Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08684/12
Secção:CA-2ºJUÍZO
Data do Acordão:06/28/2012
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA
ACÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO NEGATIVA
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - Verificando-se que a ré, menor à data do pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa, para além dos laços familiares com portugueses, já fala a língua portuguesa - a qual não é a língua oficial do seu país de origem - e já possui uma real e convincente ligação à comunidade portuguesa, pois desloca-se com regularidade a Portugal, onde tem amigos, convive com a comunidade portuguesa na Suíça, conhece os usos e costumes portugueses e diversas regiões de Portugal, já tendo adoptado alguns costumes nacionais e está atenta à realidade portuguesa, foi demonstrada uma efectiva ligação à comunidade nacional, pese embora o facto de aquela residir com o seu pai e madrasta na Suiça;

II - Tal prova, por se tratar de uma acção de simples apreciação negativa, competiria à Recorrida, sendo feita através de factos próprios do interessado, que é quem invoca o direito à nacionalidade portuguesa;

III - Na presente acção, a Recorrida nada invocou, até porque não apresentou contestação, mas, essa prova foi feita através dos documentos juntos pelo próprio Autor, os quais permitiram considerar provados factos dos quais se retira a existência de uma efectiva ligação à comunidade nacional.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Recorrente: Ministério Público
Recorrido: P ................................

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

Vem interposto recurso da sentença do TAC de Lisboa que julgou improcedente a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte da ré, ordenando o prosseguimento do processo na Conservatória dos Registos Centrais.
Em alegações são formuladas as seguintes conclusões:
1) Face aos documentos constantes dos autos e não tendo a ré, que foi citada e não contestou, apresentado outros elementos, entende-se que se pode concluir pela inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional.
2) A própria decisão recorrida reconhece, perante a factualidade apurada, que é discutível que se possa afirmar que a Ré possui ligação efectiva à comunidade portuguesa.
3) Tratando-se de uma acção de simples apreciação negativa, impunha-se que a Ré trouxesse ao processo os elementos que pudessem fundar o direito á aquisição da nacionalidade portuguesa, afirmado nas declarações prestadas á Conservatória do Registo Civil.
4) A conduta processual da Ré – que nem sequer apresentou contestação – não pode redundar em prova efectiva do direito à aquisição da nacionalidade portuguesa.
5) Tendo decidido como decidiu, a douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 9.º, alínea a), da Lei n.º 37/81, na redacção da Lei n.º 837-A/2006, de 14 de Dezembro e artigo 343.º, nº 1, do Código Civil.
6) Pelo que deve ser revogada e substituída por outra, que julgue procedente a acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa a que se reportam os autos.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi dado cumprimento ao disposto no art. 146º, nº 1 do CPTA.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Os Factos
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
1) A ré é natural de K ................, Costa do Marfim, onde nasceu em 15 de Abril de 1991, e é filha de Y ................ e de Yeo ......................... (cfr. fls. 9, 16 e 113-114, dos autos era suporte de papel, a que pertencem as demais folhas a citar, sem menção de origem).
2) A ré é nacional da Costa do Marfim (cfr. fls. 17).
3) Y ......................, casou civilmente com Sónia ......................................., em 30 de Setembro de 2004, em Annemasse, França, e casou catolicamente com a mesma em 26 de Julho de 2008 (cfr. fls. 47-48).
4) Y ................, nascido em 1.1.1975, em Togoniéré, Koumbala, Costa do Marfim, adquiriu a nacionalidade portuguesa nos termos do art. 3° n.° 1, da Lei 37/81, de 3 de Outubro, conforme registo lavrado em 19 de Novembro de 2008 (cfr. fls. 47-48).
5) Em 9 de Março de 2009, no Consulado de Portugal em Genebra, Y .................. declarou em seu nome e como procurador de Y ........................ que, na qualidade de representantes legais da ré, pretendiam que esta adquirisse a nacionalidade portuguesa, como lhe faculta o disposto no art. 2º, da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro (cfr. fls. 12,27,75-76 e 150-151).
6) Com base nessa declaração foi organizado na Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa o processo n°. 14428/2009, onde se questionou a existência de facto impeditivo da pretendida aquisição de nacionalidade portuguesa - falta de ligação efectiva à comunidade portuguesa -, razão pela qual foi remetida ao MP certidão para efeitos de instauração do presente processo (cfr. fls. 8 e 143 a 145).
7) A ré reside desde há cerca de cinco anos em Genebra, Suíça, com o pai e a madrasta (cfr. fls. 13,20,30,32,36 e 56-57).
8) A ré percebe a língua portuguesa e já consegue exprimir-se na mesma, tendo-a aprendido com a madrasta e os amigos portugueses que a mesma tem, quer em Portugal quer na Suíça, empenhando-se em consolidar os seus conhecimentos sobre a língua portuguesa (cfr. fls. 13, 32, 33, 45 e 56-57).
9) A ré aprende com a madrasta e amigos e familiares portugueses os costumes e a gastronomia portugueses - sabendo confeccionar nomeadamente a feijoada -, bem como a História de Portugal, revelando um grande interesse em aprofundar o seu conhecimento sobre as tradições e cultura portuguesas (cfr. fls. 13, 30, 32 a 37 e 45).
10) A ré acompanha sempre o pai e a madrasta quando estes se deslocam a Portugal nas férias (cfr. fls. 13, 30 a 35, 37 a 39 e 56-57).
11) A ré fez inúmeras amizades em Portugal com os filhos dos familiares e amigos do pai e da madrasta, mantendo com estes um excelente contacto, não só durante as férias, mas ao longo de todo o ano, nomeadamente através da internet (cfr. fls. 13, 30 a 35, 37 a 39, 41, 45 e 56-57).
12) A ré, quando se encontra de férias em Portugal, participa em festas populares, frequenta feiras e ajuda os avós no campo - arrancar batatas, regar e cortar erva (cfr. fls. 32, 35, 37 a 39 e 45).
13) A ré já visitou nomeadamente Braga, Porto, Viseu, Coimbra, Nazaré e Lisboa (cfr. fls. 30 e 33).
14) A ré frequenta centros da comunidade portugueses na Suíça, participando em festas, bailes, encontros e jantares (cfr. fls. 30,32 e 36).
15) A ré já se identifica com a cultura e as tradições portuguesas (cfr. fls. 30, 32, 36 e 45).

Facto não provado:
A) A ré tem todas as referências sociais e culturais na Suiça [teve-se em conta que a única prova produzida foi em sentido contrário – cfr. factos dados como provados sob os n.ºs 8) a 15)].

O Direito
O Ministério Público opõe-se à aquisição da nacionalidade portuguesa por parte da aqui Recorrente, com fundamento na falta de prova de ligação efectiva à comunidade nacional e no disposto no art.º 9º, al. a) da Lei da Nacionalidade (Lei 37/81, de 3.10, na redacção introduzida pela Lei 25/94, de 19.8).
A Lei Orgânica nº 2/2006, de 17/4, introduziu importantes alterações na Lei nº 37/81, de 3.10.
Por outro lado, foi, por força do DL. nº 237-A/2006, de 14/12, aprovado novo Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, sendo revogado o DL. nº 322/82 de 12 de Agosto.
Com a entrada em vigor deste diploma, passaram também a vigorar as alterações introduzidas pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17/4, ex vi do seu art. 9º, conjugado com o art. 3º.
No art. 2º da Lei 37/81, de 3/10, na redacção da Lei nº 2/2006, de 17/4, prevê-se o seguinte:
“Os filhos menores ou incapazes de pai ou mãe que adquira a nacionalidade portuguesa podem também adquiri-la, mediante declaração.”.
O art. 9º da referida Lei, na redacção actual é a seguinte:
“Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:
a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional;
b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa;
c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.”.
No art. 56º, nº 2 do actual Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL. nº 237-A/2006, prevê-se:
“2 - Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou da adopção:
a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional;
(…)”.
No art.º 57º, nº 1 deste diploma, dispõe-se que:
“Quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional e sobre o disposto nas alíneas b) e c) do nº 2 do artigo anterior.”
No nº 7 do mesmo artigo estabelece-se que sempre que o Conservador dos Registos Centrais ou qualquer outra entidade tiver conhecimento de factos susceptíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade ou por adopção, deve participá-los ao Ministério Público, junto do competente tribunal administrativo e fiscal, remetendo-lhe todos os elementos de que dispuser.
A solução legal do art. 2º da Lei da Nacionalidade inspira-se na protecção do interesse da unidade da nacionalidade familiar.
O legislador não impõe este princípio da unidade, mas é uma realidade em que se encontra interessado e que por isso promove ou facilita sempre que ela seja igualmente querida pelos interessados.
Com efeito, o facto relevante para a aquisição da nacionalidade é a declaração de vontade do estrangeiro que reúna condições para adquirir a nacionalidade portuguesa (no caso feita pelos representantes legais da menor, aqui Recorrida – cfr. nº 5 dos FP).
Mas o efeito da aquisição da nacionalidade não se produz sem mais pela simples verificação do facto constitutivo que a lei refere – a manifestação de vontade do interessado.
De facto, importa também que ocorra uma condição negativa, ou seja, que não haja sido deduzida pelo Ministério Público oposição à aquisição da nacionalidade ou que, tendo-a sido, ela haja sido considerada judicialmente improcedente.

No caso presente a sentença recorrida entendeu que a acção de oposição à aquisição de nacionalidade por filho menor com base no fundamento constante da alínea a) do art. 9º citado improcedia porque, no caso concreto, se verifica a “ligação efectiva à comunidade nacional”.
Para tanto expendeu o seguinte:
«A mencionada “ligação efectiva à comunidade nacional” é verificada através de algumas circunstâncias objectivas que revelam um sentimento de pertença a essa comunidade, como é o caso, entre outras, da língua portuguesa falada em família ou entre amigos, das relações de amizade e profissionais com portugueses, do domicílio, dos hábitos sociais, das apetências culturais, da inserção económica, ou interesse pela história ou pela realidade presente do País.
De todo o modo, cumpre ter presente que, como se sumariou no Ac. do STJ de 19.01.2006, proc. n.º 05B3192, cuja doutrina tem plena aplicação na situação em análise, quando o interessado é menor “(...) não se deve ser tão exigente na demonstração do pedido, visto não ser possível existir o nível de participação na cidadania que deve ser exigido a uma pessoa adulta (...).” - também, neste sentido, Ac. do STJ de 18.7.2006, proc. n.º 06A2152.
No caso vertente verifica-se que a ré, menor à data do pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa, para além dos laços familiares com portugueses, já fala a língua portuguesa - a qual não é a língua oficial do seu país de origem - e já possui uma real e convincente ligação à comunidade portuguesa, pois desloca-se com regularidade a Portugal, onde tem amigos, convive com a comunidade portuguesa na Suíça, conhece os usos e costumes portugueses e diversas regiões de Portugal, já tendo adoptado alguns costumes nacionais e está atenta à realidade portuguesa.
Quanto à circunstância da ré residir na Suíça, cumpre salientar que a ligação à comunidade portuguesa não tem necessariamente que ver com o território português. De facto, e conforme se afirmou no Ac. do STJ de 7.3.2002, proc. n.º 02B3582, “Bem, está-se em crer, por fim, não pode a diáspora clássica dos nossos concidadãos servir, a um tempo, de fonte de remessas de divisas, e, a outro, de motivo de exclusão da comunidade nacional da família que os emigrantes lá por longe constituam, sendo de entender essa comunidade no seu mais amplo sentido - como, tradicionalmente, pelo mundo em pedaços repartida. Sem dificuldade se compreende ter-se já entendido neste Tribunal que, reportada, embora, na sua expressão literal, à comunidade nacional, a ligação efectiva exigida pela lei não tem necessariamente que ver com o território português, podendo referir-se a uma das comunidades portuguesas no estrangeiro (acórdão de 17/2/98, BMJ 474/426-II e III); ou tal assim, ao menos, enquanto indício de efectiva ligação à comunidade nacional em sentido mais estrito (citado aresto de 2/3/99, BMJ 485/366).” (sublinhado nosso).
Verifica-se, assim, que a ré, apesar de oriundo de sociedade cultural e socialmente distinta da sociedade portuguesa, conseguiu aproximar-se voluntariamente à comunidade portuguesa, tendo já uma ligação efectiva à mesma.
Como se concluiu no Ac. da Rel. de Lisboa de 16.10.2003, proc. n.º 4728/2003-6,
cuja doutrina tem plena aplicação na situação em análise, poder-se-á dizer que a ré “Certamente que não possuirá ainda um conhecimento profundo do nosso país (...), ou ainda da cultura, dos costumes e das tradições de Portugal, mas também não parece que se deva exigir conhecimento de tal natureza para que lhe possa ser concedida a nacionalidade. O certo é que, tanto quanto se deduz do que acima se deixou mencionado, (...) possui já conhecimentos bastantes (...) do nosso país e dos nossos costumes e encontra-se integrada na comunidade portuguesa de (...), pelo que só se pode inferir que está no caminho que lhe vai facultar uma plena ligação à comunidade portuguesa, o que aconselha a que desde já lhe seja concedida a nacionalidade portuguesa.” - também, neste sentido, Ac. da Rei de Lisboa de 4.12.2003, proc. n.º 8112/2003-6.
Pelo exposto, a presente oposição terá de improceder.»
Em nosso entender, o assim decidido não merece censura, sendo de manter.
Efectivamente, no caso concreto, consideramos que, face aos factos dado como provados, foi demonstrada uma efectiva ligação à comunidade nacional, pese embora o facto de a Recorrida residir com o seu pai e madrasta na Suiça (cfr. nºs 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15 do probatório).
Tal prova, por se tratar de uma acção de simples apreciação negativa, competiria à Recorrida, sendo feita através de factos próprios do interessado, que é quem invoca o direito à nacionalidade portuguesa.
Na presente acção, a Recorrida nada invocou, até porque não apresentou contestação.
No entanto, essa prova foi feita através dos documentos juntos pelo próprio Autor, os quais permitiram considerar provados factos dos quais se retira a existência de uma efectiva ligação à comunidade nacional.
Improcedem, consequentemente, as conclusões do Recorrente.

Pelo exposto, acordam em:
a) – negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida;
b) – sem custas.

Lisboa, 28 de Junho de 2012
Teresa de Sousa
Benjamim Barbosa
Sofia David