonstrar os factos susceptíveis de integrarem essa insuficiência, o que deve fazer com o requerimento de pedido, instruindo-o com a documentação pertinente, nos termos das disposições combinadas dos artigos 342.º do Cód. Civil e 170.º, n.º 3, do CPPT.

Não quer isto dizer que a AT se deva eximir à avaliação crítica da prova que tenha na sua posse, em ordem a ver se pode (ou não) concluir, com base nela, pela alegada insuficiência de meios económicos.

Mas isso, como se alcança da fundamentação do despacho reclamado, foi feito, tendo a AT concluído não se verificar uma situação de manifesta falta de meios económicos em vista dos valores dos bens e rendimentos constantes da declaração anual IES submetida pela reclamante com relação ao ano anterior ao do pedido de dispensa de garantia.

Se este juízo conclusivo da AT se mostra erróneo, a verdade é que a recorrente não demonstra factos que o permitam infirmar. (…).

Na verdade, decisivo era a recorrente demonstrar que a penhora dos activos efectuada nesses outros processos executivos comprometia a possibilidade de prestação de outras garantias, nomeadamente bancárias (o que, obviamente, a AT não tem meios de comprovar), como ainda que se mostra impossibilitada de dar à penhora rendimentos, ou seja, a facturação correspondente às vendas e serviços prestados no montante de 13.446.355,34€, que mencionou na declaração de IES do anterior ano de 2020, ou que a penhora desses rendimentos inviabilizava o prosseguimento da actividade empresarial.

Em suma e concluindo, invocando a executada a manifesta falta de meios económicos por insuficiência de bens penhoráveis susceptíveis de garantir a dívida exequenda e o acrescido, em ordem a obter a dispensa de prestação de garantia (cf. art.º 52.º, n.º 4, da LGT), incumbe-lhe o ónus de alegar e demonstrar os factos susceptíveis de integrarem essa insuficiência, o que deve fazer com o requerimento de pedido, instruindo--o com a documentação pertinente.

Não o fazendo, não há lugar a convite ao suprimento do deficit instrutório do pedido, sem prejuízo de a AT dever proceder à avaliação da prova na sua posse, de modo a verificar se a mesma lhe permite concluir pela alegada insuficiência de meios económicos da executada.

Tendo a AT feito essa avaliação no caso em apreço e concluído não se verificar uma situação de manifesta insuficiência de meios económicos, juízo que não merece censura face aos meios de prova de que dispunha, nenhuma outra diligência ou pedido de informação à executada se lhe impunha com vista ao esclarecimento da situação económica desta”.

Refere--se ainda no Acórdão deste TCAS de 29.09.2022 (Processo: 26/22.3BESNT), já citado:

“[N]a senda do doutrinado no Acórdão proferido pelo STA no processo nº 1298/12, datado de 19 de dezembro de 2012, e demais jurisprudência convocada, encontra-se plasmado, neste particular, o princípio de preclusão procedimental dirigido ao executado que pretende obter a aplicação do benefício da dispensa de prestação de garantia para alcançar suspensão da execução fiscal, cuja ratio se coaduna com “[i]nteresses de eficiência, celeridade e economia procedimental, prevenindo o arrastamento de um procedimento que é da estrita iniciativa do interessado e que assume carácter célere e urgente, em que ao requerimento se segue imediatamente a decisão (no prazo de dez dias), não prevendo a lei, sequer, actividade instrutória a desenvolver pelo órgão decisor, que decidirá de imediato em face das razões de facto e de direito invocadas no requerimento e da prova que nele tiver sido oferecida, como se de um deferimento ou indeferimento liminar se tratasse”.

Esclarecendo, ainda neste particular, que “[o] curtíssimo prazo concedido ao órgão administrativo para a decisão do pedido, conjugado com a obrigatoriedade de o executado apresentar imediatamente toda a prova no requerimento onde formula a pretensão, denuncia objectivamente o carácter urgente deste procedimento, onde o tempo constitui um elemento determinante na finalidade pública que se visa prosseguir, de obviar ao sumiço de bens que possam garantir o pagamento integral da dívida exequenda e do acrescido. O que traduz uma opção legislativa perfeitamente razoável de valorar negativamente a total inércia probatória do interessado e que não comporta, a nosso ver, um ónus desproporcionado, atenta a natureza e finalidade deste procedimento. O indeferimento imediato do pedido por total ausência de requerimento probatório representa, no fundo, um sibi imputet que não se nos afigura excessivo, na medida em que o requerente não pode deixar de estar ciente, perante a claríssima letra da lei, do seu dever de iniciativa e de instrução, e na medida em que é ele quem está em melhores condições para apresentar os meios de prova da factualidade por si alegada”(destaques e sublinhados nossos).

(…) Não procedendo, in fine, a alegação de que a atuação da AT e interpretação sufragada pela decisão recorrida, acarretam uma solução manifestamente desproporcional, sendo, aliás, exigível -- apelando, desde logo, à figura do homem médio, que o Requerente saiba que deve comprovar a insuficiência de bens penhoráveis. Ademais, in casu, a AT procedeu à avaliação da prova na sua posse --juízo que não merece censura face aos meios de prova de que dispunha - e concluiu pela insuficiência de meios económicos da executada.

Note-se que da conjugação dos normativos 55.º da LGT e 46.º do CPPT, atinentes ao princípio da proporcionalidade, o que resulta é que a AT deve abster-se da imposição aos contribuintes de obrigações que comportem e traduzem injustiças, que sejam desnecessárias ou inadequadas à satisfação dos fins que aquela visa prosseguir ou que vão além do que seja necessário e adequado impor aos mesmos contribuintes.

Logo, face ao supra expendido, é por demais evidente que a atuação da AT e do Tribunal a quo, em nada configuram violação do aludido princípio, limitando-se a cumprir os requisitos consignados na lei para efeitos de concessão da dispensa de prestação de garantia e inerente ónus probatório”.

Considerando o entendimento vertido nestes arestos, a que se adere, resulta, pois, que não assiste razão à Recorrente»- fim de citação.

Não havendo razões de facto ou de direito que imponham diferente ponderação daquilo que foi decidido em 1ª instância e que se mostra em linha com a jurisprudência reiterada destes Tribunal, sem necessidade de demais considerações, impõe-se concluir como se concluiu no Acórdão citado, julgando improcedentes as conclusões da alegação de recurso, negar provimento ao mesmo e manter a sentença recorrida.


*


No que se refere às custas, o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual custas são pagas pela parte que lhes deu causa.

Atendendo à improcedência do recurso, considera-se que foi a Recorrente que deu causa às custas do presente processo (cf. n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas custas (cf. n.º 1, 1.ª parte).


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IV – CONCLUSÕES

I - Invocando o executado a manifesta falta de meios económicos por insuficiência de bens penhoráveis suscetíveis de garantir a dívida exequenda e o acrescido, em ordem a obter a dispensa de prestação de garantia, incumbe-lhe o ónus de alegar e demonstrar os factos suscetíveis de integrarem essa insuficiência, o que deve fazer com o requerimento de pedido, instruindo-o com a documentação pertinente.

II. Não o fazendo, não há lugar a convite ao suprimento do deficit instrutório do pedido, sem prejuízo de a AT dever proceder à avaliação da prova na sua posse, de modo a verificar se a mesma lhe permite concluir pela alegada insuficiência de meios económicos da executada.

III. Tendo a AT feito essa avaliação no caso em apreço e concluído não se verificar uma situação de manifesta insuficiência de meios económicos, juízo que não merece censura face aos meios de prova de que dispunha, nenhuma outra diligência ou pedido de esclarecimento à executada se lhe impunha com vista ao esclarecimento da situação económica desta.

IV. A opção legislativa de valorar negativamente a total inércia probatória do interessado não comporta, um ónus desproporcionado, atenta a natureza e finalidade do procedimento de pedido de dispensa de prestação de garantia.

V – DECISÃO

Termos em que, acordam as juízas da 1ª Subsecção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo a sentença recorrida.


Custas pela recorrente.


Registe e Notifique.


Lisboa, 16 de Fevereiro de 2023.



Ana Cristina Carvalho - Relatora

Hélia Gameiro – 1ª Adjunta

Catarina Almeida e Sousa – 2ª Adjunta