Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 554/06.8BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 09/17/2020 |
Relator: | ANA PINHOL |
Descritores: | IRC ; RETENÇÃO NA FONTE; JUROS INDEMNIZATÓRIOS. |
Sumário: | I. Nos termos do artigo 43.º, nº1 da LGT são devidos juros indemnizatórios quando ocorra erro e que o mesmo seja imputável aos serviços, respeitando este último requisito a falta do próprio serviço, globalmente considerado.
II. A verificação de um requisito formal que não se encontrava comprovado à data do pagamento dos rendimentos poderá legitimar a instauração de um processo contraordenacional, mas nunca poderá legitimar a emissão de um acto de liquidação de imposto que comprovadamente se não mostra devido. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO I.RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA recorre da decisão do Meritíssimo Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação deduzida por «E......................, S.A.» na qualidade de representante da sociedade francesa «E..................., S.A.», contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida da liquidação adicional de IRC e Juros Compensatórios n.°....................., referente ao exercício de 2000, contestada no montante € 135.815,66.
** A recorrida «E......................, SA.» apresentou as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões: «a) A Fazenda Pública fundamenta o recurso em alegada deficiente valorização da prova produzida e não relevada pelo tribunal nos factos dados como provados, fazendo - em seu dizer - incorrer em erro a decisão final. b) Porém, o que está em causa é uma incorrecta interpretação dos preceitos reguladores da matéria por parte da A.T. que a sentença a quo contraria, porquanto impede a imposição contida na circular n° 18/99 da DGCI com relação ao preenchimento de um formulário antes da distribuição dos dividendos que não tem qualquer correspondência com os preceitos legais em vigor. c) Na verdade, a este respeito, a jurisprudência acompanha a decisão da sentença recorrida explicitando que as circulares não podem impor obrigações acessórias aos contribuintes sob pena de serem regulamentos inconstitucionais (acórdão do STA de 25.09.2002, recurso n° 100/2002). d) A sentença a quo decidiu julgar procedente a impugnação com relação à taxa reduzida (CDT) aplicada na retenção na fonte dos rendimentos resultantes dos dividendos, com relação a liquidação de IRC em crise, porquanto considerou que a Circular n° 18/99 da DGCI impõe aos contribuintes normas e procedimentos que não constando da lei geral faz com que a mesma sofra de inconstitucionalidade. e) Acresce referir a propósito que , à impugnação em causa sempre lhe havia de ser dado provimento, tendo em conta a superveniente alteração legislativa com a publicação da Lei n° 67-A/2007 de 31 de dezembro que dá nova redação aos preceitos que regulam a matéria, fazendo-os retroagir às liquidações de IRC que estivessem pendentes de impugnação ainda que pagas, como é o caso. f) Por fim, fundamentando-se em vasta retórica jurídica - inútil por mal aplicada - a ERFP no recurso a que ora se responde, alega que a anulação da liquidação em crise não resulta de um erro imputável aos serviços e, por consequência, contesta a condenação da Administração Tributária ao pagamento de juros indemnizatórios. g) Deste modo, importa quanto à expressão “erro imputável aos serviços” que a lei refere (Artigo 43° LGT) que não subsistam quaisquer dúvidas e, para isso, nada melhor que a clareza da jurisprudência: “A expressão «erro imputável aos serviços» refere-se a «erro» e não a «vício», o que inculca que quer relevar os erros sobre os pressupostos de facto e de direito que levaram a Administração a uma ilegal definição da relação jurídica tributária do contribuinte, não considerando os vícios formais ou procedimentais que, ferindo, embora, de ilegalidade o acto, não implicam, necessariamente, uma errónea definição daquele acto” (Acórdão do STA de 9.09.2009 - processo n° 0369/09). h) A liquidação em crise não padece de vício formal ou procedimental, mas,, principalmente de um erro de direito sobre os pressupostos, ao impor ao contribuinte uma exigência que a lei não contempla, daí que a sentença a quo ao condenar a Administração Tributária ao pagamento de juros indemnizatórios, mais não faz que cumprir o que se acha disposto na lei (Artigos 100° e 43° LGT) e que a jurisprudência acompanha (vg. Acórdão do STA de 206.04.2007 - Processo 39/07, citado na sentença). Nestes termos e nos demais de Direito requer a V.V. Exas. que as presentes alegações da recorrida sejam aceites e dadas como provadas, negando provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública mantendo em vigor a sentença a quo do Tribunal Tributário de Lisboa.» ** Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público que emitiu parecer no sentido de que o recurso deve improceder. ** Com dispensa de Vistos dos actuais, Exmºs Senhores Desembargadores Adjuntos, cumpre apreciar e decidir. ** O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões: (i) Ampliação da matéria de facto; (ii) Saber se são devidos juros indemnizatórios à impugnante, nos termos do artigo 43.º da LGT. ** III. FUNDAMENTAÇÃO A.DOS FACTOS Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos: «A) A E…………, S.A., exerce a atividade de aluguer de veículos automóveis, CAE 071100 (conforme resulta de fls. 90 do PAT em apenso); B) Foi sujeita a um procedimento externo de inspeção, encontrando-se a competente Ordem de Serviço assinada pelo respetivo TOC com data de 12/07/2004 (fls. 125 do PAT em apenso); C) A nota de diligência encontra-se assinada pelo sujeito passivo com data de 14/07/2004 (fls. 122 do PAT em apenso); D) Do relatório final de inspeção, datado de 16/08/2004, a fls. 91 do apenso, que damos aqui por integralmente reproduzido face à sua extensão consta, textual, expressa e, designadamente, o seguinte: «DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECCÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS Na sequência da entrega das declarações mod 130 rececionadas pela Direção dos Serviços de Benefícios Fiscais, relativas ao ano de 2000, foram detetadas inexatidões/ omissões, de que resultou imposto inferior ao devido. No decurso da ação inspetiva levada a efeito, verificou-se o seguinte: 1 - Neste exercício o sujeito passivo atribuiu dividendos no montante de 300.000.000$00 (€1.496.393,69) a duas entidades não residentes, a empresa “E…………., S.A. (77.910.000$00) e E..................., S.A. (222.090. 000$00), ambas com sede na Av…………., ………………., em França, país com o qual Portugal assinou Convenção para Evitar Dupla Tributação (DL n°105/71, de 26 de março). 2 - O sujeito passivo efetuou retenção de imposto de capitais no total de 41.104.500$00 (€205.028,38), tendo entregue o imposto em causa nos cofres do Estado em 20/12/2000, através das guias de pagamento mod.42 n°s ………. no montante de 7.791.000$00 (€38.861,34) e …………….. no valor de 33.313.500$00 (€166.167,04). 3 - Foram detetadas as seguintes situações em relação a cada uma das seguintes entidades: 3.2. - E..................., S.A. — foi efetuada retenção de IRC no valor de 33.313.500$00, tendo para o efeito sido aplicada a taxa de 15%, como sendo a taxa interna de retenção, quando de acordo com a alínea a) do n°2 do art°69° do CIRC (atual 80°), a taxa correta seria a de 25%. Desta forma pelo facto de o requisito formal (exibição de formulário), não se encontrar cumprido no ponto 2.1. e por ter sido utilizada no ponto 2.2. uma taxa interna de IRC (15%) inferior à devida (25%), ir-se-á proceder às devidas correções. (...)». E) O relatório de inspeção foi notificado ao sujeito passivo em 28/08/2004 (talão de aviso de receção, a fls. 105 do PAT em apenso); F) Em resultado da correção ao montante de imposto retido pela entidade pagadora dos dividendos à impugnante E..................., S.A., foi efetuada a correspondente liquidação adicional pelo valor de 22.209.000$00 (€110.778,03) - vd. mapa constante do relatório, a fls. 94 do PAT em apenso; G) A liquidação foi notificada à entidade pagadora em 14/12/2004 e tem data limite de pagamento em 16/01/2005 (“print” a fls. 115 do PAT em apenso); H) Foi paga em 04/01/2005 (vinheta de pagamento aposta na demonstração de liquidação de retenções na fonte de IR, a fls. 155); I) A impugnante deduziu reclamação graciosa em 30/12/2005, a qual consta de fls. 146 e se dá aqui por integralmente reproduzida; J) A presente impugnação foi apresentada em 22/09/2006, conforme carimbo aposto na petição inicial; K) A entidade pagadora dos dividendos entregou ao Estado o imposto retido, no montante de 33.313.500$00, em 20/12/2000, que corresponde à data limite de pagamento indicada na guia mod.42 em que está aposta a vinheta de pagamento (fls. 121 do PAT em apenso). 2.2. FUNDAMENTAÇÃO DO JULGAMENTO. A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos e do apenso instrutor constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório. 2.3. FACTOS NÃO PROVADOS Com interesse para a decisão inexistem fatos invocados que devam considerar-se como não provados.» ** Impugnação da matéria de facto Veio a recorrente defender a alteração da decisão sobre a matéria de facto, por entender que o Tribunal «a quo» efectuou uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma permitiria que se desse como demonstrado um facto omitido no elenco dos provados, importando por isso ampliar a matéria assente, por forma a que se aditasse um facto novo. Neste quadro, a primeira questão que importa dirimir, em função das conclusões do recurso apresentadas, refere-se à impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida. A possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está, como é consabido, subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjetiva impõe ao recorrente. Neste sentido, preceitua, sob a epígrafe «Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto», dispõe o n.º 1 do artigo 640.º do CPC, que: « 1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3- O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do nº2 do art. 636º.» Tendo assim, presente este enquadramento legal, cumpre decidir. A mera leitura das Conclusões de recurso evidencia que ali se identifica o concreto ponto de facto que se pretende que seja acrescentado à factualidade provada e bem assim o respectivo meio probatório que o suporto. Assim, há que concluir que, a recorrente observou o formalismo mínimo legalmente exigido para a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, tendo cumprido, nas conclusões, o estabelecido no artigo 640.º, nº 1, als. a) e c) do CPC. Consequentemente, porque necessário para a apreciação da causa, segundo as várias soluções plausíveis e direito, determina-se aditar um novo ponto à matéria de facto provada, que figurará como L), com a seguinte redacção: A Impugnante instruiu a reclamação graciosa com o documento emitido e 15.11.2005 pela Direction Génerale Des Impôts certificando que a sociedade «E................... SA» tinha aí sede para efeitos fiscais em França. (Cfr. fls. 392 dos autos) Resta, portanto, concluir que procede o recurso neste concreto fundamento. ** B. DO DIREITO Chegados aqui, estabilizada que está a matéria de facto dos autos, a questão que seguidamente se coloca prende-se com a condenação no pagamento de juros indemnizatórios, concretamente saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao ter condenado a Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios à Impugnante, «[c]ontados da data do pagamento e até à data da emissão da nota de crédito a favor da impugnante relativamente à liquidação ora impugnada (artº 61.º, n.º 3, do C.P.P.T.)». Na perspetiva da recorrente tendo a prova da residência fiscal da sociedade «E................... SA» sido efectuada juntamente com a dedução da reclamação graciosa em 30.12.2015, através do certificado emitido em 15.11.2005, «(…) na condenação no pagamento de juros indemnizatórios deveria o douto tribunal a quo, ter considerado, quando muito, como data de inicio de contagem dos juros a data do indeferimento da reclamação graciosa, e não a data de pagamento do imposto.». Importa, assim, tomar posição sobre a questão. Conforme resulta da factualidade assente a impugnante (doravante recorrida) representante de uma empresa francesa que não possui sede ou estabelecimento estável em Portugal, procedeu à distribuição de dividendos a essa empresa e, por consequência, à retenção do imposto correspondente aplicando a taxa de 15% prevista ma Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a França (doravante CDT). Na sequência de uma acção de Inspecção Tributária ao exercício de 2000, iniciada em 12.07.2004 e concluída em 14.04.2004, a Administração Tributária corrigiu essa taxa para 25% e procedeu à correspondente liquidação adicional de imposto, por considerar que a recorrida não podia beneficiar da taxa prevista naquela CDT « pelo facto de o requisito formal (exibição do formulário), não se encontrar cumprido no ponto 2.1. ». Para ajuizar, a procedência da impugnação, discorreu-se, a dado passo, na sentença o seguinte: « [a] própria Administração Tributária admite que a sociedade a quem foram pagos os dividendos é uma sociedade não residente em Portugal e sem estabelecimento estável no país. Também não coloca em causa que a entidade a quem eram devidos os rendimentos detinha 25% ou mais do capital social da devedora dos dividendos, nem nenhum outro requisito exigido pelos normativos supra citados. A única questão que é levantada pela Administração Tributária é a falta do formulário modelo II-F, imposto pela Circular nº 18/99. Ora, as circulares internas da Direção Geral dos Impostos (DGCI) não são fontes de direito nem são obrigatórias para os contribuintes; constituem meras orientações internas a que estão subordinados os funcionários daquela entidade, nada podendo acrescentar à lei.» A lei não exige o preenchimento de nenhum formulário do qual esteja dependente a aceitação dum qualquer benefício fiscal, ou desagravamento tributário como é o caso dos autos.» A recorrente insiste na tese de que a prova da qualidade de residente em França deveria ser feita perante a entidade devedora dos rendimentos, anteriormente à data da sua colocação à disposição do respetivo titular, prova que teria de ser remetida à DGI, acompanhada do Mod. 130, e que constituía requisito imperativo para a limitação do imposto, face ao preceituado no direito interno português. Mas, não tem razão. Veja-se neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09.06.2010, proferido no processo n.º 618/09, na parte para aqui relevante, por isso, se transcreve: « [a] leitura do artº 10º da Convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre Portugal e França, aprovada pelo Decreto-Lei nº 105/71 de 26/3, evidencia que este não obriga à apresentação de nenhum formulário certificativo da residência da sociedade beneficiária. Todavia, isso não significa que, ao abrigo do disposto nos nºs 7 e 8 do artº 75º do CIRC, na redacção do Decreto-Lei nº 366/98 de 23/11 e 14º do CIRC, na redacção da Lei nº 30-G/00 de 29/12, a recorrente estivesse dispensada da apresentação de prova de que ocorriam os requisitos que consentiam uma retenção na fonte de IRC a taxas inferiores à taxa regra estabelecida no artº 69º, nº 2 do mesmo diploma legal, a saber: a) estar a sociedade residente no território português nas condições do art.º 2.º da Directiva n.º 90/435/CEE; b) estar a sociedade a quem os dividendos são distribuídos nas mesmas condições e ser residente em Estado membro da CE; c) deter esta sociedade uma participação no capital da sociedade residente em Portugal não inferior a 25%; d) deter essa participação durante dois anos consecutivos ou desde a constituição da participada, contando que, neste último caso, a participação seja mantida durante aquele período; e) e fazer-se prova perante a entidade devedora, anteriormente à data da colocação dos rendimentos, de que está em condições de poder beneficiar de uma taxa reduzida, prova essa que terá de ser remetida, acompanhada do mod. 130, à DGCI. E se assim é, como é, a questão que temos para resolver é a de saber se, in casu, se reuniam os mencionados requisitos e se, portanto, a Recorrente podia liquidar o IRC a taxas reduzidas. Já sabemos que, em face da fundamentação do acto tributário, o que provocou as liquidações adicionais em crise não foi o incumprimento dos demais requisitos substanciais legalmente exigidos para a redução da taxa de IRC, mas sim a inobservância de uma formalidade legal (junção do certificado de residência até à data do pagamento do imposto). Ou seja, o referido atestado não satisfazia as exigências legais e, por isso, não podia cumprir a sua finalidade comprovativa. Daí que a administração fiscal tivesse concluído, que, nos anos de 2000 e 2001, não se encontravam reunidos os requisitos legais que consentiam uma liquidação de IRC a taxa reduzida. Mas não é assim. Com efeito, com a entrada em vigor da Lei nº 67-A/07 de 31/12, estabelece o seu artº 48º, nº 4 que “o afastamento da responsabilidade prevista no n.º 4 do artigo 90.º e no n.º 6 do artigo 90.º-A do Código do IRC, na redacção que lhes foi dada pela presente lei, é aplicável às situações anteriores à entrada em vigor da mesma, independentemente de já ter sido efectuada a liquidação do imposto, excepto quando tenha havido lugar ao pagamento do imposto e não esteja pendente reclamação, recurso hierárquico ou impugnação”. Assim, o afastamento da responsabilidade do substituto tributário de efectuar a retenção de IRC quando o beneficiário dos rendimentos não apresentar, até ao termo do prazo estabelecido para entrega do imposto, o formulário referido na al. a) do nº 2 do artº 90-A do CIRC, previsto no seu nº 6, é de aplicação retroactiva, excepto se tiver havido lugar ao pagamento do imposto e não estiver pendente reclamação, recurso hierárquico ou impugnação. E sendo de aplicação retroactiva, esta disposição legal terá necessariamente aplicação ao caso do autos, que remonta, como vimos, aos anos de 2000 e 2001, uma vez que constitui um reconhecimento explícito de que era ilegal a imputação de responsabilidade ao substituto tributário quando se comprovasse a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção (no caso, como referimos, a prova da residência do beneficiário dos rendimentos), mesmo que a comprovação viesse a ser feita apenas depois do momento em que a retenção deveria ser efectuada. Aliás, é o próprio preceito legal que refere que o regime nele consagrado “é aplicável às situações anteriores à entrada em vigor da mesma”. Se é assim, não vemos motivo para não o aplicar à situação em causa, tanto mais que o artº 90º-A mais não é que uma redacção actualizada do referido artº 75º do CIRC.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt). Nesta linha de entendimento que aqui se acolhe e revertendo ao caso, como decorre da matéria de facto assente, o acto de liquidação sindicado é relativo a pagamentos efectuados a entidade não residente no território nacional no ano de 2000, e o certificado de residência fiscal da entidade não residente foi apresentado no âmbito do procedimento de inspecção, como de resto, claramente se extrai do Relatório de Inspecção (embora depois do termo do prazo para entrega do imposto) verifica-se uma situação enquadrável nos nºs 7 e 8 do artigo 75º e no artigo 14º do CIRC (na redacção então vigente). Não parece, deste modo, subsistir dúvida de que, independentemente da responsabilidade contra-ordenacional que possa ser imputada à impugnante, se verificam os pressupostos do afastamento da sua responsabilidade como substituto tributário e não se verifica a excepção prevista na parte final do transcrito nº 4 do artigo 48.º desta Lei. Assente, que são devidos juros indemnizatórios, cumpre determinar a forma de calcular esse valor, sabendo-se que na sentença recorrida foi determinado que sejam pagos desde a data do pagamento e até à data da emissão da nota de crédito a favor da recorrida. Sustenta a recorrente, como já o dissemos, que « (…) na condenação no pagamento de juros indemnizatórios deveria o douto tribunal a quo, ter considerado, quando muito, como data de inicio de contagem dos juros a data do indeferimento da reclamação graciosa, e não a data de pagamento do imposto.». Vejamos se lhe assiste razão. Por força do artigo 43.º, nº1 da LGT: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». Tal como se afirmou no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26.04.2007, proferido no processo n.º 39/07: « Havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro. Na verdade, a letra da lei, ao referir a imputabilidade do erro aos serviços, aponta manifestamente no sentido de poder servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado, como aliás, é admitido em geral. (( ) Neste sentido, pode ver-se FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, volume III, página 503.) A administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266.º, n.º 1, da C.R.P. e 55.º da L.G.T.), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt). No caso, no momento em que a Administração Tributária efectuou a inspecção e a subsequente liquidação, já tinha conhecimento de que a entidade em causa era efectivamente não residente. É certo que numa situação deste tipo, a actuação da impugnante violou a lei, pois, como ainda não tinha em seu poder os documentos em causa, deveria ter efectuado a retenção. Por isso, essa conduta é susceptível de integrar uma contra-ordenação fiscal, designadamente a tipificada no n.º 4 do artigo 114.º do RGIT. Mas, essa ilegalidade da actuação da Impugnante, como vimos supra, não pode justificar que seja liquidado imposto que, no momento em que é efectuada a liquidação, já se sabe que não era devido. Desde logo, como se diz no Acórdão que vimos seguindo: «Foi, aliás, este o entendimento que esteve subjacente à redacção do n.º 6 do art. 90.º-A introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, em que, apesar de se afirmar a subsistência da responsabilidade contra-ordenacional, se afasta a responsabilidade do substituto pela falta de retenção, nos casos em que, posteriormente, se confirma que não se verificavam os pressupostos da exigência de imposto às entidades não residentes. Sendo assim, deverá entender-se que os actos impugnados enfermam de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito e este erro é imputável aos serviços, para efeitos no disposto no art. 43.º, n.º 1, da LGT. Consequentemente, há lugar a pagamento de juros indemnizatórios desde a data em que efectuou o pagamento do imposto liquidado pelo acto impugnado (7-4-2004, como se refere no ponto 7 da matéria de facto fixada) até àquele em que vier a ser emitida a respectiva nota de crédito (art. 61.º, n.º 3, do CPPT).». Não merece pois censura a sentença que determinou « [a] condenação da Fazenda Pública a pagar juros indemnizatórios à Impugnante, contados desde o pagamento até à data da emissão da nota de crédito a favor da impugnante (artº 61.º, n.º 3, do C.P.P.T.) » . Cabe, em suma, concluir pela improcedência do presente recurso. IV. CONCLUSÕES I. Nos termos do artigo 43.º, nº1 da LGT são devidos juros indemnizatórios quando ocorra erro e que o mesmo seja imputável aos serviços, respeitando este último requisito a falta do próprio serviço, globalmente considerado. II. A verificação de um requisito formal que não se encontrava comprovado à data do pagamento dos rendimentos poderá legitimar a instauração de um processo contraordenacional, mas nunca poderá legitimar a emissão de um acto de liquidação de imposto que comprovadamente se não mostra devido. V.DECISÃO Face ao exposto, os juízes que integram a 1ª Subsecção deste Tribunal Central Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. Custas a cargo da Recorrente. Lisboa, 17 de Setembro de 2020 [Ana Pinhol]
[Isabel Fernandes]
[Benjamim Barbosa]
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