Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:286/20.4BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:02/18/2021
Relator:CATARINA VASCONCELOS
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
PRAZO
FÉRIAS JUDICIAIS
Sumário:I - Terminando, o prazo para intentar processo do contencioso pré-contratual a que se referem os art.ºs 100º e segs. do CPTA, no período de férias judiciais, o seu termo transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, nos termos dos art.ºs 101º, 97º, n.º 1, al. c) e 58º, n.º 2 do CPTA.
II – Este regime legal não viola o direito comunitário em matéria de contratação pública.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul

I – Relatório:

A T....., SA intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, a presente ação administrativa relativa a contencioso pré-contratual contra o Hospital de Santarém, EPE e a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo e, na qualidade de contrainteressada, M....., Lda pedindo que sejam anulados “os atos impugnados nos quais se procede à graduação da proposta da A. em segundo lugar e se decide pela adjudicação do procedimento à Contrainteressada”, que se condenem as RR “a proferir decisão de adjudicação do procedimento a favor da A., tendo em conta a classificação de todos os fatores de ponderação já existentes” e que, caso o contrato haja sido celebrado, seja anulado o contrato celebrado entre a R. Adjudicante e a Contrainteressada, por invalidade consequente. Mais pediu que, nos termos e para os efeitos do artigo 45º do CPTA, caso a anulação dos atos em causa se revelasse impossível ou inexigível para o interesse público, que fossem as RR. condenadas ao pagamento de indemnização substitutiva no valor máximo de € 67.989,60 (sessenta e sete mil, novecentos e oitenta e nove euros e sessenta cêntimos) correspondente ao valor do contrato proposto pela A, acrescida dos correspondentes juros de mora aplicáveis.

Em 24 de novembro de 2020 foi proferido despacho saneador-sentença nos termos do qual se julgou verificada a exceção de ilegitimidade passiva da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, que se absolveu da instância e bem assim a caducidade do direito de ação, o que determinou a absolvição da instância do R. Hospital de Santarém, EPE.

A A., inconformada, recorreu de tal decisão, formulando as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto relativamente à decisão recorrida, tomada em sede de despacho saneador, nos termos da qual, por aplicação do disposto nos artigos 101º, na alínea K) do nº 4 do artigo 89º e alínea c) do nº 1 do artigo 97º do CPTA, se determinou pela absolvição da instância face à 1ª R. e face à Contrainteressada.

B. O Tribunal Recorrido considerou que a presente ação deveria ter sido intentada até ao dia 20/07/2020, sendo certo que apenas foi intentada em 24/07/2020, pelo que, em resultado, o foi de forma manifestamente intempestiva.

C. O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, violou de forma evidente as normas substantivas aplicáveis, nomeadamente o disposto na alínea e) do artigo 279º do Código Civil, do nº 2 do artigo 58º do CPTA e, em consequência, o disposto no artigo 101º do CPTA, bem como conduziu à errada aplicação do disposto na alínea K) do nº 4 do artigo 89º e alínea c) do nº 1 do artigo 97º ambos do CPTA, todas relativamente ao prazo para intentar a presente ação de contencioso pré contratual urgente.

D. A questão a decidir assentará, assim como assentou a fundamentação da Douta sentença recorrida, na correta interpretação do mencionado artigo 279º do Código Civil, mormente da sua alínea e), aplicável diretamente por imposição do disposto no nº 2 do artigo 58º do CPTA, sendo certo que, erroneamente na nossa opinião, o Tribunal Recorrido considerou que tal norma não justificou a remessa tempestiva da petição inicial nos presentes autos.

E. Considerou o Tribunal Recorrido não ser aplicável, ao presente caso, o disposto na alínea e) do artigo 279º do Código Civil quanto à contagem objetiva do prazo pelo Tribunal Recorrido.

F. Não é controvertido no âmbito da decisão recorrida a direta aplicação do mencionado artigo 279º do Código Civil ao contencioso pré-contratual.

G. Tal disposição sempre seria aplicável por estar em causa, não um prazo processual, mas um prazo substantivo, visto ser um prazo de caducidade anterior à pendência da relação processual.

H. Dúvidas não restam de que estamos perante um prazo substantivo de caducidade que cai diretamente no escopo de aplicação da mencionada disposição.

I. O disposto no mencionado artigo 279º CC é expressa e diretamente aplicável por força do disposto no nº 2 do artigo 58º do CPTA, o qual manda aplicar a disposição em causa a todas as contagens de prazos relativas à impugnação de atos administrativos nulos ou anuláveis.

J. Acrescendo que, com relevância para a contagem final do prazo, o próprio nº 2 do artigo 58º exceciona, quanto à aplicação do artigo 279º do CC, a aplicação do mencionado nº 4 do artigo 59º, a qual terá sempre lugar desde que se verifiquem os requisitos da sua aplicação.

K. Estabelece a alínea e) do artigo 279º do CC que “O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo.”

L. Assim, as férias judiciais de Verão em 2020 tiveram lugar de 16 de julho a 31 de agosto, pelo que o primeiro dia útil seguinte se consubstancia em 1 de setembro de 2020.

M. O termo do prazo ocorreria em plenas férias judiciais, ou seja, em 18/07/2020, pelo que automaticamente a presente ação poderia ser apresentada até 01/09/2020, inclusive.

N. Mesmo no caso dos processos administrativos urgentes a Jurisprudência tem sido unânime e consensual quanto à aplicação da alínea e) do artigo 279º do Código Civil.

O. Tal ficou evidente no Acórdão de 17/01/2019 do STA, Acórdão de 16/04/2020 doTCA Sul e Acórdão de 04/11/2020 do TCA Norte.

P. O próprio STA foi afirmativo, no âmbito do primeiro Acórdão citado, quanto ao regime das intimações, também processo urgente, que se deve aplicar, por razões de unidade do sistema, o disposto na mencionada alínea e), sem que exista qualquer especificidade legal no que respeita aos processos urgentes que permita afastar tal preceito, dada a sua natureza legal de prazo substantivo.

Q. A decisão recorrida pugnou pela contrariedade entre a aplicação das diretivas 89/665/CEE, de 21 de dezembro de 1989 e 2007/66, de 11 de dezembro 89/665/CEE e 2007/06 e a concessão de prazo que resultaria da aplicação ao presente caso, ou ao contencioso pré-contratual na sua globalidade, da alínea e) do artigo 279º do Código Civil.

R. Entende a decisão recorrida que tais Diretivas comunitárias obrigam, à luz da prevalência do Direito Comunitário, a ser efetivamente respeitada a celeridade neste tipo processual específico.

S. Tal argumentação não colhe na medida em que estamos perante meras Diretivas desprovidas de aplicação direta perante os Estados-membros, ou seja, a sua vinculação ocorre na medida da obrigação de transposição dessas diretivas.

T. Pese embora a obrigação dos Estados em transpor os princípios vinculantes, dúvidas não restam, também, que transposição não significa transcrição, cabendo aos Estados adequar a medida e forma em que tal transposição deve ocorrer.

U. Se os Estados não efetuarem essa transposição ou não a efetuarem corretamente, apenas deriva responsabilidade para esses mesmos Estados e nunca qualquer aplicação direta da diretiva não transposta ou não devidamente transposta.

V. As Diretivas em causa, como qualquer uma, apenas vinculam os cidadãos e bem assim os aplicadores da Lei, tal como os Tribunais, na estrita medida da sua transposição, a qual compete exclusivamente a cada Estado-membro.

W. Afigura também extramente duvidoso, ao contrário do que entende o tribunal Recorrido, que as estatuições meramente preambulares pudessem, em qualquer caso, ter algum tipo de vinculação perante os Tribunais Portugueses.

X. Nada indica que o Legislador Português por determinar a aplicação do artigo 279º do Código Civil, no seu todo, ao contencioso pré-contratual estará a colocar em causa os objetivos da própria Diretiva, tendo simplesmente considerado adequado fazê-lo na sua transposição.

Y. É facto assente que os objetivos da Diretiva foram transpostos para o CPTA através do DL nº 214-G/2015, de 2 de outubro, conforme o ponto 5.2 do preâmbulo deste diploma, da mesma forma que também foi expressamente formulado nesse diploma o atual nº 2 do artigo 58º do CPTA, o qual determina o artigo 279º como diretamente aplicável, sem qualquer distinção quanto ao tipo de processo em causa.

Z. Não resultaria compreensível que o Legislador Português no mesmo diploma pretendesse a transposição das Diretivas mencionadas, nomeadamente para efeitos do regime do Contencioso pré-contratual, e ao mesmo tempo determinasse a expressa aplicação de uma norma com a intenção de que a mesma, na verdade, não se aplicasse a este regime.

AA. É claro e notório o objetivo que decorreu dessa alteração legal no sentido de que, independentemente do tipo de processo em causa e dos seus objetivos, o disposto no artigo 279º do Código Civil, sem exceção de qualquer alínea, deverá sempre aplicado à contagem do prazo substantivo para interposição em juízo.

BB. Se o legislador assim o entendeu na sua transposição das normas comunitárias em causa, é porque o fez de forma deliberada e tais normas, ainda que comunitárias, apenas serão vinculantes na estrita medida da sua transposição.

CC. Não pode também ter acolhimento a alegação de que a mencionada alínea e) do artigo 279º do Código Civil não merece aplicação por se tratar de uma norma antiga e desadequada da realidade presente.

DD. Por imposição do artigo 9º do Código Civil, importa ter em atenção que não pode este Tribunal nem qualquer outro, invocar a não aplicação de norma legal por mera alegação da sua desadequação ou antiguidade.

EE. A norma existe, está em vigor e, como se disse, até foi expressamente ordenada a sua aplicação pelo Legislador em 2015 para efeitos de contagem de prazos para propositura de ação no âmbito do CPTA.

FF. Conforme imposição do mesmo artigo 9º do Código Civil, que cumpre presumir que o Legislador age de forma prudente e ajuizada, sendo que, acima de tudo, pese embora a interpretação quanto ao espírito da norma, tem de haver sempre um mínimo de correspondência com a letra do preceito.

GG. É também de afastar por completo a alegação de que a aplicação de tal norma apenas faria sentido quando os atos processuais não se praticavam por meios eletrónicos, sendo para esse efeito irrelevante o período de férias judiciais.

HH. A imposição de aplicação do artigo 279º pelo CPTA surge apenas em 2015, ou seja, quando os meios eletrónicos já estavam amplamente disponíveis.

II. Em boa verdade as férias judiciais nem têm qualquer interferência nem correspondência com o funcionamento dos serviços postais, pelo que se afigura absolutamente igual a situação com ou sem meios eletrónicos disponíveis.

JJ. Importa mencionar que na contagem do prazo limite para a interposição da ação a decisão recorrida, dado prazo terminar em fim de semana, aplicou exatamente a mesma alínea e) que considera não aplicável à presente situação.

KK. A interpretação realizada na decisão recorrida resulta numa completa quebra de expetativas dos particulares a que uma interpretação como a da decisão recorrida levaria.

LL. Importa não esquecer que, esta disposição, como todas, não se dirige a magistrados, juristas e advogados, mas sim a todas as pessoas, as quais gerem e decidem a sua vida pessoal e profissional com base na legítima interpretação que fazem do normativo legal em cada situação.

MM. Basta olhar para a letra legal para que se compreenda que qualquer homem médio legitimamente interpretará a remissão constante no nº 2 do artigo 58º do CPTA e na alínea e) do artigo 279º do Código Civil no sentido verdadeiro, ou seja, da existência do prazo para interposição da ação até ao primeiro dia útil seguinte após as férias judiciais.

NN. A Recorrente fundamentou a sua decisão no normativo legal que legitimamente interpretou como aplicável à situação, não se tratando, diga-se, de uma situação de ignorância legal, mas de interpretação da lei segundo o único entendimento que lhe parece verdadeiramente possível.

OO. De outra forma, são colocadas em causa decisões como a de impugnação da decisão de adjudicação objeto dos presentes autos, com valores e interesses realmente avultados, quando pura e simplesmente a Recorrente se limitou a interpretar o preceito legal como o faria qualquer homem médio colocado na sua situação.

PP. O Legislador expressamente pretendeu aplicar o regime do artigo 279º ao presente caso, como já se viu, e não existe qualquer outra norma potencialmente aplicável ao regime da contagem do prazo substantivo, pelo que que sequer existe forma de contornar a sua efetiva aplicação.

QQ. Quanto ao Acórdão de 17/01/2019 do STA, refere a decisão recorrida que, em bom rigor, tal decisão não deverá ser tida em consideração porquanto foi proferida antes da entrada em vigor do atual artigo 24º do CPTA.

RR. Não se vislumbra qualquer relação entre o uso de meios eletrónicos para a prática de atos processuais e a aplicação ou não da alínea e) do artigo 279º do Código Civil ao presente caso.

SS. O anterior artigo 24º já previa a utilização de meios eletrónicos, sendo que apenas não os tornava obrigatórios, pelo que em nada poderá afetar o sentido e conteúdo do acórdão em causa.

TT. Fundamental é que esse mesmo acórdão de forma assertiva assinala que, mesmo tratando-se de processo urgente, deverá ser plenamente aplicável integralmente o disposto no artigo 279º do Código Civil por razões imperiosas de harmonia e unidade do sistema.

UU. Afirma, o que se afigura como decisivo, que não se vislumbra qualquer razão suficiente ou avalizada que permita afastar a aplicação da alínea e) do mencionado artigo aos processos urgentes, sendo que todos terão, evidentemente, as mesmas necessidades de celeridade e segurança inerentes ao contencioso pré-contratual.

VV. Na verdade, em 2018 e 2019 o STA já dispunha de todos os argumentos utilizados pela decisão recorrida para os devidamente utilizar e afastar a aplicação da alínea e) do artigo 279º ao regime das intimações, quanto processo urgente, tanto pela necessária celeridade, pela utilização de meios eletrónicos, como pela antiguidade e desadequação da norma.

WW. Resulta ainda claro dos sumários dos acórdãos de 16/04/2020 do TCA Sul e de 04/11/2020 do TCA Norte a afirmação, necessária para a decisão de fundo em causa, de que o artigo 279º do Código Civil é aplicável integralmente e sem exceção (mesmo da sua alínea e)) ao contencioso pré-contratual, nomeadamente para efeitos da contagem de prazo para interposição de ação.

XX. A presente ação na medida em que foi intentada antes do prazo limite para a sua interposição, o qual, por força do disposto na alínea e) do artigo 279º do Código Civil, diretamente aplicável por força do nº 2 do artigo 58º do CPTA, se contabiliza em 01/09/2020, deve ser considerada como manifestamente tempestiva.

O R. apresentou contra-alegações, concluindo do seguinte modo:

1. No caso dos autos o direito de ação do autor exerce-se no prazo de um mês.

2. Isto é, no período compreendido entre 16/6/2020 e 16/7/2020.

3. Aquele prazo foi suspenso ope legis, nos termos sobreditos e pelo período de 5 dias.

4. Ao prazo que se conta (e esse é só o referido em 2) somam-se os 5 dias em que se encontrou suspenso (22, 23, 24, 25 e 26 de Junho).

5. A ação deveria ter sido interposta até ao dia 21/7/2020 ( 16 + 5 = 21).

6. Ao ser interposta em 24/7/2020 está precludido o direito de acionar.

7. Por caducidade do direito de ação.

8. Só a interposição estabelecesse a relação jurisdicional que correspondente ao direito que se tem o direito de fazer valer e a instância correspondente.

9. Não foi invocada nem articulada nenhuma circunstância impeditiva do estabelecimento da instância até ao prazo referido em 6.


O Ministério Público, junto deste Tribunal, não se pronunciou.


O processo vai à conferência, para julgamento, sem vistos, atenta a sua natureza urgente.


II – Objeto do recurso:

Em face das conclusões formuladas, cumpre decidir se o Tribunal a quo violou os art.ºs 101º, 97º, n.º 1, al. c) e 58º, n.º 2 do CPTA ao julgar que o termo do prazo de impugnação (previsto na primeira dessas disposições legais) que ocorrer em período de férias judiciais não se transfere para o primeiro dia útil seguinte.

III – Fundamentação De Facto:

Na sentença recorrida foi julgada provada a seguinte factualidade:

A. Em 28/02/2020, foi publicado na plataforma VORTAL o procedimento atinente ao Acordo Quadro n.º 580012/2020, para a Prestação de Serviços Médicos Não Especialistas Urgência Pediátrica ano 2020, para o Serviço de Urgência de Pediatria do Hospital de Santarém, EPE – cfr. Relatório Preliminar e Convite, juntos ao PA;

B. Nessa plataforma eletrónica, foram ainda disponibilizadas as peças do procedimento, consubstanciadas no Convite à apresentação de propostas e no Caderno de Encargos – cfr. Relatório Preliminar, junto ao PA;

C. Apresentaram propostas ao Convite em apreço a Autora e a CI., propondo respetivamente, os valores totais de € 67.989,60 e de € 68.660,55 para um número de horas total de 3.195 – cfr. Relatório Preliminar, junto ao PA;

D. Em 27/05/2020 os membros do Júri do procedimento concursal em apreço elaboraram e subscreveram o “Relatório Final” do procedimento, onde consta, entre o mais, o seguinte:

6. Propostas admitidas
      Concorrentes
Valor Proposto
      T....., S.A.
      67.989,60€
      M....., Lda
      68.660,55€

7. Análise:

Procedimento Acordo Quadro 580012/2020 Prestação de Serviços Médicos Não Especialistas Urgência Pediátrica ano 2020.

De acordo com o critério de adjudicação. Preço (60%), apresentação da lista de Médicos com experiência em Pediatria (20%) e apresentação curricular da experiência profissional em pediatria (20%), opta-se pela Firma M....., Lda.

8. Decisão:

Pelo exposto propõe-se que a adjudicação recaia sobre a firma

M....., Lda – 68.660,55€

9. Valor da adjudicação 68.660,55€ valor sujeito a IVA.

- cfr. Relatório final, junto ao PA;

E. Em 29/05/2020, os serviços do Réu elaboraram a informação n.º ....., com o assunto “Proposta Adjudicação A.Q. n.º 580012/2020 – Prestação de serviços médicos não especialistas Urgência Pediátrica ano 2020”, na qual pode ler-se, entre o mais, o seguinte:

Nos termos do relatório final do procedimento propõe-se:

1 – Ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 73º, do Código dos Contratos Públicos, Anexo ao Decreto-Lei n.º 18/2008, que a adjudicação do procedimento Prestação de Serviços Médicos Não Especialistas Urgência Pediátrica ano 2020 recaia na firma:

M....., Lda.

A firma apresenta as condições de pagamento a 30 dias a contar da entrada da fatura.

2 – Assim, nos termos do estabelecimento no n.º1 do art. 36.º do já referido CCP, solicita-se autorização para a realização da despesa, no valor de 68.660,53 €, acrescido do IVA á taxa de 23%. Cabimento N.º 718, Compromisso Nº 709.

3 – A competência para autorização da despesa cabe, nos termos do art.º 36º do citado CCP ao órgão que iniciou o procedimento através da decisão de contratar, designadamente da Sr. Presidente do Conselho de Administração ou Vogal Executivo, conforme decorre das competências previstas na alínea e) do nº 1 e nº 2 do art.º 8º do Anexo II do Decreto-Lei 18/2017 de 10 de Fevereiro e alínea c) do Artº 39º que revoga o decreto-Lei n.º 233/2005 de 29 de Dezembro.

(…)” – cfr. Informação n.º ....., junto ao PA;

F. Em 04/06/2020, os membros do Conselho de Administração do Réu, exararam a seguinte deliberação sobre a informação identificada na alínea anterior: “Autoriza-se a adjudicação. Nomeia-se a Sr. Dr. C..... como gestora do contrato” – cfr. despacho aposto na informação n.º ....., junto ao PA;

G. E o Presidente do Conselho de Administração do Réu, apôs sobre o Relatório Final a seguinte decisão: “Aprovado” – cfr. despacho aposto no relatório final, junto ao PA;

H. A notificação do relatório final e da comunicação da adjudicação à Autora e à CI ocorreu em 15/06/2020 – cfr. print do portal VORTAL, fls. não numeradas do PA;

I. Em 22/06/2020, a Autora deduziu impugnação graciosa contra a decisão de adjudicação vertida no Relatório Final do procedimento – cfr. requerimento de fls. finais, não numeradas, do PA; cfr. ponto 6) do requerimento da Autora, de fls. 578 dos autos (SITAF);

J. Em 26/06/2020 a Autora foi notificada da decisão proferida no âmbito da impugnação administrativa descrita na alínea precedente – cfr. doc. de 25/06/2020, de fls. finais, mas não numeradas do PA; cfr. ponto 7) do requerimento da Autora, de fls. 578 dos autos (SITAF);

K. A petição inicial dos presentes autos deu entrada em juízo em 24/07/2020 – cfr. comprovativo de fls. 1 do SITAF.

Julgou-se ainda que “nada mais se provou com interesse para a decisão da questão a apreciar”.


IV – Fundamentação De Direito:

A Recorrente não se conforma com nenhuma das razões invocadas na sentença recorrida com vista à fundamentação da decisão que, julgando verificada a “caducidade do direito de ação”, absolveu o R. Hospital de Santarém da instância.
A presente ação tinha por objeto a impugnação do ato de adjudicação no âmbito de procedimento tendente à celebração de contrato para aquisição de prestação de serviços médicos não especialistas, com experiência em pediatria,
Respeita, portanto, a contencioso pré-contratual urgente, nos termos do art.º 36º, n.º 1, al. c) e 100º, n.º 1 do CPTA, correndo o processo (e respetivos incidentes) em férias, como resulta do n.º 2 da primeira das disposições legais citadas.
Nos termos do art.º 101º do CPTA “os processos do contencioso pré-contratual devem ser intentados no prazo de um mês, por qualquer pessoa ou entidade com legitimidade nos termos gerais, sendo aplicável à contagem do prazo o disposto no n.º 3 do artigo 58.º e nos artigos 59.º e 60.º”
Está em causa um prazo de propositura da ação, sendo, portanto, indiscutível, que se trata de um prazo de caducidade, um prazo substantivo.
Do citado art.º 101º do CPTA não resulta uma regra relativa à contagem desse prazo. Julgamos, no entanto, que deve considerar-se aplicável (ex vi art.º 97º, n.º 1, al. c) do CPTA) o disposto no n.º 2 do art.º 58º do CPTA nos termos do qual “sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 59.º, os prazos estabelecidos no número anterior contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil, transferindo-se o seu termo, quando os prazos terminarem em férias judiciais ou em dia em que os tribunais estiverem encerrados, para o 1.º dia útil seguinte”. (Nesse sentido, M. Aroso de Almeida e C.A. Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2017, 4.ª edição, pág. 810 e o acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 16 de abril de 2020, processo 885/1, 9.7BEALM, publicado em www.dgsi.pt).
Embora na versão anterior do CPTA, este prazo (substantivo) estivesse sujeito ao regime dos prazos de propositura da ação prevista no Código de Processo Civil (no art.º 138º), aplica-se hoje (desde a entrada em vigor das alterações introduzidas ao CPTA pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro), como resulta do transcrito art.º 58º, n.º 2 do CPTA, o regime previsto no art.º 279º do Código Civil.
A segunda parte do n.º 2 do art.º 58º do CPTA reitera hoje (desta feita desde as alterações introduzidas ao CPTA pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro) o plasmado na alínea e) desse art.º 279º do CC : Se o termo do prazo ocorrer em férias judiciais ou em dia em que os tribunais estiverem encerrados, esse termo transfere-se para o 1º dia útil seguinte.
Feitas estas considerações, julgamos que o Tribunal a quo errou ao interpretar e aplicar este regime legal.
Como se provou, a A. (Recorrente) foi notificada do relatório final e da comunicação da adjudicação no dia 15 de junho de 2020, deduziu impugnação graciosa em 22 de junho e foi notificada dessa decisão em 26 de junho.
Assim sendo, o termo final do prazo de impugnação desse ato ocorreu no dia 20 de julho de 2020.
Tratando-se de férias judicias (de 22 de dezembro a 3 de janeiro, do domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa e de 16 de julho a 31 de agosto, nos termos do art.º 28º da Lei n.º 6/2013, de 26 de agosto) transfere-se, o termo, para o primeiro dia útil seguinte: 1 de setembro de 2020.
Assim sendo, a ação intentada no dia 24 de julho, era tempestiva.
O Tribunal a quo errou ao julgar que a natureza urgente do processo relativo a contencioso pré-contratual (art.º 36º, n.º 1, al. c) e 100º, n.º 1 do CPTA) afasta o regime legalmente estabelecido para a propositura de ações de impugnação de atos administrativos vertido no art.º 58º, n.º 2 do CPTA.
Como afirma o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 17 de janeiro de 2019 (processo 09/18.8BEAVR 0775/18, publicado em www.dgsi.pt), “a urgência a que se reporta o artigo 36º do CPTA e nomeadamente o nº 2 (…) diz respeito à tramitação do processo em juízo não interferindo com a forma de contagem do prazo para interposição da intimação”.
Acresce que, ao contrário do afirmado na sentença recorrida, o prazo para a propositura da ação não é “prorrogado” com recurso a uma “norma supletiva e de natureza interpretativa” que tem subjacente uma regra desatualizada de funcionamento do Tribunal (referindo-se ao art.º 279º do Código Civil). Há, efetivamente, na prática, um “tempo “acrescido para intentar a ação. Mas tal acréscimo de tempo não resulta de qualquer prorrogação de prazo mas sim do facto do seu termo ser transferido “ex lege” para dia determinado, sendo que o preceito legal que assim determina é o art.º 58º, n.º 2 (última parte) do CPTA que, como vimos, se deve aplicar também no âmbito do contencioso pré-contratual.

Errou também o Tribunal a quo ao julgar que o regime plasmado no art.º 24º do CPTA (relativo à consagração do processo jurisdicional administrativo como processo eletrónico instituída pela alteração introduzida pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro) tem qualquer relevância na questão em análise.
Sendo conhecidas as críticas a um regime que, prevendo um processo eletrónico integral, continua a admitir dilações de prazo como a ora em análise (cfr. v.g. Ricardo Pedro e António Mendes Oliveira, Anotação à Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, Almedina, pág, 93 e, embora a respeito do procedimento administrativo e dilações aí previstas, Miguel Prata Roque, Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo, AAFDL, 2015, 2.ª edição, pág. 399), é clara a inequívoca a intenção do legislador no sentido de reafirmar a vigência da regra que na sentença recorrida se afasta, mediante a expressa introdução, com a Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, da segunda parte do n.º 2 do art.º 58º do CPTA.

O Tribunal a quo julgou ainda que a interpretação da lei de acordo com a qual o prazo substantivo de um mês (previsto no art.º 101º do CPTA) que terminar em férias judicias se transfere para o primeiro dia útil seguinte não é conforme com o direito da União Europeia. Não obstante não recuse a aplicação do art.º 279º, alínea e) do Código Civil quando o termo do prazo ocorrer num domingo ou dia feriado (como resulta de fls. 14 da sentença), entendeu afastar a aplicação desse mesmo preceito legal na parte em que transfere o termo final do prazo que coincida com férias judiciais para o primeiro dia útil seguinte.
Julgamos que também tem razão a Recorrente ao discordar deste fundamento da decisão recorrida.
É certo que constitui princípio estruturante do ordenamento jurídico comunitário o princípio do primado do direito da União sobre o direito nacional, princípio reiteradamente afirmado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (desde o no acórdão Costa v. ENEL em 15 de julho de 1964), plasmado no art.º 8º, n.º 4 da CRP e reconhecido designadamente pelo Supremo Tribunal Administrativo v.g. em acórdão de 16 de março de 2005, proferido no processo 01871/03 (publicado em www.dgsi.pt).
A afirmação de tal princípio impõe, designadamente, o afastamento das “normas de direito ordinário internas pré-existentes que sejam incompatíveis com o direito da EU e a invalidade, ou pelo menos ineficácia e inaplicabilidade das normas subsequentes que o contrariem (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, volume I, 4.ª edição revista, pág. 271).
Como se afirma no acórdão Simmenthal (de 9 de março de 1977, proc. 106/77) “(…) o juiz nacional, encarregado de aplicar, no âmbito da sua competência, as disposições do direito comunitário, tem a obrigação de assegurar o pleno efeito dessas normas, deixando se necessário inaplicadas, por sua própria autoridade, qualquer disposição contrária da legislação nacional, ainda que posterior, sem que tenha de pedir ou aguardar a eliminação prévia desta por via legislativa ou por qualquer outro processo constitucional”.
O TJ afirmou ainda o denominado princípio da interpretação conforme – que tem vindo a ser considerado um corolário do princípio do primado do direito da União - nos termos do qual o juiz nacional, deve aplicar o direito interno interpretando-o em conformidade com o sentido, economia e termos das normas europeias, alicerçando tal obrigação (de interpretação conforme) no artigo 4.º, parágrafo 3, do Tratado da União Europeia (TUE), que estabelece o princípio da cooperação leal (cfr. v.g. os acórdãos de 10 de Abril de 1984, von Colson e Kamann, 14/83, EU:C:1984:153 e, de 13 de Novembro de 1990, Marleasing, C-106/89, EU:C:1990:395).
O princípio do primado exige portanto que o juiz nacional privilegie uma interpretação do direito interno conforme ao direito de União e que, não sendo essa interpretação possível e existindo uma situação de conflito entre os dois sistemas jurídicos, afaste a aplicação do direito nacional.
Feitas estas sumárias considerações, importa responder à questão: será que uma regra de contagem de prazos de acordo com a qual o termo final do prazo (de um mês) para intentar uma ação de impugnação (ou de condenação à prática de atos administrativos) relativos à formação de contratos (abrangidos pelas diretivas recursos) que ocorra em férias judiciais se transfere para o dia útil seguinte, viola o direito comunitário? É esta norma (ou a sua interpretação nesse sentido) incompatível com o direito da União?
Ao contrário do que se julgou em primeira instância, julgamos que não.
Na sua essencialidade, o direito da União, em matéria de contratação pública compreende o direito comunitário original (o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia do qual resultam os princípios fundamentais aplicáveis à contratação pública – designadamente os princípios da igualdade, da transparência e da não discriminação que se concretizam v.g. na proibição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade (art.º 18º do TUE), na instituição do mercado interno (art.º 26º), na livre circulação de mercadorias (art.º 28º), na proibição de restrições quantitativas à importação e à exportação e nas medidas de efeito equivalente (art.ºs 34º e segs.) (cfr. a este propósito Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concurso e Outros Procedimentos de Contratação Pública, Almedina, 2014, pág. 52 e segs.).) e o direito comunitário derivado, assumindo aqui especial relevância as Diretivas relativas a contratos públicos e concessões (que disciplinam os procedimentos de adjudicação de contratos e de concessões e alguns aspetos substantivos de tais contratos: a Diretiva 2014/23/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26/02/2014, relativa à adjudicação de contratos de concessão; a Diretiva 2014/24/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26/02/2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE; a Diretiva 2014/25/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26/2/2014, relativa aos contratos públicos celebrados pelas entidades que operam nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais e que revoga a Diretiva 2004/17/CE) e, com especial interesse para o caso em análise, as denominadas Diretivas Recursos relativas aos procedimentos de tutela e garantia no âmbito da adjudicação: a Diretiva 89/665/CEE, do Conselho, de 21 de dezembro (que procedeu à harmonização dos procedimentos a adotar em matéria de recursos contenciosos no âmbito da celebração de contratos públicos de obras e de fornecimentos), a Diretiva 92/13/CEE do Conselho, de 25 de fevereiro de 1992 (referente à celebração de contratos de direito público pelas entidades que operam nos sectores da água, da energia, dos transportes e serviços postais) e a Diretiva 2007/66/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de dezembro que alterou as Diretivas 89/665/CEE e 92/13/CEE com o objetivo de melhorar a eficácia do recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos, instituindo mecanismos eficazes para evitar a prática generalizada de acelerar a celebração do contrato, de modo a produzir uma situação de facto consumado (cfr. considerando nº 4).
Ao nível da soft law - em matéria de recursos no âmbito dos procedimentos de contratação pública – destaca-se o Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a “Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera as Diretivas 89/665/CEE e 92/13/CEE do Conselho no que diz respeito à melhoria da eficácia dos procedimentos de recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos”.
O TJUE tem tido ainda, nesta matéria, um papel importante na interpretação dos princípios fundamentais da contratação pública e na definição dos conceitos indispensáveis à aplicação do direito da União (A este propósito, Esperança Mealha, “Jurisprudência Recente do TJUE Sobre Contratação Pública, Julgar n.º 35, pág. 47 a 70).
Ora, analisando o direito comunitário que vimos enunciando – designadamente o TUE e as Diretivas enunciadas – não se vislumbra que o eventual protelamento de um prazo de recurso por um lapso temporal que se pode compreender entre 1 dia e 45 dias comprometa a lógica subjacente ao regime comunitário de contratação pública.
Note-se que o processo impugnatório (ou de condenação à prática de ato administrativo) em causa logo que seja intentado é sempre urgente – ainda que intentado em férias judiciais.
Assim sendo, não obstante o Autor (na generalidade dos casos, concorrente) possa intentar a ação no último dia do prazo “transferido” (isto é, no caso das férias de Verão, dia 1 de setembro), também a pode intentar em data anterior (como aliás sucedeu no caso sub judice, em que a ação foi intentada no dia 24 de julho). Nesse caso a instância inicia-se e o réu é imediatamente citado porque o processo é urgente e, portanto, corre em férias, nos termos do art.º 36º, n.º 2 do CPTA. Será, portanto, ao A. imputável a impossibilidade (jurídica) de aplicação do efeito suspensivo automático que decorre do art.º 103º-A, n.º 1 do CPTA ou a impossibilidade (fáctica) de aplicação de medidas provisórias previstas no art.º 103º-B, n.º 1 do CPTA por entretanto se ter constituído uma situação de facto consumada.
Por outra banda, a “dilação” a que conduz a aplicação do regime plasmado na última parte do n.º 2 do art.º 58º do CPTA, só em casos muito pontuais poderá assumir alguma relevância: nos casos em que o termo do prazo ocorra no início do período de férias judicias do Verão. E, ainda assim, não vemos como tal possibilidade possa consubstanciar uma violação do direito da União.
O legislador comunitário preocupa-se essencialmente em “encontrar soluções que permitam conciliar o interesse dos concorrentes que pretendem celebrar determinados contratos com a Administração, com a necessidade de não criar entraves inaceitáveis ao andamento normal e célere do procedimento pré-contratual. Ao mesmo tempo, procura-se garantir a transparência e a concorrência, a fim de proteger os interesses dos concorrentes e, por outro lado, também, garantir a estabilidade dos contratos uma vez celebrados, protegendo os interesses públicos e os interesses dos contratantes” (Maria João Estorninho, Direito Europeu dos Contratos Públicos, Um Olhar Português. Almedina, 2006, pág. 393).
O que exigia o direito da União (a Diretiva n.º 2007/66/CE, no seu art.º 2.º-A, n.º 2) era a consagração de um prazo suspensivo mínimo entre a decisão de adjudicação e a celebração do contrato, um prazo entre a decisão de adjudicação a fim de que os concorrentes preteridos pudessem analisar aquela decisão e averiguar das possibilidades de recurso aos meios contenciosos (a denominada cláusula de “standstill”), o que foi efetivamente transposto, como resulta da alínea a) do n.º 1 do art.º 104º do CCP.
Reconhecendo-se que poderão existir dificuldades na compatibilização entre o direito da União a ausência de consagração, no direito interno, de um prazo para o “recurso”, o certo é que o legislador comunitário, no que à matéria de “prazos para interposição de recurso” concerne, apenas impôs (por via do art.º 2º-C da Diretiva 2007/66/CE) um prazo mínimo de 10 ou 15 dias consecutivos (consoante os meios de comunicação utilizados).
A consagração de um prazo de um mês para o “recurso” e de uma regra de contagem de prazos que possibilite uma dilação do seu termo final para o dia 1 de setembro caso o mesmo ocorra entre os dias 16 de julho e 31 de agosto, não viola, portanto, o direito da União.
Em suma, julgamos que a aplicação e interpretação do regime legal que resulta da articulação dos art.ºs 101º, 97º, n.º 1, al. c) e 58º, n.º 2 do CPTA nos termos do qual o termo do prazo que ocorra durante o período de férias judicias se transfere para o dia útil seguinte, não viola e é conforme o direito da União pelo que inexiste fundamento para o seu afastamento, com base no princípio desse primado.
Julgando de forma diversa, o Tribunal a quo violou os art.ºs 101º, 97º, n.º 1, al. c) e 58º, n.º 2 do CPTA, não se verificando a intempestividade da prática do ato processual que determinou a absolvição do Réu Recorrido da instância.
Impõe-se assim a revogação da decisão recorrida (na parte que foi objeto de recurso) e a baixa do processo ao Tribunal a quo para aí prosseguir os seus termos, designadamente com a realização de audiência prévia (ou com a sua dispensa).
Merece, portanto, provimento o presente recurso

As custas serão suportadas pelo Recorrido, vencido, nos termos do art.º 527º, n.º 1 do CPC.

V – Decisão:

Nestes termos, acordam, em conferência, as juízas da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, em conceder provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogar a decisão recorrida (na parte em que julgando verificada a “caducidade do direito de ação”, absolve o Réu da instância) e determinar a baixa do processo ao Tribunal a quo para aí prosseguir os seus termos.

Custas pelo Recorrido.


Lisboa, 18 de fevereiro de 2021


Catarina Vasconcelos
Sofia David (em substituição do 1.º Juiz Adjunto, em falta)
Catarina Jarmela

Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13.03, a Relatora atesta que as Sr.ªs Juízas Desembargadoras Adjuntas têm voto de conformidade.