Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1649/11.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/25/2021
Relator:ANA PINHOL
Descritores:COMPETÊNCIA;
SUBSTITUTO LEGAL.
Sumário:I. O normativo contido no artigo 41º do Código de Procedimento Administrativo (na redacção anterior à que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro) prevê expressamente a figura da substituição dos titulares dos cargos.

II. A intervenção do substituto assume carácter subsidiário, garantindo-lhe a exclusividade do exercício dos poderes que normalmente estão confiados ao titular do órgão.

III. E constituindo requisitos de validade da sua intervenção a habilitação legal que lhe confere essa qualidade, a sua efectiva nomeação como tal e a verificação da dita condição suspensiva da falta, ausência ou impedimento do substituído, torna-se necessário que em todos os actos em que intervém como substituto faça menção dessa qualidade em que actua e da razão de se substituir ao titular do cargo (“falta”, “ausência”, ou “impedimento” deste), por forma a externar não só os mencionados requisitos de validade da sua intervenção como a permitir a sindicância destes.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I.RELATÓRIO

P......, LDA., recorre da sentença proferida pelo TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA, que julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida, na sequência do acto de indeferimento parcial de recurso hierárquico, apresentado contra a liquidação de IVA de Dezembro de 2004 e respectivos juros compensatórios.

Terminou a sua alegação formulando as seguintes conclusões:

«i) Nos termos dos artigos 59.° n.° 3 al. l) da LGT e 49.° n.° 1 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), compreende-se na obrigação de colaboração da Administração Tributária o dever de comunicação antecipada do início da inspecção à escrituração mercantil e empresarial, com a indicação do seu âmbito, extensão e dos direitos e deveres que assistem ao sujeito passivo, fixando-se um prazo mínimo de 5 dias relativamente ao início dos trabalhos inspectivos.

ii) As notificações pessoais de actos tributários ou em matéria tributária, a realizar de acordo com as regras das citações pessoais, poderão ser efectuadas de acordo com qualquer uma das modalidades de citação previstas no CPC, designadamente, através de contacto pessoal do funcionário com o citando, a citação com hora certa, ou através da afixação de aviso com posterior advertência - cfr. artigos 38.° RCPIT, 38.° n.° 2 e 192.° ambos do CPPT.

iii) No caso dos autos, resultou demonstrado que o ofício n.° 010492 de 08/02/2008 que diz a Recorrida ter alegadamente dirigido à Recorrente sob a forma de carta de aviso, foi devolvido com a indicação de "mudou-se", não resultando dos mesmos qualquer evidência de que tenha a Recorrida diligenciado pela referida e devida notificação de acordo com sobreditas regras da citação pessoal, muito menos que tenha a mesma, sequer, repetido a sobredita notificação postal, diligenciando, designadamente, pela consulta da correspectiva base de dados cadastrais para confirmar a morada da Recorrente.

iv) Outrossim, não tem qualquer sustento legal a sentença ora sob censura na parte em que refere que semelhante formalismo se acha cumprido no caso vertente por ter estado presente em 11/03/2008, data de início das diligências inspectivas, o sócio gerente da Recorrente, o qual, nesse acto, assinou o documento de fls. 78 do PA, pois que sendo essa a data declarada do início do procedimento inspectivo, não era já nessa ocasião exequível a observância do referido pré-aviso de 5 dias, não resultando dos autos que semelhantes trabalhos hajam sido suspensos até cumprimento do dito prazo.

v) Se a Lei expressamente impõe a observância de semelhante formalidade, assim como a observância do prazo de antecedência de 5 dias, não se perspectivaria qual a utilidade prática desta exigência legal se a mesma pudesse ser ultrapassada mediante a intervenção posterior da Recorrente, designadamente a que ocorreu por intermédio do seu sócio gerente no próprio dia do início dos trabalhos de inspecção.

vi) Semelhante notificação, simplesmente, inexistiu, donde necessário se torna concluir, contrariamente ao entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, que não foi este formalismo legal cumprido, o que consubstancia um vício de violação de Lei, determinante da invalidade do procedimento inspectivo e, assim, das liquidações de imposto emitidas na sequência daquele.

vii) Do vício invalidante de incompetência padece, outrossim, o procedimento de inspecção dos autos, atenta a circunstância de ter sido o Relatório de Inspecção sancionado por quem, para tanto, não tinha poderes, já que nos termos do Aviso n.° 14964/2008 de 15 de Abril de 2008, não dispunha a Chefe de Divisão I da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, M......, competência delegada pelo Director de Finanças Adjunto de Lisboa para o efeito.

viii) É que, pese embora, figure aquela Chefe de Divisão do mencionado aviso, são-lhe apenas conferidos poderes de substituição daquele Director em caso de ausência ou de impedimento do mesmo e, cumulativamente, de ausência ou de impedimento do substituto legal daquele, J......, tendo sido expressamente reservados os poderes de sancionamento à Sra. A........., a qual, outrossim, se impedida ou ausente estivesse, seria no exercício desses mesmos poderes substituída, não pela Sra. M......, mas apenas e tão só por A..........

ix) Se semelhantes poderes foram pelo seu correspectivo titular em momento subsequente delegados à dita Chefe de Divisão M......, é facto desconhecido e dos autos omisso, pelo que necessário se torna concluir, contrariamente ao que foi sufragado pelo Tribunal a quo, pela invalidade do despacho que sancionou o dito Relatório de Inspecção e, bem assim, dos actos de liquidação na sequência daquele emitidos.

x) Doutro passo, sempre teria no caso vertente aplicabilidade o prazo de caducidade reduzido de 3 anos, tal como previsto no art.° 45.° n.° 2 da LGT e não o prazo geral de 4 anos previsto no número 1 do mesmo preceito legal, já que, contrariamente ao entendimento plasmado na sentença recorrida, trata-se de um erro evidenciado na própria declaração do sujeito passivo.

xi) Seguindo o entendimento sufragado por esse Supremo Tribunal no acórdão indicado no antecedente número 53 das alegações que antecedem, sucedeu no caso vertente um erro dos autos detectável mediante simples análise da declaração, dispensando o recurso a qualquer documentação externa para que se conseguisse evidenciar a divergência, tendo sido o próprio contribuinte a disponibilizar à Recorrida Autoridade Tributária todos os elementos tendentes ao esclarecimento daquele erro declarativo.

xii) O Tribunal a quo erradamente se dispensou, em face da sobredita factualidade, de subsumir os factos ao Direito aplicável, mais omitindo a devida e imposta fundamentação, limitando-se a aplicar o prazo geral de caducidade de 4 anos, concluindo, assim, que o direito de liquidar os tributos dos autos não se achava caducado.

xiii) Porém, conclusão diversa sempre resultaria da factualidade demonstrada nos autos, qual seja a de que ao caso vertente é aplicável, como se disse, o prazo reduzido de caducidade de 3 anos, com a consequente declaração de caducidade do direito de liquidação exercido pela Administração Tributária após 31/12/2007.

xiv) Por fim, mais padece a sentença dos autos do vício de violação de Lei e de falta de fundamentação no que concerne à análise dos pressupostos de que a lei faz depender a liquidação de juros compensatórios nos termos do disposto no art° 35.° n.° 1 da LGT.

xv) Não fez a Autoridade Tributária acompanhar as liquidações de juros compensatórios emitidas de qualquer apreciação sobre a censura da conduta do contribuinte, do critério utilizado e ponderado para apreciar a existência de culpa daquele, assim como se dispensou de estabelecer o necessário nexo de causalidade entre aquele comportamento culposo e o retardamento na entrega do imposto.

xvi) O Tribunal a quo, podendo, igualmente se dispensou de percorrer semelhante processo cognitivo e valorativo, limitando-se a considerar a obrigação de pagamento de juros compensatórios como uma consequência automática e imediata de qualquer liquidação adicional de imposto, o que não é admissível, porque contrário à Lei nos termos expostos, o que inquina a sentença recorrida do vício de nulidade por violação de Lei.

xvii) Não se pode, assim, conformar a Recorrente com o teor da sentença sindicada por via dos presentes autos de recurso, pois que padecendo a mesma de manifesta nulidade por violação de Lei e de falta de fundamentação, não pode a mesma subsistir na Ordem Jurídica, o que se requer seja declarado e decidido, com a sua consequente revogação e substituição por outra que determine a anulação do tributo e das liquidações de juros compensatórios dos autos, com fundamento em caducidade, vício de forma, falta de fundamentação e violação de Lei, com todas as devidas e legais consequências.

Nestes termos e nos melhores de Direito que os Senhores Juízes Conselheiros, devida e adequadamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, porque integralmente provado o respectivo teor com fundamento nos expostos argumentos de Direito e de facto, ordenando- se, consequentemente, a revogação da sentença ora sindicada e a sua correspectiva substituição por outra decisão que ordene a anulação da liquidação de imposto n.° ………… referente a IVA de Dezembro de 2004, assim como as liquidações de juros compensatórios n.° ……….. e………… , condenando-se a Administração Tributária no pagamento das custas judiciais e de parte que se revelarem devidas, com todas as devidas e legais consequências, assim se fazendo Justiça!.»


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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Exmº. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora,
decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:

(i) falta de competência do autor do acto que sancionou e determinou as correcções subjacentes à liquidação sindicada;

(ii) falta de notificação do Relatório de Inspecção Tributária;

(iii) caducidade do direito à liquidação;

(iv) falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios.


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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«A) P........., Lda (ou impugnante) é uma pessoa colectiva, com o domicílio fiscal na Rua …………………- D, Piso zero, Espaço n° 1, ……….. Lisboa (informação do sistema informático da AT);
B) A impugnante indica como tendo a sede na Rua………….., A BL 3 9E, em Lisboa (intróito da pi);
C) No exercício de 2004 a impugnante encontrava-se registado para o exercício da actividade de Construção de Edifícios, com o CAE 41200;
D) Pelo ofício n° 010492 de 08-02-2008 foi enviado carta aviso e o folheto informativo que veio devolvido com a indicação "mudou-se" (fls 75 a 77, do pa);
E) Em 11-03-2008 o sócio gerente da impugnante Bruno de Carvalho assinou o documento junto a fls 78, do pa - "Procedimento de Inspecção Externa/Ordem de Serviço n OI200704631, onde consta, nomeadamente:
DESPACHO
Proceda-se à inspecção externa 2008/01/15
IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO PASSIVO
NIPC .........
Nome P......... Lda
CAE 051532
Morada Rua……………….., Espaço 1 Lisboa
ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO INSPETIVA - ANOS/EXERCÍCIO/PERIODOS A FISCALIZAR
Geral (al a) do n° 1 do art° 14° do RCPIT)
Parcial (al b) do n° 1 do art° 14° do RCPIT): IRC, IVA, Outro (RFC; RFS)
(...).
F) Do Aviso n° 16964/2008 de 15-04-2008 (Subdelegação de competências), do Director Adjunto Dr. J........, publicado no DR n° 93-II Série de 14-05-2008, consta o seguinte:
I - Competências subdelegadas:
1- Nos termos do n.° II, n.° 1.2, e do n.° IV, do despacho do Director de Finanças de Lisboa publicado no Diário da República, 2.a série, n.° 125, de 1 de Julho de 2005, constante do despacho (extracto) n.° 14526/2005 (2.a série), e do disposto nos artigos 36.°, n.° 2, e 37.° do Código de Procedimento Administrativo e no artigo 62.°, n.° 2, da lei Geral Tributária (LGT), subdelego na Chefe de Divisão de Inspecção Tributária V, A........, técnica economista principal, as seguintes competências, que me foram delegadas:
a) A alteração dos elementos declarados pelos sujeitos passivos para efeitos de IRS, nos termos do artigo 65. °, n.° 4, do Código do IRS, até ao limite de (euro) 500 000 por cada exercício;
b) Determinar o recurso à aplicação de métodos indirectos, nos termos do artigo 39.° do Código do IRS, bem como dos artigos 87. ° a 90.° da LGT, até ao limite fixado na alínea anterior;
c) Proceder à fixação do conjunto de rendimentos líquidos, nos casos previstos no artigo 65.° do Código do IRS, até ao limite fixado na alínea a) supra;
d) Determinar o recurso à aplicação de métodos indirectos, nos termos do artigo 54. ° do Código do IRC, bem como dos artigos 87. ° a 90.° da LGT;
e) Fixar a matéria tributável sujeita a IRC, nos termos do artigo 54.° do respectivo Código e dos artigos 87.° a 90.° da LGT, bem como, nos casos de avaliação directa, proceder a correcções técnicas ou meramente aritméticas resultantes de imposição legal, nos termos dos artigos 81.° e 82.° da LGT, até ao limite de (euro) 1 000 000 por cada exercício;
f) Determinar o recurso à aplicação de métodos indirectos, nos termos do artigo 84.° do Código do IVA e dos artigos 87.° a 90.° da LGT;
g) Fixar o IVA em falta, nos termos do artigo 84.° do Código do IVA e dos artigos 87.° a 90.° da LGT, até ao montante de imposto de (euro) 500 000 por cada exercício;
h) Fixar os prazos para audição prévia, nos termos do artigo 60.°, n.° 4, da LGT e do artigo 60.°, n.° 2, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), no âmbito dos procedimentos de inspecção tributária, e praticar os actos subsequentes até à conclusão do procedimento;
i) Proceder à emissão de ordens de serviço para os processos inspectivos previamente programados pelo serviço para execução na respectiva divisão, nos termos e para os efeitos do artigo 46.° do RCPIT;
j) Sancionar os relatórios de acções inspectivas, bem como todas as informações concluídas pela inspecção tributária, nos termos do artigo 62.°, n.° 5, do RCPIT;
k) A assinatura de correspondência e expediente corrente atinente à respectiva área funcional, excepto a dirigida aos serviços centrais ou a outras entidades oficiais.
2 - A produção de efeitos desta subdelegação é reportada a 01.02.2008, ficando por este meio ratificados todos os actos e despachos que entretanto tenham sido proferidos sobre matérias objecto da mesma.
3 - Nas minhas faltas, ausências, ou impedimentos, designo meu substituto legal o Chefe de Divisão J...... e, nas faltas, ausências ou impedimentos deste, a Chefe de Divisão M.........
4 - Nas faltas, ausências ou impedimentos da Chefe de Divisão A........, a presente subdelegação é extensível ao seu substituto legal, A........, inspector tributário assessor.
G) A impugnante foi submetida a uma Inspecção Tributária (IT) em cumprimento das Ordens de Serviço n°s OI200704631 e OI200704632 e OI200704633, de 0507-2007, de âmbito parcial em IRC, IVA IR (retenções na fonte) e IRS, dos exercícios de 2004, 2005 e 2006;
H) Em 28-07-2008 a impugnante foi notificada da Proposta de Relatório de Inspecção Tributária, para exercer direito de audição prévia
I) Em 08-08-2008 a impugnante exerceu direito de audição prévia, alegando, em síntese
J) Em 28-08-2008 a impugnante foi notificada do Relatório Final de Inspecção, junto a fls 37 e seguintes do pa , no qual consta, nomeadamente:
Divergências de valores declarados
II. 3 Outras Situações (...).
3.1 Caracterização do sujeito passivo
3.1.1 Identificação
A sociedade tem sede fiscal na Rua…………., D - piso 0, espaço 1, na freguesia do Lumiar e pertence à área do Serviço de Finanças de Lisboa 11 (...).
Trata-se de uma sociedade por quotas, matriculada na competente Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, (...) com o capital social 5.000,00€, representado por duas quotas de 2.500,00€ cada e pertencente aos seguintes sócios:
«imagem no original»

(...).
Em sede de IVA, nos anos de 2004 e 2005, os sujeitos passivos a seguir descritos, no mapa recapitulativo de fornecedores, anexo P da DAICF, declaram ter efectuado aquisições ao sujeito passivo objecto da presente acção inspectiva os montantes a seguir descritos (valores dom IVA incluído), o que não é compatível com a base tributável em sede de IVA declarada pelo sujeito passivo nos respectivos anos, no montante de 6.563.903,24€ e de 109.998,83€:
«imagem no original»

(...).
3.2. Trabalho desenvolvido e conclusões extraídas
Tendo como objectivo o apuramento da real situação do sujeito passivo por
indícios de exercício de actividade não declarada para efeitos fiscais,
desenvolveram-se as diligências que se mostravam necessárias para aferir sobre a realidade e exaustividade das operações registadas pelo sujeito passivo.
No dia 2008-02-08 foi enviado ao sujeito passivo a carta aviso e respectivo folheto informativo (nosso ofício n° 010492), nos termos da al l) do n 3 do art° 59° da LGT e do art° 49° do RCPIT que foi devolvida a este Serviço com a informação dos CTT de "mudou-se". Alteração da sede fiscal não foi comunicada à Administração Fiscal, contrariando o estipulado no n° 2 do art° 19° da LGT.
Apesar das dificuldades iniciais em contactar a sociedade ou o seu representante legal, foi-nos possível contactar telefonicamente o TOC da sociedade, Sr. A........ e agendar o inicio da visita para 2008-03-11.
Aquando do início dos actos inspectivos o sócio gerente informou-nos que a actividade da sociedade, desde a sua constituição, esteve essencialmente relacionada com a prestação de serviço de construção de uma empreitada de construção de edifícios no lote 117-A, na freguesia do Lumiar, em Lisboa, designada de Jardim Real, cujo dono de obra é a sociedade P........, Lda (P........). Aliás a sociedade tinha sido constituída no âmbito desta obra e na expectativa de outros negócios similares na área da construção civil.
A empreitada Jardim Real, inicialmente adjudicada pelo Dono da Obra a um consórcio, constituído pela P........ e as sociedade L........, SA, C........ SA e T........, lda, no qual o sujeito passivo assumia a qualidade de chefe do consórcio. No entanto devido a problemas relacionados com estas sociedade, o consórcio foi extinto no ano de 2002, sendo adjudicada a obra exclusivamente à P......... Todavia, no decurso desta obra, que terminou em meados do ano de 2005, surgiram uma série de problemas, nomeadamente o não recebimento dos serviços prestados, assim como, a incapacidade da sociedade em angariar novos negócios, pelo que, a partir de meados desse ano a actividade da sociedade passou a ser praticamente inexistente.
Na sequência desses problemas o sujeito passivo não tinha cumprido com algumas das suas obrigações fiscais nos anos de 2004, 2005 e 2006, mas manifestou-se desde logo, interessado em regularizar a situação, submetendo, via internet, nesse mesmo dia, a declaração anual de informação contabilísticas e fiscal relativa ao ano de 2004.
Da análise efectuada aos documentos contabilísticos de suporte ao exercício de 2004, foram detectadas uma série de situações irregulares, designadamente:
- divergências entre os valores registados na contabilidade relativamente ao IVA dedutível e às regularizações efectuadas a favor do sujeito passivo e os respectivos valores declarados em sede deste imposto.
(...).
VI - Regularizações efectuadas pelo sujeito passivo no decurso da acção de inspecção.
(...).
3. IVA - Imposto sobre o Valor Acrescentado - Anos de 2004, 2005 e 2006
No decurso dos actos inspectivos o sujeito passivo regularizou voluntariamente todas as situações apuradas em sede de IVA no ano de 2004, no montante de 462.650,79€, submetendo, via internet, no dia 2008-07-09 a declaração periódica de substituição reportada ao período de 2004-12.
Estas diferenças resultam das divergências relativamente ao IVA inicialmente lançado na contabilidade comparativamente aos valores declarados, contribuindo ainda para este montante o valor do IVA constante das facturas n° 66 de 2004-06-07 emitida ao cliente N........ e a n° 68 de 2004-06-11 emitida ao cliente P........, no montante de 90.975,45€ e de 4.715,80€, respectivamente, cujo IVA constante da contabilidade não tinha sido declarado para efeitos fiscais e a correcção do lançamento da factura n° 6 do ano de 2003.
(...).
K) Sobre o Relatório de Inspecção Tributária referido no ponto anterior recaiu PARECER da Coordenadora da Equipa 11, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido;
L) Sobre o parecer identificado no ponto anterior recaiu, em 18-08-2008, PARECER da Chefe de Divisão I como Substituto legal - M........:
"Confirmo o parecer da Coordenadora da Equipa e a matéria constante do relatório anexo.
Á consideração superior".
M) Em 19-08-2008 foi emitido DESPACHO de concordância com os pareceres e relatório da acção inspectiva, assinado por M...... (Chefe de Divisão I), substituto legal do Director de Finanças Adjunto;
N) Em 01-10-2008 a impugnante foi notificada da liquidação de IVA n° ......., referente ao período de 12/2004, no montante de €461.427,64
O) A impugnante foi, igualmente, notificada das liquidações de juros compensatórios n°s ....... e ......., no valor total de €63.123,31
P) Em 27-02-2009 a impugnante apresentou reclamação graciosa, alegando, em síntese o vício de incompetência, caducidade da liquidação e falta de fundamentação do relatório e da liquidação adicional (RG apensa);
Q) Pelo ofício n° 05357, de 29-06-2010 foi a impugnante notificada do Projecto de Decisão de Indeferimento da Reclamação Graciosa e para exercer o direito de audição
R) Em 16-06-2010 a impugnante exerceu o sue direito de audição sobre o projecto de despacho de indeferimento da reclamação graciosa (RG apensa);
S) Na sequência do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, a impugnante, em 14-09-2010, apresentou recurso hierárquico, alegando a incompetência, a caducidade do direito à liquidação do IVA de 2003 e 2004, falta de fundamentação das liquidações de juros compensatórios (RH apenso);
T) Pelo ofício n° 041689, de 11-05-2011, a 12-05-2011 a impugnante foi notificada da decisão proferida no Recurso Hierárquico, que o deferiu parcialmente pelo montante de €24.782,61, por caducidade do direito à liquidação de imposto do ano de 2003;
U) O RH encontra-se fundamentado na informação prestada a 20-04-2011, junto ao RH apenso, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais (RH apenso);
V) A anulação originou a proposta de correcção à LA n° ......., para o montante de €436.645,03 e proposta de correcção dos juros compensatórios;
W) Pelo ofício n° 41689 de 11-05-2011 a decisão do recurso hierárquico foi notificado ao Dr. J...... (fls 41 a 43, do RH);
X) Em 18-05-2011 foi recebido na Direcção de Finanças fax assinado pelo Dr. F...... a alertar para o facto da notificação não ter sido feita para a pessoa do actual mandatário e a informar que em 23-12-2010 tinha sido enviado por correio o substabelecimento de 30-11-2010, com a indicação do número de processo de reclamação graciosa ......, emitido a favor dos Dr.s A......, F......, F...... e P...... (fls 52 a 55, do RH);
Y) Pelo ofício n° 48934, de 03-06-2011 a decisão do recurso hierárquico foi notificada aos Dr.s A...... e outros (fls 56 a 58, do RH);
Z) O ofício identificado no ponto anterior foi recepcionado em 06-06-2011 (fls 56 a 58, do RH);
AA) A impugnação deu entrada em 29-08-2011;
BB) Para cobrança do IVA e juros compensatórios a que respeitam as liquidações identificadas em N) e O) foi instaurado o processo de execução fiscal n° .......... (fls 138 a 166, dos autos);
CC) O processo de execução fiscal identificado em BB) foi revertido contra B......... (ora assistente) (fls 130 e seguintes dos autos);
DD) o assistente deduziu oposição à execução fiscal identificada em BB), enquanto responsável subsidiário/revertido (fls 143 e seguintes dos autos).

A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados, juntos aos procedimentos administrativos apensos e aos autos.»

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B. DO DIREITO

Vem o presente recurso interposto da sentença da Meritíssima Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida na sequência do acto de indeferimento expresso do recurso hierárquico apresentado contra a liquidação de IVA do ano de 2004, que teve a sua génese nas conclusões do procedimento de inspeção inscrito no ponto G) da matéria assente.
Dito isto, passemos de seguida a conhecer de cada uma das questões objecto do presente recurso.
Da incompetência do autor do acto que sancionou e determinou as correcções subjacentes à liquidação sindicada.

A sentença debruçou-se sobre esta questão tendo-se pronunciado nos seguintes termos: « (…) não se vislumbra qualquer incompetência contrariamente ao defendido pela impugnante no acto praticado por M......, já que a mesma tinha competência na qualidade de substituto legal do Director de Finanças Adjunta, - Aviso nº 16964/2008 de 15-04-2008 - pelo que foi cumprido o disposto no nº 5 (actual n 6) do artº 62 do CPIT (ponto F) dos factos assentes). De qualquer modo e atentos os factos identificados pelas letras L) e M) inexiste o vício invocado pela impugnante.»

A recorrente não se conforma com o assim decidido porquanto « (…) não era a Sra. M...... a autoridade competente para sancionar aquelas conclusões por não se achar munida de poderes para tanto, os quais, estavam em exclusivo atribuídos à Sra. A........., ou, na ausência ou impedimento desta, ao Sr. A..........».

Concluindo, pela incompetência da Chefe de Divisão I (M......) para sancionar e determinar as correcções subjacentes à liquidação sindicada, e consequente ilegalidade do acto de liquidação sindicado por violação do disposto no artigo 62.º n.º 6 do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPIT).

Vejamos se lhe assiste razão.

Por força do n.º 6 do artigo 62.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPIT) «O relatório de inspecção será assinado pelo funcionário ou funcionários intervenientes no procedimento e conterá o parecer do chefe de equipa que intervenha ou coordene, bem como o sancionamento superior das suas conclusões.»

No caso vertente, resulta da matéria provada, que o Relatório de Inspecção foi sancionado através do despacho proferido em 19.08.2008, pela Chefe de Divisão I -M...... -, substituto legal do Director de Finanças Adjunto ( cfr. M) do probatório).

O artigo 41.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) (na redacção à data dos factos) previa expressamente a figura da substituição dos titulares dos cargos, da seguinte forma:

«1-Nos casos de ausência, falta ou impedimento do titular do cargo, a sua substituição cabe ao substituto designado na lei.

2-Na falta de designação pela lei, a substituição cabe ao inferior hierárquico imediato, mais antigo, do titular a substituir.

3-O exercício de funções em substituição abrange os poderes delegados ou subdelegados no substituído.».

Decorre do normativo transcrito que a intervenção do substituto assume carácter subsidiário, garantindo-lhe a exclusividade do exercício dos poderes que normalmente estão confiados ao titular do órgão.

Constituindo requisitos de validade da sua intervenção a habilitação legal que lhe confere essa qualidade, a sua efectiva nomeação como tal e a verificação da dita condição suspensiva da falta, ausência ou impedimento do substituído, torna-se necessário que em todos os actos em que intervém como substituto faça menção dessa qualidade em que actua e da razão de se substituir ao titular do cargo (“falta”, “ausência”, ou “impedimento” deste), por forma a externar não só os mencionados requisitos de validade da sua intervenção como a permitir a sindicância destes.

Como refere MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e JOÃO PACHECO DE AMORIM «Falta, ausência ou impedimento do titular - sejam quais forem as razões que as determinam - são as causas da suplência. A falta corresponde à situação de não preenchimento (temporário) do cargo; a ausência, às “faltas” dadas pelo titular do cargo (seja qual for a razão, por doença, férias, viagem oficial, etc, etc), o impedimento verifica-se quando o titular tiver sido declarado impedido, nos termos dos arts 44° e 47° deste Código». (Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2.ª edição, Almedina, pág. 41).

E sempre que o suplente seja chamado a exercer as funções pelo próprio titular «deverá fazer menção da qualidade em que actua e da razão (“falta”, “ausência”, ou “impedimento”) de se ter substituído ao titular normal do órgão». (ob.cit.pág.41).

Ora, no caso a entidade que praticou o acto que sancionou e determinou a correcção da tributação em imposto de IVA e que suporta a liquidação sindicada invocou a qualidade de substituto legal do Director de Finanças Adjunto, quando para além de não referir qualquer situação que justificasse essa substituição, nem era a imediata substituto legal, mas antes o substituta do substituto legal (cfr. al.F) do probatório « Nas minhas faltas, ausências, ou impedimentos, designo meu substituto legal o Chefe de Divisão J...... e, nas faltas, ausências ou impedimentos deste, a Chefe de Divisão M........»), impondo-se a justificação da impossibilidade de actuação quer do titular do órgão quer por parte do imediato substituto legal ( neste sentido vide voto de vencido lavrado pela Conselheira Dulce Neto no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06.07.2016, proferido no processo n.º 1162/15, disponível em texto integral em www.dgsi.pt)

Daí que se conclua, e sem necessidade de mais considerações, que procede esta primeira questão, o que significa que o Relatório de Inspecção Tributária padece do vício de incompetência relativa gerador de anulabilidade (cfr. artigo 135º do CPA – na redacção aplicável).

Por conseguinte, anulada a decisão final do procedimento de inspecção é nulo, o acto subsequente de liquidação (cfr. artigo 133.º, nº 2, alínea i) do CPA- na redacção em vigor à data).

Face ao exposto, o recurso merece provimento, e por conseguinte, fica prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do recurso, nos termos do disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 663.º, n.º 2 do CPC.

IV. CONCLUSÕES

I. O normativo contido no artigo 41º do Código de Procedimento Administrativo (na redacção anterior à que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro) prevê expressamente a figura da substituição dos titulares dos cargos.

II. A intervenção do substituto assume carácter subsidiário, garantindo-lhe a exclusividade do exercício dos poderes que normalmente estão confiados ao titular do órgão.

III. E constituindo requisitos de validade da sua intervenção a habilitação legal que lhe confere essa qualidade, a sua efectiva nomeação como tal e a verificação da dita condição suspensiva da falta, ausência ou impedimento do substituído, torna-se necessário que em todos os actos em que intervém como substituto faça menção dessa qualidade em que actua e da razão de se substituir ao titular do cargo (“falta”, “ausência”, ou “impedimento” deste), por forma a externar não só os mencionados requisitos de validade da sua intervenção como a permitir a sindicância destes.

V.DECISÃO

Termos em que acordam os juízes que integram a que integram a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e consequentemente julgar procedente a impugnação judicial.

Custas nesta instância pela Recorrida, que não é responsável pelo pagamento da taxa de justiça no recurso, porque não contra-alegou.


Lisboa, 25 de Março de 2021

[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, Isabel Fernandes e Jorge Cortês]


(Ana Pinhol)