Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:793/19.1BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IVA E IRC.
MÉTODOS INDIRECTOS
Sumário:A existência de omissões e imprecisões graves na contabilidade, impeditivas do acesso ao rendimento normal gerado, justifica o recurso aos métodos indirectos. O apuramento da matéria colectável através da média ponderada para certo sector de actividade e para certa região constitui forma adequada de quantificação da matéria colectável através da avaliação indirecta.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I- Relatório
G…………., R………..& P……, Lda. veio intentar impugnação judicial contra os actos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) - e respectivos juros compensatórios – relativo aos anos 2015 e 2016, no valor total de € 79.979,63, emitidos em resultado de procedimento inspectivo a que foi sujeita.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, por sentença proferida a fls. 329 e ss., datada de 22 de Janeiro de 2021, julgou a presente impugnação improcedente absolvendo a Fazenda Pública do pedido, mantendo na ordem jurídica as liquidações de IRC, IVA e juros compensatórios impugnadas.
A impugnante interpôs recurso contra a sentença. Nas alegações formulou as conclusões seguintes:
«A. A Recorrente deduziu IJ contra as liquidações de IRC e IVA relativas aos exercícios de 2015 e 2016 por revisão da matéria tributável dos referidos impostos por métodos indiretos.
B. Concluiu o Tribunal a quo pela possibilidade de recurso aos métodos indiretos e pela não excessividade da quantificação realizada pela ATA.
C. Para recurso aos métodos indiretos entendeu a ATA que a contabilidade da Recorrente não merecia credibilidade por, na sua ótica, ter verificado diversas desconformidades.
D. Mais decidiu a ATA fixar a (nova) matéria coletável da Recorrente com base na média do rácio da margem bruta MBII (R17) a nível regional de ....... para o CAE 56101.
E. Para além do exposto na IJ e na contestação apresentada pela ATA, foram também ouvidas duas testemunhas apresentadas pela ATA.
F. Sem prejuízo do direito (e dever) que assiste à ATA de auditar e corrigir a matéria coletável declarada pelos contribuintes, nomeadamente por recurso a métodos indiretos, não podem desconsiderar-se os deveres de boa fé, de cooperação e de respeito pelos princípios legais aplicáveis.
G. Ao proceder como procedeu, a ATA falhou no cumprimento do ónus que sobre si impende de justificar o recurso aos métodos indiretos, não bastando alegar que a contabilidade não merece credibilidade.
H. Verifica-se, então, que as justificações apresentadas pela ATA para fundamentar o recurso aos métodos indiretos são, por um lado, imateriais para justificar o caminho seguido.
I. De facto, os elementos analisados respeitam a uma pequena fração da faturação declarada pela Recorrente.
J. Não só isso como a ATA nem sequer procurou esclarecer situações óbvias para o setor de atividade da Recorrente como sejam os desperdícios, os autoconsumos e as ofertas.
K. Da mesma forma, incumpriu a ATA o seu dever de colaboração ao não se ter sequer preocupado em clarificar a razão para qualquer uma das questões suscitadas e que facilmente se explicam.
L. Resulta até, da metodologia adotada, que, prevendo a lei mecanismos específicos para lidar com despesas não documentadas, preferiu a ATA ignorar tal facto, recorrendo, ao invés, aos métodos indiretos, sabendo que isso maximizaria a receita tributária.
M. Ao incumprir o seu dever de solicitar e ouvir esclarecimentos da Recorrente, a ATA violou frontalmente os princípios da sua atuação, não se podendo considerar verificada a impossibilidade legalmente exigida de determinação da matéria coletável por métodos diretos.
N. Já no que se refere à quantificação da matéria coletável, a ATA utilizou um mecanismo que, para além de não ter suporte legal, não representa a realidade da Recorrente.
O. De facto, sendo uma média dos dados declarados por todos os restaurantes com serviço de mesa do Distrito de ......., o rácio utilizado representa uma heterogeneidade muito grande de restaurantes, com características muito diversas.
P. Em particular não foi considerado o facto de que os restaurantes em causa se localizavam em zona com indicadores económicos inferiores à média do Distrito de ........
Q. Ou seja, ainda que se pudesse o rácio indicado, sempre teria a ATA que corrigir o mecanismo para considerar as especificidades da Recorrente.
R. Ao determinar um valor médio sabendo que os restaurantes se localizam em zona com indicadores económicos abaixo da média, a ATA acabou por determinar a matéria coletável em valor superior àquele aplicável à Recorrente.
S. Na verdade, diga-se, em valor muito superior àquele que é (era) a realidade da Recorrente
NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER CONSIDERADO PROCEDENTE, POR PROVADO, COM TODAS AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE A ANULAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA E A SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRA QUE DETERMINE A PROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO JUDICIAL APRESENTADA CONTRA OS ATOS DE LIQUIDAÇÃO DE IVA E DE IRC E RESPETIVOS ATOS DE LIQUIDAÇÃO DE JUROS COMPENSATÓRIOS, EMITIDOS COM REFERÊNCIA AOS ANOS DE 2015 E DE 2016, COM A CONSEQUENTE CONDENAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA À RESTITUIÇÃO DO IMPOSTO PAGO INDEVIDAMENTE ACRESCIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS E INDEMNIZAÇÃO POR GARANTIA INDEVIDAMENTE PRESTADA.»
X

A Fazenda, devidamente notificada para o efeito, não contra-alegou.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso interposto.
X
Com vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação.
2.1.De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes.
1. A Impugnante explorava 4 restaurantes, 3 em Tavira e um em Livramento - não controvertido, artigo 1.° da petição inicial;
2. A Impugnante foi sujeita a acção de inspecção tributária de âmbito geral, pelos Serviço de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de ......., aos anos 2015 e 2016, ao abrigo das ordens de serviço n.° OI………. e OI……… - fr. fls. 15 a 26 do processo administrativo apenso aos autos em formato electrónico;
3. No âmbito do referido procedimento inspectivo foi elaborado um projecto de relatório de inspecção tributária, do qual se extrai o seguinte extracto:

« Texto no original»

- fr. fls. 15 a 26 do processo administrativo em formato electrónico; 
4. A Impugnante solicitou, em sequência, a revisão da matéria colectável e do imposto fixado por métodos indirectos, ao abrigo do artigo 91.° da Lei Geral Tributária — não controvertido, fr. artigo 5.° da petição inicial;
5. Na reunião de peritos realizada, nos termos do artigo 92.° da Lei Geral Tributária, não foi obtido acordo — não controvertido, cfr. artigo 6.° da petição inicial;
6. O Director de Finanças de ....... procedeu à fixação da matéria tributável de IRC e de IVA, dos anos de 2015 e 2016, por métodos indirectos, nos valores de, respectivamente, € 39.424,02, € 97.411,01, € 25.295,85 e € 19.576,55 — cfr. fls. 32 a 36 do processo administrativo em formato electrónico;
7. Com data de 18 de Setembro de 2019, foi emitida, em nome da Impugnante, a liquidação adicional de IRC do ano 2015 n.° ……………, no valor a pagar de € 7.679,04, acrescida de juros compensatórios no valor de € 924,00 — cfr. documento n. ° 1 junto com a petição inicial;
8. A liquidação de juros compensatórios n.° ……………, referente ao IRC do ano 2015 apresentava o seguinte teor: 

« Texto no original»

- cfr. documento n.0 4 junto com a petição inicial;
9. Com data de 18 de Setembro de 2019, foi emitida, em nome da Impugnante, a liquidação adicional de IRC do ano 2016 n.° ………….., no valor a pagar de € 19.856,31, acrescida de juros compensatórios no valor de € 1.595,05 — cfr. documento n.º 5 junto com a petição inicial;
10. A liquidação de juros compensatórios n.° ……………., referente ao IRC
do ano 2016 apresentava o seguinte teor:

« Texto no original»

- cfr. documento n.º 6 junto com a petição inicial;

11. Com data de 3 de Outubro de 2019 foi emitida, em nome da Impugnante, a liquidação de IVA n.° …………, referente ao período de imposto de 201503T, no valor a pagar de € 76,94 — fr. documento n.° 7junto com apetição inicial.;
12. Com data de 3 de Outubro de 2019 foi emitida em nome, da Impugnante, a liquidação de IVA n.° ……………., referente ao período de imposto de 201506T, no valor a pagar de € 6.689,70 — cfr. documento n.° 7 junto com a petição inicial;
13. Com data de 3 de Outubro de 2019, consta emitida notificação da liquidação de juros de IVA, referente ao período de imposto de 201506T, no valor de € 1.106,10, da qual se extrai, designadamente, o seguinte:

«Texto no original»

- fr. fls. 52 do processo administrativo apenso aos autos em formato electrónico; 
14. Com data de 3 de Outubro de 2019 foi emitida, em nome da Impugnante, a liquidação de IVA n.°……………., referente ao período de imposto de 201509T, no valor a pagar de € 16.718,03 — fr. documento n.° 10 junto com a petição inicial;
15. Com data de 3 de Outubro de 2019, consta emitida notificação da liquidação de juros de IVA, referente ao período de imposto de 201509T, no valor de € 2.372,58, da qual se extrai, designadamente, o seguinte:

«Texto no original»

- cfr. fls. 82 do processo administrativo apenso aos autos em formato electrónico;
16. Com data de 3 de Outubro de 2019 foi emitida, em nome da Impugnante, a liquidação de IVA n.° …………….., referente ao período de imposto de 201512T, no valor a pagar de € 1.811,18 — cfr. documento n.° 12junto com a petição inicial; 
17. Com data de 3 de Outubro de 2019 foi emitida, em nome da Impugnante, a liquidação de IVA n.° ……………., referente ao período de imposto de 201603T, no valor a pagar de € 4.930,39 — fr. documento n.° 13 junto com a petição inicial;
18. Com data de 3 de Outubro de 2019, consta emitida notificação da liquidação de juros de IVA, referente ao período de imposto de 201603T, no valor de € 601,36, da qual se extrai, designadamente, o seguinte:

« Texto no original»


- cfr. fls. 60 do processo administrativo apenso aos autos em formato electrónico;
19. Com data de 3 de Outubro de 2019 foi emitida, em nome da Impugnante, a liquidação de IVA n.° ………………, referente ao período de imposto de 201606T, no valor a pagar de € 4.833,10 — cfr. documento n.° 15junto com a petição inicial;
20. Com data de 3 de Outubro de 2019, consta emitida notificação da liquidação de juros de IVA, referente ao período de imposto de 201606T, no valor de € 540,77, da qual se extrai, designadamente, o seguinte:

« Texto no original»

- cfr. fls. 61 do processo administrativo apenso aos autos em formato electrónico;
21. Com data de 3 de Outubro de 2019 foi emitida, em nome da Impugnante, a liquidação de IVA n.° ……………., referente ao período de imposto de 201609T, no valor a pagar de € 9.287,34 — cfr. documento n.° 17junto com a petição inicial;
22. Com data de 3 de Outubro de 2019, consta emitida notificação da liquidação de juros de IVA, referente ao período de imposto de 201609T, no valor de € 946,54, da qual se extrai, designadamente, o seguinte:
« Texto no original»


- cfr. fls. 68 do processo administrativo apenso aos autos em formato electrónico;
23. Com data de 3 de Outubro de 2019 foi emitida, em nome da Impugnante, a liquidação de IVA n.° ……………….., referente ao período de imposto de 201609T, no valor a pagar de € 1.751,54 — cfr. documento n.° 19 junto com a petição inicial;
24. Com data de 3 de Outubro de 2019, consta emitida notificação da liquidação de juros de IVA, referente ao período de imposto de 201612T, no valor de € 160,85, da qual se extrai, designadamente, o seguinte:

« Texto no original»

- cfr. fls. 72 do processo administrativo apenso aos autos em formato electrónico;
25. A Impugnante apresentou prejuízos fiscais nos anos de 2014, 2015 e 2016 - cfr. não controvertido, que emerge igualmente do relatório de inspecção tributária.

II- B - DOS FACTOS NÃO PROVADOS
Compulsados os autos, analisados os articulados e atenta a prova documental constante dos mesmos, não existem quaisquer factos com relevância para a decisão, atento o objecto do litígio, que devam julgar-se como não provados.
II- C - FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Os factos acima enunciados encontram-se, todos eles, comprovados pelos documentos acima discriminados, que não foram impugnados pelas partes nem há indícios que ponham em causa a sua genuinidade, bem como pelas testemunhas inquiridas, e foram tidos em consideração por haverem sido articulados pelas partes ou por deles serem instrumentais [cfr. artigo 5.°, n.°2, alínea a), do Código de Processo Civil].

As testemunhas inquiridas, Inspectores Tributários um participante na acção de inspecção desenvolvida e o outro na reunião de perito realizada no âmbito do procedimento de revisão da matéria, nada de relevante ou contraditório acrescentaram ao suporte documental existente nos autos, que se mostrasse com interesse para a decisão dos autos.
Motivo porque os seus depoimentos, ainda que prestados de forma sincera e coerente, se limitaram a corroborar anteriores diligências e elementos já constantes nos autos, documentalmente.»
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A fim de garantir a inteligibilidade do ponto 3. do probatório reproduz-se parte do mesmo.
« Texto no original»

2.2. De Direito
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados erros de julgamento em que terá incorrido a sentença por referência ao recurso aos métodos indirectos (i) e no que se refere à quantificação da matéria colectável por recurso aos métodos indirectos (ii).
2.2.2. No que respeita ao fundamento do recurso referido em (i), a recorrente defende que não foram coligidos por parte da Administração Fiscal elementos que comprovem a verificação dos pressupostos do recurso aos métodos indirectos. Argumenta que, por um lado, a impugnada não solicitou junto da recorrente os esclarecimentos necessários, por outro lado, as imperfeições da contabilidade são diminutas, pelo que incapazes de justificar o recurso a métodos indirectos, atento o carácter subsidiário desta forma de avaliação da matéria colectável, advoga.
Apreciação. Está em causa a aplicação do disposto nos artigos 87.º, 88.º e 89.º da LGT.
A este propósito, cumpre ter presente o seguinte:
i) «A Administração Fiscal só poderá aplicar métodos indirectos de tributação nas situações previstas nos artigos 87º.º e segs. da LGT, que pressupõem que (i) o sujeito passivo tenha incumprido os deveres de declaração e de documentação, ou (ii) que tenha cumprido os referidos deveres de forma defeituosa, tendo sido registados vícios formais ou materiais da declaração ou da documentação, ou ainda, (iii) que após ter sido notificado devidamente para o efeito, não tenha prestado os esclarecimentos solicitados pela Administração Fiscal» (1).
ii) «A determinação da matéria tributável por métodos indirectos opõe-se à tributação do rendimento real – tributação directa, segundo os rendimentos declarados. A sua utilização subsidiária (art.º 85.º, n.º 1, da LGT) deve ser interpretada em sentido restrito, dada a exigência constitucional do art. 104.º, n.º 2 (tributação do rendimento real)» (2).
iii) «[C]abe à Administração Fiscal (…) o ónus da prova dos factos constitutivos do afastamento da presunção de verdade, que por conseguinte levam ao preenchimento dos pressupostos de aplicação de correcções técnicas (avaliação directa) ou de aplicação de métodos indirectos, no caso de os vícios tornarem impossível o apuramento da matéria colectável (…). // Num segundo momento, comprovados os vícios da documentação ou da declaração de rendimentos (…), deve ser demonstrado através de um juízo de prognose póstuma, com base em regras de experiência comum, que o vício detectado é causa directa e necessária da impossibilidade de apuramento da matéria colectável com recurso a métodos directos» (3).
iv) O que seja «[i]mpossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto» resulta, designadamente, dos vícios formais ou materiais assacáveis à declaração de rendimentos e escrita do contribuinte. «[S]ó é legítima a aplicação de métodos indirectos nas situações em que os vícios formais ou materiais «(…) inviabilizem a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável» (4).
No caso em exame, estão em causa liquidações adicionais de IVA e IRC de 2015 e 2016, apuradas com base na fixação da matéria tributável de IRC e de IVA com recurso a métodos indiretos, recorrendo-se à utilização do rácio denominado Margem Bruta II (MB II) - a nível regional - Farc para o CAE 56101 (Restaurantes de tipo Tradicional).
Com vista a comprovar a impossibilidade da avaliação directa da matéria colectável, a Administração Tributária aduziu os elementos seguintes (5):
i) «Prejuízo fiscal desde o ano de 2014 até 2016: // facto de declarar sistematicamente resultados fiscais negativos (3 anos consecutivos), é uma situação atípica, pouco credível, porquanto, o propósito e o objetivo das atividades económicas assenta em gerar lucros e rentabilidades positivas, o que não se verifica, não se tendo identificado uma razão concreta que justifique tal situação nos anos analisados. // - Perante as Margens Brutas I (MB I) e MB II evidenciadas nos anos de 2015 e 2016, resultante dos valores conhecidos (declarados), comparativamente, com os rácios do setor de atividade, conforme anexo I, conclui-se que os indicadores da atividade do sujeito passivo são manifestamente abaixo dos valores do sector, o que não se afigura real perante os preços praticados».
ii) «2 - Inexatidões da Contabilidade / Fundamentos // 2.1- Da análise documental, nomeadamente, SAFT- PT da faturação, da contabilidade e inventários, não foi possível verificar o SAFT- PT da faturação completo do mês de Julho do ano de 2015, respeitante a Prestação de serviços do Restaurante R.........., em virtude da inexistência do mesmo, tendo o sujeito passivo referido não possuir a respetiva base de Dados. // No decurso do procedimento inspetivo, o sujeito passivo foi notificado para apresentar os SAFT-PT da faturação, constatando-se que até ao dia 11 de fevereiro de 2019 (data do cumprimento da notificação), estavam em falta, os SAFT- PT- COMPLETOS DA FATURAÇÃO, nomeadamente, no Exercício de 2015: totalidade do ano do restaurante R.......... e mês de janeiro do restaurante MARÉS; No Exercício de 2016: Totalidade do ano do restaurante / churrasqueira LIVRAMENTO. // As faltas referidas foram supridas em vários momentos do procedimento inspetivo, exceto o SAFT - PT COMPLETO do mês de iulho do ano de 2015 do restaurante R........... // Ora, face ao referido, não se consegue determinar a totalidade dos valores monetários e as quantidades vendidas dos produtos no ano de 2015».
iii) «De forma a corroborar estarmos perante um cenário de omissões ou não, procedeu-se à seleção de alguns produtos, (Grupo de famílias de produtos) nos quais se analisou a totalidade das compras efetuadas (ou valores ou unidades), conforme faturas e notas de crédito constantes na contabilidade, das vendas realizadas constantes no SAFT- PT da FATURAÇÃO (unidades e valores) e dos inventários das existências iniciais e finais/ (unidades / e ou valores) apresentados, verificando-se, várias incongruências e inexatidões, indiciando claramente inexatidões / omissões nas prestações de serviços declarados e descrédito da contabilidade».
iv) «- BEBIDAS: // As bebidas representam na ordem dos 21,70% e 20,06% da totalidade dos serviços prestados nos anos de 2015 e 2016 respetivamente.
v) Foram analisados e recolhidos a totalidade dos valores do grupo de bebidas (valores monetários), ou seia, compras e devoluções. SAFT- PT faturação e inventários de algumas famílias de produto e outros produtos específicos conforme assinalados* no quadro anterior. // Com base no trabalho e metodologia desenvolvida apresentamos os valores (€) das BEBIDAS agrupadas por famílias de produtos selecionados, conforme quadro seguinte:
«Texto no original »
vi) Os valores do quadro anterior refletem e indiciam um cenário de omissões de proveitos (prestação de serviços), porquanto, a Margem Bruta I (Margem bruta sobre as vendas) nos dois exercícios económicos nos produtos selecionados é NEGATIVA. Esta situação, revela por si só, descrédito dos valores da contabilidade, face à realidade e atendendo aos preços unitários de compra e venda efetivamente praticados pelo sujeito passivo.
vii) De realçar o facto da MB I dos produtos CERVEJA, BEBIDAS LICOROSAS (ano de 2015) e Outras Bebidas (Espumante + Somersby) ser sempre negativa, assim como, a dos refrigerantes também apresentar valor extremamente baixo.
viii) Dado que, não tivemos acesso ao SAFT- T Completo da faturação do exercício de 2015 (mês de Julho - Restaurante R..........) e mesmo considerando aquele montante de 6.439,94 € na totalidade como sendo vendas dos produtos selecionados (bebidas / CERVEJA), o que é pouco provável, a MB I manter-se-ia negativa.
ix) A evidência da MB I negativa, que se traduz num preço de venda inferior ao preço de aquisição, “apontam” para inexatidões e consequente descrédito dos valores da contabilidade e das Prestações de serviços (proveitos) declarados».
x) «Apresenta-se no quadro seguinte um cenário inequívoco de omissões, onde se apuram as vendas expetáveis (unidades) comparativamente às constantes no SAFT-T de faturação, pelo que temos:
«Texto no original»

i) Notas: Para efeitos de contagem (unidades) apenas foram considerados, os fornecedores mais representativos na aquisição de refrigerantes
(…)
xi) «O produto que selecionamos para o efeito é o "CAFÉ”, sendo este adquirido aos fornecedores, R………….. SA, António ……….. (Cafés …..) e J………. SA (JMV). Este produto CAFÉ é comercializado com vários descritivos /denominações, nomeadamente, Bica, Garotos, Café Duplo, meia de leite, CAPPUCCINO, assim como, poderá estar incluído no descritivo genérico de CAFETARIA.
xii) De forma a testar-se a consistência dos valores declarados do CAFÉ, foi recolhida a totalidade dos valores de (KGS) constantes na contabilidade, compras, inventários e respetivas unidades de venda de “N" produtos que constem no SAFT - de faturação, que incluam na sua composição o produto Café.
xiii) Para determinar a quantidade (gramas) de café para produzir uma unidade de café, recorremos a informação constante na NET, (……….. CAFÉS), sendo referenciado o valor de 8 gramas, (valor máximo)
xiv) As unidades expectáveis de venda de unidades de café, obter-se-ão, pela divisão da totalidade do café consumido (gramas), pela dose necessária para produzir uma unidade de café de 8 gramas. // Todos os produtos que não tenham a denominação Café, mas que nos mesmos esteja incluído este produto, consideramos para esse efeito, uma unidade de café incluído nos mesmos. No descritivo café duplo, consideramos 2 unidades.
«Texto no original»
Cálculos: / CAFÉ

xv) CONCLUSÃO: // Nos testes realizados fica demonstrado indícios de omissões de prestação de serviços»
(…)
xvi) «Atendendo às datas das últimas compras de alguns produtos, vendas constantes no SAFT- T e inventário final, depara-se com situações que poderão corresponder ou / e desacreditação das existências finais (de 2015 e iniciais de 2016) e / ou omissão de proveitos no ano de 2015 e / ou omissão de compras no ano de 2016 identificando algumas situações a saber: // a)- No dia 30-12-2015, foram adquiridas bebidas licorosas (2 garrafas de cointreau e 4 garrafas de WHISKY), ao fornecedor R.......... SA, não constando qualquer venda destes artigos, quer no dia 30 e 31 de dezembro assim como não constam nas existências finais (inventário de 2015); // No dia 31-12-2015. foram adquiridos ao fornecedor R.......... SA, 54 Kgs de peixe (Dourada + Robalo), no valor total de 312,12 € sem que conste qualquer valor daqueles produtos no SAFT- faturação das vendas e nas respetivas existências Finais;
A título de exemplo e naqueles mesmos produtos referidos nas alíneas anteriores, verificam-se vendas de peixe até ao dia 02-01-2016 no valor global de 369,11 € e bebidas licorosas (RICARD...), sem que no decorrer destes prazos tenha havido compras dos produtos em causa;
« Texto no original»
xvii) No quadro seguinte, e a titulo exemplificativo, identificamos com alguns produtos, que não constam no inventário de 2015, nem há qualquer compra até ao dia 10 de janeiro de 2016, mas existem vendas no mesmo período.

xviii) Face às constatações referidas, é nossa convicção que os valores de existências dos anos de 2014, 2015 e 2016 não correspondem aos inventários reais, esclarecendo-se que este elemento (inventário), constitui um dos componentes mais importantes das demonstrações financeiras - (conceito, definição e regras) encontram-se previstos no SNC - Sistema de Normalização Contabilística - ver NCRF (Norma Contabilística e de Relato Financeiro) 18 - sendo obviamente exigível rigor na sua elaboração, o que seguramente não ocorreu, desacredita-se a valorimetria das existências nos termos do art.° 26° do CIRC, não transmitindo à contabilidade uma imagem verdadeira e apropriada, no que diz respeito aos resultados fiscais e demonstrações financeiras apresentados, não merecendo estes credibilidade».
xix) «3- Conclusão: // 3.1 - Face às evidências, das situações atrás descritas, no seu todo, a contabilidade não merece credibilidade, refletindo, erros, situações claras de inexatidões, cuja relevância e materialidade, traduz-se em omissões de proveitos (Serviços Prestados), conduzindo-nos à inviabilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria coletável, os quais configuram os factos, que constituem fundamento para aplicação de métodos indiretos, nos anos de 2015 e 2016, nos termos da alínea b) do n°1 do art.° 87° e alíneas a) e d) do art.° 88° da Lei Geral Tributária. // Com efeito, ficou demonstrada a inexistência / insuficiência de elementos de contabilidade, pelo que nos termos do artigo 57.° do Código do IRC e do artigo 90° do Código IVA, estão reunidas as condições para a aplicação de métodos indiretos nos exercícios indicados».
Os elementos coligidos nos autos não são impugnados pela recorrente. As omissões relativas ao programa SATF não foram supridas, apesar da notificação ocorrida nesse sentido. As omissões de facturação, a falta de inventários, o prejuízo fiscal de 2014 a 2016, as margens de venda negativas comprovam a inexistência de contabilidade fidedigna e, nessa medida, justificam a impossibilidade da avaliação directa da matéria colectável. No caso, não existe forma de aceder, com base nos registos do contribuinte, aos proveitos pelo mesmo obtidos nos exercícios em causa. Pelo que não merece reparo a decisão de determinação da matéria colectável com base nos métodos indirectos.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não merece censura, devendo ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.3. No que respeita ao fundamento do recurso referido em (ii), a recorrente invoca que ocorre excesso na quantificação da matéria colectável, dado que: «Em particular não foi considerado o facto de que os restaurantes em causa se localizavam em zona com indicadores económicos inferiores à média do Distrito de .......; // Ou seja, ainda que se pudesse o rácio indicado, sempre teria a ATA que corrigir o mecanismo para considerar as especificidades da Recorrente».
Apreciação. A este propósito, constitui jurisprudência fiscal assente a de que:
i) «Ainda que caiba à Administração Tributária eleger o critério conducente à determinação da matéria tributável, o mesmo tem de revelar-se adequado e racionalmente justificado, isto é, tem de revelar-se como um modo adequado de aproximação à realidade que visa tributar. // Em caso de litígio entre o contribuinte e a Administração Tributária quanto ao critério eleito e aos resultados deste, cabe ao Tribunal verificar a sua correcta interpretação e aplicação ao caso concreto, isto é, aferir se o “critério presuntivo eleito” se revelou nas circunstâncias concretas ajustado e adequado ao fim tido em vista e se essa adequação e justeza de mostra comprovada pelos factos apurados» (6).
ii) «O critério usado pela AT na quantificação da matéria tributável por métodos indiciários tem de revelar-se adequado e racionalmente justificado – um modo adequado de aproximação à realidade –, mas não pode ser atacado com o fundamento de que outro ou outros se revelariam mais ajustados, pois não pode perder-se de vista que a quantificação por presunção é imputável exclusivamente ao contribuinte, que se queria ser tributado pelo lucro real, deveria ter cumprido com as obrigações que sobre ele recaíam» (7).
iii) «(…) ainda que a AT esteja legitimada a recorrer aos métodos indirectos para a fixação da matéria tributável, na respectiva decisão tem de indicar qual o critério que utilizou para a quantificação, o qual, devendo constituir um modo adequado de aproximação à realidade, tem de apresentar-se como adequado e racionalmente justificado» (8).
No caso, o critério seguido pela AT consiste no seguinte:
i) De forma a calcularmos as Prestações de Serviços PRESUMIDAS e consequente acréscimo de proveitos nos exercícios em causa, recorremos à Média do Rácio da Margem Bruta MB II (R17) - a nível Regional - ....... para o CAE; 56101 (Restaurantes típo Tradicional) ao dispor da Autoridade Tributária.
« Texto no original»

ii) Em anexo I rácios ao dispor da Autoridade Tributária. // Este rácio expressa o peso exercido no volume de negócios pela componente de custos relativas ao consumo e uso de bens e serviços destinados ao desenvolvimento da atividade (FSE) e do custo das mercadorias e das matérias consumidas (CMVMC).
iii) Utiliza-se o Rácio MB II porque, em face da estrutura de gastos contabilizada, é aquele que demonstra uma maior consistência (agrega a rúbrica do “custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas" e Fornecimentos e Serviços Externos (FSE) gastos mais representativo ou seja, 66,34% e 70,78% respetivamente em 2015 e 2016.
iv) Evidencia-se de seguida a fórmula do mencionado Rácio:

Margem Bruta II = [( Volume de negócios - FSE - CMVMC) / Volume de negócios] x 100 (…)
v) Face ao acréscimo Presumido da Prestação de serviços de 109,981,99, € e 113.770,86 € nos anos de 2015 e 2016 respetivamente, determinado com recurso a métodos indiretos em sede de IRC, procede-se nos termos do art.° 90° do CIVA, à liquidação adicional de IVA presumido, no valor de 25.295,85 € e de € 19.576,15 para os anos de 2015 e 2016 respetivamente. Considera-se para efeito daquele cálculo, o acréscimo das Prestações presumidas, proporcionalmente ao conhecido (contabilidade), tendo em consideração as diferentes taxas de IVA, distribuindo-se aqueles nos 4 trimestres, conforme inicialmente declarado pelo sujeito passivo, (…)» (9).
Em face do método adoptado, não se vê como acolher a tese do erro ou excesso na quantificação. As especificidades da recorrente estão integradas na média ponderada obtida para o sector de actividade da região em causa. Mais se refere que a recorrente não alega, de forma concreta e circunstanciada, sobre eventuais erros que o método em liça poderia conter. Erros que não se comprovam nos autos, tanto mais quanto é patente a preocupação com as várias componentes que integram a ponderação.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não enferma de erro de julgamento, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e Notifique.
O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Hélia Gameiro Silva e Ana Cristina Carvalho.

(Jorge Cortês - Relator)

(1) Elisabete Louro Martins, O ónus da prova no Direito Fiscal, Coimbra Editora, 2010, p. 131.
(2) Ana Paula Dourado, Direito Fiscal, 2.ª Edição, Almedina, 2018, p.212.
(3) Acórdão do TCAS, de 21.05.2015 P. 07637/14.
(4) Acórdão do TCAS, de 10.07.2014, P. 07149/13.
(5) V. n.º 3 do probatório.
(6) Acórdão do TCAS, 05.09.2019; P. 454/04.6BESNT
(7) Acórdão do STA, de 19/11/2014, P. 0407/12
(8) Acórdão do STA, de 24/02/2016, P. 0329/14
(9) V. supra ponto V do RIT.