Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:477/23.6 BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:01/11/2024
Relator:LINA COSTA
Descritores:IDLG
AUTORIZAÇÃO RESIDÊNCIA
SUBSIDIARIEDADE
Sumário:I- O artigo 109º do CPTA prevê os requisitos da indispensabilidade e da subsidiariedade do meio processual de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias;
II- O A./recorrente invoca a demora no exercício do seu direito à emissão da autorização de residência, na sequência da manifestação de interesse que dirigiu ao Recorrido, ao abrigo do artigo 88º nº 2 da Lei nº 23/2007, em 13.1.2022, para o que podia e devia ter instaurado acção administrativa de condenação à prática do acto devido e providência adequada a assegurar a utilidade da decisão de procedência a obter naquela, significando que a acção de intimação para protecção de direitos liberdades e garantias instaurada, de natureza urgente e excepcional, configura meio processual inidóneo para o efeito.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em sessão da Subsecção de Administrativo Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

J………, devidamente identificado como requerente nos autos da acção intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias instaurada contra o Ministério da Administração Interna, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença, proferida em 22.2.2023, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que indeferiu liminarmente a petição inicial.
Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«A) O Tribunal a quo faz um[sic] interpretação errada da Lei e ignora a Jurisprudência assente no STA e TCA SUL e TCA NORTE sobre a idoneidade do presente instrumento legal.
B) A Intimação para Defesa de Direitos, Liberdades e Garantias é o Único instrumento legal adequado para a defesa dos interesses do Requerente os quais estão[sic]
C) É o instrumento legal mais adequado na defesa dos valores constitucionais em jogo.
D) O uso da providência cautelar pela sua precariedade é incerto no seu desfecho.
E) Depende de uma Ação principal que poderá demorar anos e anos.
F) Somado a isso o Réu SEF recorre atualmente das providências cautelares.
G) O que aumenta ainda mais a incerteza do Requerente.
H) O signatário fez jurisprudência no STA e no TCA-SUL por quatro vezes sobre a idoneidade do presente instrumento legal.
I) O Requerente vê ameaçada a sua identidade em território nacional o seu emprego, está a pagar impostos e não vê reconhecidos os seus direitos.
J) Não existe tempo a perder devendo o R. SEF ser devidamente Intimado a decidir e a emitir o respectivo título de residência ao Autor.».
Requerendo,
«TERMOS EM QUE SE CONCLUI E REQUER COM O MUI DOUTO PROVIMENTO DE V. EXAS :
A) SER CONSIDERADO PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO.
B) DEVE SER REVOGADA A SENTENÇA A QUO.
C) DEVE SER RECONHECIDA EM DEFINITIVO A INTIMAÇÃO PARA DEFESA DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS COMO O ÚNICO INSTRUMENTO LEGAL PARA MELHOR SALVAGUARDA DOS INTERESSES DO REQUERENTE E NA DEFESA DA LEI E DA CONSTUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA.
D) DEVE SER AINDA O RÉU SEF INTIMADO OU CONDENADO A DECIDIR DE IMEDIATO.
E) DEVE AINDA SER O RÉU SEF CONDENADO A EMITIR A RESPECTIVA RESIDÊNCIA LEGAL DO AUTOR COM URGÊNCIA.».

O Recorrido veio dizer que concorda com a sentença recorrida.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), vem o mesmo à sessão para julgamento.

A questão suscitada pelo Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consiste, no essencial, em saber se a sentença fez uma interpretação errada da legislação aplicável ao decidir rejeitar liminarmente a petição inicial.

O tribunal recorrido com interesse, considerou provados os seguintes factos:

«1. J……. (requerente) é nacional da Índia.
Cf. introito do requerimento inicial; e documento n.º 1 junto com o articulado inicial

2. O requerente reside em território português, em concreto no Largo do Adro n.º 1, na localidade de B.....
Cf. introito do requerimento inicial.

3. Em 13.01.2022, o requerente submeteu uma manifestação de interesse com vista à concessão de autorização de residência temporária em território português.
Cf. documento n.º 1 junto com o articulado inicial.

4. O presente processo deu entrada em juízo em 15.02.2023.
Cf. documento a fls. 1-2 dos autos em paginação eletrónica.


*

Factualidade NÃO PROVADA:

1. Não se provou qualquer circunstância que imponha a necessidade de tomada de uma decisão urgentíssima, em concreto a concessão de autorização de residência em território português a favor do requerente.


*

Motivação:

Na determinação do elenco dos factos considerados provados/não provados, o Tribunal considerou a posição assumida pelo requerente no respetivo articulado inicial, e a análise global dos documentos juntos com esse mesmo articulado.

Para melhor elucidação, ficou identificado, a propósito de cada facto elencado, o documento/circunstância que, em concreto, alicerçou a convicção do Tribunal.

Da fundamentação de direito da sentença recorrida extrai-se o seguinte:
«Da (in)adequação do meio processual utilizado (intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias)
A forma de processo é estabelecida pela lei, por referência aos diferentes tipos de pretensões que podem ser deduzidas em juízo (Cf. artigo 20.º da Lei Fundamental; e artigo 2.º n.º 2 do Código do Processo Civil (CPC), sendo que a propriedade ou adequação da forma de processo afere-se pela pretensão que se intenta ou deseja valer, ou seja, pelo pedido formulado.
Ora:
O processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, previsto no artigo 109.º do CPTA, configura um meio processual urgente, de natureza principal e não cautelar, que pode ser requerido quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º
(…)
Assim, a idoneidade desta intimação depende, pois, (i) da urgência da tutela requerida, (ii) da imprescindibilidade de uma tutela urgente definitiva (subsidiariedade), e (iii) da existência de direitos fundamentais passíveis de tutela jurisdicional ao abrigo dos artigos 109.º e ss. do CPTA.
(…)
Alega o requerente que se encontra à espera de ver decidido o seu requerimento para concessão de autorização de residência há mais de (12) doze meses, e que tal circunstância, por acarretar a ilegalidade da sua permanência em território português, implica que não possa beneficiar da aplicação do princípio da equiparação, ou do tratamento nacional; mais alega que tal circunstância afeta ainda afeta o seu direito à liberdade e à segurança, o seu direito à identidade pessoal, o seu direito à saúde e acesso à saúde, e o seu direito à família.
Sucede que em relação a nenhuma das referidas circunstâncias vem o requerente alegar factos que concitem qualquer situação de urgência, para lá dos normais incómodos associados à incerteza de estar a aguardar uma decisão da Administração há um tempo já (demasiado) longo, relativamente à decisão do seu pedido de autorização de residência, não dando, por conseguinte, satisfação ao ónus de alegação e de prova que lhe estava cometido, de acordo com as regras gerais do ónus da prova.
O requerente deveria alegar e provar, com apoio em factos concretos, a necessidade de tomada de uma decisão urgentíssima. Competia-lhe alegar e demonstrar, por via de uma alegação devidamente substanciada/concretizada, no caso concreto de J………….. (requerente), as razões que impunham uma decisão célere, e que a condenação na prática do ato devido, concessão de autorização de residência a seu favor, ainda que a título provisório, era, no caso concreto, insuficiente.
Dito de outro modo, o processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não se satisfaz com a circunstância de a tutela do (pretenso) direito fundamental exigir a prática de um ato administrativo ilegalmente recusado ou omitido, pois que terá que ser preenchido, para além de outros, o pressuposto da urgência de que depende a sua utilização, o que não sucede na hipótese vertente.
Com efeito, o requerente nada alegou, e, portanto, nada provou, no sentido de que, se a decisão de mérito não for proferida num processo urgente, haverá (i) uma perda irreversível de faculdades de exercício do (pretensos) direitos que alega (direito a residir (legalmente) em Portugal e a ser portador do respetivo título de residência); e/ou (ii) uma qualquer situação de carência pessoal (ou familiar), em que esteja em causa a imediata e direta sobrevivência pessoal do próprio, ou de alguém (cumpre salientar que, a este propósito, o requerente a limitou-se a afirmar que tem de pagar na integralidade as taxas para ter aceso ao sistema de saúde; desconhece-se, por exemplo, por falta de alegação, em que dia e hora é que tal situação já terá ocorrido, na situação concreta de J………. (requerente).
O que está em causa é, por certo, certa atuação, ou melhor, omissão administrativa quanto ao pedido de concessão de autorização de residência, formulado pelo requerente a 13.01.2022.
Assim sendo, por não virem alegadas concretas – é dizer, em relação a J………. (requerente) – circunstâncias que exijam que a tutela pretendida seja urgentíssima, falece o primeiro pressuposto mencionado: a urgência da tutela requerida.
Tal será bastante para considerar que não estão reunidos os pressupostos processuais específicos da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias[sic]
Acresce que, mesmo que se verificasse alguma urgência na tutela requerida, não existe qualquer indício de que essa urgência não pudesse ser acautelada provisoriamente (por meio de tutela cautelar com eventual decretamento provisório da providência a requerer), enquanto o requerente aguardasse a decisão de um processo principal condenatório (não urgente).
Com efeito, o legislador relaciona o requisito da impossibilidade ou insuficiência do decretamento provisório de uma providência cautelar, próprio da intimação do artigo 109.º do CPTA, com a indispensabilidade da célere emissão de uma decisão de mérito para assegurar a tutela de direitos, liberdades e garantias em tempo útil; o que permite caracterizar a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias como meio processual subsidiário relativamente aos outros meios processuais previstos no CPTA, nomeadamente, quando em confronto com a tutela cautelar (urgentíssima).
Nos casos em que essa tutela requerida possa ser efetivamente assegurada pelo recurso aos demais meios processuais, nomeadamente, por ser possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, o processo de intimação regulado nos artigos 109.º e ss. do CPTA não deve ser admitido.
(…)
Termos em que, para lá da falta de comprovada urgência na presente ação, não se encontra verificado também o pressuposto específico da subsidiariedade da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.
(…)
A falta de qualquer um dos referidos pressupostos de admissibilidade consubstancia exceção dilatória inominada de inadequação do meio processual, de conhecimento oficioso.
Sucede que:
O princípio da tutela jurisdicional efetiva exige que, antes de se concluir pelo indeferimento liminar do requerimento inicial por falta de pressupostos processuais, se indague da possibilidade de convolação da presente intimação noutro meio processual para o qual o pedido se mostre adequado e desde que se encontrem reunidos os respetivos pressupostos processuais.
(…)
As pretensões formuladas pelo requerente respeitam à prática de atos administrativos, pelo que, não se subsumindo a entidade demandada ao universo de entidades previstas no artigo 20.º n.º 1 do CPTA, são aplicáveis, ao caso dos autos, as regras de competência territorial fixadas nos artigos 16.º n.º 1 e 20.º n.º 6, ambos do CPTA, de onde resulta a atribuição de competência, em razão do território, ao tribunal administrativo da área da residência habitual do autor/requerente.
Ora, resulta do ponto (2) do probatório que o requerente reside em B…., freguesia do município de Serpa, circunscrição territorial que integra a área de jurisdição do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, sendo, por isso, esse o tribunal territorialmente competente para conhecer do objeto da ação principal e, por conseguinte, do processo cautelar que venha a ser intentado, para tutela dos interesses em causa.
(…)
Por conseguinte, no caso dos autos, não se mostra possível convolar o requerimento inicial em ação administrativa não urgente, uma vez que a convolação em causa redundaria, necessariamente, na declaração de incompetência relativa deste tribunal, em razão do território e, portanto, na prática de atos inúteis, expressamente proibidos pelo citado artigo 130.º do CPC, devendo o requerente, caso assim entenda, intentar o processo cautelar destinado à tutela dos interesses invocados junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, por ser esse o tribunal territorialmente competente para conhecer do objeto da ação principal de que as providências a requerer são instrumentais.
Nesta conformidade, por não se encontrarem verificados os pressupostos de recurso ao presente processo de intimação, tal circunstância traduz-se numa exceção dilatória inominada, determinante do indeferimento liminar da petição inicial, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 109.º n.º 1 e 110.º n.º 1, ambos do CPTA, e 590.º n.º 1 do CPC, ao que se provirá na parte dispositiva da presente decisão.».

Discorda o Recorrente do decidido, alegando que, desde 2019, verifica-se uma evolução jurisprudencial no sentido de aclamar esta acção como o mecanismo processual idóneo a despoletar a emissão de uma decisão administrativa relativamente a pretensões de concessão de residência em território nacional, como resulta, designadamente, dos acórdãos do STA de 11.9.2019, no proc. nº 1899/18.0BELSB e deste TCAS, de 15.12.2018, proc. nº 2482/17.2BELSB, de 23.2.2023, tendo o signatário visto confirmados pela quarta vez os seus argumentos sobre a idoneidade deste meio processual.
Contudo, também é vasta a jurisprudência deste Tribunal divergente na matéria, como por exemplo a que resulta do ainda mais recente acórdão de 7.6.2023, proc. nº 166/23.1BEALM, com o seguinte sumário [in www.dgsi.pt]:
«I – Do art. 109º n.º 1, do CPTA, resulta que a utilização da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias depende dos seguintes pressupostos:
1) - a necessidade de emissão urgente de uma decisão de mérito seja indispensável para protecção de um direito, liberdade ou garantia [indispensabilidade de uma decisão de mérito];
2) - não seja possível ou suficiente o decretamento de uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa normal [impossibilidade ou insuficiência do decretamento de uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa, isto é, o requisito da subsidiariedade].
II – Invocando a autora que tem direito à concessão da autorização de residência, a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é um meio processual inidóneo, já que a autora poderá intentar uma acção administrativa, sendo-lhe possível obter a tutela urgente dos direitos que invoca através de um processo cautelar, no qual formule pedido de intimação do réu a conceder, provisoriamente, a autorização de residência.
III - A concessão da autorização de residência a título provisório não contende com os limites intrínsecos da tutela cautelar, concretamente com a sua natureza provisória, pois, de acordo com o estatuído no art. 75º n.º 1, da Lei 23/2007, de 4/7, na redacção da Lei 18/2022, de 25/8, a autorização de residência aqui em causa é válida pelo período de dois anos contados a partir da data da emissão do respectivo título e é renovável por períodos sucessivos de três anos, pelo que, caso a acção principal improceda, tal implicará a caducidade da autorização de residência concedida a título provisório (ou da respectiva renovação), ou seja, é possível reverter os efeitos criados, isto é, a concessão de autorização de residência a título cautelar não conduz a uma situação definitiva e irreversível[sublinhados nossos].
Ou o de 13.7.2023, prolatado no proc. nº 866/23.6BELSB (não publicado), também deste Tribunal, e de cujo teor, consultado no SITAF, se extrai: «(…)
21. O requerente, e ora recorrente, afirma que tem direito a que a entidade requerida decida a pretensão por si formulada em 4-4-2022 e, consequentemente, emita o seu título de residência, e que se verifica uma violação desse direito, por já ter sido ultrapassado o prazo legal para o processamento do seu pedido, o que, por si só, justifica o direito de recorrer ao presente processo de intimação. Contudo, não lhe assiste razão.
22. Com efeito, está em causa a alegada omissão do SEF em apreciar o pedido de autorização de residência formulado pelo recorrente e, segundo este alega, emitir a correspectiva autorização. Porém, é patente que o recorrente não deu satisfação ao ónus de alegação e de prova que lhe estava cometido, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, no sentido de demonstrar a imprescindibilidade do recurso ao presente meio processual, por não ser possível, em tempo útil, o recurso a uma acção administrativa de condenação à prática do acto devido, complementada com um pedido cautelar.
23. Percorrendo novamente quer o requerimento inicial, quer a alegação de recurso, constata-se que o requerente/recorrente não alega um único facto concreto do qual resulte que, pela circunstância da sua pretensão ser apreciada no âmbito da acção administrativa e, portanto, de uma decisão final com trânsito em julgado numa tal acção poder demorar, pelo menos – atendendo aos prazos previstos para a sua tramitação e à possibilidade de recurso jurisdicional – vários meses, tal circunstância seja susceptível de retirar utilidade à apreciação do seu pedido de autorização de residência que só nessa data seja efectuado.
24. Com efeito, o requerente/recorrente não alegou – e, consequentemente, não provou – que, caso a decisão de mérito não fosse proferida num processo de natureza urgente, haveria (a) uma perda irreversível de faculdades de exercício desse direito (o direito a residir em Portugal), e (b) uma qualquer situação de carência pessoal ou familiar em que estivesse em causa a imediata e directa sobrevivência pessoal de alguém. O recorrente limitou-se a alegar está a fazer descontos e a pagar impostos desde 2022 em território nacional, não tem a sua identidade reconhecida em Portugal, tem o seu trabalho em risco, pelo que estar a propor outro tipo de acção não tem qualquer sentido e, pior, vem aumentar o sofrimento do autor, sendo certo que este, não tem só deveres, mas também direitos e aplicáveis por via do artigo 15º da CRP.
25. De tudo quanto se afirmou, resulta inequívoco que o requerente/recorrente não alegou – e também não alega no presente recurso – um único facto concreto que permita concluir que o invocado direito a obter a autorização de residência não terá utilidade caso só venha a ser concedido mediante uma decisão a proferir em acção administrativa, eventualmente cumulada com um pedido de natureza cautelar, isto é, que estas acções não são suficientes para assegurar o exercício em tempo útil desse direito. Ou, dito por outras palavras, o requerente/recorrente não invoca qualquer facto concreto do qual resulte que, pela circunstância da sua pretensão vir apenas a ser apreciada no âmbito duma acção administrativa, ficará sem qualquer utilidade a eventual condenação dos réus que aí possa vir a ocorrer, de deferimento do pedido de autorização de residência oportunamente formulado.
26. A inadequação do meio processual “intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias” decorre ainda da possibilidade da acção administrativa poder ser acompanhada de um pedido de decretamento de providência cautelar, pois tal como salientou a sentença recorrida, o decretamento de uma providência cautelar que intime a entidade requerida a emitir um título de residência provisório mostra-se suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, dos direitos que o recorrente invoca, além de não esgotar o objecto da acção principal.».
Este acórdão teve voto de vencido pelo 2º Adjunto que «(…), teria entendido que a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, se mostrava o meio processual adequado ao fim visado.».
E declaração de voto do 1º Adjunto, de cujo teor se extrai: «Subscrevo o sentido da decisão, mas não a sua fundamentação, porquanto entenderia que não se mostra legalmente possível regular cautelarmente/provisoriamente a pretensão trazida a juízo pelo requerente/recorrente.
(…)».
Aqui, em abstracto, o meio idóneo seria a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, porquanto seria a forma processual de ver acautelada a pretensão do recorrente.
Contudo, se o seria em abstracto, não o será em concreto.
Para que o fosse era necessário que do requerimento inicial apresentado se pudesse vislumbrar que o adiamento deste processo de espera que vem tendo lugar desde que apresentou requerimento no SEF, estivesse a pôr em causa, de forma irremediável, intolerável e iminente algum seu direito, liberdade ou garantia (ou direito análogo).
A extrema urgência inerente ao presente meio processual impõe que devamos fazer uma triagem estrita daquilo que é verdadeiramente urgente e indispensável para salvaguarda de direitos, liberdades e garantias ou outros direitos e garantias de natureza análoga.
Isto sob pena de vulgarizarmos a urgência e passarmos a ter, na presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, uma espécie processual ineficiente e votada ao fracasso na protecção das verdadeiras urgências e atropelos aos verdadeiros direitos, liberdades e garantias.».

Todas estas decisões [incluindo as referidas pelo Recorrente] partem do pressuposto de que a verificação dos requisitos da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, enunciados no artigo 109º do CPTA, é efectuada por referência a um caso específico.
O mesmo é dizer que a indispensabilidade e subsidiariedade deste meio processual se aferem relativamente ao que concretamente é alegado e pedido na petição, em cada acção de intimação instaurada ao abrigo do artigo 109º, não sendo admissível afirmar apenas por referência a um determinado tipo de pretensão – como a emissão de uma autorização de residência, excedido prazo previsto na lei para a Administração decidir o correspondente pedido – que tais requisitos se encontram verificados.
Ainda que na petição sejam indicados direitos, tipificados como fundamentais ou como direitos análogos, na CRP, é ónus do requerente alegar factos que permitam concluir que a não emissão de uma decisão de mérito célere que imponha à Administração uma determinada actuação ou omissão, irá pôr em causa o respectivo exercício em tempo útil, por não ser possível ou suficiente nas circunstâncias do caso o decretamento de uma providência cautelar, necessariamente dependente ou instrumental de uma acção administrativa não urgente.
Não basta, por isso, o mandatário do Requerente alegar que já instaurou muitas outras acções de intimação parecidas ou para o mesmo efeito, e obteve várias decisões favoráveis em 1ª instância e em recurso, e, em termos genéricos, limitar-se a enunciar a violação de determinados direitos, liberdades e garantias ou, como, no caso em apreciação, os direitos fundamentais à segurança, à identidade pessoal, à estabilidade no trabalho, à protecção na saúde, à família -, sem observar o ónus, que sobre si recai, de densificar essa violação e de juntar prova para o efeito.
Ónus que o Requerente/recorrente não logrou cumprir, não demonstrando a pretendida urgência ou indispensabilidade do uso desta acção de intimação.
Quanto à subsidiariedade, na petição e no presente recurso, foi defendido que o único meio adequado para satisfazer a pretensão do Requerente/recorrente de intimação ou condenação do Recorrido a emitir a autorização de residência requerida, era a presente acção, de natureza urgente, principal e apta a decidir do respectivo mérito, não sendo idóneo para o efeito o decretamento de uma providência cautelar por precária e incerta, susceptíveis de esgotar o objecto da acção principal, e cujas decisões de decretamento têm merecido recurso pelo Recorrido e algumas sido indeferidas por este Tribunal, mantendo a situação de ilegalidade.
Ora, não preenchido um dos pressupostos, de verificação cumulativa, previstos no artigo 109º do CPTA, é de admitir que o requerente poderia ter exercido o/s direito/s em causa mediante a instauração de uma acção administrativa não urgente, pelas razões expostas, mormente no excerto reproduzido do acórdão de 7.6.2023, proc. nº 166/23.1BEALM.
Assim sendo, porque as providências cautelares são complementares dos meios processuais principais, visando assegurar a utilidade da decisão que venha a ser proferida nestes, de que são instrumentais, é também de admitir que na situação em apreciação exista providência que, de forma provisória, permita ao Requerente exercer os direitos de que se arroga.
O juiz a quo não determinou a substituição da petição por requerimento cautelar por considerar que, em função da residência do Recorrente, o tribunal territorialmente competente para conhecer da acção administrativa não urgente e da/s providência/s necessária/s a assegurar a utilidade da decisão de procedência a proferir naquela, é o Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, prejudicando a eventual convolação a proibição da prática de actos inúteis.
Assim, não sendo objecto do recurso a decisão de não convolar a presente acção em providência cautelar, resta concluir que não assiste razão ao Recorrente quanto à defendida idoneidade do presente meio processual, no que ao seu caso concerne.
Atendendo ao que o presente recurso não pode proceder.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e, em consequência, manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 11 de Janeiro de 2024.


(Lina Costa – relatora)

(Marta Cavaleira)

(Ricardo Ferreira Leite)