Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:166/09.4BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:09/20/2018
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores: ANULAÇÃO DO JULGAMENTO DE FACTO POR FALTA DE MOTIVAÇÃO BAIXA DOS AUTOS
Sumário:I. Impõe-se um ónus especial de alegação ao recorrente que pretenda impugnar a matéria de facto, quanto à identificação dos concretos pontos da matéria de facto impugnada, que pretendem que seja eliminada, aditada ou alterada e de indicação da indicação precisa dos meios de prova com base nos quais tais factos se devem considerar provados, nos termos dos artigos 640.º do CPC e 140.º n.º 3 do CPTA.
II. Ao Tribunal de recurso assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo Tribunal a quo, desde que ocorram os pressupostos previstos nos artigos 662.º do CPC e 149.º do CPTA, incumbindo-lhe reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
III. Nos termos dos artigos 607.º n.º 4 do CPC e 94.º n.º 3 do CPTA impõe-se que no julgamento de facto da sentença, se discrimine os factos provados e os factos não provados, e que esse julgamento seja motivado ou fundamentado, mediante indicação dos concretos meios de prova em que se baseia.
IV. Nos sistemas da livre apreciação da prova, detendo o julgador a liberdade de formar a sua convicção, não é de associar o arbítrio no julgamento da matéria de facto, pois o Tribunal não está isento de indicar os fundamentos onde aquela assentou, de modo a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, possa ser controlada a razoabilidade do processo de formação da convicção sobre a prova e não prova dos factos, deste modo se sindicando o processo racional da decisão.
V. A nossa lei processual prevê um processo racional e objetivado, que faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto, da factualidade provada e da não provada, mediante uma análise critica e comparativa das provas e a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção, segundo o disposto no n.º 4 do artigo 607.º do CPC.
VI. Perante a total omissão da fundamentação do julgamento de facto, não existindo qualquer referência aos meios de prova em que assenta, por não existir a referência a um único documento, junto aos autos ou constante do processo administrativo, assim como a omissão quanto aos factos não provados, incorre a sentença na violação do n.º 4 do artigo 607.º do CPC e do n.º 3 do artigo 94.º do CPTA.
Votação:VOTO VENCIDO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

J….., A…., M….. e F…, devidamente identificados nos autos, inconformados, vieram interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, datada de 16/03/2017, que no âmbito da acção administrativa instaurada contra o Ministério da Educação, anulou o ato impugnado, o despacho do Diretor Regional da Educação do Alentejo, pelo qual foi aprovada a lista nominativa do pessoal da Direção Regional de Educação do Alentejo colocado em situação de mobilidade especial e negou provimento ao pedido de condenação à prática de ato devido, no sentido de serem reintegrados no serviço, na parte em foi negada procedência ao pedido de condenação.

O Ministério da Educação veio igualmente interpor recurso jurisdicional, na parte em que a sentença recorrida anulou o ato impugnado.


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Formulam os aqui Recorrentes J...., A…., M…., F…., nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:

1. “Constitui objecto da presente acção administrativa especial a apreciação da validade do acto administrativo consubstanciado no despacho do Director Regional de Educação do Alentejo, datado de 31/12/2008, pelo qual foi aprovada a lista nominativa do pessoal da Direcção Regional colocado em situação de mobilidade especial;
2. Vem o presente recurso interposto da douta sentença, que anulou o ato administrativo acima referido, apenas na parte em que negou provimento ao pedido de reintegração dos Autores nos respetivos serviços, por, alegadamente, se tratar de pedido de condenação à prática do ato administrativo legalmente devido;
3. Os Autores, ora Recorrentes, propuseram a presente ação administrativa na qual
4. formularam os pedidos que seguem: 1) fosse anulado o despacho objeto da presente ação que aprovou e mandou publicar as listas nominativas em que os Autores foram colocados em situação de mobilidade especial; b) fosse o Demandado condenado à recolocação dos associados dos Autores nos respetivos postos de trabalho com todos os direitos a eles inerentes e com efeitos reportados à data da sua colocação na SME.
5. A Meritíssima Juíza a quo veio, na douta sentença proferida nos autos, por um lado, julgar procedente a pretensão dos autores, anulando o ato administrativo consubstanciado no despacho do Diretor Regional de Educação do Alentejo pelo qual se aprovou a lista nominativa do pessoal da Direção Regional de Educação do Alentejo colocado em situação de mobilidade especial, mas, veio, por outro lado, negar provimento ao que designou como "pedido de condenação à prática do ato administrativo legalmente devido formulado pelos Autores, no sentido destes serem reintegrados ao serviço".

6. Ora, desde logo, com o devido respeito, os Recorrentes não formularam na PI pedido de condenação do R. à prática de ato administrativo legalmente devido nos termos da ação prevista nos artigos 66º e seguintes do CPTA.
7. Considerou a Meritíssima Juíza a quo, na douta sentença sub judice , que "nos presentes autos, o acto impugnado padece de um vício de falta de fundamentação . No entanto, não padece de mais vícios dos quais se possa retirar que os Autores têm direito a ser reintegrado ao serviço. É que para os Autores verem o seu pedido de reintegração atendido, teria que tal pretensão ser sustentada em vício de natureza substancial que, a verificar-se, conduziria inevitavelmente a tal resultado. Por isso, terá que improceder o pedido de condenação feito pela Autores no sentido do Réu ser condenado a reintegrá-los ao serviço".
8. Apesar de ter determinado a anulação do ato impugnado, a Meritíssima Juíza não retirou dessa anulação o efeito de que deveriam assim os recorrentes ser recolocados nos seus postos de trabalho, isto é, na situação em que se encontrariam se não fosse o ato anulado.

9. Tal conduz inevitavelmente à nulidade da douta sentença nos termos do disposto na al. c) do artigo 615° do CPC, aplicável por via do artigo 140° do CPTA, porque os fundamentos respetivos se encontram em oposição com a decisão.
10. Com efeito, a sentença anulatória de um ato administrativo tem um efeito constitutivo , que, em regra, consiste na invalidação do ato impugnado, fazendo-o desaparecer do mundo jurídico desde o seu nascimento.

11.A sentença anulatória tem, também, um outro efeito, próprio de toda e qualquer sentença de um tribunal e que advém da força do caso julgado e que é o denominado efeito conformativo (ou preclusivo, ou inibitório), que exclui a possibilidade de a Administração reproduzir o ato com os mesmos vícios individualizados e condenados pelo juiz administrativo .

12. A sentença condenatória tem ainda um outro efeito, que é o da reconstituição da situação hipotética atual (também chamado efeito repristinatório, efeito reconstitutivo ou reconstrutivo da sentença).
13. De acordo com este princípio, a Administração tem o dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o ato ilegal ou se o ato tivesse sido praticado sem a ilegalidade.

14. É o que se designa por efeitos ultraconstitutivos da sentença de anulação, que se manifestam hoje no processo de execução de julgados, pelo qual os interessados podem obter a especificação do conteúdo dos atos e operações a adotar pela Administração, o prazo para a sua prática e a nulidade dos atos desconformes com a sentença anulatória que mantenham sem fundamento válido a situação ilegal (artº179º nº1 e nº 2 do CPTA): o administrado tem direito à declaração de nulidade dos atos desconformes com a sentença e a anulação dos que mantenham, sem fundamento válido, a situação ilegal.

15. Era este o efeito que pretendiam os autores, ora recorrentes, quando pediram ao Tribunal que condenasse o R., ora recorrido, a recoloca-los nos respetivos postos de trabalho, uma vez anulado o ato impugnado.
16. Ora, ao decidir que a anulação alcançada na douta sentença recorrida do ato impugnado por via da presente ação não conduz à reconstituição da situação que existiria se não tivesse ocorrido o ato ilegal, ou seja, à recolocação dos recorrentes nos seus postos de trabalho a douta sentença recorrida a decisão sub judice viola ainda o disposto na al. i) do nº 2 do artigo 133°, aplicável ao tempo da prática do ato impugnado e da propositura da presente ação, que determinava que são nulos os atos consequentes de atos administrativos anteriormente anulados ou revogados, desde que não haja contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do ato consequente.
17. Ao decidir como decidiu, a Meritíssima Juíza a quo anulou o ato impugnado que determinou a colocação dos autores ora recorrentes em situação de mobilidade especial, ato que os retirou dos seus postos de trabalho que até à sua prática ocupavam, mas não anula o ato consequente do inquinado que foi exatamente o afastamento dos trabalhadores dos postos de trabalho a que tinham direito, por efeito da lei aplicável.
18. A Meritíssima Juíza, ao considerar que os recorrentes não devem ser recolocados nos seus postos de trabalho esvazia de qualquer sentido ou efeito a sentença sub judice, bem como a presente ação, já que não permite extrair todas as consequências derivadas da anulação do ato impugnado, deixando desprotegidos os recorrentes mesmo sendo-lhes favorável a decisão anulatória que pediram ao douto Tribunal.

19. No sentido aqui preconizado pelos Recorrentes, aliás, se pronunciou já vasta jurisprudência dos Tribunais Administrativos, nomeadamente, a título de exemplo: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - 2 Subsecção do CA - de 30/01/2007, Proc. 040201ª (supra citado em alegações) e no mesmo sentido, veja-se o Ac. do STA (1ª Subsecção do CA) de 21/02/2008, proc. 0805ª/03; Ac. do STA de 25/01/2007 - Rec. 39.893-A.

20. A douta sentença sub judice é assim nula nos termos do disposto na al. c) do artigo 615º do CPC, aplicável por via do artigo 1400 do CPTA, e viola os preceitos dos artº173º nº1, 179º nº1 e nº 2 do CPTA.

21. Porém, ainda que se entendesse, como afirma o acórdão do Pleno do STA de 02/07/2008, proc. n.°01328A/03, que a «eficácia do caso julgado anulatório encontra-se circunscrita aos vícios que ditaram a anulação contenciosa do acto, nada obstando, nos casos em que o acto é renovável, a que a Administração emita novo acto com idêntico conteúdo decisório, mas liberto dos referidos vícios (cf. art° 173°, nº 1 do CPA)», o certo é que, a prática no novo ato expurgado do vício de falta de fundamentação não poderia ter efeitos retroativos pois a tanto se opõe a circunstância de tal retroação ser manifestamente lesiva.

22. Na senda do que nos diz o acórdão do Pleno do STA antes referido e citado em alegações supra, porque a eventual prática de novo ato administrativo não poderia ter efeitos retroativos por manifestamente envolver " a imposição de deveres e a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos ", então, entre a data da produção de efeitos do ato anulado e a da produção de efeitos do eventual novo ato expurgado do vício que falta de fundamentação, a situação dos Autores teria de ser, necessariamente, reconstituída in natura.

23. Com efeito, a ato impugnado por via da presente ação foi um ato lesivo que, além da situação de inatividade e de falta de ocupação efetiva dos recorrentes, afastando-os dos respetivos postos de trabalho, determinou que sofressem efetivamente redução nas remunerações a que tinham direito nos termos do disposto nos artigos 24º/3 e 25°/3 da Lei nº 53/2006, nomeadamente, na fase de requalificação, durante 1O meses, a redução de um terço da remuneração base mensal correspondente às categorias, escalões, índices ou posição remuneratória a que tinham direito e, depois, na fase de compensação, a redução de metade da remuneração base mensal correspondente às categorias, escalões, índices ou posição remuneratória a que tinham direito.
24. A douta sentença sub judice viola os preceitos dos artº173º nº1 e 2 do CPTA.

25. Sem conceder nem transigir sobre o que antecede, mesmo que porventura se viesse a entender que a sentença recorrida não sofria da nulidade que atrás lhe vai assacada, ainda assim a mesma sofre de erro de julgamento e pelas mesmíssimas razões em que se sustenta a nulidade antes invocada, que aqui se dão por reproduzidos, e contende com os dispositivos legais supracitados, os quais violou, designadamente os seguintes artº 173º nº 1, 179º nº 1 e nº 2 do CPTA.

26. A douta sentença sub judice padece assim de erro de julgamento e viola assim, e igualmente, os preceitos dos artº173 º nº1 e 2 do CPTA, violando os preceitos dos artº 173º nº s1 e 2, 179º nº 1 e nº 2 do CPTA.”.
Terminam, pedindo que seja revogada a decisão recorrida na parte objecto de recurso em face da anulação do despacho do Diretor Regional de Educação do Alentejo, datado de 31/12/2008, pelo qual foi aprovada a lista nominativa do pessoal da Direção Regional colocado em situação de mobilidade especial, devendo ser reconstituída in natura a situação dos Recorrentes, nomeadamente reintegrando-os nos respetivos postos de trabalho.


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O ora Recorrido, Ministério da Educação, notificado da admissão do recurso, não apresentou contra-alegações.

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Formula o aqui Recorrente Ministério da Educação, nas respetivas alegações as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:
A) O presente recurso tem por objeto o segmento da decisão que julgou verificada a existência de vicio de forma por falta de fundamentação e determina a anulação do ato administrativo consubstanciado no despacho do Diretor Regional de Educação do Alentejo que aprovou a lista nominativa do pessoal da Direção Regional de Educação do Alentejo colocado em situação de mobilidade especial, versando nas seguintes questões que constituem os vícios da decisão posta em crise:
i. Erro de julgamento da matéria de facto, por violação do disposto no nº3 do artigo 94º do CPTA e o nº4 do artigo 607º do CPC, aplicável ex vis artigo 1º do CPTA;
ii. Vício de violação de lei substantiva, designadamente por erro de interpretação e de aplicação do artigo 14º, nºs1 a 6 e artigo 16º da Lei nº 53/2006, de 7 de dezembro, e dos artigos 124º e 125º do Código de Procedimento Administrativo, na redação em vigor à data a que os factos se reportam.
B) A douta sentença sob recurso padece de erro de julgamento da matéria de facto, já que errou nos factos considerados provados, por insuficientes, e no juízo sobre os mesmos, com base nos elementos tidos no processo, não considerando provados factos que deveriam ter sido devidamente apreciados e valorados. Encontrando-se junto aos autos elementos probatórios que impunham decisão diversa da recorrida.
C) A decisão proferida sobre a matéria de facto não analisou devidamente a prova nem especificou os fundamentos determinantes para a convicção do Tribunal, não tendo determinado, quanto a essa matéria, quais os factos que considerou provados, nem identificado os factos não provados, com a identificação dos documentos que estiveram na base da sua convicção, não tendo, pois, procedido à análise crítica das provas, conforme o exige o nº 3 do artigo 94º do CPTA e o nº 4 do artigo 607º do CPC, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA.
D) Considerando a situação em apreço, a matéria dada por provada pelo douto Tribunal mostra-se manifestamente insuficiente, incorrendo a douta sentença recorrida em erro de julgamento da matéria de facto ao considerar não provada ou ao considerar sem interesse para a decisão a factualidade alegada na contestação e documentação existente no processo administrativo que suporta a decisão impugnada nos autos.
E) A douta sentença apenas vem considerar com utilidade para a decisão a proferir os factos respeitantes ao procedimento, propriamente dito, de colocação dos aqui Recorridos em situação de mobilidade especial, olvidando a existência de todo um momento anterior, determinante para esse segundo momento.
F) A Lei nº 53/2006, de 7 de dezembro, que à data a que os factos se reportam, estabelecia o regime comum de mobilidade entre serviços dos funcionários e agentes da Administração visando o seu aproveitamento racional, e ao abrigo da qual foram desenvolvidos os procedimentos que culminaram com a prolação do ato em crise, contém dois momentos distintos do procedimento conducente à prática do ato de colocação dos trabalhadores em situação de mobilidade especial, sujeitos a requisitos próprios, constantes dos artigos 14º e 16º, na redação em vigor à data.
G) Decorre da previsão legal que o momento do artigo 14º é decisivo da existência do momento do artigo 16º. Ou seja, só há lugar à seleção do pessoal a colocar em situação de mobilidade especial (momento do artigo 16º) se, primeiramente (momento do artigo 14º), se tiver concluído que o número de postos de trabalho necessários é inferior ao número de efetivos existentes – cfr. nº4 do citado normativo. Significa isto que, aprovado o número de postos de trabalho e sendo ele inferior ao existente a passagem do correspondente número de trabalhadores (o número em excesso) à situação de mobilidade especial depende apenas da concretização do segundo momento do procedimento.
H) Sendo este primeiro momento decisivo, o mesmo foi totalmente arredado da factualidade provada na douta sentença, não tendo sido tomado em consideração, sem que para tanto tenha havido qualquer fundamentação para a sua desconsideração.
I) Considerando que o ato em crise foi praticado no âmbito do processo de reestruturação da Administração Pública (PRACE), levado a efeito no Ministério da Educação, com particular relevância para a decisão deveria o douto Tribunal ter conhecido e dado por assente a seguinte factualidade, que se mostra prévia à factualidade dada por provada na douta sentença:
i. O Decreto Regulamentar n.º 31/2007, de 29 de março, em concretização do previsto no Decreto-Lei n.º 213/2006, de 27 de outubro, definiu a missão, atribuições e tipo de organização interna das direções regionais de educação e a Portaria n.º 365/2007, de 30 de março, determinou a estrutura nuclear da Direção Regional de Educação do Alentejo e as competências das respetivas unidades orgânicas, em observância do estabelecido na Portaria n.º 387/2007, de 30 de março, foram pelo Despacho n.º 17 430/2007, publicado no Diário da República n.º151, 2.ª série, de 07 de agosto, retificado pelo aviso de retificação nº 1 505/2007, publicado no Diário da República nº 176, 2ª série, de 12 de setembro, criadas as unidades orgânicas flexíveis e fixadas as respectivas competências: Divisão de Gestão Orçamental e Financeira e Divisão de Equipamentos Escolares, ambas integradas na Direcção de Serviços de Planeamento e Gestão da Rede.
ii. Por força da transferência de competências para as autarquias e para a Parque Escolar, EPE, determinadas pelo Decreto-Lei nº 144/2008, de 28 de julho, e pelo Decreto-Lei nº 41/2007, de 21 de fevereiro, foram introduzidas alterações na organização interna das direções regionais de educação;
iii. Pelo Despacho nº 10495/2008, de 29 de fevereiro de 2008, publicado em Diário da República n.º70, 2.ª série, de 9 de abril, foi extinta a Divisão de Equipamentos Escolares, na sequência das modificações realizadas na organização interna da Direção Regional de Educação do Alentejo;
iv. Em 22/02/2008 foram elaborados os mapas dos postos de trabalho da Direção Regional de Educação do Alentejo: Mapa I com a discriminação das atividades e procedimentos a assegurar na prossecução e realização de objetivos a atingir pela Direção Regional de Educação do Alentejo; Mapa II com a especificação dessas atividades, por unidades orgânicas, área funcional e número de postos de trabalho necessários a assegurar as atividades enunciadas; Mapa III com a comparação, por áreas funcionais e unidades orgânicas, do número de efetivos existentes no serviço reestruturado e o número de postos de trabalho necessários, constantes do processo administrativo junto aos autos;
v. Em 4/04/2008, a Unidade de Apoio ao processo de Reestruturação do Ministério da Educação elaborou informação acerca da análise orgânico funcional efetuada para identificar o número de postos de trabalho necessários ao desenvolvimento das atividades em cada um dos serviços, por carreira, área funcional, concluindo pela colocação em mobilidade especial de 8 Técnicos Profissionais da Direção Regional de Educação do Alentejo, nela salientando a extinção de postos de trabalho associados à vertente de construção e manutenção de instalações e equipamento, conforme melhor consta do processo administrativo;
vi. Em 05/05/2008, o Secretário de Estado da Educação exarou na informação despacho de aprovação e remessa ao Ministro de Estado e das Finanças, conforme consta do processo administrativo;
vii. Na informação nº 273/DRJE/08, de 19/06/2008, da Direção Geral da Administração e Emprego Público, referindo-se à reorganização dos 14 serviços do Ministério da Educação em processo de reorganização, explicita-se a redução de postos de trabalho mercê das sinergias decorrentes da fusão de serviços, do decréscimo de determinadas atividades, da autonomização de processos e da externalização de atividades, concluindo pelo cumprimento do disposto nos artigos 13º e 14º da Lei nº 53/2006, conforme melhor consta do processo administrativo;
viii. Em 16/07/2008, o Ministro de Estado e das Finanças exarou na informação supra identificada o despacho nº 476/08/MEF, que aprovou as listas e mapas, conforme consta do processo administrativo – Facto dado por provado pelo douto Tribunal em E);
ix. Em 14/08/2008, foi lavrada a Orientação Técnica nº 4/2008/GSG, constante do processo administrativo;
x. Em 8/9/2008, o Diretor Regional de Educação do Alentejo proferiu o despacho interno nº 15/2008, respeitante à passagem à situação de mobilidade especial dos efetivos da carreira técnica profissional – área funcional de engenharia e desenho técnico, por inexistirem postos de trabalho a preencher neste domínio, conforme documento constante do processo administrativo.
J) A factualidade dada por provada em F) e J) mostra-se conflituante, atendendo a que o douto Tribunal reconhece que os Autores tinham conhecimento do despacho de 16/07/2008 do Ministro de Estado e das Finanças que aprovou as listas e mapa nominativo de colocação de pessoal da Direção Regional de Educação do Alentejo em situação de mobilidade especial.
K) Verificando-se, erro de julgamento quanto à matéria de facto, por errada valoração dos elementos probatórios constantes dos autos, em consequência de ausência de análise crítica das provas que lhe cumpria conhecer, padecendo a douta sentença de erro de julgamento da matéria de facto, encontrando-se violado o disposto no nº3 do artigo 94º do CPTA e o nº4 do artigo 607º do CPC, aplicável ex vis artigo 1º do CPTA.
L) Julgando-se mal os factos, consequentemente, há erro na aplicação do direito.
M) Sustenta o douto Tribunal a anulação do despacho em crise por considerar verificada a existência de vício de falta de fundamentação, considerando a mesma insuficiente por não fazer, sic, “apelo a qualquer circunstância factual em que o mesmo se alicerçasse”.
N) Em concretização do direito consagrado no nº3 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa, determinam os artigos 124º, nº1, alínea a) e 125º, ambos do Código de Procedimento Administrativo, na redação em vigor à data a que os factos se reportam, o dever de fundamentação dos atos administrativos.
O) Em conformidade com jurisprudência uniforme do STA, um ato encontra-se devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão e das razões que a sustentam, permitindo-lhe optar conscientemente entre a aceitação ou o acionamento dos meios legais de impugnação.
P) O dever de fundamentação tem um conteúdo variável em função do tipo de ato e das circunstâncias do caso concreto, considerando-se suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do iter cognoscitivo e valorativo seguido para proferir a decisão – veja-se no sentido defendido, a titulo meramente exemplificativo, Acórdão do TCA Norte, de 17/06/2016, proferido no processo nº 00200/08.5BEBRG, acessível in www.dgsi.pt.
Q) Na situação concreta, o regime de mobilidade encontrava-se definido à data a que os factos se reportam, na Lei nº 53/2016, de 7 de dezembro, determinando o artigo 14º, nºs 1 a 6 os procedimentos a desenvolver nos casos de reestruturação de serviços sem transferência de atribuições ou competências.
R) Por força da publicação da Lei nº 213/2006, de 27 de outubro, que aprovou a Lei Orgânica do Ministério da Educação, a Direção Regional de Educação do Alentejo foi objeto de reestruturação que decorreu nos termos do citado normativo.
S) No âmbito do referido processo de reestruturação foram elaborados, em 22/02/2008, o Mapa I com a discriminação das atividades e procedimentos a assegurar na prossecução e realização de objetivos a atingir pela Direção Regional de Educação do Alentejo; o Mapa II com a especificação dessas atividades, por unidades orgânicas, área funcional e número de postos de trabalho necessários a assegurar as atividades enunciadas; o Mapa III com a comparação, por áreas funcionais e unidades orgânicas, do número de efetivos existentes no serviço reestruturado e o número de postos de trabalho necessários, a que se referem as alíneas a), b) e c) do nº2 do artigo 14º da Lei nº 53/2006.
T) As listas e os mapas foram aprovados por despacho de 16/07/2008 do Ministro de Estado e das Finanças, de cujo teor tiveram os aqui Recorridos, tal como assente pelo douto Tribunal a quo, tomado conhecimento.
U) Ressaltam dos referidos mapas e dos despachos proferidos a reestruturação do serviço, com indicação das novas atribuições e necessidades de pessoal (Mapas I e II), a conclusão pela existência de trabalhadores em número superior ao necessário para a prossecução das atividades previstas (Mapa III); a desnecessidade de haver seleção dos trabalhadores a colocar em SME face à inexistência de postos de trabalho a preencher (despacho interno nº 15/2008), que permitem concluir pela colocação dos Recorridos em situação de mobilidade especial,
V) Fica evidente, pelas sucessivas etapas percorridas até à aprovação das listas, as razões determinantes da ponderação da desnecessidade de postos de trabalho da carreira técnico profissional - área funcional de Engenharia e Desenho Técnico face ao decréscimo e externalização de atividades relativas à construção e manutenção de instalações e equipamentos.
W) Decorrendo da apreciação do iter procedimental o itinerário cognoscitivo e valorativo que levou à prolação do despacho em crise, o qual encontra-se devidamente fundamentado, resultando dos mapas comparativos entre o número de efetivos existentes no serviço e o nº de postos de trabalho necessários – Vide, no sentido defendido, Acórdão do TCA Sul, de 22/10/2009, proferido no processo nº 04447/08, acessível in www.dgsi.pt.
X) Todo o procedimento desenvolvido consubstancia a suficiente e adequada fundamentação de suporte ao ato, decorrendo todo o processo de acordo com os requisitos formais e legais e sido os Recorridos informados de todos os aspetos essenciais do processo.
Y) Ao considerar verificado o vício de falta de fundamentação, enferma a douta sentença recorrida, de erro de julgamento quanto à matéria de direito por incorreta aplicação e interpretação do artigo 14º, nº1 a 6 e artigo 16º da Lei nº 53/2006, de 7 de dezembro, e dos artigos 124º e 125º do Código de Procedimento Administrativo, na redação em vigor à data.”.
Pede que seja dada provimento ao recurso por erro de julgamento da matéria de facto e de direito e seja alterada a decisão recorrida, mantendo-se o ato impugnado.
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Os ora Recorridos, J...., A…., M…., F…, notificados da admissão do recurso, não apresentaram contra-alegações.

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Notificado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer que pugna pela procedência do recurso interposto pelos Autores e pela improcedência do recurso interposto pela Entidade Demandada, para cujo teor se remete.

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O Recorrente, Ministério da Educação veio pronunciar-se sobre o parecer do Ministério Público, reiterando os fundamentos do recurso.

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O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, sendo o objeto dos recursos delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

Foram interpostos dois recursos, que cumpre apreciar e decidir em separado e segundo a sua ordem lógica e precedência de conhecimento.

A. Recurso do Ministério da Educação

Segundo as conclusões do recurso, as questões suscitadas pelo Recorrente, resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

1. Erro de julgamento de facto, por insuficiência de factos provados, por não ter especificado os fundamentos da convicção do Tribunal e por não ter fixado os factos não provados, em violação do artigo 94.º, n.º 3 do CPTA e 607.º, n.º 4 do CPC;

2. Erro de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação dos artigos 14.º, n.ºs 1 a 6 e 16.º da Lei n.º 53/2006, de 07/12 e artigos 124.º e 125.º do CPA, no tocante à procedência do vício de falta de fundamentação.

B.Recurso dos Autores, ora Recorrentes

Segundo as conclusões do recurso, as questões suscitadas pelos Recorrentes, resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

1. Nulidade da sentença, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC, por contradição entre os fundamentos e a decisão;

2. Erro de julgamento de direito, por pretenderem os Autores o cumprimento do dever de reconstituição da situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado, enquanto efeito ultraconstitutivo da sentença, nos termos dos artigos 173.º n.º 1 e 179.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, incorrendo a sentença ainda em violação do artigo 133.º, n.º 1, alínea i) do CPA.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:
A) “O Autor J…. estava afeto em abril de 2009 ao Ministério da Educação com a categoria profissional de Técnico Profissional Principal;
B) O Autor A…. estava afeto em abril de 2009 ao Ministério da Educação com a categoria profissional de Técnico Profissional Especialista Principal;
C) A Autora M…. estava afeta em abril de 2009 ao Ministério da Educação com a categoria profissional de Técnico Profissional Especialista Principal;
D) O Autor F…. estava afeto em abril de 2009 ao Ministério da Educação com a categoria profissional de Técnico Profissional Especialista Principal;
E) Por despacho de 16/07/2008 do Ministro de Estado e das Finanças foram aprovadas as listas e mapa nominativo de colocação de pessoal da Direcção Regional de Educação do Alentejo em situação de mobilidade especial;
F) Os Autores tiveram conhecimento do teor deste despacho;
G) Sendo que o despacho referia ainda que não existiam postos de trabalho a preencher por efectivos da carreira Técnico Profissional, área funcional de Engenharia e Desenho Técnico;
H) Aos Autores foi concedido o direito a pronunciarem-se quanto ao teor do despacho;
I) Em 18/09/2008 foi publicitado na página interna da DREALE o teor dos despachos e lista de actividades e de postos de trabalho decorrente da reestruturação da Direcção Regional de Educação do Alentejo;
J) O despacho facultado para apreciação pelos Autores não continha os aspectos relevantes da decisão projectada designadamente as razões que determinaram o número fixado de postos de trabalho por carreira e área funcional tal como exigido por lei;
K) Os Autores solicitaram que os mesmos lhes fossem facultados;
L) O que nunca veio a ocorrer;
M) Os Autores exerceram, ainda assim, o direito de audiência prévia;
N) Não foram atendidas as razões de discordância dos Autores;
O) Em 31/12/2008 foi proferido despacho pelo Diretor Regional de Educação do Alentejo, publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 19, de 28/01/2009, que aprovou as listas nominativas dos funcionários daquela Direcção Regional colocados em situação de mobilidade especial – ACTO IMPUGNADO;
P) Foram, deste modo, os Autores colocados em situação de mobilidade especial com as inerentes consequências de perda da ocupação efetiva e de diminuição progressiva do vencimento anteriormente auferido;
Q) Em 28/04/2009 os Autores deram entrada à petição inicial que deu origem aos presentes autos.
A convicção do Tribunal assentou nos documentos juntos pelas partes aos autos e que não foram objecto de qualquer forma de impugnação.
Não ficaram demonstrados com interesse para a decisão a proferir, os demais factos alegados pelas partes nos respectivos articulados juntos ao processo.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos dos recursos jurisdicionais, segundo a sua ordem lógica ou de precedência de conhecimento.

A. Recurso interposto pelo Ministério da Educação

1. Erro de julgamento de facto, por insuficiência de factos provados, por não ter especificado os fundamentos da convicção do Tribunal e por não ter fixado os factos não provados, em violação do artigo 94.º, n.º 3 do CPTA e 607.º, n.º 4 do CPC

Sustenta o Recorrente que a sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto, errando quanto aos factos considerados provados, por insuficientes e no juízo sobre os mesmos, não considerando provados factos que deveriam ter sido apreciados e valorados.

Mais alega que a decisão proferida sobre a matéria de facto não analisou a prova apresentada pelo Recorrente, nem especificou os fundamentos determinantes para a convicção do Tribunal.

Acresce que não determinou os factos que considerou provados e não provados, com a identificação dos documentos que estiveram na base da sua convicção, não tendo procedido a uma análise crítica das provas, conforme o n.º 3 do artigo 94.º do CPTA e o n.º 4 do artigo 607.º do CPC.

Invoca a insuficiência da matéria de facto dada por provada, por a sentença ter apenas considerado relevantes os factos respeitantes ao procedimento de colocação dos Recorridos em situação de mobilidade especial, olvidando a existência de todo um momento anterior, determinante para esse segundo momento.

O julgamento de facto desconsiderou toda a factualidade alegada na contestação e constante do processo administrativo, relativa ao número de postos de trabalho necessários, inferior ao número de efectivos existente, pugnando que deva ser aditada a factualidade que enuncia, sob as alíneas a) a j) da alegação de recurso.

Vejamos.

No âmbito do alegado erro de julgamento de facto suscita o Recorrente questões relativas:

(i) à insuficiência da matéria de facto considerada provada;

(ii) a ausência de factos considerados não provados, e

(iii) a ausência de fundamentação do julgamento de facto, traduzida na ausência de análise crítica das provas.

Compulsando o julgamento de facto constante da sentença recorrida, nos termos que antecedem, é de imediato apreensível que dele não consta quer a referência aos factos julgados não provados ou sequer a referência de que eles não existem, assim como é totalmente inexistente a fundamentação do julgamento de facto, desconhecendo-se com base em que meio de prova foi dado certo facto como provado.

No que se refere à factualidade que o Recorrente pretende que o Tribunal de recurso adite, a mesma mostra-se descrita sob várias alíneas, que o Recorrente identifica, conforme consta do teor da alínea I) das conclusões do recurso, mas, porém, abstém-se o Recorrente de indicar com base em que meios de prova e a sua identificação, considera que tais factos resultam provados.

Sendo duvidoso que o alegado pelo Recorrente nas alíneas a) a c) da alínea I) das conclusões do recurso constituam verdadeiramente factos, por antes o invocado em tais citadas alíneas se traduzir em matéria de direito, já a demais matéria factual aduzida nas demais alíneas ou nada refere quanto ao meio de prova em que assenta, como no caso do facto constante da alínea d) ou limita-se a existir uma remissão para a prova constante do processo administrativo, sem mais, isto é, sem a identificação do documento em causa ou sequer das suas folhas, para que possa tal meio de prova ser identificado.

O que se traduz que a exigência que o Recorrente coloca à sentença recorrida e que esta não cumpriu, do mesmo modo não se mostra respeitada pelo ora Recorrente no que se refere à matéria de facto que pretende que seja aditada pelo Tribunal ad quem.

Perante isto, impõe-se dilucidar sobre os termos em que o Tribunal de recurso pode reapreciar o julgamento de facto realizado pelo Tribunal a quo, constante da decisão recorrida.

Por outras palavras, importa proceder ao enquadramento de direito dos termos em que o julgamento de facto pode ser impugnado em sede de recurso e das suas exigências, assim como em que condições está este Tribunal ad quem habilitado a reexaminar a matéria de julgado julgada em primeira instância.

Como anteriormente decidido, entre outros, no Processo 03522/08, de 19/01/2012, deste TCAS, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 640.º do CPC, incumbe ao recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto “obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição”:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”.

Segundo o n.º 2 do citado artigo 640.º do CPC, no caso previsto na alínea b) do número anterior:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”.

Nas citadas disposições impõe-se um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto, que impende sobre o aqui Recorrente e que o mesmo apenas parcialmente satisfez, como decorre do teor das alegações produzidas em juízo.

Na sua alegação o Recorrente identifica os concretos pontos da matéria de facto impugnada, que pretendem que seja aditada, considerando insuficientes os factos dados como provados, mas abstém-se de indicar os meios de prova com base nos quais tais factos se devem considerar provados, por, ou nada dizer sobre o meio de prova ou se limitar a remeter para o processo administrativo, sem qualquer identificação de qual o documento nele constante que serve de prova ao facto em causa.

A lei prevê para um ónus de alegação e de concretização do recorrente que impugne do julgamento de facto, não só quanto à indicação precisa dos factos, mas também quanto aos seus meios de prova, mediante identificação do documento em causa, o que no presente recurso não logra acontecer.

Por isso, não é possível afirmar que se mostre respeitado o ónus a cargo do Recorrente quanto aos termos da impugnação do julgamento de facto da sentença recorrida.

No demais, existem igualmente limites aplicáveis a este Tribunal de recurso.

Ao Tribunal de recurso assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo Tribunal a quo, desde que ocorram os pressupostos previstos nos artigos 662.º do CPC e 149.º do CPTA, incumbindo-lhe reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.

Não obstante a amplitude conferida a um segundo grau de jurisdição, na caracterização da amplitude dos poderes de cognição do Tribunal ad quem sobre a matéria de facto, não se está perante um segundo ou novo julgamento de facto, porquanto, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no artigo 640.º, nºs. 1 e 2 do CPC, além de que o controlo de facto, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide Abrantes Geraldes, inTemas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).

O Tribunal ad quem aprecia apenas os aspectos sob controvérsia e não vai à procura duma nova convicção, pois o que visa determinar é se a motivação apresentada pelo Tribunal a quo encontra suporte razoável naquilo que resulta da prova documental produzida ou do depoimento testemunhal, registado a escrito ou através de gravação, em conjugação com os demais elementos probatórios existentes ou produzidos nos autos.

A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não pode postergar o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador, previsto no n.º 5 do artigo 607.º do CPC, intervindo na formação da convicção não apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados.

Para tanto, impõe-se igualmente ao julgador que motive ou fundamente esse seu julgamento, de forma que essa atividade probatória, eminentemente subjectivada seja tanto quanto possível controlável através da sua motivação.

O Tribunal a quo está numa posição privilegiada em termos de recolha dos elementos e sua posterior ponderação, nomeadamente, com a articulação de toda a prova produzida, de que decorre a convicção que deve ser expressa na decisão proferida sobre a matéria de facto.

A convicção do tribunal forma-se de um modo dialético, pois além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações e depoimentos produzidos, em função das razões de ciência, da imparcialidade, das certezas, das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos olhares para alguns dos presentes, da linguagem silenciosa do comportamento, da coerência de raciocínio e de atitude, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento, entre depoimentos e demais elementos probatórios (neste sentido, Acórdão do TCA Norte, de 11/11/2011, Proc. nº 3097/10.4BEPRT).

Nos sistemas da livre apreciação da prova, detendo o julgador a liberdade de formar a sua convição, não é de associar o arbítrio no julgamento da matéria de facto, pois o Tribunal não está isento de indicar os fundamentos onde aquela assentou, de modo a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, possa ser controlada a razoabilidade do processo de formação da convicção sobre a prova e não prova dos factos, deste modo se sindicando o processo racional da decisão.

Por isso, a nossa lei processual prevê um processo racional e objetivado, que faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto, da factualidade provada e da não provada), mediante uma análise critica e comparativa das provas e a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção, segundo o disposto no n.º 4 do artigo 607.º do CPC.

A exigência legal de enunciação ou explicitação da convicção sobre a prova constitui uma garantia da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador.

Se, à luz desta caracterização a decisão, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, então ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

No sentido ora expendido, vide o Acórdão do STA, datado de 17/03/2010, Proc. 367/09, segundo o qual: “A garantia de duplo grau de jurisdição em matéria de facto (art. 712º CPC) deve harmonizar-se com o princípio da livre apreciação da prova (art. 655º/1 CPC). Assim, tendo em conta que o tribunal superior é chamado a pronunciar-se privado da oralidade e da imediação que foram determinantes da decisão em 1ª instância e que a gravação/transcrição da prova, por sua natureza, não pode transmitir todo o conjunto de factores de persuasão que foram directamente percepcionados por quem primeiro julgou, deve aquele tribunal, sob pena de aniquilar a capacidade de livre apreciação do tribunal a quo, ser particularmente cuidadoso no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto e reservar a modificação para os casos em que a mesma se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que for seguro, segundo as regras da ciência, da lógica e/ou da experiência comum que a decisão não é razoável.” (sublinhado nosso).

No mesmo sentido, cfr. ainda o Acórdão do STA, de 14/10/2010, Proc. 751/07, nos termos do qual: “o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida”.

No caso dos autos, embora não se coloque a questão da prova testemunhal, estando em causa apenas a prova documental, constante dos autos ou do processo administrativo, enferma o julgamento de facto da sentença recorrida de total omissão quanto à sua fundamentação ou motivação, não existindo qualquer referência aos meios de prova em que assenta, por não existir a referência a um único documento, junto aos autos ou constante do processo administrativo.

Assim, assiste razão ao Recorrente no tocante à violação pela sentença recorrida do disposto no n.º 4 do artigo 607.º do CPC e do n.º 3 do artigo 94.º do CPTA, por falta de motivação do julgamento de facto.

Acresce o julgamento de facto recorrido ser igualmente omisso no tocante aos factos não provados, nada sendo dito que permita compreender de que modo existiu a consideração dos factos e sua valoração, à luz das provas apresentadas, o que constitui igualmente uma violação dos citados preceitos legais.

Nestes termos, procede o fundamento do recurso, por total falta de fundamentação do julgamento de facto quanto à indicação dos meios de prova e ainda por falta de discriminação dos factos não provados ou a indicação de que não existem factos não provados com relevância para a decisão sobre o litígio, julgando-se improcedente o recurso quanto à insuficiência dos factos dados como provados, por falta de cumprimento dos ónus de impugnação do julgamento de facto a cargo do Recorrente.
A decisão recorrida quanto à matéria de facto não analisou devidamente a prova, nem especificou os fundamentos determinantes para a convicção do Tribunal, não determinando quais os factos que considerou provados, nem identificado os factos não provados, com a identificação dos documentos que estiveram na base da sua convicção, nada resultando quanto à análise crítica das provas, conforme o exige o disposto no n.º 3 do artigo 94.º do CPTA e o n.º 4 do artigo 607.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.

A decisão que antecede, determina que se anule o julgamento de facto constante da sentença recorrida e que baixem os autos ao Tribunal recorrido para que proceda à discriminação dos factos provados e dos factos não provados ou a referência de que eles não existem, e para fundamentar o julgamento de facto, com a indicação dos meios de prova concretamente identificados em que se baseia cada facto provado ou não provado, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC, aplicável por força do n.º 3 do artigo 140.º do CPTA.


*

Em face do julgamento antecede, fica prejudicado o conhecimento e decisão sobre os demais fundamentos do recurso invocados pelo Recorrente, Ministério da Educação.

B. Recurso dos Autores, ora Recorrentes

Do mesmo modo, considerando a anulação do julgamento de facto da sentença recorrida, não é possível conhecer dos fundamentos do recurso interposto pelos Recorrentes, não só quanto à nulidade da sentença, com fundamento na alínea c), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por contradição entre os fundamentos e a decisão, como em relação ao erro de julgamento de direito, em relação ao cumprimento do dever de reconstituição da situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado.

Ambos os fundamentos do recurso exigem que se mostre realizado o julgamento da matéria de facto, pelo que, fica prejudicado o conhecimento do recurso interposto pelos Recorrentes.


*

Termos em que, em face de todo o exposto, julga-se procedente o recurso interposto pela Entidade Demandada, Ministério da Educação, determinando-se a sua anulação e a baixa dos autos ao Tribunal recorrido e julga-se prejudicado os demais fundamentos do recurso invocados, assim como se julga prejudicado o recurso interposto pelos Recorrentes.

*

Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Impõe-se um ónus especial de alegação ao recorrente que pretenda impugnar a matéria de facto, quanto à identificação dos concretos pontos da matéria de facto impugnada, que pretendem que seja eliminada, aditada ou alterada e de indicação da indicação precisa dos meios de prova com base nos quais tais factos se devem considerar provados, nos termos dos artigos 640.º do CPC e 140.º n.º 3 do CPTA.

II. Ao Tribunal de recurso assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo Tribunal a quo, desde que ocorram os pressupostos previstos nos artigos 662.º do CPC e 149.º do CPTA, incumbindo-lhe reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.

III. Nos termos dos artigos 607.º n.º 4 do CPC e 94.º n.º 3 do CPTA impõe-se que no julgamento de facto da sentença, se discrimine os factos provados e os factos não provados, e que esse julgamento seja motivado ou fundamentado, mediante indicação dos concretos meios de prova em que se baseia.

IV. Nos sistemas da livre apreciação da prova, detendo o julgador a liberdade de formar a sua convicção, não é de associar o arbítrio no julgamento da matéria de facto, pois o Tribunal não está isento de indicar os fundamentos onde aquela assentou, de modo a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, possa ser controlada a razoabilidade do processo de formação da convicção sobre a prova e não prova dos factos, deste modo se sindicando o processo racional da decisão.

V. A nossa lei processual prevê um processo racional e objetivado, que faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto, da factualidade provada e da não provada, mediante uma análise critica e comparativa das provas e a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção, segundo o disposto no n.º 4 do artigo 607.º do CPC.

VI. Perante a total omissão da fundamentação do julgamento de facto, não existindo qualquer referência aos meios de prova em que assenta, por não existir a referência a um único documento, junto aos autos ou constante do processo administrativo, assim como a omissão quanto aos factos não provados, incorre a sentença na violação do n.º 4 do artigo 607.º do CPC e do n.º 3 do artigo 94.º do CPTA.


*

Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em:

1. Conceder provimento ao recurso interporto pelo Ministério da Educação, anulando-se o julgamento de facto e determinando a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para discriminar os factos provados e não provados e fundamentar esse julgamento de facto, e em julgar prejudicado o demais invocado como fundamento do recurso;

Em consequência,

2. Julgar prejudicado o recurso interposto pelos Autores, ora Recorrentes.

Sem custas.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Pedro Marques)


(Helena Canelas)




DECLARAÇÃO DE VOTO

Votei a decisão.

Sem embargo, em primeiro lugar, seria de considerar que não existe uma total falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o que falta é a discriminação do concreto meio de prova por referência ao concreto facto provado. Em segundo lugar, quanto aos factos não provados o tribunal a quo entendeu que com relevância para a questão a decidir eles não ficaram demonstrados, sendo que esse julgamento (da irrelevância) não é atacado pelo recorrente. Em terceiro lugar, quanto à determinação para discriminar os factos provados, ela já está feita; e quanto à discriminação dos factos não provados, tal é não só desnecessário, como é matéria (do juízo sobre a irrelevância) cujo julgamento não é sequer atacado.

Pelo que me teria limitado a ordenar a baixa dos autos à 1ª instância nos termos e para os efeitos do artigo 662.º, n.º 2, alínea d) do CPC. Norma que prevê a faculdade de o Tribunal de recurso determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente.

Lisboa, 20 de Setembro de 2018


Pedro Marchão Marques