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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05529/12
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/06/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:PRINCÍPIO DA INVESTIGAÇÃO.
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO.
NOTIFICAÇÃO COMO REQUISITO DE PERFEIÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO DE LIQUIDAÇÃO.
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO PREVISTA NO ARTº.39, Nº.1, DO C.P.P.T.
ILISÃO DA PRESUNÇÃO.
Sumário:1. O princípio da investigação traduz o poder/dever que o Tribunal tem de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições das partes, os factos sujeitos a julgamento, criando assim as bases para decidir. Este princípio somente é vigente no processo judicial tributário (cfr.artº.99, nº.1, da L.G.Tributária; artº.13, nº.1, do C.P.P.Tributário).

2. O princípio do inquisitório está consagrado no âmbito do procedimento gracioso tributário, no artº.58, da L. G. Tributária, de acordo com o qual deve a A. Tributária proceder às diligências que considere convenientes para a descoberta da verdade material. Porém, tal dever de diligência, não pode estar desligado do pedido formulado pelo contribuinte, atento o princípio da decisão que impende sobre a mesma A. Fiscal (cfr.artº.56, nº.1, da L.G.Tributária).

3. A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação.

4. No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A.).

5. A presunção de notificação prevista no artº.39, nº.1, do C.P.P.T., está conexionada com a forma de notificação consagrada no artº.38, nº.3, do mesmo diploma (notificação efectuada através de carta registada). Nestes casos, o legislador presume que as notificações são feitas no 3º. dia útil posterior ao do registo ou no 1º. dia útil seguinte a esse, quando esse (o 3º. dia) não seja útil. No entanto, para se poder extrair a presunção prevista no artº.39, nº.1, do C.P.P.T., é necessário que a notificação tenha sido efectuada nos termos legais, designadamente que a carta registada seja enviada para o domicílio da pessoa a notificar. Mais se devendo referir que o ónus de demonstrar a correcta efectivação da notificação, cabe à Fazenda Pública.

6. A presunção sob exame apenas vale nos casos em que a carta não seja devolvida, como se pressupõe no nº.2 do artº.39, do C.P.P.T., em que apenas se admite a possibilidade de ilidir a presunção demonstrando que a notificação ocorreu em data posterior à presumida e já não quando a notificação não tiver ocorrido, nomeadamente porque a carta foi devolvida. O único meio de prova admissível para comprovação da não efectivação da notificação na data presumida nos termos do nº.1 é a informação dos correios, normalmente a pedido do notificando e no sentido de se apurar que a carta não foi entregue ou se extraviou. Por outras palavras, o efeito que a lei quer atribuir ao registo consiste numa presunção “juris tantum” da demora que levará a fazer a comunicação postal. Neste caso, o registo da carta liberta a Administração Tributária do ónus de provar que a mesma ficou em condições de ser recebida pelo destinatário em três dias, sendo sobre este que incide o ónus de provar que, na situação concreta, a recebeu posteriormente ou que nunca a recebeu.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do TAF de Leiria, exarada a fls.44 a 49 do presente processo, através da qual julgou totalmente procedente a oposição intentada pela executada, sociedade “O….. - Pré-.............., S.A.”, visando a execução fiscal nº…………… a qual corre termos no 1º. Serviço de Finanças de Leiria, propondo-se a cobrança de dívida de I.V.A. e juros compensatórios, relativa aos períodos mensais de Maio e Junho de 2006 e de Janeiro de 2007 e no montante total de € 24.655,66.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.65 a 69 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A oposição foi interposta contra a execução fiscal nº…………………, instaurada para a cobrança de I.V.A. e juros compensatórios, referente aos anos de 2006 e 2007, vindo fundada na inexigibilidade da dívida exequenda, por via da falta de notificação da oponente para o respectivo pagamento voluntário;
2-Considerou a sentença sob recurso que a prova apresentada pela A.T. era insuficiente, com vista à demonstração da notificação das liquidações em causa, dado que os autos somente integravam prints informáticos de ordem interna, os quais não provavam a remessa das cartas à oponente, de molde a fazer funcionar a presunção do seu recebimento contida no nº.1, do artº.39, do C.P.P.T., julgando, consequentemente, a oposição procedente e declarando a extinção da execução fiscal contra a oponente;
3-O recorte discordante do presente recurso centra-se na deficiente consideração e valorização da prova produzida pela A.T., com o consequente erro na fixação do probatório e no sentido da decisão final, bem como na violação do princípio do inquisitório;
4-Pois que a A.T. logrou carrear para os autos acervo documental bastante para evidenciar o envio sob registo simples e colectivo (privativo) das notificações para pagamento voluntário em causa;
5-Demonstrada tal remessa, sempre beneficiava a A.T. da presunção de que as notificações haviam sido recebidas - artº.39, nº.1, do C.P.P.T.;
6-Tanto que os documentos fornecidos pelos CTT (prints extraídos do site público, comunicação escrita datada de 2011/11/03 e lista de distribuição datada de 2011/06/07) atestam que as notificações foram efectivamente entregues na caixa do correio da sociedade oponente em 2011/02/04, não vindo invocada, em sede de oposição, qualquer causa de justo impedimento ao seu recebimento;
7-Acresce que a todo este conjunto documental tem de ser reconhecido o valor da informação prestada pelos CTT a que alude o artº.39, nº.2, do C.P.P.T.;
8-Assim, fosse pela aplicação do nº.1, ou do nº.2, do artº.39, do C.P.P.T., sempre a notificação teria de ser considerada como válida e nunca a sentença sob recurso poderia considerar como não demonstrada a remessa e a efectivação da notificação das liquidações em causa à sociedade oponente;
9-Igualmente, o Tribunal “a quo” não promoveu a ampliação do acervo documental, mediante a junção aos autos de novos documentos, comprometendo, no final, a sua verdade material e violando o princípio da investigação ou do inquisitório, o qual consubstancia um poder-dever sobre o Juiz “a quo” no sentido da realização e promoção de diligências ou actos úteis ao apuramento da verdade dos autos;
10-Assim, a douta sentença sob recurso avaliou deficientemente a prova documental produzida pela A.T., fazendo errónea aplicação e interpretação dos normativos legais que regulam a situação vertente, designadamente, dos artºs.38, nº.3, 39, nºs.1 e 2, ambos do C.P.P.T., e, ainda, violando o princípio do inquisitório - artº.99, nº.1, da L.G.T., e artº.13, nº.1, do C.P.P.T., pelo que não deve manter-se;
11-Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente, com o que se fará como sempre JUSTIÇA.
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Contra-alegou o recorrido (cfr.fls.71 a 77 dos autos), o qual pugna pela confirmação do julgado, sustentando nas Conclusões o seguinte:
1-A recorrida/oponente na p.i. de oposição, alegou não ter recebido as cartas que continham as liquidações de I.V.A., com vista a efectuar o seu pagamento, dentro do prazo conferido para o efeito;
2-Ao ter alegado não ter recebido as notificações, o ónus da pro­va da remessa e recepção das mesmas transferiu-se para a A.T.;
3-Prova que não pode ser efectuada através da junção aos autos de “print” internos quer estes sejam da A.T., quer sejam dos correios, uma vez que estes são documentos informativos internos, não oponíveis à recorrida/oponente;
4-A notificação aos administrados de actos que possam lesar os seus direitos, bem como o seu património têm que ser efectivamente notificados e a prova da sua notificação efectivamente demonstrada, não se considerando esta prova efectivamente consumada apenas com a indicação de “print” extraídos de sistemas informáticos para utilização interna;
5-Acresce referir que no caso concreto, o Tribunal oficiou aos CTT solicitando informação relativa aos números de registos indicados pela A.T., contudo a informação prestada por aquela entidade, nada mais acrescen­tou ou esclareceu à informação carreada para os autos pela A.T.;
6-Logo o entendimento adoptado pela ERFP quando refere que “o Tribunal a quo não promoveu a ampliação do acervo documental, mediante a junção aos autos de novos documentos” carece de fundamento, dado que esta informação foi solicitada pelo Tribunal, contudo a resposta obtida não permitiu concluir que as cartas tivessem sido efectivamente recebidas pela oponente;
7-Nem a informação colhida no site dos CTT nos permite concluir de forma precisa e inequívoca que a alegada carta registada, enviada pela A.T. obedeceu ao regulamento dos correios, isto é, que a cada carta registada cor­responde um registo e que este foi assinado pelo seu destinatário, esta infor­mação não é possível obter através da consulta ao site dos correios;
8-Pois a informação que daquele site se extrai é uma informação não certificada e não pode ser relevada para efeitos de prova da recepção das notificações;
9-Pelo que a junção dos “print” efectuada pela A.T. não logrou provar o recebimento das notificações que aquela alega terem sido enviadas;
10-Pelo que se conclui que a douta sentença proferida pela Meritíssima Juiz “a quo” é irrepreensível por fazer uma correcta interpretação e aplicação na lei mormente no que se refere às regras de notificação das liquidações de impostos;
11-Termos em que deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recor­rida e o consequente arquivamento do processo executivo.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.92 dos autos), no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso.
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.98 e 99 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.45 e 46 dos presentes autos):
1-A oponente foi submetida a uma acção inspectiva que culminou com correcções em sede de I.V.A.;
2-Correcções que implicaram liquidações adicionais de I.V.A., dos períodos 5/2006, 6/2006 e 1/2007, no montante global de € 24.655,66;
3-Liquidações adicionais efectuadas em 16/11/2010 (cfr.fls.2 e seg. do processo instrutor apenso);
4-A oponente foi citada no âmbito do processo de execução fiscal nº…………………, pela falta daqueles pagamentos, em 9/5/2011 (cfr.documentos juntos a fls.15 e verso dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…
1-A liquidação nº…… foi remetida à oponente sob o registo postal nº. 938628965, em 03/2/2011;
2-A liquidação nº………… foi remetida à oponente sob o registo postal nº. 938655166, em 03/2/2011;
3-A liquidação nº………….. foi remetida à oponente sob o registo postal nº. 938629149, em 03/2/2011;
4-A liquidação nº………… foi remetida à oponente sob o registo postal nº. 938655325, em 03/2/2011;
5-A liquidação nº………… foi remetida à oponente sob o registo postal nº. 938631638, em 03/2/2011;
6-A liquidação nº………… foi remetida à oponente sob o registo postal nº. 938657710, em 03/2/2011…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal baseou-se no correlacionamento e análise crítica de toda a prova produzida nestes autos, com especial destaque para os documentos juntos aos autos, não impugnados, nomeadamente, aqueles para os quais se remete no probatório bem como nos factos sobre os quais as partes estão de acordo.
Os factos não provados, ou seja a ausência de notificação das liquidações ao oponente funda-se na insuficiência da prova apresentada.
Com efeito, a AF pretende demonstrar que a oponente foi notificada das liquidações através dos prints do PEF a fls. 23 e ss.
Acontece que estes prints são de ordem interna, dos próprios serviços da AT, não provando a remessa dessas cartas à oponente e para o seu domicílio fiscal, para que pudesse funcionar a presunção de recebimento contida no n.° 1, do art. 39.°, do CPPT.
A restante matéria alegada pelas partes não foi julgada provada ou não provada por constituir conceito de direito, matéria conclusiva ou não se revelar sem interesse para a decisão da causa…”.
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Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nºs.1, al.a), do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
5-No ano de 2011, a sociedade executada/opoente, “O………… - Pré-………, S.A.”, com o n.i.p.c. …………, tinha o seu domicílio fiscal sito na Rua de ………, nº.7, Cardosos, A……. ………-020 A…, …….. (cfr.documento junto a fls.23 do processo administrativo apenso);
6-A liquidação nº…………, relativa a I.V.A. do mês 5/2006, foi comunicada à executada/oponente sob o registo postal nº.RY938628965PT, depositado no receptáculo postal do destinatário em 4/2/2011, pelas 13h.10m. (cfr.documentos juntos a fls.24, 25 e 37 a 39 do processo administrativo apenso);
7-A liquidação nº……………, relativa a juros compensatórios do mês 5/2006, foi comunicada à executada/oponente sob o registo postal nº.RY938655166PT, depositado no receptáculo postal do destinatário em 4/2/2011, pelas 13h.10m. (cfr.documentos juntos a fls.26, 27 e 37 a 39 do processo administrativo apenso);
8-A liquidação nº………….., relativa a I.V.A. do mês 6/2006, foi comunicada à executada/oponente sob o registo postal nº.RY938629149PT, depositado no receptáculo postal do destinatário em 4/2/2011, pelas 13h.10m. (cfr.documentos juntos a fls.28, 29 e 37 a 39 do processo administrativo apenso);
9-A liquidação nº…………, relativa a juros compensatórios do mês 6/2006, foi comunicada à executada/oponente sob o registo postal nº.RY938655325PT, depositado no receptáculo postal do destinatário em 4/2/2011, pelas 13h.10m. (cfr.documentos juntos a fls.30, 31 e 37 a 39 do processo administrativo apenso);
10-A liquidação nº…………., relativa a I.V.A. do mês 1/2007, foi comunicada à executada/oponente sob o registo postal nº.RY938631638PT, depositado no receptáculo postal do destinatário em 4/2/2011, pelas 13h.10m. (cfr.documentos juntos a fls.32, 33 e 37 a 39 do processo administrativo apenso);
11-A liquidação nº.11009720, relativa a juros compensatórios do mês 1/2007, foi comunicada à executada/oponente sob o registo postal nº.RY938657710PT, depositado no receptáculo postal do destinatário em 4/2/2011, pelas 13h.10m. (cfr.documentos juntos a fls.34, 35 e 37 a 39 do processo administrativo apenso);
12-As cartas registadas identificadas nos nºs.6 a 11 supra foram enviadas para o domicílio fiscal da sociedade executada/opoente (cfr.documento junto a fls.23 do processo administrativo apenso).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada uma dos números do probatório, nomeadamente de cópias de informações/documentos dos C.T.T. juntos a fls.25, 27, 29, 31, 33, 35 e 37 a 39 do processo administrativo apenso.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a oposição que originou o presente processo, mais decretando a extinção da execução fiscal instaurada contra a sociedade opoente, tudo em virtude do sujeito passivo não ter sido legalmente notificado da liquidação antes da instauração do processo executivo.
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Em primeiro lugar, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Alega o recorrente, antes de mais e como supra se alude, que o Tribunal “a quo” não promoveu a ampliação do acervo documental, mediante a junção aos autos de novos documentos, comprometendo, no final, a sua verdade material e violando o princípio da investigação ou do inquisitório, o qual consubstancia um poder-dever sobre o Juiz “a quo” no sentido da realização e promoção de diligências ou actos úteis ao apuramento da verdade dos autos (cfr.conclusão 9 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, segundo cremos, assacar à decisão recorrida o vício de erro de julgamento de direito.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal pecha.
O princípio da investigação traduz o poder/dever que o Tribunal tem de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições das partes, os factos sujeitos a julgamento, criando assim as bases para decidir. Este princípio, vigente no processo judicial tributário (cfr.artº.99, nº.1, da L.G.Tributária; artº.13, nº.1, do C.P.P. Tributário), não deve ser confundido com o princípio do inquisitório, dado ser uma directiva que se revela apenas na fase da prossecução processual, ou seja, possui um âmbito de aplicação mais reduzido do que o princípio do inquisitório (cfr.André Festas da Silva, Princípios Estruturantes do Contencioso Tributário, Dislivro, 2008, pág.103 e seg.).
Este, o princípio do inquisitório, está consagrado no âmbito do procedimento gracioso tributário, no artº.58, da L. G. Tributária, de acordo com o qual deve a A. Tributária proceder às diligências que considere convenientes para a descoberta da verdade material. Porém, tal dever de diligência, não pode estar desligado do pedido formulado pelo contribuinte, atento o princípio da decisão que impende sobre a mesma A. Fiscal (cfr.artº.56, nº.1, da L.G.Tributária; Pedro Vidal Matos, O Princípio Inquisitório no Procedimento Tributário, Coimbra Editora, 2010, pág.45 e seg.)
No caso “sub judice”, atenta a tramitação processual dos presentes autos, deve concluir-se que o Tribunal “a quo” efectuou diligências probatórias junto dos CTT, solicitando informação relativa aos registos identificados na matéria de facto provada (cfr.fls.34 a 42 dos presentes autos), assim não tendo violado o citado princípio da investigação vigente no processo judicial tributário.
Em suma, não se vê que o Tribunal “a quo” tenha violado o dito princípio da investigação, pelo que improcede o presente esteio do recurso.
Mais aduz o recorrente que considerou a sentença sob recurso que a prova apresentada pela A.T. era insuficiente, com vista à demonstração da notificação das liquidações em causa, dado que os autos somente integravam prints informáticos de ordem interna, os quais não provavam a remessa das cartas à oponente, de molde a fazer funcionar a presunção do seu recebimento contida no nº.1, do artº.39, do C.P.P.T., julgando, consequentemente, a oposição procedente e declarando a extinção da execução fiscal contra a oponente. Que a A.T. logrou carrear para os autos acervo documental bastante para evidenciar o envio sob registo simples e colectivo (privativo) das notificações para pagamento voluntário em causa. Demonstrada tal remessa, sempre beneficiava a A.T. da presunção de que as notificações haviam sido recebidas - artº.39, nº.1, do C.P.P.T. Tanto que os documentos fornecidos pelos CTT (prints extraídos do site público, comunicação escrita datada de 2011/11/03 e lista de distribuição datada de 2011/06/07) atestam que as notificações foram efectivamente entregues na caixa do correio da sociedade oponente em 2011/02/04, não vindo invocada, em sede de oposição, qualquer causa de justo impedimento ao seu recebimento. Assim, a douta sentença sob recurso avaliou deficientemente a prova documental produzida pela A.T., fazendo errónea aplicação e interpretação dos normativos legais que regulam a situação vertente, designadamente, dos artºs.38, nº.3, 39, nºs.1 e 2, ambos do C.P.P.T. (cfr.conclusões 2 a 8 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, segundo cremos, assacar à decisão recorrida o vício de erro de julgamento de direito.
Examinemos se a sentença recorrida comporta tal vício.
A Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela Lei Constitucional nº.1/82, de 30/9, prevê no seu artº.268, nº.3, que os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados na forma prevista na lei (lei ordinária), assim impondo à Administração um dever de dar conhecimento aos interessados, mediante uma comunicação oficial e formal, do teor dos actos praticados, comunicação essa que deve incluir também a própria fundamentação do acto que do mesmo faz parte integrante (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª. edição revista, Coimbra, 1993, pág.935).
A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação (cfr.Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.239 a 242; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.94 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.309 a 311).
É sabido que os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados (cfr.artº.36, nº.1, do C.P.P.T.).
No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A.; ac.T.C.A.Sul, 25/10/2011, proc.4870/11; ac.T.C.A.Sul, 2/10/2012, proc.5673/12).
Por outro lado, refira-se que o domicílio fiscal dos sujeitos passivos pessoas colectivas é o local da sede ou direcção efectiva destes (cfr.artº.19, nº.1, al.b), da L.G.Tributária). O domicílio fiscal é, assim, um domicílio especial, pelo qual se expõe a um lugar determinado o exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres previstos nas normas tributárias (cfr.António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, 2000, Rei dos Livros, pág.119; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág.124).
De acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, há muito se fixou o entendimento de que a falta de notificação da liquidação, enquanto elemento integrante da eficácia externa da mesma, é fundamento de oposição a enquadrar no artº.286, nº.1, al.h), do C. P. Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário), dado não colidir com a apreciação da legalidade da própria liquidação, não representar interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título, poder ser provado por documento e constituir facto modificativo posterior à liquidação e anterior à emissão da certidão executiva. Face a esta interpretação jurisprudencial do quadro normativo existente, à qual se adere, fica aberta, na fase executiva, pelos meios legais de oposição, a discussão da falta ou de eventuais vícios da notificação, designadamente por inexigibilidade da dívida, ao abrigo do disposto no mencionado artº.286, nº.1, al.h), do C. P. Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário).
Em resumo, o regime processual da defesa do contribuinte, nestas situações será o seguinte:
1-Se é instaurada uma execução fiscal e não foi efectuada notificação válida do acto de liquidação, o sujeito passivo pode sempre opor-se à execução ao abrigo da alínea i), do nº.1, do artº.204, do C.P.P.T., invocando a ineficácia do acto, que impede que a dívida seja exigível, sendo indiferente, para este efeito, que o acto de liquidação enferme de qualquer vício, inclusivamente o de extemporaneidade da liquidação;
2-Já se foi instaurada uma execução e efectuada notificação válida do acto de liquidação, mas a notificação foi realizada fora do prazo de caducidade previsto no artº. 45, nº.1, da L.G.T. (ou outro prazo especial que for aplicável), o contribuinte pode opor-se à execução ao abrigo da alínea e), do nº.1, deste artº.204, do C.P.P.T. (trata-se de situação que, no seu teor literal, poderia caber na mencionada alínea i), pois não se engloba nela a apreciação da legalidade da própria liquidação nem é matéria da exclusiva competência da entidade que emite o título, mas que era dela afastada à face do entendimento jurisprudencial referido formado na vigência do C.P.T., reconduzindo-se a utilidade da alínea e) ao afastamento da aplicabilidade deste entendimento; a possibilidade de oposição ao abrigo da alínea e) existirá independentemente de a própria liquidação ser extemporânea, isto é, de ela própria ser ilegal, pois não está em causa no processo de oposição à execução fiscal a apreciação da legalidade da liquidação, mas a sua oponibilidade ao seu destinatário);
3-Por último, se foi efectuada uma liquidação fora do prazo de caducidade e, necessariamente, também a respectiva notificação foi efectuada fora do prazo, mas não foi ainda instaurada execução, o contribuinte pode impugnar judicialmente a liquidação, invocando a ilegalidade da sua extemporaneidade, porém, se o não fizer e não pagar a quantia liquidada, não ficará impedido de se opor à execução, ao abrigo da alínea e) referida, visto que, além da ilegalidade da liquidação, ocorrer também a sua inexigibilidade por falta de tempestiva notificação (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/9/2011, rec.473/11; ac.T.C.A.Sul, 25/10/2011, proc.2727/08; ac.T.C.A.Sul, 2/10/2012, proc. 5673/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.360).
“In casu”, conforme se entendeu na sentença recorrida, as liquidações que consubstanciam a dívida exequenda deviam ser notificadas através de carta registada nos termos do artº.38, nº.3, do C.P.P.Tributário, dado que nos encontramos perante actos tributários derivados de correcção à matéria tributável (cfr.nºs.1 e 2 do probatório). De resto, sendo as notificações em causa nos presentes autos respeitantes a liquidações adicionais de I.V.A, apuradas na sequência de inspecção tributária, à mesma conclusão se chega do exame do artº.92, do C.I.V.A. (na redacção resultante da Lei 3-B/2010, de 28/04).
Ora, tendo sido esse o modo como a A. Fiscal operou as notificações das liquidações à sociedade executada/opoente (cfr.nºs.6 a 11 da matéria de facto provada), o que está em causa nos presentes autos reside em saber se operou, ou não, a presunção de notificação da liquidação prevista no artº.39, nº.1, do C.P.P.Tributário. A presunção de notificação prevista neste normativo, está conexionada com a forma de notificação consagrada no citado artº.38, nº.3, do mesmo diploma (notificação efectuada através de carta registada). Nestes casos, o legislador presume que as notificações são feitas no 3º. dia útil posterior ao do registo ou no 1º. dia útil seguinte a esse, quando esse (o 3º. dia) não seja útil. Deste modo, o registo da carta faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo. Trata-se pois de uma presunção legal destinada a facilitar à Administração Tributária a prova de que a notificação foi introduzida na esfera de cognoscibilidade do notificando.
No entanto, para se poder extrair a presunção prevista no artº.39, nº.1, do C.P.P.T., é necessário que a notificação tenha sido efectuada nos termos legais, designadamente que a carta registada seja enviada para o domicílio da pessoa a notificar. Mais se devendo referir que o ónus de demonstrar a correcta efectivação da notificação, cabe à Fazenda Pública (cfr.ac.T.C.A.Sul, 17/5/2011, proc.4631/11; ac.T.C.A.Sul, 2/10/2012, proc.5673/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.382; João António Valente Torrão, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Almedina, 2005, pág.202 e seg.).
A presunção sob exame apenas vale nos casos em que a carta não seja devolvida, como se pressupõe no nº.2 do mesmo preceito, em que apenas se admite a possibilidade de ilidir a presunção demonstrando que a notificação ocorreu em data posterior à presumida e já não quando a notificação não tiver ocorrido, nomeadamente porque a carta foi devolvida. O único meio de prova admissível para comprovação da não efectivação da notificação na data presumida nos termos do nº.1 é a informação dos correios, normalmente a pedido do notificando e no sentido de se apurar que a carta não foi entregue ou se extraviou (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 20/10/2010, rec.526/10; ac.T.C.A.Sul, 2/10/2012, proc.5673/12; Jorge Lopes de Sousa, ob.cit., pág.383; João António Valente Torrão, ob.cit., pág.202 e 203).
Como se retira do artº.39, nºs.1 e 2, do C.P.P.Tributário, o efeito que a lei quer atribuir ao registo consiste numa presunção “juris tantum” da demora que levará a fazer a comunicação postal. Neste caso, o registo da carta liberta a Administração Tributária do ónus de provar que a mesma ficou em condições de ser recebida pelo destinatário em três dias, sendo sobre este que incide o ónus de provar que, na situação concreta, a recebeu posteriormente ou que nunca a recebeu (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/3/2011, rec.967/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/5/2012, rec.1181/11).
Voltando ao caso “sub judice”, conforme resulta da matéria de facto provada (cfr.nºs.5 a 12 da matéria de facto provada), deve constatar-se que a A. Fiscal procedeu à correcta notificação da sociedade opoente, e para o seu domicílio fiscal, das liquidações que consubstanciam a dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal nº.1384-2011/101797.7, mais se devendo concluir que as cartas de notificação não foram devolvidas ao remetente. Assim sendo, deve ter-se por operante a presunção de notificação consagrada no examinado artº.39, nº.1, do C.P.P.Tributário, no caso em apreciação nos presentes autos, tanto mais que a sociedade opoente apenas se limitou a defender na p.i. que não recebeu as cartas que continham as liquidações de I.V.A., com vista a efectuar o seu pagamento, dentro do prazo conferido para o efeito.
Por tudo o que deixámos dito, o recurso merece provimento, não podendo manter-se a decisão de procedência da oposição e consequente extinção da execução fiscal contra o opoente instaurada, a qual será revogada e substituída por outra que julgue a oposição improcedente, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a oposição que originou o presente processo.
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Condena-se a executada/opoente em custas, em ambas as instâncias.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 6 de Novembro de 2012

(Joaquim Condesso - Relator)

(Lucas Martins - 1º. Adjunto)

(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)