Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1430/11.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/07/2020
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO;
OPOSIÇÃO;
REVERSÃO;
GERÊNCIA;
RENÚNCIA.
Sumário:I - No caso de impugnação da matéria de facto, sustentada em prova testemunhal gravada (como é o caso), o ónus do recorrente previsto nos nºs 1 e 2 do art. 640º do CPC, cumpre-se mediante a indicação exata das passagens da gravação em que se funda, sem embargo da apresentação facultativa da respetiva transcrição. O não cumprimento de tal ónus implica a rejeição do recurso, nessa parte.
II – Na data do facto constitutivo da dívida tributária, bem como na data limite de pagamento voluntário da dívida em causa, as oponentes já não eram gerentes da sociedade devedora originária, uma vez que renunciaram às referidas funções.
III - Relevaria a prova de actos concretos que corporizassem o mencionado exercício efectivo da gerência, o que não se demonstra nos autos. Face à factualidade provada, impõe-se concluir que o pressuposto da gerência efectiva em relação às oponentes, ora recorridas, não se mostra comprovado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
A Representante da Fazenda Pública, com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou procedente a oposição deduzida por M….. e E….. contra a execução fiscal (processo n.º …..612) instaurada por efeitos da reversão operada contra si para pagamento de uma dívida referente a IRS/retenção na fonte do exercício de 2009, no montante de €21.587,20. Mais determinou aquela sentença, em consequência da procedência da oposição, a anulação dos despachos de reversão e a extinção do processo de execução fiscal supra identificado, contra as oponentes.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
«
A. Entendeu-se na douta sentença que a AT não logrou provar a gerência de facto das oponentes na sociedade "O….. - ….., Lda.”, determinando assim o Tribunal a quo, com este fundamento, serem as oponentes partes ilegítimas na execução.
B. Ora, salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com a douta decisão recorrida porquanto, não só a mesma não faz, uma correta eleição e apreciação da matéria de facto relevante para os autos, sendo que da prova produzida se não podem extrair as conclusões que lhe serviram de base, como também não procede a uma total e acertada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso subjudice. Vejamos,
C. Face aos meios de prova documentais que constam dos autos de primeira instância e à força probatória dos mesmos, pelo Tribunal a quo deveriam ter sido considerados para a boa decisão da causa, determinados factos, nomeadamente, que a)as oponentes assinaram vários documentos da sociedade devedora originária a pedido de J….. e C….., inclusive cheques, no caso da Oponente M….. - conforme declarações de parte da Oponente M…..; b) Na declaração modelo 22 da devedora originária relativa ao exercício de 2008 e entregue em 31.05.2009, foi indicado como representante legal o número de identificação fiscal ….. que pertence à oponente M….., uma vez que dos mesmos resulta, em conjugação com os restantes elementos dos autos, que as ora recorridas ao praticarem tais atos, exercerem de facto a gerência da sociedade devedora originária
D. Por outro lado, pelo douto tribunal a quo também não foi devidamente valorado o facto de em sede de petição inicial de oposição as oponentes afirmarem que "não tiveram gerência de facto da sociedade em causa após a atrás referida data [29.01.2008] em que deixaram de ser gerentes de tal sociedade", pelo que, contrariamente às declarações de parte prestadas e aos depoimentos das testemunhas que se identificaram como colegas de trabalho, as oponentes nunca negaram a gerência de facto da sociedade devedora originária até à data de 29.01.2008, o que aliás facilmente se comprova pela certidão permanente da sociedade devedora originária, na qual se constata que desde a data da sua constituição em 18.03.2002, até pelo menos à data de 29.01.2008 (não obstante a renuncia das oponentes apenas ter sido registada em 27.08.2009 - Ap. …..) que a gerência da sociedade O….. sempre esteve a cargo dos sócios F….., E….. e M…...
E. Mais, do confronto entre as várias apresentações inscritas no Registo Comercial, relativas à gerência e à forma de obrigar da sociedade, não se alcança como é que pode ser valorada uma procuração outorgada em 12.06.2006 por C….. e por A….. na qualidade de representantes legais da O….. (apenas designados gerentes da sociedade por deliberação de 29.01.2008 inscrita no registo comercial pela AP ….., que vem a ser posteriormente retificada pela AP ….. de 2010.10.12, ou seja em data posterior ao falecimento de C….. em 13.05.2010, de forma a que passasse a constar como data de deliberação 31.08.2005), a favor de J….. e das Oponentes, ao abrigo da qual estas alegadamente atuavam, porquanto na data em que a mesma foi outorgada, não possuíam aqueles quaisquer poderes de vinculação da sociedade.
F. Por outro lado, também não foram devidamente valorados pelo douto tribunal a quo, determinados atos praticados pelas oponentes, e que o próprio deu como provados, os quais evidenciam o exercício de funções de gerência por parte das oponentes, a saber: certidão de citação assinada, em 10-09-2009, pela oponente E….. (cfr. alínea H do probatório fixado na sentença recorrida) e pedido de pagamento de divida em prestações, de 10-09-2009, subscrito por ambas as oponentes.
G. Perante isto, entende a Fazenda Pública que erra a douta sentença ao considerar que não se encontra comprovado o exercício de facto de funções de gerência da sociedade executada, por parte das oponentes.
H. É certo que a gerência de direito permite inferir, em determinadas circunstâncias e por presunção judicial, a gerência de facto. Todavia, no caso em apreço, do teor da certidão de registo comercial não se retira a conclusão, que desde 29/01/2008, as Oponentes deixaram de ser gerentes de direito da devedora originária. Pelo contrário, os sucessivos registos e renúncias, depois retificadas quanto às datas das respetivas deliberações, dos vários gerentes da devedora originária, contradizem essa afirmação das Oponentes. Sendo que em certos períodos temporais, as suas assinaturas teriam sido juridicamente necessárias à vinculação da sociedade.
I. Acresce que perante a Administração fiscal, que é terceira em relação à sociedade, foi praticado pelas Oponentes, um ato concreto de gerência de facto destas relativamente à devedora originária: o pedido em prestações no PEF ao qual foi deduzida a presente oposição, apresentado em 10.09.2009. E não obstante nesse requerimento não ser indicado que o fazem na qualidade de gerentes da sociedade, todavia, trata-se de um requerimento da sociedade, o qual a ser deferido como foi, a constituiu na obrigação de proceder ao pagamento das prestações deferidas. Enquanto tal, foi, portanto, um ato, praticado perante a Administração fiscal (terceiro), suscetível de vincular a sociedade.
J. Por outro lado, e não obstante não constar do elenco dos factos dados como provados, o certo é que a Oponente Maria João, após 29/01/2008, continuou a constar da declaração modelo 22 da sociedade como sua representante legal.
K. Ora, a eventual circunstância de terem praticado esse ou outros atos (como resulta provado) por instruções de outros responsáveis da sociedade, pelo menos, também sócios, e nos impedimentos destes, não invalida a conclusão de que em determinados momentos, tenham agido perante terceiros, como gerentes de facto da sociedade devedora originária. Formal ou informalmente, tiveram poderes para tal, e representaram a sociedade perante terceiros.
L. Nestes termos, provada a prática de um ato de gerência de facto em 10.09.2009, e apresentando-se como representante legal da sociedade em 31/05/2009, no caso da Oponente M….., numa sociedade cuja gerência de direito, quer das Oponentes quer de outros gerentes, ou mesmo a forma de obrigar a sociedade, não resultam clarividentes da respetiva certidão do Registo Comercial, não permite concluir que as Oponentes não eram gerentes de facto à data do pagamento voluntário da dívida exequenda, ou seja, em 2009-03-20, 2009-04-20, 2009-05-20 e 2009-06-20.
M. A lei não define, de forma exata e perentória, os poderes de administração ou gerência. No entanto, da leitura das normas do CSC nomeadamente os artigos 259° e 260° facilmente se afere que esses poderes se traduzem na representação da empresa face a terceiros (ex: credores, trabalhadores, fisco, fornecedores, entidades bancárias, etc.) de acordo com o objeto social e mediante os quais o ente coletivo fique vinculado.
N. Isto é, um administrador/gerente, uma vez nomeado e iniciado o exercício das suas funções passa a ter direitos e obrigações para com a sociedade e para com terceiros.
O. Assim sendo, resulta provado nos autos o exercício de poderes de gerência de facto pelas Oponentes, cumprindo a Autoridade Tributária, o ónus da prova que sobre si impendia. Razão pela qual, se conclui que à data da reversão estavam verificados os pressupostos legais para a reversão da divida exequenda quanto às ora oponentes.
P. Por todo o exposto, no modesto entendimento da Fazenda Pública - e salvo sempre melhor entendimento -, o Ilustre Tribunal recorrido, ao decidir como decidiu, incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e de direito, violando a douta sentença o preceituado nos art. 24°, n° 1, al. b) da LGT, art. 153° do CPPT, 64.º, 259 e 260.° todos do CSC.»
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Notificadas, as Recorrentes apresentaram as suas contra-alegações, nos termos das quais concluíram o seguinte:

A - Encontrando-se absolutamente assente nos autos que as oponentes não eram gerentes de direito da sociedade devedora originária, O….., Lda, na data do facto constitutivo da dívida tributária (Fevereiro a Maio de 2009) nem tão-pouco na data final do prazo legal de pagamento de tal dívida (20 de Junho de 2009), só na gerência de facto por parte das oponentes se poderia fundamentar a responsabilidade subsidiária destas e a consequente reversão.
B - De resto, no próprio despacho que determinou a reversão se menciona que esta se fundamenta na aludida gerência de facto.
C - Ora, tal gerência de facto teria que ser a AT a prová-la.
D - Porém, não só não logrou fazê-lo, como até sucedeu que foi produzida abundante e claríssima contraprova.
E - A Fazenda Pública omite, por certo propositadamente, factos dados como provados na sentença recorrida, em absoluto relevantes para a decisão da causa e que excluem só por si a tese da recorrente de que as oponentes tiveram gerência de facto da sociedade devedora originária.
F - A recorrente não questiona tais factos nas suas alegações, aceitando a decisão sobre eles contida na sentença recorrida.
G - Isto é, não põe em causa nas suas alegações aquela matéria de facto; limita-se a omiti-la, invocando determinadas circunstâncias que, no seu entender, provariam a gerência de facto pelas oponentes.
H - Ainda que tais circunstâncias fossem relevantes - e não o são - a verdade é que elas teriam que ceder perante a contraprova feita nos autos (cfr. os factos dados como provados nas alíneas Q) a W) do probatório contido na sentença recorrida).
I - As escassas e isoladas três circunstâncias em que a recorrente apoia a aludida tese da gerência de facto das oponentes, sempre teriam que ser consideradas e valoradas no contexto mais amplo integrado pelos factos alegados e provados pelas oponentes, claramente enunciados na sentença recorrida.
J - E esse contexto revela sem margem para dúvidas que nunca as oponentes foram gerentes de facto da sociedade O…., Lda, antes sempre tendo obedecido a ordens e agindo como quaisquer outras funcionárias.
K - De resto, das circunstâncias em que a recorrente se apoia para provar a gerência de facto das oponentes, apenas uma - assinatura de um requerimento a pedir o pagamento em prestações - consta da fundamentação contida no despacho que determinou a reversão, pelo que, em rigor, apenas esta poderia ser valorada (art°s 23°, n° 4 e 77° da Lei Geral Tributária). Não as outras duas.
L - Já relativamente a outros factos a que a recorrente alude nas alegações (conclusões C e D), porque os mesmos não se encontram minimamente provados por documentos juntos aos autos e não tendo a recorrente indicado as passagens da gravação em que se funda nem transcrito o respectivo excerto, esses não podem ser de forma alguma considerados.
M - Enfim e de qualquer modo, foi claríssima e contundente a contraprova produzida pelas oponentes, reproduzida no probatório da sentença recorrida - sem que a recorrente a ponha em causa - e demonstrativa de que a gerência, gestão ou administração da sociedade O….., Ldª nunca esteve entregue às oponentes, mas a J….. e ao seu irmão F….. e, posteriormente, a C….., os quais davam ordens e instruções aos funcionários da sociedade e às próprias oponentes, encarregando estas de, quando necessário e por indisponibilidade daqueles, actuarem perante terceiros, sempre sem autonomia e em cumprimento das ordens dadas.
N - Tão-pouco colhe a tentativa da recorrente de desvalorizar a procuração junta aos autos e que era esporadicamente usada para se cumprirem ordens dos gerentes da empresa, quando estes não estavam presentes na mesma; a verdade é que se trata de um documento devidamente autenticado nos termos da lei vigente na altura, cuja falsidade não foi arguida e que por isso tem força probatória plena, sendo certo que o termo de autenticação certifica a qualidade e os poderes de quem o outorgou.
O - Tudo visto, a sentença recorrida decidiu bem pela procedência da oposição, que de qualquer modo e como se disse, sempre teria que resultar da circunstância de o despacho de reversão ter desrespeitado o princípio da excussão característico da responsabilidade subsidiária, já que existia na altura na esfera jurídica da sociedade devedora originária um crédito penhorável.

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O Ministério Público deste Tribunal Central Administrativo emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso, com manutenção da sentença recorrida, porquanto os fundamentos do recurso não permitem abalar os fundamentos de facto e de direito constantes da decisão recorrida.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.

De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, o objecto do mesmo está circunscrito às seguintes questões:

- saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto e de erro de julgamento de direito, nomeadamente, saber se existem ou não elementos factuais, nos presentes autos, que permitam aferir da ilegitimidade das oponentes por nunca terem exercido as funções de gerentes de facto da sociedade devedora originária.

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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De Facto
A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:
«
A) A sociedade “O….., ….., ida." (O…..), foi inscrita no registo comercial em 18.03.2002, tendo como sócios-gerentes as Oponentes e F….. (cfr. fls. 19 dos autos);
B) Através da Ap. ….. e da Ap. ….., foi inscrita no Registo Comercial, relativamente à sociedade identificada na alínea antecedente, a renúncia à gerência das Oponentes E….. e M….., com efeitos, respectivamente, a 11.09.2007 e 10.01.2008 (cfr. fls. 20 dos autos);
C) Por meio da Ap. ….., foi inscrita no Registo Comercial a rectificação dos averbamentos referentes às apresentações indicadas na alínea precedente, passando a constar como datas das renúncias o dia 21.08.2005 (cfr. fls. 20 dos autos);
D) Através da Ap. ….., foi inscrita no Registo Comercial a nomeação como gerente da sociedade referida em A), J….., por deliberação de 09.08.2006, sendo inscrita a sua renúncia à gerência através da Ap. ….. com efeitos a 11.09.2007 (cfr. fls. 21 dos autos);
E) Através da Ap. ….. foi registada a nomeação das Oponentes e de J….. como gerentes da sociedade O….., por deliberação de 10.01.2008 (cfr. fls. 22 e 23 dos autos);
F) Através das Ap. ….. e ….., foi registada a renúncia à gerência das Oponentes e de J….., com efeitos a 29.01.2008, e a nomeação, como gerentes, de A….. e de C….., por deliberação datada de 29.01.2008 (cfr. fls. 23 dos autos);
G) Em 04.08.2009 foi instaurado junto do Serviço de Finanças de Lisboa ….., contra a sociedade O….., o processo de execução fiscal n° …..612, para cobrança de dívida de IRS (Retenção na fonte) de 2009 (cfr. fls. 2 do PEF apenso);
H) Em 10.09.2009 foi lavrada uma certidão de citação da sociedade O….., no âmbito do PEF …..612, a qual foi assinada pela ora Oponente E….. (cfr. fls. 3 do PEF apenso);
I) Na mesma data foi apresentado, junto do SF de Lisboa ….., em nome da sociedade O….., requerimento pedindo pagamento em (10) prestações dos processos identificados, por dificuldades financeiras, encontrando-se tal requerimento assinado pelas Oponentes (cfr. fls. 5 do PEF apenso);
J) Em 18.02.2011, foi lavrada certidão de diligências, com o seguinte teor:
"PROCESSOS EXECUTIVOS: …..120; …..612 e apensos; …..411;
…..990;…..087 e apensos
CERTIDÃO DE DILIGÊNCIAS
Efectuadas que foram todas as diligências possíveis no sentido de dar cumprimento ao mandado de penhora constante dos autos, verifiquei serem desconhecidos nesta data e na área deste Serviço de Finanças de Lisboa-….. quaisquer bens ou direitos (prédios, viaturas, rendas, créditos ou outros valores ou rendimentos) pertencentes à executada O….., Lda. NIPC ….., que permitam arrecadar os valores devidos à Fazenda Nacional." (cfr. fls. 59 do PEF apenso);
K) Em 18.02.2011 foram proferidos, pela Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa ….., despachos a determinar a preparação do PEF identificado em G) supra, para efeitos de reversão contra as Oponentes (cfr. fls. 60 e 64 do PEF apenso);
L) Notificadas para o efeito, as Oponentes exerceram o seu direito de audição prévia em 14.03.2011 (cfr. fls. 67 a 69 do PEF apenso);
M) Em 20.04.2011 foram elaboradas duas informações, com o mesmo teor, mas respeitantes a cada uma das Oponentes, onde consta designadamente o seguinte:
"(...) Compete-me informar que a reversão iniciada tem por origem dívidas de Retenções na fonte dos períodos200902, 200903, 200904 e 200905 e que em 10-09-2009 veio a revertida [E….. / M…..], (...), na qualidade de gerente requerer o pagamento em prestações para o processo executivo, conforme documento constante dos autos.
Mais informo, que apesar de na certidão da Conservatória do Registo Comercial constar que a revertida em causa deixou de exercer funções de gerência em 29-01-2008, a mesma continuou a proceder perante o Serviço de Finanças como gerente de facto da Sociedade O….. Lda., NIPC ….., não tendo até à data comunicado à Administração Fiscal a alteração da gerência.
Assim, e por estar provada nos autos a gerência de facto, propõe-se a continuidade do processo de reversão nos termos da LGT artigo 24° n°1 b)" (cfr. fls. 81 a 84 do PEF apenso);
N) Com base nas informações antecedentes, foram, na mesma data, proferidos despachos de reversão contra cada uma das Oponentes, com fundamento nos artigos 23° e 24°, n° 1, alínea b) da LGT (cfr. fls. 81 a 84 do PEF apenso);
O) As Oponentes foram citadas dos despachos de reversão referidos na alínea antecedente em 03.05.2011 (cfr. fls. 87 e 91 do PEF apenso);
P) A presente oposição foi apresentada junto do Serviço de Finanças de Lisboa ….. em 09.06.2011 (cfr. fls. 3 e 4 dos autos).
Mais se provou que:
Q) Em 12.06.2006 foi outorgada procuração por C….. e por A….., a favor de J….. e das Oponentes, com o seguinte teor:
"PROCURAÇÃO
Nós, abaixo assinados, C…., (...) e A….. (,..),na qualidade de legais representantes da sociedade "O….. - ….., Lda.", (...) declaramos que constituímos procuradores da sociedade nossa representada, J….. (...), E….. (...) e M….. (...), a quem conferimos, conjuntamente, sendo sempre necessárias duas assinaturas, os seguintes poderes, em nome da sociedade nossa representada:
1. Abrir e cancelar contas bancárias, constituir depósitos bancários à ordem ou a prazo, realizar aplicações financeiras em bancos, depositar dinheiro e valores nos bancos e ali levantar quantias, emitir e assinar cheques, aceitar, sacar, endossar, descontar e reformar letras, subscrever e reformar livranças, pagar dívidas e negociar os respectivos pagamentos;
2. Efectuar pagamentos a fornecedores e cobrar valores devidos à sociedade;
3. Negociar e celebrar contratos, desde que compreendidos no objecto da sociedade;
4. Celebrar contratos de "leasing" respeitantes a veículos automóveis e a bens móveis e imóveis afectos à sociedade e ceder a terceiros a respectiva posição contratual;
5. Admitir e despedir empregados, podendo celebrar os respectivos contratos de trabalho;
6. Receber indemnizações devidas à sociedade, designadamente junto de seguradoras;
7. Representar a sociedade junto de Serviços de Finanças, Câmaras Municipais, Conservatórias, Segurança Social e outros Organismos Públicos, aí podendo praticar quaisquer actos;
8. Apresentar queixas-crime e participações a qualquer autoridade, designadamente solicitando a apreensão de veículos automóveis;
9. Emitir e anular facturas, e notas de crédito e débito.
10. Poderes forenses, gerais e especiais, que devem ser substabelecidos em advogado, quando necessário." (cfr. doc. 1 de fls. 159 e segs. do SITAF);
R) As Oponentes aceitaram ser sócias da O….. a pedido de J….., com quem já trabalhavam noutras empresas, nunca tendo colocado qualquer montante ou recebido qualquer montante pelas quotas detidas;
S) As Oponentes, enquanto funcionárias da sociedade O….., actuaram sempre sob as ordens de J….. e do seu irmão F….., e a partir de determinada altura, sob as ordens de C…..;
T) As Oponentes, no desempenho das funções na sociedade O….., sempre actuaram ao mesmo nível hierárquico dos seus restantes colegas de trabalho na sociedade;
U) O requerimento a que se refere a alínea I) supra foi elaborado por S….., em cumprimento de ordem dada por C….., tendo as Oponentes assinado o mesmo também por ordem deste e salvaguardadas pela procuração aludida na alínea Q);
V) A procuração referida em Q) foi outorgada com o propósito de permitir às Oponentes cumprir as ordens dadas pelos gerentes da empresa, quando estes não estavam presentes na mesma, encontrando-se guardada no cofre da sociedade.
W) Nos autos de instrução n° 253/10.6IDLSB, que correu termos no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, foi decidido não pronunciar a O….., as Oponentes nem J….. pela prática de crime de abuso de confiança fiscal de que vinham acusados, com base nos seguintes elementos:
"(...) Resulta da certidão de registo comercial junta aos autos que no período compreendido entre Fevereiro e Maio de 2009 os arguidos não eram gerentes da sociedade arguida.
Da valoração conjunta dos depoimentos das testemunhas inquiridas no decurso do inquérito e na fase de instrução também não resultam indícios suficientes que eram os arguidos que exerciam, de facto, a gerência da O….. (...)" (cfr. doc. 2 de fls. 159 e segs. do SITAF);
X) A sociedade O….. instaurou, junto do Balcão Nacional de Injunções, contra a sociedade "S….. - ….., S.A." o processo de injunção n° 124327/10.8YIPRT, para cobrança do montante de € 215.128,19, referente a um contrato de fornecimento de bens e serviços, sendo as facturas todas datadas de 2009, com datas de vencimento compreendidas entre 24.04.2009 e 19.09.2009 (cfr. fls. 28 e 29 dos autos e fls. 12 a 23 do PEF apenso);
Y) Por sentença proferida em 19.02.2013, foi a sociedade "S….., S.A." condenada a efectuar o pagamento de € 215.128,19 à O….., sem embargo das penhoras de créditos determinadas em sede de execuções fiscais (cfr. fls. 187 a 199 dos autos).”
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No que respeita a factos não provados, nos dizeres da sentença: “Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.”
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A convicção do Tribunal Tributário de Lisboa fundou-se, conforme a sentença, “na análise crítica e conjugada do teor dos documentos juntos aos autos e das informações oificiais constantes do processo de execução fiscal apenso (…), bem como nos depoimentos das testemunhas, que, se demonstraram espontâneos, sem reservas e credíveis, revelando conhecimento directo da factualidade relevante.
Ainda sobre motivação refere a sentença o seguinte:
Os factos dados como provados nas alíneas Q) a V) supra decorrem das declarações das próprias Oponentes que, de forma clara, coerente e espontânea, explicaram a forma como se tornaram sócias e gerentes de direito da sociedade devedora originária, qual o seu papel na sociedade e qual o papel dos demais intervenientes na estrutura societária e gestionária, e a forma e razões pelas quais surge a procuração outorgada a seu favor, bem como o pedido de pagamento em prestações apresentado junto do Serviço de Finanças.
Acresce que as declarações das Oponentes foram plenamente corroboradas pelos depoimentos das três testemunhas inquiridas, S….., S….. e C….., que, por terem sido funcionárias da sociedade em causa no período a que se referem os factos, demonstraram ter conhecimento da situação daquela, e que foram peremptórias a declarar que as Oponentes mais não eram senão colegas de trabalho, sem poder superior ou hierárquico perante si, nunca tendo dado ordens na qualidade de gerentes da O…...
Tanto as Oponentes como as testemunhas convergiram na identificação dos verdadeiros responsáveis (de direito e de facto) pela condução dos destinos da sociedade.
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Ao abrigo do art. 662º do CPC, por poder revelar-se útil à decisão da causa, e se encontrar provado documentalmente, adita-se ao probatório o seguinte facto:
Z) A dívida de IRS [de 2009] em cobrança coerciva na presente execução fiscal, tinha como prazo limite de pagamento voluntário a data de 20/03/2009, cfr. fls. 2 do PEF apenso.

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II.2. De Direito
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida, em síntese, julgou procedente a oposição à execução fiscal, e em consequência, determinou a anulação dos despachos de reversão e declarou extinta a execução fiscal, relativamente às oponentes.

A recorrente discorda do julgado, invocando erro de julgamento da matéria de facto e erro de julgamento da matéria de direito invocando [conclusões de recurso B. a F.] que não se conforma com a douta decisão recorrida porquanto, não só a mesma não faz, uma correta eleição e apreciação da matéria de facto relevante para os autos, sendo que da prova produzida se não podem extrair as conclusões que lhe serviram de base, como também não procede a uma total e acertada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso subjudice. Vejamos, Face aos meios de prova documentais que constam dos autos de primeira instância e à força probatória dos mesmos, pelo Tribunal a quo deveriam ter sido considerados para a boa decisão da causa, determinados factos, nomeadamente, que a)as oponentes assinaram vários documentos da sociedade devedora originária a pedido de J….. e C….., inclusive cheques, no caso da Oponente M….. - conforme declarações de parte da Oponente …..; b) Na declaração modelo 22 da devedora originária relativa ao exercício de 2008 e entregue em 31.05.2009, foi indicado como representante legal o número de identificação fiscal ….. que pertence à oponente M….., uma vez que dos mesmos resulta, em conjugação com os restantes elementos dos autos, que as ora recorridas ao praticarem tais atos, exercerem de facto a gerência da sociedade devedora originária. Por outro lado, pelo douto tribunal a quo também não foi devidamente valorado o facto de em sede de petição inicial de oposição as oponentes afirmarem que "não tiveram gerência de facto da sociedade em causa após a atrás referida data [29.01.2008] em que deixaram de ser gerentes de tal sociedade", pelo que, contrariamente às declarações de parte prestadas e aos depoimentos das testemunhas que se identificaram como colegas de trabalho, as oponentes nunca negaram a gerência de facto da sociedade devedora originária até à data de 29.01.2008, o que aliás facilmente se comprova pela certidão permanente da sociedade devedora originária, na qual se constata que desde a data da sua constituição em 18.03.2002, até pelo menos à data de 29.01.2008 (não obstante a renuncia das oponentes apenas ter sido registada em 27.08.2009 - Ap. …..) que a gerência da sociedade O….. sempre esteve a cargo dos sócios F….., E….. e M…... Mais, do confronto entre as várias apresentações inscritas no Registo Comercial, relativas à gerência e à forma de obrigar da sociedade, não se alcança como é que pode ser valorada uma procuração outorgada em 12.06.2006 por C….. e por A….. na qualidade de representantes legais da O….. (apenas designados gerentes da sociedade por deliberação de 29.01.2008 inscrita no registo comercial pela AP ….., que vem a ser posteriormente retificada pela AP ….. de 2010.10.12, ou seja em data posterior ao falecimento de C….. em 13.05.2010, de forma a que passasse a constar como data de deliberação 31.08.2005), a favor de J….. e das Oponentes, ao abrigo da qual estas alegadamente atuavam, porquanto na data em que a mesma foi outorgada, não possuíam aqueles quaisquer poderes de vinculação da sociedade. Por outro lado, também não foram devidamente valorados pelo douto tribunal a quo, determinados atos praticados pelas oponentes, e que o próprio deu como provados, os quais evidenciam o exercício de funções de gerência por parte das oponentes, a saber: certidão de citação assinada, em 10-09-2009, pela oponente E….. (cfr. alínea H do probatório fixado na sentença recorrida) e pedido de pagamento de divida em prestações, de 10-09-2009, subscrito por ambas as oponentes.


Vejamos.
Vem impugnada a matéria de facto provada e a valoração da prova produzida, pelo que importa fazer o seu enquadramento legal.
O recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, tem o ónus previsto no art. 640º do CPC.
Dispõe o referido artigo:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) (…)
3 – (…)
No presente caso, a recorrente vem invocar que as oponentes assinaram vários documentos da sociedade originária devedora, inclusive cheques, remetendo essa prova para as declarações de parte da oponente M…...
Ora, no caso de impugnação da matéria de facto, sustentada em prova testemunhal gravada (como é o caso), o ónus do recorrente previsto nos nºs 1 e 2 do art. 640º do CPC, cumpre-se mediante a indicação exata das passagens da gravação em que se funda, sem embargo da apresentação facultativa da respetiva transcrição.
O não cumprimento de tal ónus implica a rejeição do recurso, nessa parte.
No caso em apreço a Recorrente fundamenta o seu recurso em prova testemunhal gravada e não indica as passagens da gravação em que se funda limitando-se a remeter para declarações de parte de M…...
Invoca, também, a recorrente que na declaração modelo 22 da devedora originária foi indicada como legal representante o NIF da oponente M…...
Mais uma vez a recorrente não indica qual é o concreto meio probatório constante do processo que o conduziu a pretender que esse facto seja dado como provado, tanto mais que, tal como é indicado na sentença recorrida, tal declaração não se vislumbra nos autos.
Em conclusão, não tendo a recorrente dado cumprimento ao disposto no art. 640º do CPC, terá de se rejeitar o presente fundamento de recurso.

Por outro lado, e quanto à valoração da prova produzida, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação, cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil.
No caso concreto, como supra referimos, não logrou a recorrente especificar e concretizar em que medida teria ocorrido a invocada errada valoração dos elementos constantes dos autos.

- Do alegado erro de julgamento quanto ao preenchimento dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, em particular, o requisito da gerência efectiva –

Em execução estão dívidas provenientes de IRS referente ao ano de 2009, cujo prazo limite de pagamento voluntário terminou em 20/03/2009, cfr. alínea Z) do probatório, cuja responsabilidade foi inicialmente imputada pela administração fiscal à executada devedora originária. Tal significa que estão em causa dívidas cujo facto tributário ocorreu na vigência na vigência da LGT que entrou em vigor em 01.01.99, pelo que o diploma legal aplicável à efectivação da responsabilidade subsidiária é o vigente à data do facto tributário correspondente.
Importa, ainda, realçar que na data do facto constitutivo da dívida tributária, bem como na data limite de pagamento voluntário da dívida em causa, as oponentes já não eram gerentes da sociedade devedora originária, uma vez que renunciaram às referidas funções em 11/09/2007 e 10/01/2008, respectivamente, cfr. al.B) do probatório, tendo posteriormente rectificado os averbamentos passando a constar como data das renúncias, o dia 21/08/2005, cfr. alínea C) do probatório.
No âmbito do regime do artigo 24.º da LGT, constitui pressuposto da efectivação da responsabilidade subsidiária o exercício da gerência efectiva por parte do revertido/oponente.
A este propósito de referir que «[c]omo resulta da regra geral de que quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos – artigo 342.º, n.º 1, do código Civil e artigo 74.º, n.º 1, da LGT, é à AT, enquanto exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos que lhe permitam reverter a execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora e, entre eles, os respeitantes à existência de gestão de facto.
Por outro lado, não há presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função. Ora, só quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (artigo 350.º, n.º 1, do CC)». Mais se refere que: «compete à AT invocar como fundamento da reversão que o revertido exerceu efectivas funções como gerente no período a considerar. Se o não fizer, e se limitar a invocar a gerência de direito como fundamento da reversão, não pode o tribunal com competência para o julgamento da matéria de facto inferir a gerência efectiva da gerência de direito. Contrariamente ao que temos visto sustentado inúmeras vezes, não pode a Fazenda Pública pretender, ao abrigo da referida presunção judicial – que não constitui mais do que a possibilidade do uso das regras da experiência concedida ao julgador no julgamento da matéria de facto -, que ao abrigo dessa possibilidade concedida ao julgador, que fica dispensada de alegar essa gerência efectiva, o efectivo exercício de funções de gerência, como requisito para reverter a execução ao abrigo do artigo 24.º da LGT»
Existe gerência de facto «quando alguém – ainda que de modo esporádico e apenas em relação a um único pelouro da empresa – exterioriza de algum modo a representação da vontade social por meio de actos substantivos e materiais, vinculando terceiros» [Ac. do TCA Sul, de 09.02.99, P. 00227/97]. O que importa não é a relação jurídico-civil entre o oponente e a sociedade, mas antes a relação entre ele a vida da sociedade, a ponto de se poder comprovar a imediação entre a vontade por si externada e a vontade a imputável à sociedade e, como consequência, aferir do grau de censurabilidade que a sua actuação implicou para a garantia patrimonial dos credores da mesma. Por outras palavras, o que releva é o exercício de representação da empresa face a terceiros (credores, trabalhadores, fisco, fornecedores, entidades bancárias) de acordo com o objecto social e mediante os quais o ente colectivo fique vinculado. Se é verdade que «[d]a nomeação para gerente ou administrador (gerente de direito) de uma sociedade resulta uma parte da presunção natural ou judicial, baseada na experiência comum, de que o mesmo exercerá as correspondentes funções, por ser co-natural que quem é nomeado para um cargo o exerça na realidade;
Contudo, desde a prolação do acórdão do Pleno da Secção de CT do STA de 28-2-2007, no recurso n.º 1132/06, passou a ser jurisprudência corrente de que para integrar o conceito de tal gerência de facto ou efectiva cabia à AT provar para além dessa gerência de direito assente na nomeação para tal, de que o mesmo gerente tenha praticado em nome e por conta desse ente colectivo, concretos actos dos que normalmente por eles são praticados, vinculando-o com essa sua intervenção, sendo de julgar a oposição procedente quando nenhuns são provados». [Ac. do TCAS, de 20.09.2011, P. 04404/10].

No caso em exame, do probatório resulta que a AF não logrou demonstrar o exercício efectivo da gerência por parte das oponentes.

Até porque no caso que agora apreciamos, tal como se escreveu na sentença recorrida:
«Efectivamente, conforme resulta dos autos, não é a designação de gerentes de direito que motivou a reversão da execução contra as Oponentes, uma vez que, correctamente, o órgão de execução fiscal verificou e considerou a efectivação da renúncia à gerência de direito por parte das Oponentes com efeitos à data de 29.01.2008 – cfr. alíneas F) e M) do probatório.
Conforme consta do despacho de reversão e da informação que lhe serve de base – cfr. alíneas M) e N) do probatório –, o que motivou a reversão da execução contra as Oponentes foi exclusivamente a consideração da apresentação, em 10.09.2009, do pedido de pagamento em prestações assinado pelas mesmas, em representação da sociedade, o que alegadamente demonstra que eram gerentes de facto da sociedade, mesmo após a renúncia à gerência de direito.
Ora, quanto à assinatura do aludido requerimento é susceptível de indiciar o exercício da gerência de facto por parte das Oponentes. Não obstante, perante a prova clara e contundente produzida nos presentes autos de que as Oponentes assinaram o requerimento a pedido dos gerentes à data, de que estas nunca detiveram poderes efectivos de gerência na sociedade, mesmo quando se encontravam nomeadas como gerentes de direito, e, bem assim, pela explicação cabal da forma e das razões pelas quais aquele requerimento foi apresentado junto do Serviço de Finanças, tal indício não é apto nem suficiente a constituir prova da gerência de facto.
Acresce que, compulsados os autos, não se encontram provados pelo órgão da execução fiscal quaisquer outros factos concretos que permitam indiciar o exercício efectivo de poderes de administração por parte das Oponentes.
De facto, apenas vem alegado em sede de contestação que as Oponentes auferiram rendimento da categoria A (rendimentos do trabalho dependente), o que não faz presumir de todo qualquer gerência de facto, já que as Oponentes eram colaboradoras da O….., e, portanto, auferiam o rendimento nessa qualidade de trabalhadoras por conta de outrem.
Vem ainda referido que a Oponente M….. consta como representante legal da sociedade na declaração Modelo 22 do IRC, respeitante a 2008 e entregue em Maio de 2009, o que, mesmo que tal se comprovasse nos autos, o que não se verifica, não tem relevância probatória que pretende a AT.
Com efeito, a prova testemunhal produzida nos autos foi demonstrativa de que a gerência, gestão ou administração da sociedade O….. nunca esteve entregue às Oponentes, mas a J….. e ao seu irmão F….. e, posteriormente, a C….., os quais davam ordens e instruções aos funcionários da sociedade e às próprias Oponentes, encarregando estas de, quando necessário e por indisponibilidade daqueles, actuarem perante terceiros, sempre sem autonomia, em cumprimento das ordens dadas, salvaguardadas com a procuração passada por aqueles efectivos gerentes.»
Concorda-se inteiramente com os fundamentos da sentença recorrida.
Se já não basta a mera invocação da inscrição no registo da oponente, como gerente, no acto de constituição da sociedade para se extrair a ocorrência de actos de gerência praticados pela oponente em nome da sociedade devedora originária; por maioria de razão, neste caso, em que as oponentes já nem eram gerentes de direito, nunca bastaria uma assinatura num pedido de pagamento em prestações junto do Serviço de Finanças, para se poder concluir pela gerência de facto.
Vem, igualmente, a recorrente invocar que a oponente E….. assinou certidões de citação em 10/09/2009.
Ora, conforme alínea H) do probatório, em 10.09.2009 foi lavrada uma certidão de citação da sociedade "O….., Lda.", no âmbito do PEF …..612, a qual foi assinada pela ora oponente E…...
Invoca a recorrente que se mostram verificados os pressupostos legais de que depende a reversão da execução, encontrando-se demonstrada a gerência de facto por parte das recorridas.

Relevaria a prova de actos concretos que corporizassem o mencionado exercício efectivo, o que não se demonstra nos autos.
Até porque as assinaturas de certidões de citação são assinaturas de recebimento de citação que nada relevam sobre o seu autor enquanto órgão actuante da sociedade, capaz de exteriorizar a vontade societária.
Para além do mais, e conforme alínea W) do probatório, nos autos de instrução n° 253/10.6IDLSB, que correu termos no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, foi decidido não pronunciar a O….., as Oponentes nem J….. pela prática de crime de abuso de confiança fiscal de que vinham acusados, com base nos seguintes elementos:
"(...) Resulta da certidão de registo comercial junta aos autos que no período compreendido entre Fevereiro e Maio de 2009 os arguidos não eram gerentes da sociedade arguida.
Da valoração conjunta dos depoimentos das testemunhas inquiridas no decurso do inquérito e na fase de instrução também não resultam indícios suficientes que eram os arguidos que exerciam, de facto, a gerência da O….. (...)"
Por outro lado, conforme consta das alíneas R), S) e T) do probatório, as Oponentes aceitaram ser sócias da "O….., Lda." a pedido de J….., com quem já trabalhavam noutras empresas, nunca tendo colocado qualquer montante ou recebido qualquer montante pelas quotas detidas. As oponentes, enquanto funcionárias da sociedade "O….., Lda.", atuaram sempre sob as ordens de J….. e seu irmão F….., e a partir de determinada altura, sob as ordens de C…... As oponentes, no desempenho das suas funções na sociedade "O….., Lda.", sempre atuaram ao mesmo nível hierárquico dos seus restantes colegas de trabalho na sociedade.

Face à factualidade provada, impõe-se concluir que o pressuposto da gerência efectiva em relação às oponentes, ora recorridas, não se mostra comprovado.

Deste modo, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.

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III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao presente recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 7 de Maio de 2020


[Lurdes Toscano]

[Maria Cardoso]

[Catarina Almeida e Sousa]