Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2232/18.6BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:02/27/2020
Relator:PAULA DE FERREIRINHA LOUREIRO
Descritores:TITULARIDADE E AMPLITUDE DO DIREITO À INFORMAÇÃO E ACESSO A DOCUMENTOS;
DESPROPORCIONALIDADE E EXERCÍCIO ABUSIVO DO DIREITO À INFORMAÇÃO;
SEGREDOS COMERCIAIS E CONCORRÊNCIA;
DILIGÊNCIAS INSTRUTÓRIAS A QUE REFERE O ARTIGO 107.º, N.º 2 DO CPTA
Sumário:I- O art.º 107.º, n.º 2 do CPTA permite assumir que a previsão da realização de diligências posteriores aos articulados inicial e contestatório não tem carácter impositivo, antes revelando a natureza de excecionalidade na realização de diligências.
II- Apenas deverá ocorrer qualquer diligência suplementar às expressamente previstas na lei processual se tal se revelar imprescindível para cumprir o princípio do contraditório ou quando o juiz realize, por sua iniciativa, diligências instrutórias, como sejam, ordenar a junção de determinados documentos que entenda necessários para apreciar o mérito da intimação.
III- No caso versado, tendo sido invocada pelo Recorrente, de modo conclusivo, a desrazoabilidade e desproporcionalidade do pedido de informação e acesso a documentos, não subsiste alegação de factos concretos que impusesse ao Tribunal a quo a determinação de realização de diligências de prova.
IV- Não colhe, no contexto da intimação para a prestação de informações e acesso a documentos, a invocação do disposto no art.º 411.º do CPC, pois que, a legislação processual civil tem natureza subsidiária face ao contencioso administrativo, sendo certo que, no aspeto agora em discussão, o contencioso administrativo dispõe de regulação específica que, portanto, sobrepõe-se à regulação processual civil.
V- A intimação prevista no n.º 1 do art.º 104.º do CPTA destina-se a efetivar jurisdicionalmente quer o direito à informação procedimental, quer o direito à informação não procedimental.
VI- Os art.ºs 82.º, 83.º e 85.º do CPA concretizam a garantia constitucional cristalizada no art.º 268.º, n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, estabelecendo o direito dos administrados à informação sobre o andamento de quaisquer procedimentos (incluindo atos preparatórios e decisões finais) que lhes digam diretamente respeito, nomeadamente, por serem destinatários de tal procedimento, bem como o direito à consulta do processo administrativo e à obtenção de certidões ou reprodução dos documentos que integram tal processo administrativo.
VII- Por seu turno, o art.º 17.º do CPA estende o conteúdo do direito à informação às situações que vivificam o princípio da administração aberta, conferindo o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos a todas as pessoas, mesmo quando procedimento não lhes diga diretamente respeito, ou não esteja em curso.
VIII- No que se refere à extensão do direito à informação estabelecida no art.º 85.º do CPA, impera esclarecer que não se exige um interesse “direto”, que permita ao interessado intervir no procedimento ou impugnar um ato administrativo, mas um mero interesse legítimo no acesso aos documentos, sendo que, como interesse legítimo, deve entender-se um interesse específico atendível, que deverá ser avaliado casuisticamente, dentro de critérios de razoabilidade, em função da relação existente entre o requerente e a matéria sobre a qual ele pretendeu obter informação.
IX- Tendo a Recorrida tido intervenção em procedimento pré-contratual aberto pela Recorrente, e desenvolvendo a sua atividade no domínio em que a Recorrente apela a candidaturas para efeitos de celebração de contratos, encontra-se justificado o interesse e o acesso à informação e documentos relativos a determinada atividade contratual da Recorrente.
X- Sendo a Recorrida titular do direito à informação procedimental, em virtude de possuir um interesse legítimo, concordantemente com o exigido no art.º 85.º do CPA, é à Recorrida e não à Recorrente que cabe ajuizar da necessidade ou pertinência das informações e da obtenção de cópia dos procedimentos requeridos, não sendo lícito à Recorrente recusar a prestação das almejadas informações ou a emissão das cópias dos documentos solicitados.
XI- No caso dos procedimentos administrativos a que respeitam as informações e os documentos solicitados estarem já concluídos, situamo-nos já no seio do exercício do direito à informação não procedimental, regulado diretamente pelo art.º 17.º do CPA e 5.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto. Neste caso, dispensa-se até a invocação ou demonstração, por banda da Recorrida, da subsistência de qualquer interesse relevante no acesso às informações ou documentos em causa.
XII- No que tange à legitimidade ativa no âmbito do exercício do direito à informação não procedimental, é de afirmar que o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos é aberto a qualquer pessoa e não depende da invocação pelo requerente de qualquer interesse ligado aos registos ou documentos de que pretende obter informação, conformemente com o que decorre do estipulado no art.º 5.º, n.º 1 da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto.
XIII- É absolutamente erróneo qualificar a própria prestação da informação requerida como correspondendo à criação de um novo documento administrativo nos termos descritos no art.º 13.º, n.º 6 da Lei 26/2016. Em primeiro lugar, porque o art.º 13.º não versa sobre o direito à prestação de informações, mas sim sobre o direito de acesso aos documentos administrativos. Em segundo lugar, porque não estando em causa o acesso a documentos nos pedidos informativos, mas tão-somente o fornecimento das pretendidas informações, naturalmente que a Recorrente não deverá elaborar qualquer documento prévio, mas simplesmente fornecer as mencionadas informações.
XIV- A alegação de desproporcionalidade e exercício abusivo do direito à informação deve alicerçar-se em factos concretos, também alegados pelo requerido, ou em factos notórios, de conhecimento oficioso.
XV- No que se refere ao segredo comercial, industrial ou de propriedade científica, literária ou artística, é de salientar que a respetiva invocação não se basta com a mera alegação, vaga e genérica, desprovida de qualquer concretização fáctica, antes devendo a entidade sujeita ao dever de informação concretizar, de modo fundamentado, que os documentos contêm segredos comerciais, industriais e dados internos da vida da empresa, visto estar em causa a restrição a um direito fundamental com assento constitucional.
XVI- O segredo comercial ou industrial respeita a informação secreta com valor comercial, que seja objeto de medidas internas para a manter secreta. E secretos são os métodos de gestão, comercialização e de trabalho utilizados pelas empresas (a “alma do negócio”), pois que “a vida interna da empresa reporta-se à forma como cada empresa, internamente, organiza, executa e planifica a sua atividade. Por exemplo, a situação contributiva face à segurança social e o fisco (a menos que, por lei, tenha que ser revelada), a escrituração comercial e a planificação de reestruturações internas (cf. os Pareceres da CADA nº 23/2013, nº 170/2013 e nº 226/2013)”.
XVII- As informações secretas detidas por uma entidade pública ou privada são respeitantes, nomeadamente, a (i) métodos de avaliação dos custos de fabrico e de distribuição, (ii) segredos e processos de fabrico, (iii) fontes de aprovisionamento, (iv) quantidades produzidas e vendidas, (v) quotas de mercado, (vi) ficheiros de clientes e distribuidores, (vii) estratégia comercial, (viii) estrutura do preço de custo, (ix) política de vendas, (x) informações de estratégia empresarial de uma unidade produtiva, (xi) técnicas que podem não ter nível inventivo, mas que sejam apanágio de uma empresa.
XVIII- Em regra, os preços unitários ou parcelares constantes dos procedimentos pré-contratuais e o teor dos contratos públicos não são segredo protegido, em geral, pela nossa ordem jurídica. Não são segredo comercial, nem vida interna da empresa, ou know-how, ou estratégia comercial, nem modo de relacionamento com outros operadores económicos.
XIX- A Recorrente, enquanto entidade pública, está adstrita à observância dos princípios da transparência, da igualdade, da legalidade e da imparcialidade, e que, nessa medida, obrigam à divulgação pública de um conjunto de informação, de resto, em consonância com o previsto no art.º 10.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
SUCH- Serviço de Utilização Comum dos Hospitais (Recorrente), vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 13/02/2019 que, julgando a vertente intimação procedente, intimou a agora Recorrente a, no prazo de dez dias, satisfazer o pedido de prestação de informações e reprodução de documentos formulado por A.....- Gestão Ambiental, Lda. (Recorrida).

Neste processo, a Recorrida veio peticionar a intimação da Recorrente para prestação de informações e reprodução de documentos, pedindo, a final, que a entidade requerida fosse “intimada a prestar as informações e a fornecer as cópias dos documentos solicitados […] no requerimento de 15 de Novembro de 2018, em prazo não superior a 10 dias, sob pena de aplicação pecuniária compulsória”. Concretamente, a Recorrida pretende que a Recorrente lhe preste:
“(…)
a. Informação sobre todos os contratos celebrados tendo por objeto todos ou parte dos seguintes serviços: apoio operacional, recolha, armazenamento, transporte, tratamento e/ou destino final de Resíduos Hospitalares Perigosos dos Grupos III e IV;
b. Informação sobre todos os contratos celebrados tendo por objeto, isoladamente ou em conjugação com outros serviços, os serviços de recolha, armazenamento, transporte, tratamento e / ou destino final de Resíduos Hospitalares Perigosos dos Grupos III e IV;
c. Informação sobre se os contratos identificados nas alíneas a) e b) foram ou não antecedidos de um procedimento de contratação pública nos termos do CCP e, em caso afirmativo, qual;
d. Cópia das informações internas e das deliberações ou decisões que fundamentam a necessidade de contratar os serviços e a não adoção de um procedimento de contratação pública previsto no CCP ou a sua adoção;
e. Cópia dos convites, programas de procedimento, caderno(s) de encargo(s) ou documentos do SUCH onde constam as condições e termos para a prestação de serviços;
f. Cópia das propostas, dos orçamentos e dos documentos contendo as condições da prestação de serviços apresentados ao SUCH pelo(s) prestador(es) de serviços;
g. Cópia das deliberações ou decisões de aprovação das minutas dos contratos;
h. Informação sobre se o contrato celebrado com o S....., A.C.E. (NIPC .....) em 29.12.2017, na sequência de Ajuste Direto Regime Geral, pelo valor de € 1.000.949,35 e com o prazo de execução de 60 (sessenta) dias, está a produzir efeitos financeiros;
i. Informação sobre se o contrato celebrado com o S....., A.C.E. (NIPC .....) em 29.12.2017, na sequência de Ajuste Direto Regime Geral, pelo valor de € 1.000.949,35 e com o prazo de execução de 60 (sessenta) dias, já foi integralmente executado material e financeiramente;
j. Informação sobre se o contrato celebrado com o S....., A.C.E. (NIPC .....) em 04.04.2018, na sequência de Ajuste Direto Regime Geral, pelo valor de € 1.257.574,47 e com o prazo de execução de 90 (noventa) dias, está a produzir efeitos financeiros;
k. Informação sobre se o contrato celebrado com o S....., A.C.E. (NIPC .....) em 04.04.2018, na sequência de Ajuste Direto Regime Geral, pelo valor de € 1.257.574,47 e com o prazo de execução de 90 (noventa) dias, já foi integralmente executado material e financeiramente;
l. Cópia dos contratos celebrados com S....., A.C.E. (NIPC .....) em 29.12.2017 e 04.04.2018;
m. Cópia do Visto do Tribunal de Contas referente a cada um dos contratos melhor identificados nas alíneas h) e j);
n. Caso não exista Visto do Tribunal de Contas referente a um ou ambos os contratos melhor identificados nas alíneas h) e j), informação sobre se os respetivos procedimentos foram iniciados junto do Tribunal de Contas e em que data;
o. Caso tenha o SUCH entendido estarem um ou ambos os contratos isentos de visto do Tribunal de Contas, cópia das informações internas e das deliberações ou decisões que fundamentam a decisão de não submeter um ou ambos os contratos melhor identificados nas alíneas h) e j) a Visto do Tribunal de Contas;
p. Informação sobre se a execução dos contratos melhor identificados nas alíneas h) e j) está a decorrer ou está concluída;
q. Informação sobre a existência de outro(s) procedimento(s) pré-contratuais nos termos do CCP destinados à celebração de contratos de prestação de serviços tendo por objeto todos ou parte dos seguintes serviços: apoio operacional, recolha, armazenamento, transporte, tratamento e / ou destino final de Resíduos Hospitalares Perigosos dos Grupos III e IV.”

Inconformada com a sentença proferida em 13/02/2019, que julgou procedente o peticionado pela Recorrida, deferindo a intimação, vem a Recorrente apelar a este Tribunal Central Administrativo, imputando à sentença a quo erros de julgamento diversos, clamando, por isso, pela revogação da mesma e sua substituição por outra que indefira a requerida intimação.

As alegações do recurso que apresenta culminam com as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da decisão que julgou “procedente o peticionado, pelo que se defere a presente intimação e, em consequência, intima-se a Entidade requerida a, no prazo de 10 (dez) dias úteis, satisfazer o peticionado pela Requerente, nos termos melhor descritos na fundamentação da presente sentença.
2. O direito à informação procedimental encontra-se salvaguardado constitucionalmente no número 1., do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa, sendo que, no plano infraconstitucional, esse direito encontra-se regulado nos artigos 82.º, e seguintes do Código do Procedimento Administrativo.
3. Sendo que as informações a prestar abrangem a indicação do serviço onde o procedimento se encontra, os atos e diligências praticados, as deficiências a suprir pelos interessados, as decisões adotadas e quaisquer outros elementos solicitados (Vide artigo 82.º, número 2, do Código do Procedimento Administrativo).
4. O direito à informação procedimental visa a tutela de interesses e posições jurídicas diretas dos cidadãos-administrados, que participam num concreto procedimento, permitindo-lhes melhor conhecer e controlar a atividade da Administração, e visando uma informação relativa a um procedimento aberto ou ainda em curso.
5. Por conseguinte, define-se como um direito uti singulis, perspetivando o indivíduo enquanto administrado, em sentido estrito, no quadro de uma específica e concreta relação com a Administração Pública e portador de interesses eminentemente subjetivos.
6. Este direito comporta três direitos distintos: o direito à prestação de informações, o direito à consulta de processo e o direito à passagem de certidões.
7. No entanto, no âmbito do direito à informação procedimental, a Administração apenas está obrigada a prestar as informações que concorram para a formação, manifestação e execução da decisão administrativa a proferir no âmbito do procedimento administrativo relativamente ao qual o direito à informação é convocado (Vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 24 de junho de 2004, proferido no âmbito do Processo n.º 00155/04).
8. Terá direito de acesso ao abrigo do direito à informação procedimental o administrado que seja objeto de formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública.
9. Refira-se, ainda, que será pressuposto do direito à informação procedimental a existência de um procedimento administrativo que ainda não se encontre findo.
10. Para além dos sujeitos que diretamente são parte ou visados no procedimento administrativo, poderão ter acesso à informação procedimental os sujeitos que provem ter interesse legítimo no conhecimento dos elementos que pretendam, ou seja, um interesse específico atendível, dentro de determinados e razoáveis critérios a apreciar casuisticamente.
11. O interesse legítimo terá, necessariamente, que revelar-se conexo com o objeto do procedimento.
12. Nesse sentido vejam-se, a título exemplificativo, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 11 de janeiro de 2007, proferido no âmbito do Processo n.º 02132/06, ainda na redação anterior do Código do Procedimento Administrativo, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16 de janeiro de 2018, proferido no âmbito do Processo n.º 1087/17.2BELRA, e, ainda, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de janeiro de 2018, proferido no âmbito do Processo n.º 86/17.9YFLSB.
13. O Tribunal a quo entendeu que os pedidos formulados nas alíneas a), b) e c) (bem como as restantes do mesmo tipo, nas quais entendemos que se incluirão os pedidos formulados nas alíneas h), i), k), p) e q)) tinham por fundamento o direito à informação procedimental.
14. No entanto, entendemos que, tendo-se presente o enquadramento legal e jurisprudencial supra exposto, não poderá aceitar-se ou sufragar-se esta posição, por várias ordens de razões que se passarão a explanar.
15. Em primeiro lugar, ter-se-ia que observar, caso a caso, se estaríamos perante procedimentos em curso (casos em que estaríamos perante o direito à informação procedimental) ou procedimentos findos (casos em que estaríamos perante o direito à informação não procedimental).
16. Pelo que não poderia decidir-se, como decidiu o Tribunal a quo, estarmos, em qualquer um daqueles pedidos, perante o direito de acesso à informação procedimental, desde logo, por não se ter apurado, em cada caso, se estaríamos perante procedimentos em curso ou findos.
17. Acresce que a RECORRIDA funda o seu interesse na posição assumida no âmbito do Procedimento n.º 7809/2017, publicado no Diário da República, II Série, de 15 de setembro de 2017, bem como na decisão transitada em julgado na ação de contencioso pré contratual, Processo n.º 2324/17.9BELSB, entendendo-se detentora do direito de “verificar a forma como a Entidade Demandada tem vindo a dar execução” ao judicialmente decidido naquele processo.
18. Não se vislumbrando, compulsado o teor da referida decisão judicial, de onde decorre esse poder fiscalizador de que a RECORRIDA se arroga detentora relativamente ao “SUCH”.
19. Assim, a RECORRIDA terá um interesse direto e legítimo quanto ao Procedimento n.º 7809/2017, publicado no Diário da República, II Série, de 15 de setembro de 2017, já não o detendo quanto a todos os demais contratos celebrados tendo por objeto apoio operacional, recolha, armazenamento, transporte tratamento e/ou destino final de resíduos hospitalares perigosos dos grupos III ou IV.
20. Na verdade, dada a natureza da apreciação casuística do interesse invocado, nos termos do artigo 85.º, do Código do Procedimento Administrativo, não cremos que a formulação genérica dos pedidos, tal como efetuada pela RECORRIDA, cumpra com o ónus de demonstração desse interesse.
21. Do que decorre que, não tendo a RECORRIDA cumprido com o ónus de demonstrar possuir os necessários requisitos que qualifiquem o seu interesse, terá que se concluir que o interesse por si alegado para a obtenção das informações/acesso à documentação requeridas não é próprio, não é comprovado, não é sério e não é útil.
22. Pelo que, a douta sentença proferida incorre na violação do disposto nos artigos 82.º, 83.º e 85.º, do Código do Procedimento Administrativo.
23. Por seu turno, o direito à informação não procedimental está consagrado nos artigos 268.º, número 2., da Constituição da República Portuguesa, 17.º, do Código do Procedimento Administrativo e 5.º, da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto (LADA).
24. Os titulares do direito de acesso a arquivos e registos administrativos são os cidadãos que não estão, para aquele efeito, em qualquer relação procedimental específica e concreta com a Administração Pública.
25. De acordo com o artigo 5.º, da LADA: “1. Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo.”, definindo-se como documento administrativo como “qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detido em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo seguinte, seja o suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material, neles se incluindo, designadamente, aqueles relativos a;
i) Procedimentos de emissão de atos e regulamentos administrativos;
ii) Procedimentos de contratação pública, incluindo os contratos celebrados;
iii) Gestão orçamental e financeira dos órgãos e entidades;
iv) Gestão de recursos humanos, nomeadamente os dos procedimentos de recrutamento, avaliação, exercício do poder disciplinar e quaisquer modificações das respetivas relações jurídicas.”
26. A entidade requerida não tem o dever de criar ou adaptar documentos para satisfazer o pedido, nos termos do número 6., do artigo 13.º, da LADA.
27. Com efeito, o direito à informação previsto na LADA tem por objeto documentos existentes em poder da Administração, não podendo servir para impor a esta a produção de novos documentos nem para esclarecer quaisquer questões respeitantes a uma anterior atuação administrativa (cf. Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in “Comentário ao CPTA”, 3.ª edição, 2010, p. 698), atento o estatuído no número 6., do artigo 13.º, da LADA, dado que o que é protegido no direito à informação administrativa é o acesso a documentos existentes.
28. Veja-se nesse sentido, a título exemplificativo, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 7 de abril de 2016, proferido no âmbito do Processo n.º 13007/16, bem como a decisão do Supremo Tribunal Administrativo em Acórdão datado de 13 de julho de 2016, proferido no âmbito do Processo n.º 0577/16.
29. Tendo-se concluído acima que os pedidos formulados nas alíneas a), b), c), h), i), j), k), p) e q), não deveriam ser apreciadas à luz do normativo aplicável ao direito de acesso à informação procedimental, pelas razões ali aduzidas, importará determinar se os mesmos deverão ser satisfeitos ao abrigo do normativo legal aplicável ao direito de acesso à informação não procedimental.
30. Na decisão proferida pelo tribunal a quo determina-se que, para satisfação dos pedidos contidos nas alíneas a), b) e c), bem como aos restantes do mesmo tipo (o que incluirá, necessariamente, as alíneas h), i), j), k), p) e q), por se tratarem, igualmente de pedidos de informações), a RECORRENTE deve proceder à elaboração de listagens.
31. Isto é, entende-se que a RECORRENTE deverá proceder à pesquisa, recolha, tratamento de informação e elaboração de listagens, traduzindo-se tal decisão na imposição à RECORRENTE da obrigação de proceder à criação de novos documentos administrativos.
32. Tendo-se presente que o acesso aos documentos administrativos não pode implicar a elaboração de uma listagem de onde conste a informação pretendida, pois tal implicaria que recaísse sobre a Administração o ónus de proceder à criação de um (novo) documento administrativo, in casu, de uma súmula da documentação existente na sua posse, também à luz do normativo aplicável ao direito de acesso à informação não procedimental deverá a decisão proferida ser revogada, por manifesta violação do disposto no número 6., do artigo 13.º, da LADA.
33. Nos termos do número 1., do artigo 2.º, da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, o direito de acesso à informação administrativa encontra-se sujeito ao princípio da proporcionalidade.
34. Motivo pelo qual, determina o número 3., do artigo 15.º, da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto que: “As entidades não estão obrigadas a satisfazer pedidos que, face ao seu carácter repetitivo e sistemático ou ao número de documentos requeridos, sejam manifestamente abusivos, sem prejuízo do direito de queixa do requerente.” (sublinhado nosso)
35. Veja-se a este propósito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16 de janeiro de 2018, proferido no âmbito do Processo n.º 1319/17.7 BELSB.
36. Os pedidos formulados pela RECORRIDA são manifestamente abusivos.
37. Para além da excessiva extensão das informações/documentação solicitadas, não poderá deixar de fazer-se referência ao abusivo uso do direito à informação administrativa que tem sido exercido pela RECORRIDA relativamente ao RECORRENTE.
38. Com efeito, a RECORRIDA tem vindo, de forma reiterada, a exigir informações/documentação, quer quanto ao RECORRENTE, quer quanto aos seus Associados, relativos a todos os protocolos/contratos celebrados, bem como as condições de celebração, preços estabelecidos e duração da sua execução.
39. Num manifesto aproveitamento do dever de prestar informações e permitir o acesso a documentação, que a natureza de pessoa coletiva de utilidade pública administrativa impõe ao “SUCH”, para de uma forma reiterada e abusiva procurar obter informações que lhe garantirão, à RECORRIDA, vantagens concorrenciais, o que representa uma total distorção dos fins visados pelo princípio da transparência administrativa.
40. Ao que acresce que a RECORRIDA, com o seu extenso pedido de certidões/cópias e informações extravasa, em muito, o fim a que se destina o “direito de acesso à informação”.
41. Toda esta informação solicitada, corresponde a milhares de documentos, que se encontram em centenas de pastas físicas e em centenas de registos informáticos.
42. Ora, o pedido de informação/cópia desses milhares de documentos, formulado pela RECORRIDA, significaria que, durante meses, o RECORRENTE teria que afetar vários dos seus colaboradores à procura, recolha, emissão de cópia, e novamente colocação no arquivo, dos milhares de documentos que comporta o pedido formulado pela RECORRENTE.
43. Ou seja, a satisfação dos pedidos formulados pela RECORRIDA iria implicar uma paralisação dos serviços administrativos do RECORRENTE, o que não é de todo admissível, nem razoável.
44. O que representaria, para além do que vem de referir-se, custos elevadíssimos, que, não sendo possível apurar neste momento, se poderá estimar em milhares de euros.
45. Por todo o exposto, não poderá deixar de reconhecer-se que os pedidos formulados pela RECORRIDA, quer pelo seu carater sistemático, quer pelo elevado número de documentos, são de natureza desproporcionada, desrazoável e abusiva.
46. Pelo que a decisão proferida, objeto do presente recurso, incorre na violação das normas contidas no artigo 15.º, número 3., da LADA, bem como no disposto no artigo 334.º, do Código Civil.
47. Ainda que admitindo, por mera hipótese académica, que a desrazoabilidade ou desproporcionalidade dos pedidos não se revelem como factos notórios, deveria o Tribunal a quo ter ordenado a realização das diligências de prova que entendesse necessárias para apurar se efetivamente os pedidos formulados seriam desrazoáveis ou desproporcionados.
48. Com efeito, o número 2., do artigo 107.º, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, refere que: “Apresentada a resposta ou decorrido o respetivo prazo e concluídas as diligências que se mostrem necessárias, o juiz profere decisão no prazo de cinco dias.” (negrito e sublinhado nosso)
49. Por seu turno, de acordo com o artigo 411.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, preceitua que: “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.” (negrito e sublinhado nosso)
50. Ora, admitindo-se, por hipótese académica, que a natureza desrazoável e desproporcionada dos pedidos não constitui facto notório, ao não ter ordenado qualquer diligência probatória para apurar aquele facto, o Tribunal a quo, nas palavras de Lopes do Rego, cometeu uma “ostensiva e injustificada omissão de diligência essencial e patentemente necessária ao apuramento da verdade dos factos” (In “Comentários ao Código de Processo Civil”, 2.ª edição, Coimbra Almedina, 2004, vol. I, p. 260).
51. Pelo exposto, a não realização das diligências instrutórias que se afigurassem necessárias a apurar todos os factos alegados pela RECORRENTE no que concerne à desrazoabilidade e desproporcionalidade dos pedidos formulados pela RECORRIDA, por se tratar da omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, configura nulidade, nos termos do artigo 195.º, número 1., do Código de Processo Civil, aplicável, ex vi do artigo 1.º, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, a qual determinará a nulidade dos termos subsequentes que dele dependam absolutamente, nos termos do número 2., do mesmo artigo 195.º, do Código de Processo Civil.
52. Por último, importará salientar que dos milhares de documentos de que a RECORRIDA pede cópias/informação, há, com toda a certeza, um número significativo de documentos de natureza nominativa e, por isso, confidenciais.
53. Pelo que deverá entender-se que tais informações estão vedadas, nos termos do disposto no artigo 6.º, número 1., da Lei n.º 20/2016, de 22 de agosto.
Nestes termos e nos melhores de direito, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, ser revogada a sentença de que ora se recorre, substituindo-se a mesma por outra que indefira a intimação.
Vossas Excelências farão, porém, JUSTIÇA.”

A Recorrida apresentou as respetivas contra-alegações de recurso, pugnando, em suma, pelo acerto da decisão recorrida e consequente manutenção da mesma, expendendo conclusivamente o seguinte:
A. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 13.02.2019, que julgou procedente a intimação requerida pela Recorrida e, em consequência intimou o Recorrente a responder ao peticionado nos termos e segundo a delimitação dos pedidos efetuada pelo Tribunal a quo.
B. Conforme resulta da leitura da sentença recorrida, o Recorrente- confrontado com a falta de argumentos para defender o indefensável- vem lançar mão de justificações (totalmente desprovidas de sentido) para o seu comportamento antijurídico.
C. Vem tentar mascarar o flagrante desrespeito dos mais elementares princípios jurídicos em matéria de acesso à informação administrativa alegando que a Recorrida vem a juízo arrogando-se detentora de um poder fiscalizador.
D. Ignora o Recorrente que a faculdade de um sujeito privado pedir informações a uma entidade pública decorre da Constituição e da Lei, não transformando por isso os privados em entidades fiscalizadoras, nem eximindo as entidades que prosseguem o interesse público de cumprir regras de ordem constitucional e legal.
E. Os elementos produzidos nos autos demonstram à saciedade que o Recorrente se socorre de todos os subterfúgios para esconder a sua atuação no que à contratação dos serviços de gestão de resíduos hospitalares perigosos dos Grupos III e IV, nos anos de 2017 e 2018, diz respeito.
F. O Recorrente, pessoa coletiva de tipo associativo, sem fins lucrativos e de utilidade pública administrativa, iniciou em 2017 na qualidade de entidade adjudicante, através do anúncio de procedimento n.º 7809/2017, publicado no DR, II Série, n.º 179, de 15.09.2017, um concurso limitado por prévia qualificação, com publicação no JOUE, para celebração de acordo quadro, com uma só entidade, para a prestação de serviços de apoio operacional, recolha, armazenamento, transporte, tratamento, destino final de resíduos hospitalares e fornecimento de consumíveis.
G. Ao definir os requisitos mínimos de capacidade técnica, o Recorrente especificou uma característica que bem sabia apenas podia ser preenchida por uma entidade.
H. O Recorrente não só não detém habilitação legal para prestar os serviços de tratamento de resíduos hospitalares perigosos, como também alicerçou a reestruturação da sua atividade de gestão de resíduos hospitalares na passagem da mesma, na sua totalidade e por subcontrato, para o S....., ACE.
I. A Recorrida obteve em 2018 a confirmação deste Tribunal Central Administrativo Sul da declaração de ilegalidade da norma do Programa de Concurso acima mencionado que fixou o requisito mínimo de capacidade técnica que apenas uma entidade podia cumprir.
J. No decurso do processo de contencioso pré-contratual acima identificado, terá sido suspenso o concurso público limitado por prévia qualificação iniciado pelo Recorrente.
K. Desde esse momento até à presente data, o Recorrente não iniciou qualquer outro procedimento concorrencial visando a prestação destes serviços, mas adjudicou ao S....., ACE dois contratos na sequência de ajuste direto.
L. Não pretende a Recorrida qualquer outra tipologia de informação acerca da remanescente atividade contratual do Recorrente, nem pretende saber mais do que o que identificou de forma bastante direta na carta que lhe remeteu em 15.11.2018: a informação com respeito aos contratos celebrados pelo Recorrente nos últimos 2 (dois) anos, na qualidade de entidade adjudicante, tendo por objeto serviços de apoio operacional, recolha, armazenamento, transporte, tratamento e / ou destino final de resíduos hospitalares perigosos dos Grupos III e IV.
M. O direito à informação tem sido entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores como dirigindo-se, primacialmente, aos diretamente interessados no procedimento administrativo, tornando-se extensivo nos mesmos termos reconhecidos pelos artigos 82.º a 84.º do Código do Procedimento Administrativo a qualquer pessoa que, não tendo um interesse direto no procedimento, prove ter interesse legítimo no conhecimento dos elementos que pretenda.
N. A Recorrida suscitou nos tribunais a ilegalidade de um requisito mínimo de capacidade técnica adotado pelo Recorrente no concurso público lançado pelo mesmo para celebração de acordo quadro, com uma só entidade, para a prestação de serviços de apoio operacional, recolha, armazenamento, transporte, tratamento, destino final de resíduos hospitalares e fornecimento de consumíveis.
O. Tendo a referida disposição do Programa do Procedimento sido declarada ilegal pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, o que veio a ser confirmado por este Tribunal Central Administrativo Sul, é natural que a Recorrida seja diretamente interessada não apenas no concreto procedimento pré-contratual, mas também nos atos posteriormente praticados pelo Recorrente no que à contratação daquela tipologia de serviços diz respeito.
P. Este interesse direto advém não apenas do facto de aquele procedimento não ter tido qualquer desenvolvimento após a emissão do relatório preliminar da fase de qualificação, e que se avulta com as publicações, no Portal Base, de sucessivos ajustes diretos adotados ao abrigo do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea c) do Código dos Contratos Públicos, todos tendo por destinatária uma mesma entidade.
Q. Há uma inegável relação entre a Recorrida e o objeto a esclarecer através do pedido de informações remetido ao Recorrente, que origina os presentes autos.
R. Essa relação tem natureza procedimental, tendo nascido no concurso limitado por prévia qualificação, com publicação no JOUE, para celebração de acordo quadro a que a Recorrida pretendia concorrer e no qual formulou pedidos de esclarecimento, e radicando nos ajustes diretos posteriormente efetuados, para os serviços abrangidos pelo concurso limitado em apreço, a uma entidade terceira que é precisamente a única que reunia as condições de prévia qualificação.
S. Mesmo que se considere que a Recorrida não tem a qualidade de diretamente interessada nos procedimentos que culminaram com os ajustes diretos praticados em 29.12.2017 e em 04.04.2018 (por não ser a destinatária das respetivas decisões), a verdade é que a Recorrida tem, pelo menos, um interesse específico, atendível, não proibido juridicamente, na informação pedida.
T. É inegável que a Recorrida tem direito à informação procedimental no que concerne aos ajustes diretos acima identificados e, bem assim, a todos os procedimentos pré-contratuais que o Recorrente venha a iniciar para adjudicar os serviços de gestão de resíduos hospitalares perigosos dos Grupos III e IV.
U. Revelando o teor do requerimento de acesso à informação apresentado pela Recorrida que a informação pretendida está na disponibilidade do Recorrente, isto é, em documentos da sua autoria, que estão na sua posse e que relevam para o exercício da atividade comercial da Recorrida, encontra-se também assim demonstrado o seu interesse direto e pessoal.
V. Não assiste qualquer razão ao Recorrente quando reduz o interesse da Recorrida unicamente ao procedimento n.º 7809/2017 (concurso limitado por prévia qualificação para celebração de acordo quadro com uma entidade).
W. A admitir-se esta teoria, a Recorrida (ou qualquer terceiro interessado naquele procedimento) jamais poderia conhecer a atuação do Recorrente a respeito da aquisição dos serviços de gestão de resíduos hospitalares perigosos dos Grupos III e IV.
X. Ora, há uma “necessidade de garantia de transparência da actividade administrativa e de administração aberta”.
Y. Labora em erro o Recorrente quando conclui nas suas alegações que “(…) a douta sentença proferida incorre na violação do disposto nos artigos 82.º, 83.º e 85.º, do Código do Procedimento Administrativo”.
Z. Está em causa um interesse direto ao acesso à informação procedimental, como bem julgou o Tribunal a quo.
AA. Acresce que há um direito de acesso aos arquivos e registos administrativos (direito não procedimental) regulado no artigo 17.º do Código do Procedimento Administrativo e na Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, e que é conferido a todas as pessoas à margem de qualquer procedimento administrativo, decorrente do princípio da administração aberta.
BB. Contrariamente ao que o Recorrente pretende fazer crer a este Tribunal Central Administrativo Sul, não é pelo facto de não considerar a Recorrida diretamente interessada no procedimento pré-contratual que culminou nos ajustes diretos de 29.12.2017 e 04.04.2018 (ou em quaisquer outros procedimentos pré-contratuais visando a aquisição da mesma tipologia de serviços) que pode excluir a Recorrida do acesso à informação peticionada nos presentes autos.
CC. Assinale-se, aliás, que o artigo 5.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, é também cristalino ao densificar o que se encontra incluído no direito de acesso a informação não procedimental: “(…) direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo.”.
DD. A Recorrida não pretende que o Recorrente fabrique, gere, trabalhe ou ajuste documentos para responder ao pedido de informações e cópias de documentos, com exceção da carta de resposta ao mesmo, que será necessariamente elaborada e completada propositadamente para estes efeitos e à qual deve corresponder o conteúdo peticionado.
EE. O n.º 6 do artigo 13.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, expressamente acomoda a possibilidade de manipulação dos documentos na satisfação do direito à informação, o que é perfeitamente normal à circunstância de responder a pedidos formulados pelos administrados.
FF. Acresce que o Recorrente pode selecionar como pretende dar conhecimento à Recorrida das informações sobre os contratos celebrados tendo por objeto os serviços identificados pela mesma, ou seja, não precisa de elaborar documentos novos, pode por exemplo produzir cópias dos respetivos contratos e remetê-los, contra pagamento se assim o desejar, à Recorrida.
GG. O poder da Administração recusar o acesso à sua documentação é um poder vinculado aos princípios e objetivos fixados por lei, a ser exercido segundo os princípios da transparência e da proporcionalidade e que só deve ser invocado quando for indispensável para evitar prejuízos que não poderiam ser evitados doutra forma (cf. n.º 7 do artigo 6.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto).
HH. Em momento algum na oposição à intimação ou nas alegações a que ora se responde veio o Recorrente apresentar qualquer justificação atendível para recusar prestar as informações solicitadas.
II. A informação peticionada pela Recorrida diz apenas respeito aos contratos celebrados pelo Recorrente nos últimos 2 (dois) anos, na qualidade de entidade adjudicante, tendo por objeto serviços de apoio operacional, recolha, armazenamento, transporte, tratamento e / ou destino final de resíduos hospitalares perigosos dos Grupos III e IV.
JJ. Para satisfazer a pretensão da Recorrida não é exigível uma tarefa de organização e manuseamento de múltiplos ficheiros informáticos, um esforço de meios desmesurado, nem é exagerada a dimensão e a amplitude da informação requerida, sendo certo que a mesma incide sobre um período temporal exíguo.
KK. Não corresponde de todo à realidade que a Recorrida tenha de forma repetitiva e sistemática solicitado informações sobre os contratos de aquisição de serviços de gestão de resíduos hospitalares perigosos que o Recorrente tem vindo a celebrar na qualidade de entidade adjudicante, que é precisamente o que está em causa nos presentes autos.
LL. Tratando-se de contratos celebrados nos últimos 2 (dois) anos, não é de todo expectável que o número de documentos requeridos seja excessivo, nem há necessidade de produzir prova sobre tal facto, pois resulta claro dos elementos carreados para os autos que se trata de informação concisamente delimitada.
MM. Face ao teor do pedido formulado pela Recorrida, não há qualquer comportamento abusivo que justifique a recusa do Recorrente em cumprir o pedido que lhe foi dirigido, como bem decidiu o Mmo. Juiz a quo.
NN. O artigo 107.º, n.º 1 do CPTA é claro ao determinar que o juiz profere decisão apresentada a resposta ou decorrido o respetivo prazo e concluídas as diligências que se mostrem necessárias.
OO. No caso sub judice não ocorreu a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, tanto mais que a tramitação desta tipologia de processos é propositadamente simples, o que se coaduna com o caráter urgente dos mesmos.
PP. A matéria de facto carreada para os autos é cristalina e facilmente percetível, pelo que não merece qualquer censura a decisão de não ouvir o depoimento das três testemunhas arroladas pelo Recorrente.
QQ. Não pode o Recorrente ignorar que pretendendo valer-se da reserva de confidencialidade deveria identificar quais os elementos confidenciais a que se refere, até porque caberia à Recorrida pronunciar-se sobre tal classificação e ao Tribunal decidir sobre a mesma.


RR. Não pode ainda ignorar que há formas de satisfazer o direito à informação sem macular a confidencialidade, como por exemplo expurgar informações consideradas sensíveis e rasurar documentos.
SS. Deve manter-se na íntegra a sentença recorrida, o que se requer seja confirmado por este Tribunal.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve a Sentença recorrida ser confirmada, julgando-se improcedente o recurso interposto da mesma, com as devidas consequências legais, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer, pugnando pela negação de provimento ao vertente recurso jurisdicional. Esteia a sua posição, em suma, na existência demonstrada de interesse da Recorrida em aceder à informação e documentação solicitadas, bem como na inexistência de desproporcionalidade do requerido.

*

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à Conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.
*
Questões a apreciar e decidir:
As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, consubstanciam-se, em suma, em apreciar, em primeiro lugar, se ocorre nulidade processual, em virtude da omissão das diligências a que alude o n.º 2 do art.º 107.º do CPTA e, em segundo lugar, se a sentença a quo padece de erro de julgamento no tocante:
i) à apreciação realizada no tocante ao interesse e titularidade do direito à informação da Recorrida;
ii) à apreciação realizada quanto à existência dos documentos cujo acesso é pretendido pela Recorrida;
iii) à apreciação realizada quanto à proporcionalidade do pretendido pela Recorrida e ao carácter abusivo de tal pretensão;
iv) à apreciação da questão respeitante à confidencialidade dos documentos e à violação do direito da concorrência.



II- FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa assentou factualidade como provada, e que se reproduz nos termos seguintes:
“1. A Requerente é uma sociedade comercial que tem por objecto, designadamente, a actividade de gestão integrada de resíduos, incluindo operações de acondicionamento, recolha, transporte, armazenamento, tratamento e eliminação de resíduos hospitalares (acordo e cf. documento 1 junto com requerimento inicial).
2. A Entidade requerida é uma pessoa colectiva de direito privado, de tipo associativo, sem fins lucrativos e de utilidade pública administrativa, tendo como atribuições, no essencial, a prestação de serviços partilhados às entidades do Ministério da Saúde nas áreas instrumentais à actividade da prestação de cuidados de saúde, bem como a quaisquer outras entidades, quando executem actividades específicas da área da saúde; podendo ser seus associados quaisquer entidades públicas, cuja actividade seja a prestação de cuidados de saúde ou a promoção e protecção da saúde pública (cf. Estatutos da Entidade requerida, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 209/2015, de 25 de Setembro- doc. 1 junto com a resposta).
3. A Entidade requerida, na qualidade de entidade adjudicante, publicitou a abertura de concurso público limitado por prévia qualificação para celebração de acordo quadro, com uma só entidade, para a prestação de serviços de apoio operacional, serviços de recolha, armazenamento, transporte, tratamento, destino final de resíduos hospitalares e fornecimento de consumíveis (acordo, e cf. anúncio de procedimento n.º 7809/2017, publicado no Diário da República, II Série, n.º 179, de 15.09.2017).
4. Em 17.10.2017, no âmbito do procedimento do concurso referido em 3., a Requerente propôs neste Tribunal, acção de contencioso pré-contratual, que correu termos sob o n.º 2324/17.9GBELSb (acordo).
5. Por sentença de 06.03.2018 proferida no processo referido em 4., foi declarada ilegalidade da alínea c) do n.º 1 do artigo 10.º do Programa do Concurso, por violação dos princípios da proporcionalidade e da concorrência (acordo).
6. Em 15.11.2018, a Requerente enviou à Entidade requerida, por carta registada com aviso de recepção, um requerimento, recebido a 16.11.2018, de onde consta, nomeadamente, o seguinte: “[…]


[…]” (cf. documento 3 junto com o requerimento inicial).
7. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 29.11.2018, enviada à Requerente em 30.11.2018 e recebida em 03.12.2018, a Entidade requerida respondeu ao requerimento referido em 6., dela constando, nomeadamente, o seguinte: “[…]
[…]” (acordo e cf. documento 4 junto com o requerimento inicial).

8. Em 07.12.2018, deu entrada a presente intimação, via SITAF (cf. registo SITAF 570400).
*
Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se nos articulados das partes e nos documentos junto aos autos, não impugnados, conforme indicado em cada uma das alíneas.
*
Não existem factos não provados com relevo para a decisão da causa.”



III- APRECIAÇÃO DO RECURSO

A Recorrida requereu no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a intimação da agora Recorrente no sentido de prestar informações e fornecer cópia de documentos nos termos peticionados no requerimento apresentado à Recorrente em 15/11/2018.
O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por sentença prolatada em 13/02/2019, deferiu a intimação.
Discorda a Recorrente do julgado na Instância a quo, convocando, em primeiro lugar, a subsistência de nulidade processual e, em segundo lugar, imputando à sentença recorrida um conjunto de erros de julgamento.
Passemos, então, ao exame do mérito da impetração.
*
I. Da nulidade processual
Nas conclusões 47 a 51 do respetivo recurso jurisdicional vem a Recorrente invocar a existência de nulidade processual, por omissão de diligências impostas pela lei, com o fundamento de que, a não realização das diligências instrutórias que se afigurassem necessárias a apurar todos os factos alegados pela RECORRENTE no que concerne à desrazoabilidade e desproporcionalidade dos pedidos formulados pela RECORRIDA, por se tratar da omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, configura nulidade, nos termos do artigo 195.º, número 1., do Código de Processo Civil, aplicável, ex vi do artigo 1.º, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, a qual determinará a nulidade dos termos subsequentes que dele dependam absolutamente, nos termos do número 2., do mesmo artigo 195.º, do Código de Processo Civil.
Com efeito, clama a Recorrente que o Tribunal a quo, entendendo que a desrazoabilidade ou desproporcionalidade dos pedidos realizados pela Recorrida não se apresenta notória, deveria “ter ordenado a realização das diligências de prova que entendesse necessárias para apurar se efectivamente os pedidos formulados seriam desrazoáveis ou desproporcionados”, conforme o prescrito no art.º 107.º, n.º 2 do CPTA e 411.º do CPC.
Ora, desde já se avança que não ocorre qualquer nulidade processual dimanante da omissão de diligências instrutórias que sejam devidas.
Realmente, dispõe o art.º 107.º, n.º 2 do CPTA que, após a citação da entidade demandada, “apresentada a resposta ou decorrido o respetivo prazo e concluídas as diligências que se mostrem necessárias, o juiz profere decisão no prazo de 5 dias”.
O exame do normativo processual em causa permite avançar, e de modo isento de dúvida, que a previsão da realização de diligências posteriores aos articulados inicial e contestatório não tem carácter impositivo, antes revelando a natureza de excecionalidade na realização de diligências. De facto, e como afirmam MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição, reimpressão, julho de 2018, Almedina, pp. 877 a 879), neste meio processual intimatório descrito nos art.ºs 104.º a 108.º do CPTA, “a tramitação é simples, o que se coaduna com o caráter urgente do processo e a reduzida complexidade das questões a dirimir.” Ou seja, apenas deverá ocorrer qualquer diligência suplementar às expressamente previstas na lei processual se tal se revelar imprescindível para cumprir o princípio do contraditório ou “quando o juiz (…), realize, por sua iniciativa, diligências instrutórias”, como sejam, ordenar a junção de determinados documentos que entenda necessários para apreciar o mérito da intimação.
Sendo assim, é de concluir que o n.º 2 do art.º 107.º do CPTA não impõe ao Tribunal a realização de quaisquer diligências, antes as permitindo apenas na situação em que as mesmas se apresentem necessárias. Por conseguinte, falece, desde logo, a tese da Recorrente de que tais diligências são devidas, porque impostas no art.º 107.º, n.º 2 do CPTA.
Adicionalmente, explicite-se que, do mesmo modo que compete ao demandante alegar os factos integradores da causa de pedir que suporta a pretensão deduzida em juízo, bem como apresentar a prova ou requerer as diligências de prova necessárias à demonstração da dita causa de pedir, também compete ao demandado invocar os factos pertinentes ao abalo da causa de pedir esgrimida pelo demandante, juntando a necessária prova ou requerendo a realização das diligências de prova pertinentes.
Ora, no caso versado, compulsada a resposta apresentada pela ora Recorrente em 24/12/2018, verifica-se que, nos pontos 18, 19, 20, 21, 22, 23, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32 e 36 do referido articulado é invocado, de modo conclusivo, a aludida desrazoabilidade e desproporcionalidade do pedido da Recorrida. É que a Recorrente alude à existência de “milhares de documentos”, “centenas de pastas físicas e em centenas de registos informáticos”, “quintuplicar o número de documentos”, “custos elevadíssimos”, “paralisação dos serviços administrativos”, realizando tais alusões num tom catastrofista e manifestamente exagerado e, principalmente, sem nunca efetivar qualquer tentativa de demonstrar a razão de estarem em causa os tais “milhares de documentos” e as tais “centenas de pastas”, bem como quais os ditos “custos elevadíssimos” e porquê a “paralisação dos serviços administrativos”.
Quer isto dizer que, em bom rigor, a Recorrente não alega factos concretos e apenas limita-se a formular juízos conclusivos, catastrofistas e de exagero, especialmente quando confrontadas tais alegações com a circunstância da informação e documentação pedida ser respeitante a um tipo específico de contrato, com objeto também específico e atinentes aos anos de 2017 e 2018.
Assim, não tendo a Recorrente invocado qualquer factualidade concreta nesta matéria, nunca se imporia ao Tribunal que ordenasse a produção de prova para demonstração de factos que não foram concretamente alegados.
Por outra banda, cabendo ao Tribunal a quo ajuizar da necessidade de realização de quaisquer outras diligências complementares, foi entendimento de que, no caso versado, não ocorria essa necessidade. E a verdade é que não se descortina qualquer motivo para divergir de tal ajuizamento, pois, como já se explicou, o invocado pela Recorrente, para além do respetivo caráter conclusivo e não fáctico, não se coaduna, nem é coerente com o concretamente peticionado pela Recorrida.
Em última nota, diga-se ainda que não colhe, neste contexto, a invocação do disposto no art.º 411.º do CPC, pois que, a legislação processual civil tem natureza subsidiária face ao contencioso administrativo, sendo certo que, no aspeto agora em discussão, o contencioso administrativo dispõe de regulação específica que, portanto, sobrepõe-se à regulação processual civil.
Destarte, ante todo o exposto, é mister concluir que não sucede qualquer omissão processual, conducente à verificação de nulidade processual.
Pelo que, o recurso fracassa totalmente no que tange à questão avançada nas respetivas conclusões 47 a 51.
*
II. Dos erros de julgamento
Dirimida a primeira questão, logicamente prioritária relativamente ao escrutínio da sentença objeto do presente recurso jurisdicional, importa agora indagar se a mesma padece dos erros de julgamento que a Recorrente lhe assaca.

i) Da existência de interesse e titularidade do direito à informação por parte da Recorrida
A Recorrente sustenta nas conclusões 1 a 25, em suma e em primeiro lugar, que a sentença sob escrutínio incorre na violação do disposto nos art.ºs 82.º, 83.º e 85.º do CPA, visto que, o que está em causa não é o direito à informação procedimental, conforme é afirmado na sentença a quo, e que, no tocante ao direito à informação não procedimental, o interesse da Recorrida “não é próprio, não é comprovado, não é sério e não é útil”.
Vejamos, pois, qual é o pedido intimatório formulado pela Recorrida e qual o respetivo enquadramento fáctico.
Examinando a petição inicial da vertente intimação, verifica-se que a Recorrida vem pedir ao Tribunal a quo que intime a agora Recorrente a “prestar as informações e a fornecer as cópias dos documentos solicitados (…) no requerimento de 15 de novembro de 2018”. Ou seja, pretende a Recorrida que a Recorrente preste as informações e forneça cópia dos seguintes elementos e do modo que se transcreve:
“Neste enquadramento, requer a Requerente a seguinte informação e reprodução de documentos administrativos referentes aos contratos celebrados pelo SUCH nos últimos 2 anos tendo por objeto serviços de apoio operacional, recolhe, armazenamento, transporte e/ou destino final de Resíduos Hospitalares Perigosos dos Grupos III e IV:
a) Informação sobre todos os contratos celebrados tendo por objeto todos ou parte dos seguintes serviços: apoio operacional, recolha, armazenamento, transporte, tratamento e/ou destino final de Resíduos Hospitalares Perigosos dos Grupos III e IV;
b) Informação sobre todos os contratos celebrados tendo por objeto, isoladamente ou em conjugação com outros serviços, os serviços de recolha, armazenamento, transporte, tratamento e / ou destino final de Resíduos Hospitalares Perigosos dos Grupos III e IV;
c) Informação sobre se os contratos identificados nas alíneas a) e b) foram ou não antecedidos de um procedimento de contratação pública nos termos do CCP e, em caso afirmativo, qual;
d) Cópia das informações internas e das deliberações ou decisões que fundamentam a necessidade de contratar os serviços e a não adoção de um procedimento de contratação pública previsto no CCP ou a sua adoção;
e) Cópia dos convites, programas de procedimento, caderno(s) de encargo(s) ou documentos do SUCH onde constam as condições e termos para a prestação de serviços;
f) Cópia das propostas, dos orçamentos e dos documentos contendo as condições da prestação de serviços apresentados ao SUCH pelo(s) prestador(es) de serviços;
g) Cópia das deliberações ou decisões de aprovação das minutas dos contratos;
h) Informação sobre se o contrato celebrado com o S....., A.C.E. (NIPC .....) em 29.12.2017, na sequência de Ajuste Direto Regime Geral, pelo valor de € 1.000.949,35 e com o prazo de execução de 60 (sessenta) dias, está a produzir efeitos financeiros;
i) Informação sobre se o contrato celebrado com o S....., A.C.E. (NIPC .....) em 29.12.2017, na sequência de Ajuste Direto Regime Geral, pelo valor de € 1.000.949,35 e com o prazo de execução de 60 (sessenta) dias, já foi integralmente executado material e financeiramente;
j) Informação sobre se o contrato celebrado com o S....., A.C.E. (NIPC .....) em 04.04.2018, na sequência de Ajuste Direto Regime Geral, pelo valor de € 1.257.574,47 e com o prazo de execução de 90 (noventa) dias, está a produzir efeitos financeiros;
k) Informação sobre se o contrato celebrado com o S....., A.C.E. (NIPC .....) em 04.04.2018, na sequência de Ajuste Direto Regime Geral, pelo valor de € 1.257.574,47 e com o prazo de execução de 90 (noventa) dias, já foi integralmente executado material e financeiramente;
l) Cópia dos contratos celebrados com S....., A.C.E. (NIPC .....) em 29.12.2017 e 04.04.2018;
m) Cópia do Visto do Tribunal de Contas referente a cada um dos contratos melhor identificados nas alíneas h) e j);
n) Caso não exista Visto do Tribunal de Contas referente a um ou ambos os contratos melhor identificados nas alíneas h) e j), informação sobre se os respetivos procedimentos foram iniciados junto do Tribunal de Contas e em que data;
o) Caso tenha o SUCH entendido estarem um ou ambos os contratos isentos de visto do Tribunal de Contas, cópia das informações internas e das deliberações ou decisões que fundamentam a decisão de não submeter um ou ambos os contratos melhor identificados nas alíneas h) e j) a Visto do Tribunal de Contas;
p) Informação sobre se a execução dos contratos melhor identificados nas alíneas h) e j) está a decorrer ou está concluída;
q) Informação sobre a existência de outro(s) procedimento(s) pré-contratuais nos termos do CCP destinados à celebração de contratos de prestação de serviços tendo por objeto todos ou parte dos seguintes serviços: apoio operacional, recolha, armazenamento, transporte, tratamento e / ou destino final de Resíduos Hospitalares Perigosos dos Grupos III e IV.”
A Recorrida justificou esta pretensão intimatória com o facto da Recorrente, ter publicitado, através do anúncio de procedimento n.º 7809/2017, publicado no DR, 2.ª série, n.º 179, de 15/09/2017, a abertura de concurso público limitado por prévia qualificação para efeitos de celebração de acordo-quadro, com uma só entidade, para a prestação dos serviços de apoio operacional, serviços de recolha, armazenamento, transporte, tratamento e destino final de resíduos hospitalares e fornecimento de consumíveis.
Mais invocou a Recorrida que, por ter interesse em participar no aludido concurso público, apresentou pedido de esclarecimentos ao Júri do concurso em 25/09/2017, tendo acabado por propor ação de contencioso pré-contratual contra a Recorrente, que correu termos com o n.º de processo 2324/17.9BELSB, impugnando uma disposição do programa do concurso público em causa. Neste processo foi proferida sentença de procedência, que declarou a ilegalidade da al. c) do n.º do art.º 10.º do programa do concurso, e que foi confirmada por Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 14/06/2018.
Refira-se que, é de notar, nesta oportunidade, que o circunstancialismo convocado pela Recorrida assume indesmentível suporte no acervo dos factos provados nos presentes autos, realçando-se, a este propósito, que a Recorrente não os discute ou põe em causa.
Finalmente, a Recorrida vem também invocar que, após o trânsito em julgado da sentença prolatada no aludido processo n.º 2324/17.9BELSB, a Recorrente não publicitou o início de qualquer outro procedimento pré-contratual concorrencial, mas adjudicou a um terceiro, em 29/12/2017 e 04/04/2018, através de ajuste direto, dois contratos de prestação de serviços de recolha, armazenamento, transporte, tratamento e destino final de resíduos hospitalares.
Ora, tomando em consideração a constelação fáctico-argumentativa da Recorrida, assoma como inevitável a conclusão de que a Recorrida possui um interesse atendível e justificado no acesso às informações e documentos pretendidos, revelando-se perfeitamente despiciente a questão de saber se a informação em questão é procedimental ou não.
É que, como é consabido, a intimação prevista no n.º 1 do art.º 104.º do CPTA destina-se a efetivar jurisdicionalmente quer o direito à informação procedimental, quer o direito à informação não procedimental (claramente neste sentido, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, ob. cit., p. 855 e JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, Lições, 17.ª edição, outubro de 2019, Almedina, p. 251). Pelo que, revela-se absolutamente inútil a distinção, caso a caso, da natureza procedimental ou não do direito à informação exercitado pela Recorrida.
Com efeito, os art.ºs 82.º, 83.º e 85.º do CPA concretizam a garantia constitucional cristalizada no art.º 268.º, n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, estabelecendo o direito dos administrados à informação sobre o andamento de quaisquer procedimentos (incluindo atos preparatórios e decisões finais) que lhes digam diretamente respeito, nomeadamente, por serem destinatários de tal procedimento, bem como o direito à consulta do processo administrativo e à obtenção de certidões ou reprodução dos documentos que integram tal processo administrativo.
Por seu turno, o art.º 17.º do CPA estende o conteúdo do direito à informação às situações que vivificam o princípio da administração aberta, conferindo o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos a todas as pessoas, mesmo quando procedimento não lhes diga diretamente respeito, ou não esteja em curso (cfr. art.º 17.º do CPA).
Adicionalmente, ressalte-se que o art.º 5.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, estipula no seu n.º 1 que “todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo”, sendo que “o direito de acesso realiza-se independentemente da integração dos documentos administrativos em arquivo corrente, intermédio ou definitivo” (n.º 2).
Do que vem de expor-se deriva, para efeitos de indagação da legitimidade processual para a presente intimação, que “a legitimidade para deduzir o pedido de intimação, quando se refira ao direito de informação procedimental, é, em regra, aferida pela legitimidade para iniciar o procedimento administrativo ou para nele intervir”. E dispõem de legitimidade procedimental, para além dos particulares que tomaram a iniciativa de solicitar a abertura do procedimento, “todos aqueles que poderão ser afetados pelas decisões que venham a ser nele adotadas” (assim defendem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, ob. cit., p. 868).
No que se refere à extensão do direito à informação estabelecida no art.º 85.º do CPA, impera esclarecer que não se exige um interesse “direto”, que permita ao interessado intervir no procedimento ou impugnar um ato administrativo, mas um mero interesse legítimo no acesso aos documentos. “Como interesse legítimo, deve entender-se um interesse específico atendível, que deverá ser avaliado casuisticamente (…), dentro de critérios de razoabilidade, em função da relação existente entre o requerente e a matéria sobre a qual ele pretendeu obter informação” (MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, ob. cit., p. 869, sendo que também milita neste mesmo sentido JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., p. 252).
Já no que tange à legitimidade ativa no âmbito do exercício do direito à informação não procedimental, é de afirmar que o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos é aberto a qualquer pessoa e não depende da invocação pelo requerente de qualquer interesse ligado aos registos ou documentos de que pretende obter informação, conformemente com o que decorre do estipulado no art.º 5.º, n.º 1 da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto (MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, ob. cit., p. 870).
Regressando ao caso posto, assoma como evidente que, atento o objeto da atividade da Recorrida, bem como a atuação da mesma no domínio do procedimento concursal aberto pelo Aviso n.º 7809/2017 e na propositura da ação de contencioso pré-contratual contra a Recorrente, que correu termos com o n.º de processo 2324/17.9BELSB- impugnando uma disposição do programa do concurso público em causa-, a Recorrida possui franco interesse na contratação da prestação dos serviços de apoio operacional, serviços de recolha, armazenamento, transporte, tratamento e destino final de resíduos hospitalares perigosos dos Grupos III e IV. Na verdade, tal conclusão é indesmentível, atento o facto da Recorrente constituir uma entidade que centraliza a contratação desses serviços, prestando depois esses serviços partilhados às entidades do Ministério da Saúde, bem como atento o facto da Recorrida atuar em mercado concorrencial para a prestação desses mesmos serviços.
Do que vem de expor-se deriva, portanto, que a Recorrida é, em princípio, afetada pelas decisões tomadas pela Recorrente, de contratação e inerente celebração de contratos para a prestação dos serviços de apoio operacional, serviços de recolha, armazenamento, transporte, tratamento e destino final de resíduos hospitalares perigosos dos Grupos III e IV.
Sendo assim, e quanto aos procedimentos administrativos eventualmente ainda em curso, é de assumir que a Recorrida é titular do direito à informação procedimental, em virtude de possuir um interesse legítimo, concordantemente com o exigido no art.º 85.º do CPA (sobre esta questão, pronunciou-se este Tribunal Central Administrativo e sentido idêntico no processo n.º 1319/17.7BELSB, no Acórdão proferido em 16/01/2018).
Ora, neste caso, é à Recorrida e não à Recorrente que cabe ajuizar da necessidade ou pertinência das informações e da obtenção de cópia dos procedimentos requeridos, não sendo lícito à Recorrente recusar a prestação das almejadas informações ou a emissão das cópias dos documentos solicitados (também assim, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, ob. cit., p. 869).
No caso dos procedimentos administrativos a que respeitam as informações e os documentos solicitados estarem já concluídos, então situamo-nos já no seio do exercício do direito à informação não procedimental, regulada diretamente pelo art.º 17.º do CPA e 5.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto. Neste caso, consoante já explicitado antecedentemente, dispensa-se até a invocação ou demonstração, por banda da Recorrida, da subsistência de qualquer interesse relevante no acesso às informações ou documentos em causa (podendo, no limite, os pedidos de informação assomarem como “caprichosos”, como explica JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., p. 252, em nota de rodapé).
É certo que, como invoca a Recorrente, a sentença impetrada não realiza a destrinça entre os procedimentos em curso e os já findados para efeitos de qualificação do direito à informação exercitado pela Recorrida como procedimental ou não procedimental. Todavia, não é ao Tribunal que compete realizar a indagação do estado dos procedimentos administrativos a que respeitam as informações e documentos solicitados pela Recorrida. Tal encargo recai totalmente sobre a Recorrente que, como grassa à evidência, não só não o cumpriu, como propositadamente enredou os pedidos intimatórios formulados pela Recorrida.
Seja como for, e como já se frisou em momento anterior, não subsiste qualquer dúvida da relevância e legitimidade da motivação objetiva da Recorrida para aceder às informações e documentos solicitados.
Realmente, é de assinalar que a Recorrente fez publicar a abertura de um procedimento concursal em 15/09/2017 para a celebração de acordo-quadro, com uma só entidade, para a prestação dos serviços de apoio operacional, serviços de recolha, armazenamento, transporte, tratamento e destino final de resíduos hospitalares, sendo certo que tal procedimento não prosseguiu os seus lógicos termos até decisão final. Em concomitância, há notícia de que a Recorrente celebrou, nos anos de 2017 e 2018, pelo menos dois contratos com um terceiro, através de ajuste direto, para prestação de serviços pelo menos parcialmente coincidentes com o objeto do acordo-quadro em questão no aludido procedimento concursal aberto em 15/09/2017. Sendo assim, forçoso é concluir pela relevância da informação relativa à identificação dos contratos celebrados pela Recorrente nos anos de 2017 e 2018 para prestação dos serviços de apoio operacional, serviços de recolha, armazenamento, transporte, tratamento e destino final de resíduos hospitalares perigosos dos Grupos III e IV, e respetivos procedimentos pré-contratuais, caso tenham existido, bem como a informação atinente às decisões proferidas pela Recorrente relativas à decisão de contratar e dispensa de procedimentos pré-contratual, e inerente cópia dos documentos que concretizam tais decisões, consonantemente com o peticionado nas alíneas, a), b), c), d) e q) da pretensão intimatória.
De igual modo, assoma como percetível e justificada a motivação da Recorrida para aceder à reprodução das peças que instruem e concretizam os procedimentos concursais que tenham sido espoletados pela Recorrente naqueles dois anos e com o referenciado objeto, nos termos que se encontram descritos nas alíneas e), f) e g) da pretensão intimatória.
Finalmente, os restantes pedidos, elencados nas alíneas h), i), j), k), l), m), n), o) e p) da pretensão intimatória, têm em vista o acesso à informação relativa a dois concretos contratos celebrados com um terceiro em 2017 e 2018, através de ajuste direto, e para prestação dos serviços incluídos no procedimento concursal aberto pela Recorrente em 15/09/2017. O que significa que, uma vez mais, o acesso a tal informação assume importância para a Recorrida, desde logo para, eventualmente, usar de mecanismos judiciais, mormente com o intuito de sindicar a validade dos contratos em discussão.
Destarte, atento o exposto, cumpre concluir que a Recorrida possui um indesmentível direito à informação quanto a todos os pedidos que integram a sua pretensão intimatória.
Pelo que, irremediável se torna afirmar que a sentença a quo não padece do erro de julgamento que lhe imputa a Recorrente nas conclusões 1 a 25 do respetivo recurso jurisdicional, fracassando este nesta parte.

ii) Da existência dos documentos cujo acesso é pretendido pela Recorrida
A Recorrente, nas conclusões 26 a 32 da sua impetração jurisdicional, invoca que a sentença em discussão sufraga posição que implica uma interpretação e aplicação errónea do estatuído no art.º 13.º, n.º 6 da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, que prevê que a entidade requerida não tem o dever de criar ou adaptar documentos para satisfazer o pedido, nem a obrigação de fornecer extratos de documentos, caso isso envolva um esforço desproporcionado que ultrapasse a simples manipulação dos mesmos”. Clama a Recorrente, pois, que a sentença impetrada implicará a produção de novos documentos, na medida em que impõe a elaboração de listagens para satisfação dos pedidos contidos nas alíneas a), b) e c), bem como nas alíneas h), i), j), k), p) e q) da pretensão intimatória da Recorrida.
Todavia, analisada a sentença recorrida, verifica-se que o ataque que a Recorrente lhe dirige é imerecido.
Realmente, admitimos que um dos modos possíveis para conferir satisfação aos pedidos insertos nas alíneas a), b), c) e q) da pretensão intimatória da Recorrida seja a elaboração de uma lista identificativa dos procedimentos pré-contratuais e dos contratos celebrados em 2027 e 2018 pela Recorrente, e cujo objeto seja- total ou parcialmente, conjugada ou isoladamente- a prestação dos serviços de apoio operacional, serviços de recolha, armazenamento, transporte, tratamento e destino final de resíduos hospitalares perigosos dos Grupos III e IV.
Sucede que, nem a sentença impetrada determina ou ordena a elaboração de tal lista, nem a enumeração dos procedimentos e contratos em causa numa lista ou rol configura, para este efeito, a criação de um novo “documento administrativo”.
No que tange ao primeiro aspeto abordado, é de notar que a sentença em discussão apenas alude à elaboração de uma listagem nos seguintes termos, que se transcrevem em seguida:
“Além disso, o pedido no âmbito das alíneas referidas [alíneas a) e b) da pretensão intimatória da Recorrida] é apenas e só a informação sobre os contratos celebrados nos anos de 2017 e 2018, e não todos os documentos sobre todos os contratos alguma vez celebrados pela Entidade requerida. Tal não envolverá, ao contrário do que alega a Entidade requerida, “milhares de documentos”. No fundo, o que se pretende será uma espécie de listagem com indicação/referência sobre quais os contratos celebrados, apenas nos anos de 2017 e 2018 e somente os que tenham como objecto, total ou parcialmente, os serviços referidos.”
Ou seja, a sentença em apreciação apenas enseja uma sugestão quanto ao modo de cumprimento e satisfação dos pedidos informativos formulados pela Recorrida, não ordenando a criação de qualquer “novo” documento.
Além do mais- e agora versando o segundo argumento-, é absolutamente erróneo qualificar a própria prestação da informação requerida como correspondendo à criação de um novo documento administrativo nos termos descritos no art.º 13.º, n.º 6 da Lei 26/2016. Em primeiro lugar, porque o art.º 13.º não versa sobre o direito à prestação de informações, mas sim sobre o direito de acesso aos documentos administrativos. Em segundo lugar, porque não estando em causa o acesso a documentos nos pedidos informativos, mas tão-somente o fornecimento das pretendidas informações, naturalmente que a Recorrente não deverá elaborar qualquer documento prévio, mas simplesmente fornecer as mencionadas informações.
Acrescente-se que, mesmo o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos compreende o direito de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência ou conteúdo, e nessa medida abrange qualquer das modalidades que corporizam o direito à informação procedimental, concordantemente com o que decorre do preceituado no art.º 5.º, n.º 1 da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto (também assim, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, ob. cit., p. 866).
Por conseguinte, claudica claramente esta linha argumentória apresentada pela Recorrente, falecendo o invocado nas conclusões 26 a 32 do presente recurso jurisdicional.
iii) Da proporcionalidade e do caráter abusivo da pretensão intimatória formulada pela Recorrida
Nas conclusões 33 a 46 da impetração agora em julgamento, vem a Recorrente sustentar que a sentença a quo padece de erro de julgamento, por violação do disposto nos art.ºs 2.º, n.º 1 e 15.º, n.º 3 da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, bem como do disposto no art.º 334.º do Código Civil.
Vejamos, portanto, se a razão está do lado da Recorrente no que se refere a esta questão.
A sentença recorrida enfrentou a alegação da desproporcionalidade e do exercício abusivo do direito à informação do seguinte modo, que se transcreve:
“(…) Dir-se-á que, se o peticionado pela Requerente fosse efectivamente aquilo que depreendeu a Entidade requerida, teria esta, pelo menos em parte, fundamento bastante para demonstrar a bondade da sua posição em se considerar posto em causa o princípioda proporcionalidade e, por isso, manifestamente abusivo o pedido, face ao número de documentos de que se pede a reprodução.
Contudo, bem analisado o peticionado, verifica-se que alguns dos pedidos são repetições desnecessárias e, outros, têm carácter sucessivamente subsidiário relativamente a pedidos anteriores. Dito de outra forma, reduzido o peticionado ao efectiva e materialmente pretendido, constata-se que a sua extensão e abrangência é bem menor do que pareceria.
Cotejando o requerimento (cf. ponto 6 do probatório), pode logo adiantar-se que os pedidos constantes das suas alíneas a) e b) são redundantes. Embora num se refira “tendo por objecto todos ou parte dos seguintes serviços” e noutro “tendo por objecto, isoladamente ou em conjugação com outros serviços”, o resultado final é idêntico, já que se o contrato tiver por objecto apenas em parte alguns dos serviços mencionados [alínea a)], necessariamente é porque esse mesmo contrato terá como objecto alguns dos serviços mencionados “em conjugação com outros serviços” [alínea b)].
Assim, e na realidade, sob a aparência de 2 pedidos, é formulado apenas 1.
Além disso, o pedido no âmbito das alíneas referidas é apenas e só a informação sobre os contratos celebrados nos anos de 2017 e 2018, e não todos os documentos sobre todos os contratos alguma vez celebrados pela Entidade requerida. Tal não envolverá, ao contrário do que alega a Entidade requerida, “milhares de documentos”. No fundo, o que se pretende será uma espécie de listagem com indicação/referência sobre quais os contratos celebrados, apenas nos anos de 2017 e 2018 e somente os que tenham como objecto, total ou parcialmente, os serviços referidos.
A informação pedida na alínea c) do requerimento também não se revela desproporcionada e facilmente pode constar da mesma listagem com que se responda ao solicitado nas alíneas a) e b).
Quanto a estes pedidos de informações (bem como aos restantes do mesmo tipo), a Requerente fundamenta-se no seu direito à informação procedimental, que a Entidade requerida não lhe reconhece. Contudo, cremos que não colhe esta última posição.
É que, ainda que pudesse haver dúvidas sobre o interesse directo num procedimento por parte da Requerente, sempre seria de admitir a extensão do direito por força do disposto no n.º 1 do artigo 85.º do CPA, por se entender que tem a Requerente interesse legítimo na obtenção da informação solicitada, face à posição que assumiu no concurso público referido no ponto 3 do probatório e no contencioso pré-contratual com ele relacionado (cf. pontos 4 e 5 do probatório).
Quanto aos pedidos de reprodução de documentos, funda-se a Requerente, essencialmente, no direito à informação não procedimental. De resto, tal qualidade não é posta em causa pela Entidade requerida, apenas lhe assacando, nesta sede, o carácter abusivo ou excessivo dos pedidos, conforme já referido.
Continuando na análise do peticionado pela Requerente, depreende-se que na alínea d) é formulado um pedido de cópias das informações internas e das decisões que fundamentem a necessidade de contratar os serviços sem recurso a procedimento de contratação pública, sendo tal pedido dependente da resposta negativa ao peticionado na alínea c), isto é, o não terem sido os contratos referidos nas alíneas a) e b) precedidos de um procedimento de contratação pública.
As cópias pedidas nas alíneas e) a g), são essencialmente relacionadas com as peças dos procedimentos que tenham sido adoptados para contratar os serviços referidos nas alíneas a) e b) e, assumindo a qualidade de documentos administrativos, abrangidos pelo disposto na Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto, sempre estaria o direito de acesso garantido à Requerente, independentemente da existência ou não de um procedimento de que seja parte e tenha interesse directo, não se julgando, também aqui, que seja um pedido manifestamente abusivo, nos termos previstos no artigo 15.º do mesmo diploma.
Relativamente às informações solicitadas nas alíneas h) a k), essencialmente se questiona se os contratos aí referidos (e que são apenas 2 ajustes directos, celebrados na sequência do contencioso pré-contratual a que já se aludiu e onde, como se viu já, não se pode excluir, pelo menos, um interesse legítimo da Requerente, abrangido pelo disposto no n.º 1 do artigo 85.º do CPA) estão a produzir efeitos e se já foram integralmente cumpridos.
O mesmo se diga sobre a cópia dos contratos, solicitada na alínea l).
O solicitado nas alíneas m) a o), referente ao visto do Tribunal de Contas, são pedidos sucessivamente subsidiários e que, no caso, também não se consideram excessivos ou abusivos, sendo certo que face ao princípio da transparência na actuação das entidades públicas ou equiparadas, independentemente da existência ou não de um direito a informação procedimental neste caso, tal informação ou cópias sempre serão de admitir como de interesse legítimo de qualquer cidadão e abrangidos, também, pelo direito à informação não procedimental.
O pedido constante da alínea p) é redundante e já incluído no peticionado nas alíneas h) a k).
Finalmente, o pedido constante da alínea q) reporta-se, simplesmente, à informação sobre se existem outros procedimentos pré-contratuais em curso com vista à celebração de contratos que tenham como objecto os serviços indicados nas alíneas a) e b), o que também estaria desde logo abrangido pelo direito à informação não procedimental (isto é, não sendo necessário ser titular de um direito à informação procedimental nos termos do CPA, para ter um direito à informação solicitada, nos termos da Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto), nem se afigurando como excessivo ou abusivo o pedido assim formulado.
Assim analisados e delimitados os pedidos formulados pela Requerente, entende-se que deverá a Entidade requerida dar a devida satisfação, nos termos assinalados, isto é, sempre prejuízo do que se disse sobre a existência de pedidos redundantes (e que, por isso, não carecem de resposta autónoma) e da existência de pedidos sucessivamente subsidiários, cuja satisfação depende, pois, da resposta a dar a pedidos anteriores. (…)”
Escrutinada a argumentação fundamentadora espraiada na decisão recorrida, é nosso entendimento que a imputação sob apreciação deve fracassar.
Realmente, a sentença analisou casuisticamente o objeto de cada um dos pedidos que integram a pretensão intimatória formulada pela Recorrida no sentido de averiguar se a satisfação dos mesmos implicava o fornecimento de “milhares de documentos”, “centenas de ficheiros”, custos elevadíssimos” e “paralisação dos serviços” da Recorrente, tendo concluído que, “reduzido o peticionado ao efectiva e materialmente pretendido, constata-se que a sua extensão e abrangência é bem menor do que pareceria”.
E sopesando a análise realizada pela sentença recorrida e confrontando a mesma, quer com a resposta oportunamente oferecida pela agora Recorrente, quer com as alegações do presente recurso jurisdicional, a verdade é que não identificamos qualquer motivo ou razão para divergir do entendimento exarado naquela decisão. E por diversas razões.
A primeira, porque a Recorrente manteve, nas suas alegações de recurso, o caráter conclusivo e genérico da alegação atinente à desproporcionalidade e ao exercício abusivo do direito à informação, nada acrescentado ao que tinha sido inicialmente invocado, nem concretizando por qualquer via a sua discordância.
E, seja como for, “a desrazoabilidade ou desproporcionalidade do pedido apresentado constitui um juízo de direito formulado com base num facto notório, que é apreensível pelos exatos termos da amplitude e da extensão do pedido que foi deduzido pela Requerente”, consonantemente com o julgado por este Tribunal de Apelação no processo n.º 1319/17.7BELSB, em Aresto prolatado em 16/01/2018.
O que quer dizer que, concordando este Tribunal de apelação com o juízo efetuado pelo Tribunal a quo, nada há de novo a ponderar nesta matéria.
A segunda, porque está em causa a informação e o acesso a documentos referentes a procedimentos e contratos celebrados pela Recorrente apenas nos anos de 2017 e 2018, e apenas com um específico objeto, não se descortinando que ocorra qualquer dificuldade por parte da Recorrente em indicar e identificar os procedimentos e contratos eventualmente celebrados.
A terceira razão, porque não é lícito à Recorrente, pelo menos no caso posto, escudar-se no facto de estar em discussão a existência de procedimentos pré-contratuais, porventura complexos, como pretexto justificativo do convocado esforço e enorme dificuldade na satisfação da pretensão intimatória da Recorrida.
É que, como já afirmou este Tribunal Central Administrativo Sul no processo n.º 1502/17.5BELRA, no Acórdão proferido em 10/05/2018, “todo o processo administrativo pré-contratual desde a sua preparação e um contrato (…) consequentemente celebrado, onde natural e legalmente estão presentes as propostas, os preços e os custos que fizeram ou fazem parte da decisão de contratar, que fizeram ou fazem parte do procedimento pré-contratual e que fizeram ou fazem parte do contrato, constitui, em geral, documentação administrativa para efeitos do direito à informação Administrativa.”
A quarta, porque- para o que interessa no caso posto e seguindo a Jurisprudência firmada no Aresto prolatado no processo 1319/17.7BELSB e já citado antecedentemente-, apenas se restringe ou veda o exercício do direito à informação quando, atenta a extensão e amplitude da informação requerida, mormente o período temporal abrangido e o número muito expressivo ou significativo de documentos, “não é de admitir a sobreposição do alegado direito de acesso pela Requerente, em face aos princípios pelos quais se rege a atuação normal da Administração”, especificamente, os princípios da proporcionalidade e da boa-fé, inscritos nos art.ºs 2.º, n.º 1 e 15.º, n.º 3 da Lei n.º 26/2016, bem como a proibição do abuso de direito, derivada do disposto no art.º 334.º do Código Civil.
No caso versado, como se viu, não é manifesto que a pretensão intimatória da Recorrida imponha um esforço desmesurado ou hercúleo para a Recorrente, quer quanto ao fornecimento das informações solicitadas, quer quanto ao fornecimento de cópias dos documentos, quer porque não é facto notório que estejam em causa “milhares de documentos”, “centenas de ficheiros” ou a “paralisação dos serviços”, quer porque a Recorrente nada alegou de concreto que permita fincar convicção nesse sentido (desde logo, nada disse, sequer, quanto ao número de procedimentos ou contratos em causa).
Quer tanto significar, em suma, que não se verifica desproporcionalidade ou o exercício abusivo do direito à informação por banda da Recorrida.
Sendo assim, ante o expendido, cumpre concluir que o alegado pela Recorrente nas conclusões 33 a 46 está votado à improcedência, fracassando o presente recurso nesta parte.

iv) Da confidencialidade dos documentos e da violação do direito da concorrência
Nas conclusões 38 e 39 do vertente recurso jurisdicional, vem a Recorrente clamar que a pretensão da Recorrida, de aceder às condições de celebração, aos preços estabelecidos e à duração de execução dos protocolos e contratos celebrados pela Recorrente, é violadora do direito da concorrência, pois configura uma forma da Recorrida obter vantagens concorrenciais.
Adicionalmente, nas conclusões 52 e 53 do recurso em discussão, a Recorrente convoca a aplicação do disposto no art.º 6.º, n.º 1 da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, mais esgrimindo que, “dos milhares de documentos de que a Recorrida pede cópias/informação, há, com toda a certeza, um número significativo de documentos de natureza nominativa e, por isso, confidenciais”.
Ora, o primeiro bloco argumentativo adiantado pela Recorrente corresponde, essencialmente, à invocação da existência de segredos comerciais no acervo de documentos a que a Recorrida pretende aceder.
No que se refere à questão do acesso à informação passível de conter segredos comerciais e, por isso, suscetível de espoletar ou provocar situações de concorrência desleal, importa assinalar que este Tribunal tem produzido Jurisprudência recente, dentre a qual selecionamos, pela sua pertinência, os Acórdãos proferidos em 10/05/2018 e 07/11/2019, nos processos n.º 1502/17.5BELRA e n.º 729/19.0BELSB, respetivamente.
No segundo dos Arestos citados, este Tribunal de apelação afirmou, entre o mais, que:
“(…)
Cabia à Administração, ora Recorrente, concretizar no plano do facto e no plano do direito a existência de qualquer obstáculo ou restrição ao direito de acesso à informação, designadamente, através da enunciação de qualquer cláusula do contrato que assim o determinasse, o que não logra acontecer.
A divulgação da informação em causa não tem que ver com o exercício da atividade comercial de qualquer empresa, nem com o seu volume de negócios, nem com a sua carteira de clientes, nem com a sua margem de lucro ou sequer com a sua identificação.
Além de não se pretender saber o preço unitário de qualquer medicamento, nem o volume de unidades adquiridas, mas o valor global que o Estado português despendeu com tais tratamentos para a hepatite C com os medicamentos em causa.
Ao contrário do que defende a Recorrente, num juízo de ponderação de todos os direitos e interesses em jogo, eventualmente contrapostos, mediante um critério de proporcionalidade, necessidade e de adequação, não se vislumbra dever proteger o segredo invocado ou sequer que esse segredo, a existir, deva merecer maior proteção em relação ao direito fundamental à informação administrativa, no caso, na vertente não procedimental ou de arquivo aberto.
Por conseguinte, como consta da sentença recorrida, considerando que a Requerente “não solicita a identificação das entidades que fornecem os medicamentos em causa, a identificação das quantidades fornecidas, com que periodicidade, desde quando começaram a ser utilizados tais medicamentos, a identificação das necessidades individuais de cada paciente, o tipo de tratamento prescrito, a duração do tratamento, nem a identificação de outros factores que sejam tidos em consideração para o cálculo da despesa com os tratamentos”, nem sequer “está em causa o acesso à informação de saúde dos pacientes com hepatite C, que não foram sequer identificados pela Intimante, mas apenas o valor despendido nos tratamentos desses pacientes com os inovadores sofosbuvir e daclatasvir pelo Serviço Nacional de Saúde”, forçoso se tem de concluir pela tutela do direito à informação, nos termos requeridos pela ora Recorrida.
A sentença recorrida mostra-se corretamente fundamentada, no sentido de a existir alguma interdição do acesso à informação requerida, ela apenas poderia ocorrer durante o tempo estritamente necessário à salvaguarda de outros interesses juridicamente relevantes, mediante decisão da Administração, e apenas nas situações elencadas no artigo 6.º, n.º 7, da Lei n.º 26/2016, sem que tenha sido demonstrado que tal decisão tenha sido tomada.
Do mesmo modo que a alegação da Recorrida é insuficiente para a caracterização de uma situação que permita identificar terceiros a quem a prestação da informação requerida possa causar danos graves e dificilmente reversíveis nos seus bens ou interesses patrimoniais.
Dificilmente se pode conceder que a concessão da informação requerida possa causar prejuízos às empresas responsáveis pela comercialização dos medicamentos em causa, além que, a ocorrer não pode consubstanciar uma restrição legalmente prevista ao direito de acesso à informação, num juízo de proporcionalidade dos direitos e interesses envolvidos.
Reafirma-se que não é o preço de cada um dos medicamentos que está em causa, nem o número de doentes abrangidos, nem tão pouco a prescrição do tratamento e a duração do tratamento, que poderá diferir de doente para doente, mas antes o valor despendido pelo Estado português com os tratamentos com tais medicamentos.
Por isso, inexiste qualquer restrição de acesso à informação requerida, o que determina que a mesma deve ser prestada.
O acesso à informação relativa ao gasto com os tratamentos da Hepatite C, com os medicamentos sofosbuvir e declatasvir, pelo Estado português não está condicionado ou limitado por qualquer restrição do acesso à informação, nos termos do artigo 6.º da LADA.
Não estão em causa dados pessoais ou nominativos, nem tão pouco segredos comerciais ou que relevem de cláusulas de confidencialidade dos contratos públicos celebrados entre o Estado e as empresas comercializadoras.
De resto a alegada confidencialidade não foi concretizada em qualquer cláusula contratual que permitisse apreender a sua existência e exata configuração, limitando-se a Recorrente a uma alegação genérica nesse sentido.
Daí que seja de afastar a configuração do litígio em presença como um caso de conflito de direitos e interesses, em que se reconhecendo a titularidade ao requerente da informação de um direito ao acesso à informação que requereu à Administração, se coloquem limites ao exercício desse direito, decorrente da existência de direitos e interesses contrapostos, como a tutela de dados pessoais nominativos ou sequer segredos comerciais ou a produção de prejuízos ou danos em consequência da prestação da informação, por não se colocarem no caso concreto.
No presente caso, a Requerente é titular do direito à informação administrativa não procedimental ou segundo o princípio da Administração aberta ou do open file, sem que se verifique qualquer situação de restrição no acesso, como previsto no artigo 6.º da LADA. (…)”
Sendo certo que, no processo n.º 1502/17.5BELRA, em Acórdão proferido em 10/05/2018, este mesmo Tribunal já tinha exarado o que se segue:
“(…)
3.3.
Já vimos que o presente caso está sujeito à LARDA.
Assim, vale o princípio consagrado no artigo 268º/2 da CRP, no artigo 17º do CPA e no artigo 2º da LARDA.
Por isso, as aqui demandadas estão vinculadas à LARDA (cf. o artigo 4º/1-d)-g)/2-a)-b)).
Neste contexto, a requerente tem, por regra, livre direito de acesso aos documentos administrativos, ao abrigo dos artigos 5º a 7º da LARDA.
O obstáculo que se discute nos recursos refere-se ao cit. artigo 6º/6 [Um terceiro só tem direito de acesso a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização escrita desta ou demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.].
Não se olvide ainda uma expressão da teleologia da lei: nos termos do n.º 7 do artigo 6.º da LARDA, “Os documentos administrativos sujeitos a restrições de acesso são objeto de comunicação parcial sempre que seja possível expurgar a informação relativa à matéria reservada”.
Também o CCP dispõe de algumas normas que visam tutelar o segredo comercial, mas em termos excecionais; assim, nos termos do artigo 66.º, n.º 1, do CCP: “Por motivos de segredo comercial, industrial, militar ou outro, os interessados podem requerer, até ao termo do primeiro terço do prazo fixado para a apresentação das propostas, a classificação, nos termos da lei, de documentos que constituem a proposta, para efeitos da restrição ou da limitação do acesso aos mesmos na medida do estritamente necessário.”. Está em causa a apropriação, por parte de um ou mais competidores, das ideias e soluções pertencentes a outro(s) concorrente(s), num claro aproveitamento do produto do trabalho alheio (o designado "cherry-picking")- cf. LUIS VERDE DE SOUSA, A Negociação nos Procedimentos de Adjudicação: uma análise do Código dos Contratos Públicos, Coimbra, Almedina, 2010, p. 208.
Mas o segredo comercial - constante de documentos administrativos- não é protegido em si mesmo, mas tão-só e na medida em que o acesso ao mesmo possibilite, no caso singular, a prática de atos de concorrência desleal- cf. assim DÁRIO MOURA VICENTE, Segredo Comercial e Acesso à Informação Administrativa, in Estudos em homenagem ao Prof. Sérvulo Correia, Coimbra, 2010, Vol. 3, p. 297.
Afinal, a proibição da concorrência desleal tem por objetivo a proteção do interesse dos concorrentes, bem como um interesse geral no regular funcionamento do mercado, impondo aos agentes económicos um dever de agir leal e honestamente, quando competem entre si.
É sempre necessário ir ao caso concreto, sem prejuízo de haver elementos que, por critério de normalidade social e jurídica, não constituem segredo. É este último o caso a que nos referimos supra em 3.1. E que circunscreveu o âmbito da sentença recorrida.
3.4.
Para ir ao concreto, aqui apenas como teste ao já implícito no que acabámos de referir, temos presente o seguinte:
i- O direito de acesso aos arquivos e registos administrativos - de que a LADA é um desenvolvimento normativo - está consagrado no artigo 268º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa; é um direito de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias; portanto, apenas nas situações em que esse segredo se encontra já acolhido pela CRP, sob a forma de direitos ou interesses por esta reconhecidos, pode ter como consequência uma tal limitação (cfr. artigo 18º, n.º 2, da CRP);
ii- A afetação de um direito fundamental prevista no artigo 6º, n.º 6, da LADA tem como pressuposto que os documentos administrativos sujeitos à mesma contenham informação secreta. Isto porque nem toda a informação comercial, industrial ou sobre a vida interna das empresas é secreta;
iii- A norma que protege o segredo tem como finalidade impedir que o exercício do direito de acesso aos documentos administrativos constitua uma maneira de colher, junto da Administração, indicações estratégicas respeitantes a interesses fundamentais respeitantes a terceiros, distorcendo dessa forma as regras do mercado;
iv- A delimitação do que seja um segredo comercial juridicamente relevante deve ter como ponto de partida o Código de Propriedade Industrial (isto é, informações no sentido de não serem geralmente conhecidas ou facilmente acessíveis, na sua globalidade ou na configuração e ligação exatas dos seus elementos constitutivos, para pessoas dos círculos que lidam normalmente com o tipo de informações em questão; com valor comercial pelo facto de serem secretas; tenham sido objeto de diligências consideráveis, atendendo às circunstâncias, por parte da pessoa que detém legalmente o controlo das informações, no sentido de as manter secretas).
3.5.
Ora, segredo comercial e segredo sobre a vida interna de uma empresa, na LARDA, refere-se a
(i) informação secreta com valor comercial e
(ii) objeto de medidas internas para a manter secreta - cf. Ac. deste TCA Sul de 16-06-2016, p. nº 13191/16; Ac. deste TCA Sul de 30-04-2015, p. nº 12046/15; Ac. deste TCA Sul de 12-04-2012, p. nº 08676/12; Ac. do STA de 09-04-2015, p. nº 0263/12.
E secretos são os métodos de gestão, comercialização e de trabalho utilizados pelas empresas (a “alma do negócio”).
As informações secretas são detidas por uma entidade pública ou privada respeitantes, nomeadamente, a (i) métodos de avaliação dos custos de fabrico e de distribuição, (ii) segredos e processos de fabrico, (iii) fontes de aprovisionamento, (iv) quantidades produzidas e vendidas, (v) quotas de mercado, (vi) ficheiros de clientes e distribuidores, (vii) estratégia comercial, (viii) estrutura do preço de custo, (ix) política de vendas, (x) informações de estratégia empresarial de uma unidade produtiva, (xi) técnicas que podem não ter nível inventivo, mas que sejam apanágio de uma empresa.
A vida interna da empresa reporta-se à forma como cada empresa, internamente, organiza, executa e planifica a sua atividade. Por exemplo, a situação contributiva face à segurança social e o fisco (a menos que, por lei, tenha que ser revelada), a escrituração comercial e a planificação de reestruturações internas (cf. os Pareceres da CADA nº 23/2013, nº 170/2013 e nº 226/2013).
3.6.
No sentido do acabado de expor, podemos ainda invocar:
- o artigo 2º da Diretriz ou Diretiva nº 2016/943 do P.E. e do C.E.: são segredo comercial as informações que cumpram cumulativamente os requisitos seguintes: a) serem secretas, no sentido de, na sua globalidade ou na configuração e ligação exatas dos seus elementos constitutivos, não sejam geralmente conhecidas pelas pessoas dos círculos que lidam normalmente com o tipo de informações em questão, ou não sejam facilmente acessíveis a essas pessoas; b) terem valor comercial pelo facto de serem secretas; c) terem sido objeto de diligências razoáveis, atendendo às circunstâncias, para serem mantidas secretas pela pessoa que exerce legalmente o seu controlo;
- existe, por natureza, um dever acrescido de transparência na chamada contratação pública “in house”.
E, por isso, aquilo que é referido na conclusão nº 23 do recurso da C-I (No plano interno, a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos tem sido chamada por diversas vezes a pronunciar-se sobre esta matéria, considerando que: “(…) podemos afirmar que segredos comerciais ou industriais (“segredos de negócios”) são as informações secretas, que por esse facto tenham valor comercial (atual ou potencial) e sejam objeto de medidas no sentido de as manter secretas. As informações secretas são as detidas por uma entidade (pública ou privada) respeitantes, nomeadamente, a «métodos de avaliação dos custos de fabrico e de distribuição, de segredos e processos de fabrico, de fontes de aprovisionamento, de quantidades produzidas e vendidas e de quotas de mercado, de ficheiros de clientes e distribuidores, de estratégia comercial, da estrutura do preço de custo e de política de vendas”) deve ser entendido em abstrato, referido a um todo, que só se torna atuante ou bloqueante em certas circunstâncias.
3.7.
Enfim, (i) os preços unitários ou parcelares constantes dos procedimentos pré-contratuais e (ii) o teor dos contratos públicos (como referido em 3.1) não são segredo protegido, em geral, pela nossa ordem jurídica. Não são segredo comercial, nem vida interna da empresa, ou know-how, ou estratégia comercial, nem modo de relacionamento com outros operadores económicos.
Pelo que os aqui demandados não estão isentos do dever de transparência e de sindicância pública (cf. o artigo 48º/2 da CRP) ou jurisdicional, no que à despesa pública e à contratação administrativa diz respeito, assim circunscrita no caso presente: (1º) todo o processo administrativo pré-contratual desde a sua preparação e (2º) o contrato “in house” consequentemente celebrado, onde natural e legalmente estão presentes (i) as propostas, (ii) os preços e (iii) os custos que fizeram ou fazem parte da decisão de contratar, que fizeram ou fazem parte do procedimento pré-contratual e que fizeram ou fazem parte do contrato.

Afinal, “toda a atividade das empresas públicas - paritária ou autoritária, de gestão privada ou de gestão pública – encontra-se sujeita ao princípio da transparência administrativa” (Ac. deste TCA Sul de 24-02-2016, p. nº 12672/15).
Em consequência, nem as disposições legais cits., nem a decisão recorrida, desrespeitam minimamente o artigo 81º/f) da CRP. Antes pelo contrário.
Aliás, como sublinhado pelo TAC, não tem sentido afirmar, ou melhor, supor que, por princípio ou em regra, o procedimento pré-contratual contém segredos comerciais. Tal situação será e é a exceção.
Na verdade, tudo o invocado pelas recorrentes é vago e puramente genérico.
(…)”.
Analisando e sopesando a Jurisprudência vinda de citar, é de assumir firmemente algumas diretrizes em matéria de tratamento do exercício do direito à informação no que se refere ao segredo comercial, industrial ou de propriedade científica, literária ou artística.
Assim, a primeira diretriz a erigir é a de que “não basta a mera alegação, vaga e genérica, desprovida de qualquer concretização fáctica, mas antes sendo exigido que a entidade sujeita ao dever de informação concretize, de modo fundamentado, que os documentos contêm segredos comerciais, industriais e dados internos da vida da empresa, visto estar em causa a restrição a um direito fundamental com assento constitucional” (assim defendem também MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, ob. cit., p. 866).
Sucede, porém, que nas aludidas conclusões 38, 39, 52 e 53 do recurso, nunca a Recorrente produz qualquer alegação concretizada ou substanciada em termos fácticos, antes se limitando, designadamente, a especular que, por estarem em causa muitos documentos, provavelmente haverá documentos nominativos.
A segunda diretriz a eleger, é a de que o segredo comercial ou industrial respeita, naturalmente, a informação secreta com valor comercial, que seja objeto de medidas internas para a manter secreta. E secretos são os métodos de gestão, comercialização e de trabalho utilizados pelas empresas (a “alma do negócio”), pois que “a vida interna da empresa reporta-se à forma como cada empresa, internamente, organiza, executa e planifica a sua atividade. Por exemplo, a situação contributiva face à segurança social e o fisco (a menos que, por lei, tenha que ser revelada), a escrituração comercial e a planificação de reestruturações internas (cf. os Pareceres da CADA nº 23/2013, nº 170/2013 e nº 226/2013)”.
Como se explicita também no Acórdão promanado por este Tribunal no processo n.º 1502/17.5BELRA, as informações secretas são detidas por uma entidade pública ou privada e são respeitantes, “nomeadamente, a (i) métodos de avaliação dos custos de fabrico e de distribuição, (ii) segredos e processos de fabrico, (iii) fontes de aprovisionamento, (iv) quantidades produzidas e vendidas, (v) quotas de mercado, (vi) ficheiros de clientes e distribuidores, (vii) estratégia comercial, (viii) estrutura do preço de custo, (ix) política de vendas, (x) informações de estratégia empresarial de uma unidade produtiva, (xi) técnicas que podem não ter nível inventivo, mas que sejam apanágio de uma empresa”.
Ou seja, e regressando ao caso em apreciação, não é possível acompanhar a Recorrente na sua tese, dado que, a informação que concerne aos contratos celebrados, aos preços estabelecidos e à duração da execução desses contratos não respeita à dita “vida interna” ou à “alma do negócio” das empresas que celebram contratos com a Recorrente.
Aliás, neste seguimento, é de ressaltar a outra diretriz relevante no domínio desta problemática e que é a da observância dos princípios da transparência, da igualdade, da legalidade e da imparcialidade a que se encontra adstrita a Recorrente, e que, nessa medida, obrigam à divulgação pública de um conjunto de informação, de resto, em consonância com o previsto no art.º 10.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto.
Por conseguinte, as alegações da Recorrente, de que não tem de divulgar a informação sobre os contratos, e de que a Recorrida não pode querer “fiscalizar” a sua atividade, apresentam-se absolutamente destituídas de sentido, para além de revelarem má compreensão do conteúdo dos princípios jurídicos que regem toda a atividade da Recorrente, pois que, como decorre claramente daqueles princípios, a Recorrente não está dispensada do cumprimento “do dever de transparência e de sindicância pública (cf. o artigo 48º/2 da CRP) ou jurisdicional, no que à despesa pública e à contratação administrativa diz respeito, assim circunscrita no caso presente: (1º) todo o processo administrativo pré-contratual desde a sua preparação e (2º) o contrato (…) consequentemente celebrado, onde natural e legalmente estão presentes (i) as propostas, (ii) os preços e (iii) os custos que fizeram ou fazem parte da decisão de contratar, que fizeram ou fazem parte do procedimento pré-contratual e que fizeram ou fazem parte do contrato” (o mesmo Acórdão proferido no processo n.º 1502/17.5BELRA).
Ademais, e em regra, “os preços unitários ou parcelares constantes dos procedimentos pré-contratuais e o teor dos contratos públicos não são segredo protegido, em geral, pela nossa ordem jurídica. Não são segredo comercial, nem vida interna da empresa, ou know-how, ou estratégia comercial, nem modo de relacionamento com outros operadores económicos” (idem).
Deste modo, e no que tange ao caso posto, não se vislumbra qualquer óbice no acesso, por banda da Recorrida, à cópia das informações internas e das deliberações ou decisões que fundamentam a necessidade de contratar os serviços e a não adoção de um procedimento de contratação pública previsto no CCP ou a sua adoção; à cópia dos convites, programas de procedimento, caderno(s) de encargo(s) ou documentos do SUCH onde constam as condições e termos para a prestação de serviços, bem como das propostas, dos orçamentos e dos documentos contendo as condições da prestação de serviços apresentados ao SUCH pelo(s) prestador(es) de serviços. E raciocínio idêntico justifica a admissibilidade do acesso a cópia das deliberações ou decisões de aprovação das minutas dos contratos, bem como dos contratos celebrados com S....., A.C.E. (NIPC .....) em 29.12.2017 e 04.04.2018 e dos respetivos vistos do Tribunal de Contas, sendo que, caso estes não existam, cópia das informações internas e das deliberações ou decisões que fundamentam a decisão de não submeter um ou ambos os contratos melhor identificados nas alíneas h) e j) a Visto do Tribunal de Contas.
Sendo assim, importa concluir também pela improcedência do alegado pela Recorrente nas conclusões 38, 39, 52 e 53 das suas alegações de Recurso.


Desta feita, atenta a factualidade provada e o enquadramento legal em que se movimenta o caso em análise, apresenta-se inequívoco que a sentença a quo não padece dos erros de julgamento que lhe são assacados, antes revelando um acerto insuscetível de ser abalado pelo vertente recurso jurisdicional.
Pelo que, em conformidade, terá de negar-se provimento ao presente recurso e confirmar-se a sentença recorrida.



IV- DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em Conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e em confirmar a sentença recorrida.

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Custas pela Recorrente, sem prejuízo da isenção de que beneficie.


Lisboa, 27 de fevereiro de 2020,

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Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro

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Jorge Pelicano

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Celestina Castanheira