Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:123/17.7BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/04/2021
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:EXCLUSÃO DA PROPOSTA QUE FALSEIA A CONCORRÊNCIA;
ART.º 70.º, N.º 2, AL. G), DO CÓDIGO DE CONTRATOS PÚBLICOS;
LEI N.º 19/2012, DE 08/05;
EMPRESAS COM FORTES LAÇOS DE INTERDEPENDÊNCIA;
PRESUNÇÃO DO CONHECIMENTO MÚTUO DAS PROPOSTAS E DE CONCERTAÇÃO DE PREÇOS.
Sumário:I - O art.º 70.º, n.º 2, al. g), do Código dos Contratos Públicos (CCP) remete para as regras do Direito da Concorrência e designadamente para a Lei n.º 19/2012, de 08/05, que aprovou o novo regime jurídico da concorrência;
II – Empresas juridicamente distintas mas que mantêm entre si fortes laços de interdependência, devem ser consideradas como sendo uma única empresa para efeitos do art.º 3.º da Lei n.º 19/2012, de 08/05;
III – Duas sociedades por quotas, que pertencem a dois sócios, que são casados entre si em regime de comunhão de adquiridos, em que o sócio marido detém a maioria do capital em ambas as sociedades, devem ser consideradas uma só empresa para efeitos daquele artigo;
IV- Em matéria da concorrência, para a noção de empresa há que atentar sobretudo na sua capacidade de autodeterminação económica e não tanto no respectivo estatuto jurídico ou no seu modo de funcionamento;
V- Se duas empresas com fortes laços de interdependência apresentam duas propostas num mesmo concurso público, é de presumir que possa haver um conhecimento mútuo das propostas apresentadas;
VI – Se para além dessa presunção, adveniente da estrutura societária e pessoal das referidas empresas, se verifica, também, que ambas as empresas actuam na mesma área de negócios, oferecem no mercado o mesmo tipo de produtos, exercem a sua actividade em locais muito próximos, apresentam propostas com layout idênticos, cometem um erro idêntico no âmbito dessas propostas e relativo ao critério de desempate, apresentam respostas em sede de audiência prévia também com um raciocínio e textos similares, aparentam apresentar plataformas electrónicas que partilharem hardware físico e sistemas de comunicação de e para a internet, mas indicam nas suas propostas preços muito díspares, um deles anormalmente baixo e outro acima desse patamar, é lícito à entidade adjudicante concluir pela forte e real possibilidade de tais empresas terem um conhecimento prévio e mútuo das propostas apresentadas e terem concertado os preços propostos, a fim de ampliarem as suas chances de vencerem o concurso por via daquela diferença de preço;
VII – Milita também nesse sentido a circunstância de tais empresas terem tido um mesmo comportamento e padrão de preços em quatro outros concursos;
VIII - Aquele juízo sai reforçado se não se prova nos autos que à data da apresentação das propostas as empresas apresentavam plataformas electrónicas totalmente autónomas, mas comprova-se que em 2020, após essa apresentação, tais plataformas partilhavam hardware físico e sistemas de comunicação de e para a internet;
IX - Num procedimento concursal em que o critério de adjudicação é o melhor preço, a apresentação por empresas com fortes laços de interdependência de dois preços com valores díspares, sendo um deles um preço anormalmente baixo, aumenta as hipóteses de uma delas vencer o concurso;
X- Num procedimento de acesso limitado, já de si restritivo da concorrência, exige-se um especial cuidado para que os candidatos convidados se apresentem efectivamente em condições de igualdade. Exige-se, identicamente, que não se defraude a (quase inexistente) concorrência por via da participação duplicada de empresas que não actuam no mercado com autonomia e independência;
XI - A apreciação do comportamento que tem por objectivo e efeito o falsear da concorrência deve basear-se numa análise casuística do conjunto de circunstâncias que envolvem a situação, para assim se verificar se tal comportamento afectou ou é susceptível de afectar a concorrência. Só perante as circunstâncias concretas da actuação dessas empresas no procedimento e perante a análise das propostas que apresentem, o júri poderá avaliar se foi falseada a concorrência, não podendo tal juízo fundar-se numa mera presunção, decorrente de uma dada posição societária;
XII - Os indícios da forte probabilidade da prática de condutas que afectam ou são susceptíveis de falsear a concorrência podem retirar-se v.g. da estrutura societária, das relações familiares, dos preços propostos, dos anteriores padrões de participação em concursos ou de adjudicações, do comportamento dos concorrentes nos anteriores concursos, dos teores das propostas apresentadas, ou outras respostas dadas no âmbito do concurso;
XIII - Cabe às entidades adjudicantes o exame e a análise de tal conjunto de circunstâncias;
XIV- Reunidos pelo júri do concurso os indícios de práticas que visem objectivamente, ou que possam falsear a concorrência, deve ser dada a oportunidade aos concorrentes de rebaterem aqueles indícios, fazendo prova procedimental que não ocorreu, nem poderia ter ocorrido, o indicado falseamento;
XV - Não podem as empresas ser excluídas do procedimento de uma forma abstracta, automática ou imediata, com base em meras presunções;
XVI - O preenchimento do conceito indeterminado que integra a expressão “fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras de concorrência”, remete para uma prova objectiva, real, concordante e circunstanciada, mas que não tem de ser feita através de prova directa, firme e irrefutável, pois pode basear-se num conjunto de elementos factuais a partir dos quais se retirem factos presumidos;
XVII - À entidade adjudicante cumpre também apenas comprovar a existência de fortes indícios, não da prática efectiva da conduta anti-concorrencial;
XVIII - É no procedimento administrativo que cumpre fazer tal prova, gozando a entidade administrativa de alguma discricionariedade na integração do conceito indeterminado que integra a expressão “fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras de concorrência”´;
XIX- A integração de tal conceito compete, pois, em 1.ª linha, ao júri do concurso, incumbindo ao órgão jurisdicional apreciar aquele juízo, por forma a verificar se o mesmo padece de um erro grosseiro, de facto ou manifesto;
XX - Por seu turno, aos concorrentes visados cumpre ilidir procedimentalmente a presunção do júri, provando no indicado procedimento administrativo que apresentaram propostas autónomas e independentes. Cumpre aos concorrentes provar, que não obstante a sua estrutura societária, não poderiam ter conhecimento mútuo das propostas e não o fizerem concertando preços;
XXI - Se não ficar ilidida a presunção inicial do júri, este pode decidir pela exclusão dos concorrentes visados, nos termos do art.º 70.º, n.º 2, al. g) e 146.º, n.º 2, do CCP;
XXII - Uma vez tomada tal decisão, as empresas visadas podem, depois, questioná-la judicialmente, mas nesta sede a apreciação jurisdicional não pode versar sobre os aspectos discricionários da decisão administrativa.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO

Os Ministérios da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e da Educação interpõem recurso da sentença do TAC de Lisboa, que anulou os actos do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) e do Ministro da Educação (ME), de 09/12/2016 e de 16/12/2016, respectivamente, que adjudicaram a proposta da A........, Lda, (ACIN), no âmbito do procedimento de ajuste directo n.º 05/AD/DSCP-SGEC/20016 – Aquisição de Plataforma electrónica para a Contratação Pública em regime de APS – Application Serviçce Provider. Na sentença recorrida reconheceu-se, igualmente, a existência de uma circunstância que obstava à procedência do pedido condenatório formulado pelo A. e, consequentemente, reconheceu-se o seu direito a ser indemnizado por tal facto, assim como, convidou-se as partes a acordarem a indemnização por facto de inexecução, no prazo de 30 dias.

Em alegações são formuladas pelos Recorrentes, as seguintes conclusões: ”A. O presente recurso visa o teor da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo que, julgando procedente a ação, anulou as decisões de adjudicação de 9 e 16 de Dezembro de 2016, dos Ministros da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e da Educação, respectivamente, mas que, reconhecendo a existência de circunstância que obsta à procedência do pedido condenatório formulado pela Autora, decidiu que esta tinha o direito a ser indemnizada e, como tal, convidando a Autora e as Entidades Demandadas a acordarem a indemnização, no prazo de 30 dias.
B. A qual se fundou, tão só, no facto de o Tribunal a quo ter considerado “que (i) não existe causa válida de exclusão da proposta da Autora, nos termos da alínea g), do n.º 2 do Artigo 70.º do CCP, o que gera a anulabilidade do acto impugnado nos termos do Artigo 163.º, n.º 1 do CPA; (ii) a pretensão da Autora mostra-se fundada, na medida em que a sua proposta foi indevidamente excluída (…)”;
C. Já que relativamente à alegação da Autora, ora recorrida, de que o ato impugnado viola uma série de princípios orientadores dos procedimentos da contratação pública, o Tribunal a quo decidiu que “a presente causa de pedir não se encontra minimamente fundamentada – a que corresponde falta de substanciação da causa de pedir – não cabendo ao Tribunal indagar ou fundamentos das concretas causas de pedir aduzidas na petição inicial”.
D. Os Recorrentes assacam à decisão recorrida um erro de julgamento da matéria de facto e de Direito, por não ter o Tribunal a quo interpretado, nem qualificado, pela forma devida, os elementos factuais de que dispunha e que deu como provados.
E. Nos termos do art.º 70.º, n.º 2 al. g) do Código dos Contratos Públicos (CCP), as propostas devem ser excluídas sempre que se verifiquem fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras da concorrência.
F. A este propósito não tem o Júri do procedimento que comprovar que existiu concorrência desleal, mas sim de apurar se existiam, ou não, fortes indícios dessa prática e, caso tal ocorra, propor fundamentadamente a exclusão nos termos do n.º 2 do artigo 146.º do CCP, o que sucedeu in casu.
G. São considerados fortes indícios todos os sinais ou indicações que sejam suficientemente seguros para se poder afirmar, com razoável grau de certeza, a forte probabilidade de existirem tais práticas.
H. No caso concreto dos autos, devem ser considerados fortes indícios dessa prática a circunstância de se provar que:
a) As empresas "M........" e “A........” terem os mesmos dois sócios, casados entre si.
b) Sendo o cônjuge marido o gerente da segunda empresa e a cônjuge mulher a gerente da primeira.
c) Que ambas as empresas têm a mesma área de negócio, portanto, a mesma atividade.
d) Que ambas as empresas apresentaram propostas no âmbito do procedimento concursal colocado em crise nestes autos, cada uma delas assinadas pelos respetivos gerentes.
e) Que o grafismo de ambas as propostas apresenta semelhanças de “layout", indiciadoras de uma estruturação idêntica de plataformas que resultava na apresentação de propostas análogas pelos concorrentes.
f) Que as propostas apresentavam preços muito diferentes, quando na realidade as empresas em causa detêm, pelo menos aparentemente, tecnologia muito idêntica, não se vislumbrando motivo válido para a referida diferença de preços.
g) Que ambas as propostas, no item referente ao critério de desempate, utilizaram a mesma fórmula, com referência ao uso do termo "imediato" quando, na realidade, o que era solicitado era uma simples indicação do prazo em dias úteis, conforme aliás foi oferecido por todos os outros concorrentes, sendo aquelas empresas as únicas que utilizaram diferente termo (mas igual em ambas) para a indicação do prazo de disponibilização da plataforma.
h) Que ambas as propostas apresentam textos de cortesia, introdutórios e conclusivos, relativamente extensos, mas (21 e 33 palavras respetivamente) exatamente iguais.
I. O que claramente indica que não se encontrava assegurada a confidencialidade das propostas relativamente a todos os concorrentes;
J. Tudo apontando para a existência de práticas concertadas na elaboração e apresentação das propostas pelas empresas M........ e A........, por forma a falsear as regras da concorrência,
K. Deveria, nesse sentido, o M. Juiz a quo ter reconhecido como plenamente justificada a decisão do júri do procedimento concursal de proceder à exclusão das propostas apresentadas por essas duas empresas, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 2, al. g) e artigo 146.º, n.º 2, alínea o), ambos do CCP.
Decidindo em contrário, a douta decisão recorrida incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto e consequentemente em errada aplicação do Direito, com isso violando o disposto no artigo 70.º, n.º 2, al. g) do Código dos Contratos Públicos, razão porque se entende que deve ser a mesma revogada e substituída por outra que, de acordo com as conclusões expostas, considere legítima a decisão de exclusão da proposta da Autora do procedimento concursal a que se candidatou, concluindo-se pela improcedência da ação.”

O Recorrido ACIN nas contra-alegações não formulou conclusões.
O Recorrido M........ nas contra-alegações não formulou conclusões.
O DMMP não apresentou a pronúncia.
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Na 1.ª instância foram fixados os seguintes factos provados e não provados, que se mantém:
Factos Provados:
A) A autora foi convidada pela Entidade Demandada, a apresentar proposta no âmbito do procedimento de ajuste directo supra mencionado, AJUSTE DIRECTO Nº 05/AD/DSCP-SGEC/2016 – AQUISIÇÃO DE PLATAFORMA ELETRÓNICA PARA A CONTRATAÇÃO PÚBLICA EM REGIME DE ASP (APPLICATION SERVICE PROVIDER), para Aquisição de Serviços de Utilização de Plataforma Electrónica de Contratação Pública para 51 entidades das áreas governativas da Educação e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, de acordo com o convite e caderno de encargos que lhe foi remetido - cfr. documento 1 e 2 junto aos autos com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
B) Além da Autora, foram convidadas as sociedades, A........, Lda., C........,S.A., V........, S.A., S…………, S.A. e a A........ –……, LDA. – cfr. convite;
C) No seguimento do convite indicado em B), a Autora apresentou a sua proposta pelo valor correspondente a 2.754,00 euros, a qual foi instruída com os documentos constantes de fls. 216 a 231 do processo instrutor vol. I, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzido;
D) A proposta da Autora foi assinada pela sócio-gerente A........ – cfr. fls. 223 do PA volume I, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
E) No seguimento do convite indicado em B), a sociedade A........ –….., Lda., apresentou a sua proposta pelo valor correspondente a 4.016,01 euros, a qual foi instruída com os documentos constantes de fls. 322 a 335 do processo instrutor vol. I, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos;
F) A proposta da sociedade A........ –…… Lda., foi assinada pelo sócio-gerente M........ – cfr. fls. 325 do PA vol. I, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
G) A 3 de Agosto de 2016, o júri do procedimento aprovou o relatório preliminar, do qual se extrai o seguinte: (…)
«imagens no original»






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M) Mediante despacho do Ministro da Educação de 16 de Dezembro de 2016 e do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de 9 de Dezembro de 2016, foi adjudicada a proposta da Contra-interessada A........, Lda. – cfr. fls. 681 do PA vol. I, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
N) Além de A........, também M........ é sócio da sociedade M........ –……Lda. – cfr certidão do registo comercial junta com a proposta da Autora a fls. 226 do PA Vol. I, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
O) Além de M........, também A........ é sócia da sociedade A........ –…….., Lda. – cfr. certidão do registo comercial junta com a proposta da A........ a fls. 332 do PA Vol. I, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
P) M........ e A........ são casados em regime de comunhão de adquiridos – cfr. fls. 226 e 332 do PA vol. I, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
Q) A A........ –……………, Lda. tem sede na Praça D………….., Salas 84/85, Porto, exercendo a sua actividade na Travessa…………..., n.º 105, ….., Santo Ildefonso – cfr. fls. 332 e 336 do PA vol. I, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
R) A Autora tem sede na Rua………………..., Porto, exercendo a sua actividade na Travessa……………., ………, Santo Ildefonso – cfr. fls. 226 e 231 do PA vol. I, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
S) No procedimento anunciado mediante anúncio de procedimento n.º 7341/2016, publicado em diário da república n.º 218, 2.ª série, de 14 de Novembro de 2016, e cuja entidade adjudicante é a ESPAP, e no qual se estabeleceu um valor base de 66.000,00 euros e um preço anorrmalmente baixo o valor de 42.900,00 euros, a Autora apresentou uma proposta no valor correspondente a 22.500,00 euros e a sociedade A........, uma proposta no valor correspondente a 42.900,01 euros – cfr. documento 2 junto com a contestação da CI V........, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
T) No procedimento de ajuste directo n.º 104/2016, e cuja entidade adjudicante é a assembleia da república, e no qual se estabeleceu um valor base de 11.304,00 euros, a Autora apresentou uma proposta no valor correspondente a 1.999,00 euros e a sociedade A........, uma proposta no valor correspondente a 5.562,01 euros – cfr. documento 2 da contestação da C……, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
U) No procedimento de ajuste directo n.º 292/URF/2015, e cuja entidade adjudicante é a autoridade da concorrência, e no qual se estabeleceu um valor base de 3.100,00 euros, a Autora apresentou uma proposta no valor correspondente a 990,00 euros e a sociedade A........, uma proposta no valor correspondente a 2.265,02 euros – cfr. documento 3 da contestação da C........, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
V) No procedimento de ajuste directo n.º 32/IPV-DT/2016, e cuja entidade adjudicante é a Instituto Politécnico de Viseu, e no qual se estabeleceu um valor base de 2.000,00 euros, a Autora apresentou uma proposta no valor correspondente a 642,00 euros e a sociedade A........, uma proposta no valor correspondente a 1.000,01 euros – cfr. documento 4 da contestação da C........, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
W) As plataformas electrónicas COMPTAST e ANAGOV partilhava, na data de Fevereiro de 2020, hardware físico e sistemas de comunicação de e para a internet; isto é, circuitos de comunicação Internet e dos respectivos equipamentos comutadores de tráfego – ver relatório pericial e respectivos esclarecimentos;

IV.II – Factos Não Provados
1. O código fonte das páginas HTML que compõe a plataforma electrónica COMPRAST é o mesmo código fonte das páginas HTML da plataforma electrónica ANAGOV – ver relatório pericial;
2. As plataformas electrónicas COMPTAST e ANAGOV partilham a mesma infra-estrutura electrónica – ver relatório pericial;
3. As plataformas electrónicas COMPTAST e ANAGOV partilham sistema operativo, bases de dados e controlos de segurança – ver relatório pericial;

Nos termos dos art.ºs. 662.º, n.º 1 e 665.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC) e 147.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), acrescentam-se os seguintes factos, por provados:
X) Na certidão de registo comercial relativa à empresa M........, referida em N), é também indicado que esta empresa se obriga pela assinatura da gerente A........ e que, em 2015, essa empresa tinha um capital social de €100.072,69, pertencendo a quota de €50.036,34 a A........ e a quota de €50.036,35 a M........;
Z) Na certidão de registo comercial relativa à empresa A........, referida em O), é também indicado que esta empresa se obriga pela intervenção do gerente M........ e que, em 2012, essa empresa tinha um capital social de €190.000,00, pertencendo a quota de €142.500,00 a M........, a quota de €32.500,00 a A........ e a quota de €15.000,00 à empresa M........;
AA) A proposta da M........, referida em C) e D), cujo teor se dá por reproduzido nessas alíneas, tem o seguinte layout e teor:


BB) A proposta da A........, referida em E) e F), cujo teor se dá por reproduzido nessas alíneas, tem o seguinte layout e teor:


CC) As respostas apresentadas pela M........ e pela A........, para as quais se remete nos factos J) e K), têm uma estrutura de raciocínio e um teor parcialmente semelhantes, correspondendo o transcrito no ponto 3.1 do capitulo VII, do relatório final do júri, elaborado em 22/11/2016, dado por provado em L), ao efectivamente constante de tais propostas.

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste recurso são:
- aferir do erro decisório por a decisão recorrida fazer uma errada interpretação e qualificação da matéria de facto e uma errada apreciação do Direito, pois a partir da matéria factual que foi fixada era possível concluir pela existência de fortes indícios da prática de concorrência desleal, decorrente do conhecimento mútuo das propostas das empresas M........ e A........ e de uma prática concertada na elaboração das respectivas propostas, o que justificava a exclusão das propostas apresentadas no concurso por aquelas empresas, ao abrigo do art.º 70.º, n.º 2 , al. g) e 146.º, n.º 2, al. c), do Código de Contratos Públicos (CCP).
Diz o Recorrente que a partir dos factos apurados, a saber, a partir da circunstância das empresas M........ e A........ terem os mesmos sócios, que são casados entre si, no regime de comunhão de adquiridos, actuarem na mesma área de negócios, assim como, por ambas as empresas terem apresentado propostas no concurso com semelhanças no grafismo de “layout”, aparentarem tecnologia muito idêntica, terem semelhanças na indicação do critério de desempate, terem idênticos textos de cortesia, introdutórios e conclusivos, mas proporem preços muito diferentes, sem que haja motivo aparente para essa discrepância, retira-se a conclusão da existência de fortes indícios da prática de concorrência desleal.
Na contratação pública o princípio da concorrência visa desempenhar três funções essenciais:
“i)O princípio visa as relações entre as empresas, isto é, os concorrentes ou proponentes, pretendendose que exista entre estes uma concorrência paralela no que se refere ao pedido de fornecimento;
ii) O princípio diz respeito à relação entre as entidades adjudicantes que devam ser qualificadas como empresas e as empresas, em particular ao comportamento de uma entidade adjudicante com uma posição dominante no mercado relativamente às empresas, ou ao de uma empresa em posição dominante no mercado para com a entidade adjudicante e à apreciação deste comportamento à luz do artigo 102.º do TFUE;
iii) O princípio tem por objetivo proteger a concorrência do ponto de vista institucional” (in RODRIGUES, Nuno Cunha - O Princípio da Concorrência Novas Diretivas Sobre Contratação Pública, in Revista da Concorrência e Regulação, Ano V, n.º 19, Julho-Set 2014, pp. 215-217. O Autor faz estas considerações remetendo para as conclusões da advogada-geral Stix-Hackl).
Nas várias directivas sobre contratação pública “é reforçada a preocupação do legislador comunitário com a aplicação do princípio de concorrência, entendido não apenas de forma estrita, segundo a qual se procura assegurar a convocação do maior número possível de concorrentes, em condições de igualdade, ao procedimento pré-contratual, mas igualmente como necessidade de as entidades adjudicantes prevenirem a eventual distorção da concorrência causada pela contratação pública” (in RODRIGUES, Nuno Cunha - O Princípio, ob. cit., pp. 215-217).
Portanto, o princípio da concorrência, que está presente na contratação pública, visa assegurar que as empresas que concorrem no mercado o façam de forma paralela, transparente e sem distorções decorrentes da desigualdade que pode resultar de uma posição privilegiada ou que objectivamente as favoreça no processo concorrencial.
Determina o art.º 70.º, n.º 2, al. g), do CCP o seguinte: “São excluídas as propostas cuja análise revele: (…) g) A existência de fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras de concorrência.”
Nos termos do n.º 4 daquele preceito “A exclusão de quaisquer propostas com fundamento no disposto na alínea g) do n.º 2, bem como a existência de indícios de práticas restritivas da concorrência, ainda que não tenham dado origem à exclusão da proposta, devem ser comunicadas à Autoridade da Concorrência.”
É pacífico o entendimento que o referido art.º 70.º, n.º 2, al. g), do CCP, remete para as regras do Direito da Concorrência e designadamente para a Lei n.º 19/2012, de 08/05, que aprovou o novo regime jurídico da concorrência (cf. neste sentido, v.g. o Ac. do STA, nº. 851/10, de 11/01/2011; na doutrina, vide, FERNÁNDEZ SÁNCHEZ, Pedro - Direito da Contratação Pública. Lisboa: AAFDL, 2020, Vol. II, p. 276. BATISTA, Fernando Batista - Apresentação de Propostas, num mesmo procedimento concorrencial, por operadores económicos ligados entre si, in Revista da Concorrência e Regulação, Ano X, n.º 38, Abril-Junho 2019, p. 89. AZEVEDO, Joana - A participação simultânea, num mesmo procedimento adjudicatório, de empresas que se encontram numa relação de domínio ou grupo e o princípio da concorrência, in Revista Electrónica do Direito, n.º 3, Outubro de 2016 [em linha] disponível em www.cije.up.pt, p. 14).
Neste âmbito releva o determinado no art.º 3.º da Lei n.º 19/2012, de 08/05, quando aí se indica no n.º 1, que para efeitos daquela lei, “empresa” é “qualquer entidade que exerça uma atividade económica que consista na oferta de bens ou serviços num determinado mercado, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento” e no n.º 2, que se considera “como uma única empresa o conjunto de empresas que, embora juridicamente distintas, constituem uma unidade económica ou mantêm entre si laços de interdependência decorrentes, nomeadamente:
a) De uma participação maioritária no capital;
b) Da detenção de mais de metade dos votos atribuídos pela detenção de participações sociais;
c) Da possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou de fiscalização;
d) Do poder de gerir os respetivos negócios.”
Da mesma forma, interessa o instituído nos art.ºs 9.º a 12.º da Lei n.º 19/2012, de 08/05.
No art.ºs 9.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2012, de 08/05, estipula-se o seguinte: “Artigo 9.º Acordos, práticas concertadas e decisões de associações de empresas
1 - São proibidos os acordos entre empresas, as práticas concertadas entre empresas e as decisões de associações de empresas que tenham por objeto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional, nomeadamente os que consistam em:…”
Com relevo para o litígio transcreva-se, também, o art.º 101.º, n º 1, do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), nos termos do qual: “1. São incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados-Membros e que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno, designadamente as que consistam em:
a) Fixar, de forma direta ou indireta, os preços de compra ou de venda, ou quaisquer outras condições de transação;
b) Limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos;
c) Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento;
d) Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência;
e) Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm ligação com o objeto desses contratos.”
Neste enquadramento, entendeu-se na decisão recorrida que na situação sub judice não estava provada uma prática subsumível nos supra-citados preceitos, nem existiam aqui fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras de concorrência. Considerou-se na decisão recorrida que estavam em causa duas empresas distintas, com os mesmos sócios, que eram casados entre si, é certo, mas que tinham apresentado propostas através diferentes gerentes. Mais se considerou, que a qualidade de sócio da empresa não implicava, só por si, que o sócio não gerente tivesse intervenção activa nos actos de gestão ordinária da empresa M......... Alegou-se, também, que não tinha ficado provado que as empresas em questão se tivessem constituído especificamente para este concurso, assim como, que tinha ficado não provado que as duas plataformas electrónicas partilhassem de hardware físico e de um sistema de comunicação e para a internet, ou que tivessem o mesmo código fonte, ou que partilhassem a mesma infra-estrutura electrónica.
Diga-se, desde já, que não podemos acompanhar a decisão recorrida.
Como decorre dos factos provados, a M........ apresentou no procedimento em apreço uma proposta pelo valor de €2.754,00, que é assinada pela sócia gerente A......... Este preço era 50% ou mais inferior ao preço base, sendo considerado um preço anormalmente baixo. Por isso, foi apresentado o documento justificativo desse preço.
Já a A........, apresentou uma proposta pelo valor de €4.016,01, que é assinada pelo sócio gerente M.........
No segundo relatório do júri foi projectada a exclusão das propostas daquelas empresas, designadamente por apresentarem fortes indícios de práticas susceptíveis de falsearem as regras da concorrência, por tais empresas terem os mesmos sócios, que eram casados entre si, por terem a mesma área de negócio, de actividade e de administração, por apresentarem semelhanças no layout das propostas, uma estrutura idêntica em termos de tecnologia, por apresentarem os textos das propostas em termos análogos, mas apresentarem, também, preços muito distintos.
Apreciada a factualidade provada, verifica-se, ainda, que a empresa M........ obrigava-se pela assinatura da gerente A......... Porém, em 2015, esta empresa tinha um capital social que pertencia maioritariamente a M........, mais precisamente, detinha este sócio a quota de €50.036,35 e a sócia A........ detinha a quota de €50.036,34.
Por seu turno, a empresa A........ obrigava-se pela intervenção do gerente M........ e em 2012 essa empresa tinha um capital social que pertencia também maioritariamente a M........, que detinha uma quota de €142.500,00. Nesta empresa A........, A........ detinha a quota de €32.500,00 e a empresa M........ a quota de €15.000,00.
Ambas as empresas têm a mesma área de negócios.
M........ e A........ são casados em comunhão de adquiridos.
As propostas da M........ e da A........ apresentavam um idêntico layout.
Ficou ainda provado nos autos que as plataformas electrónicas COMPTAST e ANAGOV, em Fevereiro de 2020, partilhavam hardware físico e sistemas de comunicação de e para a internet.
Conforme factos S) a V), a M........ e a A........ participaram em quatro procedimentos de ajuste directo, no qual foram convidadas diversas empresas, e também aí apresentaram propostas por preços muito distintos.
Não ficou provado nos autos, que o código fonte das páginas HTML, que compõe a plataforma electrónica COMPRAST, é o mesmo da plataforma electrónica ANAGOV, ou que estas plataformas compartilhassem a mesma infra-estrutura electrónica, o sistema operativo, bases de dados e os controlos de segurança.
Como já dissemos, a apreciação da existência de fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras de concorrência, deve considerar o estabelecido no art.º 70.º, n.º 2, al. g), do CCP, que remete para a Lei n.º 19/2012, de 08/05.
Assim, nos termos do art.º 3.º dessa Lei, para aquele efeito, a M........ e a A........ devem ser consideradas como sendo uma única empresa, pois apesar de serem empresas juridicamente distintas, resulta da factualidade trazida aos autos que se tratam, também, de empresas que mantêm entre si fortes laços de interdependência.
Na verdade, ambas as empresas têm como únicos sócios M........ e A........, que são casados entre si, em regime de comunhão de adquiridos. Quanto à participação da M........ na A........, reconduz-se à participação daqueles dois sócios, que são também os únicos sócios da M......... A estrutura societária de ambas as empresas apela, pois, a uma forte pessoalidade. Por seu turno, M........ detém uma participação maioritária em ambas as empresas, não obstante ser sócio gerente apenas da A......... Ou seja, no caso analisam-se sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, que se entrecruzam na titularidade dos capitais, sendo que M........ é o sócio que mantém o controlo maioritário de ambas as empresas.
No âmbito do procedimento e, depois, do julgamento em apreço, não se cuidou de apurar acerca da gerência de facto de cada uma das empresas, nomeadamente da M......... No entanto, ainda que sem essa prova, é manifesto que M........ é o sócio com a quota maioritária quer na A........, quer na M......... Logo, M........, enquanto sócio maioritário, tem relativamente a ambas as empresas um efectivo poder de deliberar (em Assembleia Geral), orientando, condicionando e limitando a actividade da gerência.
É pacificamente entendido que em sociedades de índole pessoal, como as ora em apreço, a Assembleia Geral tem um peso decisivo nas vida societária – cf. art.sº 248.º, 250.º e 252.º, n.º 2, do CSC.
Por conseguinte, por via da sua quota maioritária, M........ tem o poder de gerir ambas as empresas ou os respectivos negócios.
Como deriva da jurisprudência comunitária em matéria da concorrência, para a noção de empresa há que atentar sobretudo na sua capacidade de autodeterminação económica e não tanto no respectivo estatuto jurídico ou no seu modo de funcionamento. Para esse efeito, pode até irrelevar a autonomia jurídica de uma empresa. A detenção do capital - ou para o caso que nos interessa, de uma maioria de quotas – que permita concluir pelo poder de decisão económica de uma empresa sobre a outra - ou de um sócio sobre uma empresa - pode implicar considerar a existência de uma só empresa para estes efeitos.
No Ac. do TJUE C-97/08, de 10/09/2009, Akzo Nobel c. Comissão das Comunidades Europeias, discutindo-se as relações em empresas de grupo, afirma-se que “existe uma presunção simples segundo a qual a referida sociedade-mãe exerce uma influência determinante no comportamento da sua filial (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 1983, AEG[-Telefunken]/Comissão, 107/82, Recueil, p. 3151, n.o 50, e acórdão PVC II, n.o 59, supra, n.os 961 e 984), e que constituem, portanto, uma única empresa na acepção do artigo 81.o CE (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Junho de 2005, Tokai Carbon e o./Comissão, T-71/03, T-74/03, T-87/03 e T-91/03, […], n.o 59). Compete, por conseguinte, à sociedade-mãe, (…), ilidir esta presunção mediante a apresentação de elementos de prova susceptíveis de demonstrar a autonomia desta última (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Setembro de 2006, Avebe/Comissão, T-314/01, Colect., p. II-3085, n.o 136; v. também, neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2000, Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão, C-286/98 P, Colect., p. I-9925, a seguir ‘acórdão Stora’, n.o 29)”.
Em suma, atendendo à estrutura societária da M........ e da A........, há que concluir que M........ tem efectivos poderes de condução e de decisão relativamente às decisões económicas de ambas as empresas. Estamos também a falar de empresas com apenas dois sócios efectivos, que são marido e mulher, casados em comunhão de adquiridos, portanto, de empresas que ostentam uma ligação pessoal muito próxima relativamente aos seus capitais e aos órgãos a quem se imputam as decisões económicas, aos seus centros de decisão.
Portanto, na situação em apreço, há que entender que a A........ e a M........ são, nos termos do art.º 3.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e d), da Lei n.º 19/2012, de 08/05 e para efeitos de objectar práticas que possam falsear a concorrência, uma mesma empresa.
Nessa mesma medida, considerando que a M........ e a A........ são uma só empresa, é também de presumir que não poderia deixar de ser do conhecimento da M........ a proposta que a A........ fez no concurso em apreço e vice-versa.
Para além dessa presunção, adveniente da estrutura societária e pessoal das referidas empresas, no caso, verifica-se, também, que ambas as empresas actuam na mesma área de negócios, oferecem no mercado o mesmo tipo de produtos e exercem a sua actividade em locais muito próximos, num mesmo prédio.
Militando no sentido do conhecimento mútuo das propostas ou, até, da existência de um único centro de decisão, encontramos, igualmente, a circunstância das propostas apresentadas terem o mesmo layout ou modelo de apresentação e ambas referirem no critério de desempate o termo “imediato”, quando se solicitava a indicação de um prazo em dias úteis. Há, pois, um erro insólito e comum a ambas.
No mesmo sentido, verifica-se, que a resposta dada por estas empresas em sede de audiência prévia apresenta uma estrutura e raciocínio semelhante. Tal como consta do ponto 3.1., do Capítulo VII, do Relatório Final do Júri, os argumentos utilizados nas respostas são quase idênticos, existindo, igualmente, uma parcial identidade na estrutura frásica.
A tudo acresce, o facto de plataformas electrónicas COMPTAST e ANAGOV, em Fevereiro de 2020, partilharem hardware físico e sistemas de comunicação de e para a internet, não obstante não ter ficado provada essa ocorrência em data anterior (pois, como invocam os Recorrentes, o perito baseou a sua análise numa auditoria de 2020).
Igualmente, verifica-se que nos quatro concursos que vêm indicados de S) a V), a A........ e a M........ apresentaram propostas com um preço bem diferenciado, à semelhança do que fizeram no concurso ora em litígio. Portanto, em todos os casos a participação simultânea da M........ e da A........ apresenta um padrão comum, que aponta para uma participação que visa o ampliar das suas chances de vencerem por via daquela diferença de preço.
De referir, que o critério de adjudicação neste concurso era o do preço mais baixo e que a M........ apresentou um preço anormalmente baixo, ao passo que a A........ apresentou uma proposta com um preço que não se encontrava em tal patamar. Logo, acaso o júri do concurso não aceitasse a justificação do preço apresentado pela M........, esta empresa seria excluída do concurso por essa razão, mas a proposta da A........ sempre se manteria no procedimento. Por conseguinte, o preço era um elemento essencial para o ganho do concurso e também para esse efeito tinha relevo a apresentação de propostas por preços dispares, nomeadamente a apresentação de uma proposta por um preço anormalmente baixo e outra acima desse patamar.
Nesta mesma medida, o conhecimento prévio dos preços apresentados por ambas as propostas permitia garantir que não sendo aceites as justificações para o preço anormalmente baixo da proposta da M........, sempre subsistiria no concurso a proposta da A.........
Assinale-se, ainda, que no caso dos autos estamos a discutir um procedimento de ajuste directo, no qual foram convidadas apenas seis empresas, aqui se incluindo a M........ e a A........ (ao qual se aplica o CCP na versão anterior ao Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31/08).
Assim, a concorrência já estava à partida restringida às propostas dessas seis empresas, exigindo-se que mesmas fossem autónomas e independentes e não empresas ligadas entre si e interdependentes, de tal forma que as seis propostas que se queriam apresentadas em competição ou em concorrência fossem, afinal, apenas, cinco, face à ligação intrínseca entre duas dessas empresas.
Ou seja, o procedimento em questão era de acesso limitado – necessariamente a essas seis empresas - pelo que adquiria especial relevo a circunstância de todas aquelas seis empresas apresentarem propostas verdadeiramente autónomas e independentes.
Não estamos aqui a discutir um procedimento aberto ao mercado, em que as empresas concorrem com total transparência, em igualdade de condições e livremente. Só neste último caso - porque se assume como benéfico para a concorrência e para o interesse público a apresentação do maior número de propostas com as suas diversas condições - é que há que equacionar a eventual irrelevância de empresas com relações de interdependência ou de domínio – ou até de mera fachada – apresentarem diferentes propostas num mesmo procedimento concursal público. Na verdade, num procedimento aberto ao mercado a apresentação duplicada de propostas entre a uma empresa dominada e outra que exerce domínio – ou até de empresas de mera fachada - pode pouco ou nada condicionar os resultados do concurso. Tudo dependerá da situação concreta, das especificidades do procedimento concursal.
O nosso caso é outro e bem diferente. Estamos face a um concurso de acesso muito condicionado, que pela própria natureza afronta uma ideia de concorrência plena, transparente e igualitária. Tal como refere Nuno Cunha Rodrigues a propósito da adjudicação em lotes, mas aqui aplicável, neste tipo de concursos pré-contratuais de acesso limitado há que “assegurar que os concorrentes que se apresentam no procedimento se encontram, entre si, num determinado level playing field que procura, de alguma forma, nivelar a capacidade destes para a apresentação de propostas.
Em certos casos, procura-se igualmente, e de forma mais rigorosa, evitar o desdobramento da personalidade societária ou empresarial que permitiria a apresentação de múltiplas propostas”. Daí o Autor defender que para estes concursos a entidade adjudicante até poderá “limitar, ex-ante – no convite ou no programa do procedimento – a natureza dos concorrentes que se podem apresentar ao procedimento” (cf. RODRIGUES, Nuno Cunha - O conceito de concorrente e a fixação de limites à adjudicação por lotes na contratação pública, in 3º Aniversário da Revista Jurídica Luso-Brasileira (RJLB) (15 a 17 de janeiro de 2018) [em linha], Disponível em http://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2018/6/2018_06_0229_0256.pdf, pp. 251-252).

No caso dos autos está-se frente a um concurso de acesso limitado, já de si restritivo da concorrência, em que se exige um especial cuidado para que os candidatos convidados se apresentem efectivamente em condições de igualdade. Exige-se, identicamente, que não se defraude a (quase inexistente) concorrência por via da participação duplicada de empresas que não actuam no mercado com autonomia e independência total.
Neste contexto procedimental, considera-se, pois, que o júri do concurso estava obrigado a apreciar os elementos que tinha ao seu dispor – os constantes das certidões comerciais e todos os outros que se evidenciaram a partir das propostas apresentadas - para concluir pela ocorrência de “fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras de concorrência”.
Tal aferição torna-se especialmente importante num concurso como o dos autos, de acesso condicionado, que apresenta uma concorrência diminuída, para assim evitar que se possa manipular quer a própria competição, quer os resultados da contratação.
Repare-se, que das seis empresas inicialmente convidadas, três delas - não contando com as empresas M........ e A........ - acabaram por ver a sua proposta logo excluída. Assim, outro sinal claro da exponenciação do factor preço neste tipo de concurso - em que poucas empresas são convidadas a apresentar proposta e em que o critério de adjudicação é o preço mais baixo – é o próprio desenvolvimento do procedimento concursal, que conduziu à exclusão de várias propostas. Por via de tal exclusão, a concorrência tornou-se praticamente nula.
Ora, este tipo de vicissitudes – que conduzem à exclusão dos concorrentes – é, obviamente, mais relevante nos procedimentos de acesso condicionado, em que logo à partida o número de concorrentes está diminuído. Consequentemente, essa circunstância, associada ao critério de adjudicação adoptado, exponencia a relevância da apresentação de duas propostas por preços dispares, apresentando uma delas um preço anormalmente baixo.
Portanto, no caso em apreço, atendendo ao número de empresas convidadas e ao critério de adjudicação, a apresentação de dois preços dispares, decorrente de um conhecimento mútuo das propostas, poderia, efectivamente e objectivamente, influir e ter efeitos no resultado do concurso.
Em suma, na situação concreta a participação de ambas as empresas com propostas de preços relativamente diferentes, sendo um deles anormalmente baixo, para um produto ou oferta semelhante, com uma tecnologia que não se provou que fosse efectivamente diferente, leva a concluir pela existência de fortes indícios de um conhecimento mútuo do teor das propostas e por uma prática consertada visando aumentar as hipóteses de obtenção de vitória no concurso.
Como refere Rodrigo Esteves de Oliveira ao analisar o Ac. do TJUE C-538/07, de 19/05/2009, Assitur Srl c. Camera di Commercio, Industria, Artigianato e Agricoltura di MilAno, neste acórdão do TJUE trespassa a ideia que “a circunstância de haver uma relativa comunhão de interesses entre empresas pode de alguma forma perturbar o jogo da livre concorrência e sã competição, falseando a logica da contratação pública, e que isso pode, portanto, constituir uma violação da igualdade de tratamento de todos os concorrentes e da transparência dos processos de adjudicação dos contratos públicos” (in OLIVEIRA, Rodrigo Esteves - Empresas em Relação de Grupo e Contratação Publica, Revista dos Contratos Públicos, n.º 2, Maio-Agosto 2011, pp. 99-100. Cf. identicamente, a propósito das situações de domínio, OLIVEIRA, Mário Esteves de Oliveira - Agrupamentos de Entidades Adjudicantes e de Candidatos e Concorrentes em Procedimentos de Contratação Pública, in Estudos de Contratação Pública, vol. II Coimbra: Coimbra Editora, 2010, pp. 129-130).
Ora, entre a M........ e a A........ há, sem dúvida, essa relativa comunhão de interesses, que obnubila a exigida transparência, igualdade e sã competição, permitindo falsear-se a concorrência.
Na verdade, ainda que se pudesse admitir, em abstracto, que o marido, sócio maioritário e gerente da A........, não partilhou com a sua mulher, também sócia daquela empresa, as informações contidas na proposta que apresentou ao concurso, já não é admissível que o indicado marido, que é também sócio maioritário da M........, não pudesse ter - ou efectivamente tenha tido - uma intervenção determinante nas decisões tomadas pela gerência desta última, não obstante tal empresa se obrigar apenas com a assinatura da sua gerente. O poder que M........ pode efectivamente exercer sobre as decisões da gerência da M........, associado à pessoalidade que caracteriza as sociedades A........ e M........ e à proximidade existente entre os dois sócios, são o bastante para se concluir pela existência de uma comunhão de interesses perniciosa à concorrência, que é susceptível de a falsear. Tal poder e ligações são, só por si, um indício forte de uma situação que pode levar ao falseamento da concorrência quando estas duas empresas concorrem a um mesmo concurso com duas diferentes propostas.
No caso em apreço, a esse indício acrescentam-se todos os outros, acima referidos, que foram invocados pelo júri do concurso e que vieram, depois, a ser confirmados pela factualidade assente na decisão recorrida.
Ora, a junção de toda essa factualidade conduz à conclusão de que a M........ e a A........ concorreram no presente concurso munidas de condições desiguais face aos restantes concorrentes, pois saberiam da proposta uma da outra e terão usado essa informação para fixarem os preços das suas propostas.
A este propósito, indique-se, que a jurisprudência do TJUE e no seu seguimento a jurisprudência e doutrina nacionais, consideram que a apreciação do comportamento que tem por objectivo e efeito o falsear da concorrência deve basear-se numa análise casuística do conjunto de circunstâncias que envolvem a situação, para assim se verificar se tal comportamento afectou ou é susceptível de afectar a concorrência. Entende-se, que só perante as circunstâncias concretas da actuação dessas empresas no procedimento e perante a análise das propostas que apresentem, o júri poderá avaliar se foi falseada a concorrência, não podendo tal juízo fundar-se numa mera presunção, decorrente de uma dada posição societária (cf. neste sentido, entre outros, os Ac. do TJUE C-525/16, de 19/04/2018, Meo - Serviços de Comunicações e Multimédia c. Autoridade da Concorrência; Ac. do TJUE C531/16, de 17/05/2018, Ðiauliø regiono atliekø tvarkymo centras, «Ecoservice projektai» UAB; Ac. do TJUE C-538/07, de 19/05/2009, Assitur Srl c. Camera di Commercio, Industria, Artigianato e Agricoltura di MilAno; Ac. do TJUE, C-144/17, de 08/02/2018, Lloyd's of London. Na jurisprudência nacional vide, entre outros, os Acs. do STA n.º 01469/14, de 12/03/2015, n.º n.º 017/11, de 31/03/2011, n.º 851/10, de 11/01/2011, n.º 1126/05, de 01/06/2006, ou do TCAS n.º 12542/15, de 26/11/2015, n.º 7536/11, de 12/05/2011, n.º 6545/10, de 03/02/2011, n.º 6517/10 de 30/09/2010, n.º 05146/09, de 11/08/2010, ou n.º 5806/09, de 25/03/2010 e do TCAN n º 13205/16, de 02/06/2016).
Para o efeito, requer-se, que o júri do concurso se certifique “que os inícios que tem perante si são suficientemente seguros para se poder afirmar, com razoável grau de certeza, a forte probabilidade de existirem tais práticas” (cf. MOREIRA, João - Cartelização em contratação pública: A exclusão de propostas susceptíveis de falsear a concorrência, in Estudos de Contratação Pública, vol. III, Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 209).
É também pacífico que tais indícios podem retirar-se v.g. da estrutura societária, das relações familiares, dos preços propostos, dos anteriores padrões de participação em concursos ou de adjudicações, do comportamento dos concorrentes nos anteriores concursos, dos teores das propostas apresentadas, ou outras respostas dadas no âmbito do concurso. Igualmente, “deverá o júri o considerar suspeitos procedimentos em que diferentes propostas contêm os mesmos erros de cálculo ou de ortografia, o mesmo aspecto gráfico ou existirem provas de encontros entre os diversos concorrentes antes da entrega das propostas”. (cf. MOREIRA, João – Cartelização, ob. cit., p. 211).
A indicada jurisprudência comunitária vem também entendendo que cabe às entidades adjudicantes – no nosso caso, ao júri do concurso - o exame e a análise de tal conjunto de circunstâncias.
Por seu turno, reunidos pelo júri os indícios de práticas que visem objectivamente, ou que possam falsear a concorrência, deve ser dada a oportunidade aos concorrentes de rebaterem aqueles indícios, fazendo prova procedimental que não ocorreu, nem poderia ter ocorrido, o indicado falseamento.
A decisão do júri do concurso deve ser tomada após a análise de todos os elementos, incluindo a resposta dos concorrentes. Mas, para chegar a uma decisão que aponte para a ocorrência de práticas concertadas que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência, não se exige à entidade adjudicante – ou ao júri do concurso - uma prova firme, directa ou irrefutável, bastando para o efeito a recolha de indícios sérios, seguros, congruentes, de tais práticas.
Tal como se refere no Ac. do TJUE C531/16, de 17/05/2018, Šiauliø regiono atliekø tvarkymo centras, «Ecoservice projektai» UAB, “o direito da União, (…) não prevê uma proibição geral de as empresas interligadas apresentarem propostas num processo de adjudicação de contratos públicos. Além disso, resulta da jurisprudência que, atendendo ao interesse da União de que seja assegurada a maior participação possível de proponentes num concurso, seria contrário a uma aplicação eficaz do direito da União excluir sistematicamente empresas interligadas do direito de participar num mesmo processo de adjudicação de um contrato público (v., neste sentido, Acórdão de 19 de maio de 2009, Assitur, C538/07, EU:C:2009:317, n.os 26 e 28)
(…) há que salientar que, em qualquer caso, o princípio da igualdade de tratamento (…) é violado caso se admita que os proponentes interligados podem apresentar propostas coordenadas ou concertadas, isto é, não autónomas nem independentes, que sejam suscetíveis de, desta forma, lhes conferirem vantagens injustificadas face aos outros proponentes, não sendo necessário examinar se a apresentação de tais propostas constitui também um comportamento contrário ao artigo 101.º TFUE.
(…) uma entidade adjudicante que toma conhecimento de elementos objetivos que ponham em causa o caráter autónomo e independente de uma proposta é obrigada a examinar todas as circunstâncias relevantes que levaram à apresentação da proposta em causa para evitar, detetar e remediar os elementos suscetíveis de viciarem o procedimento de adjudicação, inclusivamente pedindo, se for caso disso, às partes que forneçam determinadas informações e elementos de prova (v., por analogia, Acórdão de 12 de março de 2015, eVigilo, C538/13, EU:C:2015:166, n.o 44).
(…) No que respeita ao nível de prova exigido para demonstrar a existência de propostas que não são autónomas nem independentes, o princípio da efetividade exige que a prova de uma violação das regras de adjudicação de contratos públicos da União possa ser feita não apenas através de provas diretas mas também através de indícios, desde que estes sejam objetivos e concordantes e que os proponentes interligados estejam em condições de apresentarem prova em sentido contrário (v., por analogia, Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Eturas e o., C74/14, EU:C:2016:42, n.o 37).” (cf. também, os Acs. do TJUE C-538/07, de 19/05/2009, Assitur Srl c. Camera di Commercio, Industria, Artigianato e Agricoltura di MilAno).
Assim, a jurisprudência comunitária apenas exige que sejam recolhidos pelo júri do concurso elementos objectivos, sérios, suficientemente seguros, que permitam afirmar com alguma certeza que existem fortes indícios de práticas anti-concorrenciais. Essa jurisprudência não exige que se prove a efectiva prática anti-concorrêncial. No que concerne à prova, não exige prova directa, ou que toda a prova seja directa, aceitando-se o uso de prova por presunção a partir da já recolhida.
Tal jurisprudência exige, também, que as empresas não seja excluídas do procedimento de uma forma abstracta, automática ou imediata, com base “na presunção iniludível de que as propostas em causa foram necessariamente influenciadas uma pela outra, ou na presunção irrefutável do conhecimento mútuo ou reciproco do conteúdo das respectivas propostas, sem conceder às empresas a possibilidade de demonstrar que, no seu caso, não existe um risco real de ocorrência de práticas susceptíveis de ameaçar a transparência e falsear a concorrência entre os proponentes” (cf. OLIVEIRA, Rodrigo Esteves - Empresas, ob. cit, p. 100. Cf. também pp. 108-109. OLIVEIRA, Rodrigo Esteves - Restrições à participação em procedimentos de contratação pública, Revista de Direito Público e Regulação, n.º 1, Maio de 2009, pp. 33-34. Cf. igualmente MOREIRA, João – Cartelização, ob. cit, pp. 209-212).
Em suma, atendendo à jurisprudência comunitária, nacional e ao que vem defendido pela doutrina, o preenchimento do conceito indeterminado que integra a expressão “fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras de concorrência”, remete para uma prova objectiva, real, concordante e circunstanciada, mas que não tem de ser feita através de prova directa, firme e irrefutável, pois pode basear-se num conjunto de elementos factuais a partir dos quais se retirem factos presumidos. À entidade adjudicante cumpre também apenas comprovar a existência de fortes indícios, não da prática efectiva da conduta anti-concorrencial.
Cite-se, a este propósito o Ac.do TCAS n.º 04105/08, de 29/01/2009, quando remetendo para o julgamento da 1.ª instância, afirma o seguinte:” A prática concertada entre duas ou mais empresas no âmbito dos procedimentos concursais não necessita da prova material da ligação entre os concorrentes, como parecem entender as autoras, ou da prova do conhecimento mútuo antecipado das respectivas propostas, mas basta-se com um juízo de objectividade resultante das próprias propostas, traduzido em factos, tendo em conta que as semelhanças em elevado grau ou identidade das mesmas possam contribuir, no caso concreto, para possibilitar a obtenção de ganhos acrescidos no acesso ao mercado por efeito dessa conjugação das propostas.
Ora, no caso presente, as semelhanças e identidades entre as duas propostas são de tal monta que é muito mais provável que tenha havido conjugação de esforços na elaboração das propostas por parte de ambos os concorrentes do que se esteja perante simples coincidências compreensíveis, porque baseadas nos mesmos critérios.”
É também no procedimento administrativo que cumpre fazer tal prova, gozando a entidade administrativa de alguma discricionariedade na integração do conceito indeterminado que integra a expressão “fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras de concorrência” (cf. a este propósito, entre outros, FERNÁNDEZ SÁNCHEZ, Pedro - Direito da Contratação Pública. Lisboa: AAFDL, 2020, Vol. II, pp. 276-277; MOREIRA, João – Cartelização, ob. cit., p. 210).
A integração de tal conceito compete, pois, em 1.ª linha, ao júri do concurso, incumbindo ao órgão jurisdicional apreciar aquele juízo, por forma a verificar se o mesmo padece de um erro grosseiro, de facto ou manifesto.
Por seu turno, aos concorrentes visados cumpre ilidir procedimentalmente a presunção do júri, provando no indicado procedimento administrativo que apresentaram propostas autónomas e independentes. Cumpre aos concorrentes provar, que não obstante a sua estrutura societária, não poderiam ter conhecimento mútuo das propostas e não o fizerem concertando preços.
Se não ficar ilidida a presunção inicial do júri, este pode decidir pela exclusão dos concorrentes visados, nos termos do art.º 70.º, n.º 2, al. g) e 146.º, n.º 2, do CCP.
Uma vez tomada tal decisão, as empresas visadas podem, depois, questioná-la judicialmente, mas nesta sede a apreciação jurisdicional não pode versar sobre os aspectos discricionários da decisão administrativa. Isto é, não competirá às instâncias judiciais discutir acerca do juízo relativo aos indicados indícios para além do que decorra da existência de um erro manifesto, de facto, ou grosseiro. Identicamente, se for manifesto que as empresas visadas não lograram ilidir a presunção em sede procedimental, não cumpre ao Tribunal substituir-se à Administração e a esse (anterior) momento procedimental e verificar, ex novo, acerca da questão.
Nas palavras de João Moreira, “estando aqui perante um conceito indeterminado, não seria correcto aceitar-se que na avaliação se determinados indícios são, ou não, suficientemente seguros para determinar a exclusão de uma proposta, pudesse, a autoridade jurisdicional, substituir pura e simplesmente o seu juízo por aquele da entidade adjudicante” (cf. MOREIRA, João – Cartelização, ob. cit., p. 210).
Voltando ao caso dos autos, como já indicamos, da factualidade assente deriva que a M........ e a A........, para efeitos de protecção da concorrência, devem ser consideradas como uma única empresa, pois mantém entre si fortes laços de interdependência. M........ é, em ambos os casos, o sócio maioritário, podendo, por essa via, ter real influência e poder de decisão na vida de ambas as empresas – cf. art.º 3.º da Lei n.º 19/2012, de 08/05.
Atendendo à factualidade trazida aos autos, no caso também não fica afastada a hipótese de M........ ter tido conhecimento mútuo das propostas. Identicamente, não fica afastada a hipótese de ambas as empresas e dos seus gerentes terem tido esse conhecimento mútuo. Igualmente, não resulta afastada a hipótese das propostas apresentadas terem sido influenciadas uma pela outra. Mais se note, que atendendo à factualidade dada por assente é indiscutível que, no caso, havia um risco real da ocorrência desse conhecimento e da real possibilidade de serem apresentadas propostas concertadas e que visavam alargar o leque de hipóteses de ganho no concurso.
Ou seja, por um lado, no caso, há um risco real, objectivo, de M........ conhecer a proposta que foi apresentada pela M........, pois é o sócio maioritário nessa sociedade por quotas, onde a gerente é a sua mulher, com quem está casado em comunhão adquiridos. Por outro lado, também não esta afastada a hipótese da sua mulher poder conhecer a proposta que M........ apresentou enquanto gerente da A.........
Consequentemente, a intervenção no procedimento concursal por parte da M........, munida de informação privilegiada face aos demais concorrentes, é uma prática que podia objectivamente afectar de forma "sensível" o desfecho do concurso, ou, visto de outro prisma, que poderia restringir sensivelmente a concorrência. Associado aquele conhecimento mútuo ao preço apresentado pela proposta da M........ e da A........, há aqui fortes indícios de tal prática ter tido por objectivo e efeito o falsear da concorrência, pois podia provocar um distorcer dessa concorrência.
Atendendo aos contornos do caso existia, pois, um risco real de conhecimento mútuo e recíproco das propostas da M........ e da A........ e de perversão das regras da concorrência, da transparência e da igualdade, por via do esquema de preços apresentado. Esse risco foi invocado pela Entidade Adjudicante. Na situação em apreço, é também de presumir aquele conhecimento e uma influência reciproca entre as propostas. A tal presunção, o júri do concurso fez associar toda uma série de outros elementos e circunstâncias, reais, objectivas e sérias. A conclusão do júri não se bastou em presunções, mas alicerçou-se em diversa outra prova, objectiva. Foi com base no conjunto da prova que o júri decidiu pela existência de fortes indícios de práticas falseadoras da concorrência.
Foi dada à M........ e à A........, no âmbito procedimental, a oportunidade de ilidir a presunção do conhecimento mútuo das propostas e da concertação dos preços.
Conforme decorre dos autos, o júri do concurso, em 11/11/2016, no segundo relatório indicou as várias circunstâncias que justificavam, na sua óptica, considerar que as empresas M........ e A........ tinham “uma elevada probabilidade dum conhecimento antecipado de informação e do conteúdo das propostas um do outro e vice-versa”. Invocou-se a estrutura societária e de gerência dessas empresas, a relação conjugal entre os sócios e acrescentou-se a semelhança de layout das propostas, da tecnologia, a diferença de preços aparentemente para uma tecnologia idêntica, sem motivo aparente para essa diferença e a igualdade de expressões no critério de desempate, quando se solicitava a indicação do prazo em dias úteis, portanto a igualdade de erros. Acrescentou-se as semelhanças de texto nas propostas.
A M........ - e a A........ – puderam responder a essas questões. Como resulta da resposta dada por estas empresas, estas não afastam a presunção do conhecimento mútuo das propostas, oferendo prova nesse sentido. Não é invocado e provado pelas referidas empresas que os respectivos sócios e designadamente que o sócio M........ não tivesse - ou pudesse ter tido - o conhecimento dos termos da proposta da M......... Não é alegado e provado pelas empresas visadas que não concertaram as propostas e que não havia hipótese de se proceder a tal concertação, v.g., porque estavam instituídas práticas internas que a tal obstavam. Na sua resposta, as empresas afirmam apenas conclusivamente que não partilham hardware e recursos SO, ou outros dados, que tem representantes legais e equipas comerciais distintas, que são sociedades distintas, com vertentes e orientações próprias, que tem plataformas certificadas e auditadas. A M........ diz também que é uma mera gestora da plataforma ComprasPT, que adquiriu à empresa Inforsistemas em 2010, pelo que tal plataforma não foi sequer concebida pela M......... Mas estas afirmações são feitas de forma conclusiva, pois não são acrescentados factos concretos e que permitam suportar o que se afirma.
De salientar, que as citadas empresas também não apresentaram procedimentalmente qualquer prova para corroborar o que alegaram, nomeadamente e com relevo para a questão, não apresentaram prova procedimental de que não havia a possibilidade real - ou não ocorreu efectivamente - um conhecimento prévio e mútuo das respectivas propostas e, por via disso, uma concertação de preços.
Neste enquadramento, o júri manteve a sua anterior pronúncia, acrescentando que a resposta dada por estas empresas em sede de audiência prévia apresentava-se muito idêntica, adensando os indícios de uma prática susceptível de falsear a concorrência.
Por conseguinte, no caso dos autos, ficou procedimentalmente feita a prova de que a M........ e a A........ poderiam ter apresentado as suas propostas em condições desiguais face aos demais concorrentes, por terem tido conhecimento mútuo dos respectivos conteúdos e por poderem ter concertado os preços apresentados.
Face à estrutura societária de ambas as empresas e às relações de proximidade entre os sócios e gerentes, assim como, por via do facto de M........ ser em ambos os casos o sócio maioritário, que podia decidir sobre a vida ou as opções económicas das duas empresas – para além das suas funções de gerência por direito especial na A........ – também seria de presumir esse conhecimento.
No procedimento concursal foi dada às empresas em questão, mormente à M........, A. desta acção, a possibilidade de afastar a presunção que decorria da estrutura societária e dos demais elementos trazidos ao procedimento concursal pelo júri do concurso.
Nesse procedimento as citadas empresas não foram capazes de afastar e inverter a presunção do conhecimento mútuo das propostas e da real possibilidade de terem actuado com vista e podendo falsear a concorrência.
A exclusão do concurso só se verificou após ser dada a ambas as empresas a possibilidade de inverterem a presunção que resultava de diversos factos, casuisticamente apurados, que apontavam para um conhecimento mútuo e prévio das propostas apresentadas pelas indicadas empresas - ou para a real possibilidade desse conhecimento - para a real possibilidade dessas propostas terem sido apresentadas concertadamente, com o fito de falsear a concorrência.
Incumbia, então, à M........ e à A........ afastarem aquela presunção, alegando e provando que o facto de terem uma dada estrutura societária com relações pessoais de proximidade não permitiu o conhecimento mútuo das propostas, ou não concedia uma real possibilidade desse conhecimento, porque a gerência da M........ era efectiva e totalmente exercida por A........, sem prévia orientação ou intervenção de M........, seu marido, que não obstante ser o sócio maioritário dessa empresa não exercia efectivamente os seu poderes. Competiria à M........ provar a gerência efectiva de A........ à frente desta empresa, provando, v.g., que só a ela incumbia toda a gestão corrente da M........, sem intervenções directas ou sem informações ao sócio maioritário relativamente aos termos das propostas apresentadas nos diversos concursos, que os direitos de informação deste sócio se faziam apenas nos termos do art.ºs 214.º e 216.º do CSC, ou que este não tinha qualquer intervenção activa nos actos de gestão da empresa. À M........ caberia ainda provar que A........ também desconhecia o conteúdo das propostas apresentadas pelo seu marido, enquanto gerente da A......... Ou seja, a prova relativa ao afastamento do conhecimento mútuo do teor das propostas era a prova central na discussão em litígio, que competia ser feita pela M........, para assim ilidir a presunção invocada pelo júri do concurso.
Essa prova não foi feita. Logo, não ficou provado nos autos que a M........ e a respectiva gerência detivesse uma real independência e autonomia na condução deste tipo de procedimentos face ao seu sócio maioritário e que este desconhecesse a proposta por esta apresentada, ou que esta se mantivesse necessariamente como confidencial e do desconhecimento daquele sócio.
Era à M........ e a A........ que competia provar que aquele conhecimento e influência não ocorreu e não o inverso. Mais se note, que sendo tal conhecimento um facto pessoal, a prova teria sempre de competir à M........ e a A........ e não à entidade adjudicante, sob pena de se estar a exigir a esta última uma prova diabólica.
De salientar, que relativamente aos factos não provados e relativos à identidade do código fonte das páginas HTML que compõem as plataformas electrónicas COMPRAST e ANAGOV, ou ao compartilhamento da mesma infra-estrutura electrónica, do sistema operativo, das bases de dados e dos controlos de segurança, à data da apresentação das propostas, não bastam para debilitar o juízo formulado pelo júri do concurso.
Aqueles factos foram dados por não provados, o que significa que há um non liquet quanto aos mesmos. Ou seja, por um lado, ficou por provar a invocada partilha de hardware, de recursos SO, ou de outros dados, à data da apresentação das propostas. Por outro lado, não ficou provado nos autos que naquela data as duas empresas não partilhavam tais elementos. Quanto a este aspecto, foi feita apenas a prova negativa e não a prova positiva e só esta aproveitava a M.........
Por seu turno, nos autos ficou também provado que em Fevereiro de 2020 as duas plataformas electrónicas partilhavam hardware físico e sistemas de comunicação de e para internet – cf. facto W). Ora, a prova deste facto – pela positiva – reforça o juízo feito pela entidade adjudicante. Noutra perspectiva, a não prova, o non liquet quanto àquela partilha na data da apresentação das propostas não é vantajosa para a posição da M......... Assim, atendendo à prova feita nos autos não se provou que à data da apresentação das propostas as duas empresas não partilhavam hardware e recursos. Mas ficou provado que em Fevereiro de 2020 essa partilha ocorria. Logo, a prova feita nos autos reforça a posição da entidade adjudicante e não da M.........
Sem embargo, como já dissemos, a indicada circunstância da partilha de hardware e de recursos não é o aspecto central e que justificou a exclusão da M......... Esse facto é apenas mais uma circunstância, um elemento objectivo, que o júri do concurso considerou para poder concluir pela não justificação da diferença de preços e pela conclusão de que essa diferenciação tinha como causa muito provável o conhecimento mútuo das propostas e uma concertação de preços.
De assinalar, ainda, que a M........ também não afastou a invocação da semelhança do layout das propstas, nenhuma explicação deu para a utilização de um termo – desapropriado – e semelhante no critério de desempate, ou para as semelhanças do texto da resposta dada em sede de audiência prévia.
Por conseguinte, a M........ não foi capaz, nem procedimentalmente nem processualmente, de ilidir a presunção que resultava da sua estrutura societária e dos fortes laços que a uniam à A......... A M........ não foi capaz de fazer prova que, no caso, não ocorreu, ou não havia reais hipóteses de ocorrer, um conhecimento mútuo das propostas e uma concertação de preços. A M........ não foi capaz de ilidir a presunção de que existia, ou era possível existir, um desequilíbrio de posições decorrente daquele conhecimento mútuo, que a favoreciam face aos demais concorrentes, porque pôde concertar os preços com a A........ e que tal desequilíbrio era apto a falsear a concorrência.
Em conclusão, o presente recurso procede e tem de se revogar a decisão recorrida, pois, no caso em apreço, os actos sindicados não padecem de qualquer erro de facto ou de Direito, nem violam o at.º 70.º, n.º 2, al. g), do CCP.
Em consequência também claudica a presente acção.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em conceder provimento ao recurso interposto e revogar a decisão recorrida;
- em julgar improcedente a presente acção;
- custas pelo A. e Recorrido em 1.ª instância e na instância de recurso (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 4 de Março de 2021.

(Sofia David)

O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art.º 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Dora Lucas Neto e Pedro Nuno Figueiredo.