Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:245/23.5 BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:02/15/2024
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:RAOEF
HIPOTECA VOLUNTÁRIA
CANCELAMENTO
IDONEIDADE DA GARANTIA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I - Perante um pedido de suspensão da execução fiscal, cabia à AT apreciar se os pressupostos para tal estavam verificados: de um lado, a pendência de um processo judicial, como a oposição à execução, e de outro a circunstância de ter sido oferecida garantia idónea para tal.

II - No caso, foi oferecida hipoteca voluntária constituída por terceiro para garantia da dívida exequenda e acrescido.

III - Por razões que se prenderam com a circunstância de não constar da matriz qualquer imóvel em nome da E… (terceiro), a garantia nunca foi aceite, o que, aliás, levou a que o pedido de suspensão do processo executivo tivesse sido indeferido por despacho do Chefe do Serviço de Finanças.

IV - Se assim é, ou seja, se a AT não avaliou a idoneidade da garantia (e se a não aceitou) e escusou-se a suspender a execução fiscal, o que deveria ter feito era ter prosseguido com a execução fiscal, notificando o Executado para oferecer outra garantia (idónea) ou penhorando bens do mesmo.

V – Não é aceitável, neste contexto que a AT recuse a garantia para efeitos de suspensão do PEF, por entender que a sua idoneidade está comprometida pela falta de averbamento matricial dos imóveis em nome do terceiro/garante e, concomitantemente, extinta a oposição e mantendo-se o processo executivo, lhe sirva a garantia para pagamento da dívida exequenda.

VI - Tem a Executada direito a ver satisfeito o seu pedido de levantamento das hipotecas voluntárias constituídas a favor da AT, com vista à suspensão do PEF nº 2…, pretendendo, para tanto, obter “a emissão da competente certidão para efeitos de cancelamento dos respetivos registos junto da competente Conservatória do Registo Predial”.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

F ……………….. – UNIPESSOAL, LDA., com os demais sinais nos autos, interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida em 23/11/23, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Funchal que julgou improcedente a reclamação judicial, por si intentada, ao abrigo do artigo 276º do CPPT, contra o despacho da Chefe de Serviços de Finanças do Funchal-1, de 01/08/23, proferido no âmbito do processo de execução fiscal nº ……………..364, que lhe indeferiu o pedido de levantamento das hipotecas voluntárias constituídas por terceiro (E................ – Unipessoal, Lda), bem como a emissão de certidão para efeitos de cancelamento dos registos hipotecários.

Nas suas alegações, o recorrente formula as seguintes conclusões:


«I.
Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos que julgou improcedente a reclamação dos atos praticados pelo órgão de execução fiscal.

II.
Para tal, a decisão em mérito considerou:
“Ora, da conjugação destes normativos, resulta que é forçoso começar por clarificar uma aparente confusão em que incorre a Reclamante: com efeito, uma coisa é a constituição de garantias, outra a suspensão do processo de execução fiscal.
Isto é, nos termos legais, o Serviço de Finanças só pode determinar a suspensão do processo de execução fiscal quando as garantias prestadas assegurem a cobrança, em caso de necessidade, e pela via coerciva, da totalidade da dívida e acrescidos.
Enquanto tal não estiver garantido, não pode o Serviço de Finanças determinar a suspensão do processo de execução fiscal, independentemente de, como sucedeu no caso concreto, existirem já várias hipotecas voluntárias constituídas.
Por outro lado, também resulta da conjugação dos normativos supra transcritos que o Serviço de Finanças só pode proceder ao levantamento (ou redução) das garantias prestadas quando houver uma anulação ou pagamento que tornem a garantia prestada desproporcional face ao valor ainda em dívida (ou não existir dívida), ou quando tiver sido proferida decisão transitada em julgado favorável ao contribuinte garantido.
Ora, resultando dos autos que não houve nem uma decisão favorável, nem anulação da dívida, nem pagamento da mesma, sempre estaria condenada ao insucesso a tentativa da Reclamante de ver o Serviço de Finanças proceder ao levantamento das garantias prestadas.
Precisamente por tal pedido ser destituído de fundamento legal.
Termos em que não pode deixar de improceder a presente questão, e com ela a reclamação, como disso se dará nota em sede de dispositivo.”

III.
Salvo o devido respeito, que se diga, é todo, não se pode a Recorrente conformar com o entendimento vertido na douta sentença por a mesma fazer uma incorreta interpretação do elenco normativo integrado pelas disposições dos artigos 52.º, nº 8 da LGT, artigo 169.º, nº 7, artigo 183.º, nº 2 e artigo 176.º do CPPT.

Senão vejamos,


IV.
Em causa nos autos está a reclamação apresentada pela Recorrente contra o ato de indeferimento do levantamento das garantias constituídas no processo de execução fiscal nº …………………..364.

V.
Contra a Reclamante foi instaurado o processo de execução fiscal mencionados em epígrafe decorrente da falta de pagamento do IRC do ano de 2017.

VI.
Citado para os referidos processos, veio a Reclamante deduzir oposição à execução fiscal.

VII.
Por forma a suspender as diligências executivas, a Reclamante, através de Terceiro –sociedade comercial E................ – UNIPESSOAL, LDA., pessoa coletiva nº………..., procedeu à constituição de hipotecas voluntárias sobre os seguintes prédios:
- fração autónoma designada pela letra “……”, garagem dois, na sexta cave; fração autónoma designada pela letra “……”, garagem 15, na sexta cave; fração autónoma designada pela letra “…….”, garagem dezanove, na sexta cave; fração autónoma designada pela letra “…..”, garagem vinte e um, na sexta cave; fração autónoma designada pelas letras “………”, garagem vinte e quatro, na sexta cave; fração autónoma designada pelas letras “………”, garagem trinta e um, na sexta cave; fração autónoma designada pelas letras “……..”, garagem quarenta, na quinta cave - todas as fazem parte integrante do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Tapada ……….., Rua ……………, nºs 35 e 37 e Rua …………….., nºs 10, 10 A, 10 B, 12, 12 A, 12 B e 12 C, freguesia …….. – ……………, concelho de Sintra, descrito na conservatória do registo predial sob o número mil setecentos e cinco/Algueirão ………….. e inscrito na matriz predial urbana respetiva sob o artigo ……..

Garantias estas que nunca mereceram despacho de admissão por parte da Fazenda Pública.


VIII.
Na verdade, apesar das hipotecas voluntárias constituídas a favor da AT se encontrarem devidamente registadas – conforme descrições prediais dos prédios juntas aos autos, a Fazenda Pública escusou-se a apreciar as garantias constituídas por as mesmas não se encontrarem averbadas na matriz em nome da proprietária – E................ – Unipessoal, Lda.

IX.
Ou seja, sobre as garantias constituídas nunca existiu por parte da Administração qualquer decisão definitiva sobre as mesmas.

X.
A Recorrente não confunde conceitos.

XI.
A Recorrente tem conhecimento que a constituição de garantia e a suspensão do processo de execução fiscal constituem dimensões distintas.

XII.
Porém, não ignora que apesar de distintas, tais dimensões convergem entre si na medida em que, uma vez prestada garantia idónea como foi o caso, o processo de execução fiscal tem obrigatoriamente de ser suspenso.

XIII.
No caso, o Serviço de Finanças do Funchal 1 não apenas não suspendeu o processo de execução fiscal, como nem sequer admitiu as garantias prestadas pela Recorrente, uma vez que nem sequer chegou a apreciar a sua idoneidade.

XIV.
Ora, o nó górdio dos presentes autos resulta precisamente no facto do Serviço de Finanças do Funchal 1 não ter apreciado e, por conseguinte, admitido as garantias prestadas pela Recorrente e, ainda assim, obstar ao levantamento das mesmas.

XV.
Tal objeção só tem uma razão de ser – o de aproveitar tais garantias (que se mostram constituídas a favor da Fazenda Pública) para através delas proceder à cobrança coerciva da quantia exequenda.

XVI.
O que, salvo o devido respeito, é, para dizer pouco, totalmente ilegal.

XVII.
Com efeito, se as garantias prestadas pela Recorrente não têm a virtualidade de suspender o processo de execução fiscal, até porque as garantias prestadas não foram alvo de avaliação/aceitação, por maioria de razão, não tem a virtualidade para serem executadas por via da cobrança coerciva do tributo subjacente aos autos.

XVIII.
Em decorrência do exposto, resulta para nós manifesto que tais garantias têm impreterivelmente de ser levantadas e, por conseguinte, emitida a competente certidão para efeitos de cancelamento do registo junto da conservatória do registo predial.

TERMOS EM QUE,
Concedendo provimento ao recurso e revogando a douta sentença recorrida, farão Vossas Excelências a acostumada,

JUSTIÇA!»

*


Não há registo de contra-alegações.

*


O Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste TCA Sul emitiu pronúncia no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

«Em face da prova carreada para os autos, o Tribunal julga provados os seguintes factos:

1. Pelo Serviço de Finanças do Funchal 1 foi instaurado contra a Reclamante o processo de execução fiscal n.º …………………364, relativo ao IRC do exercício de 2017 (cfr. processo de execução fiscal em suporte virtual);

2. A Reclamante deduziu então oposição à execução fiscal (cfr. no SITAF o processo nº425/18.5BEFUN);

3. A sociedade E................ – Unipessoal, Lda. constituiu então, no âmbito daquele processo de execução fiscal, hipoteca voluntária sobre um conjunto de prédios (cfr. processo de execução fiscal em suporte virtual, nomeadamente fls. 5 a 8, 43 a 63 e 151 a 175);

4. O Serviço de Finanças nunca determinou a suspensão do processo de execução fiscal como base nas hipotecas voluntárias constituídas, porque quer na escritura de constituição da hipoteca, quer ao nível da identificação do proprietário na matriz, tais prédios não eram identificados como pertencendo à E................ – Unipessoal, Lda. (cfr. processo de execução fiscal em suporte virtual, nomeadamente 64 a 87);

5. A aqui Reclamante desistiu do pedido na oposição que correu termos neste Tribunal sob o n.º 425/18.5BEFUN (cfr. no SITAF o processo nº 425/18.5BEFUN);

6. O processo de execução fiscal n.º ……………..364, onde foi deduzida a oposição, continua ativo, sem que tenha sido efetuado qualquer pagamento ou anulada a dívida (cfr. processo de execução fiscal em suporte virtual);

7. A 24/07/2023, a Reclamante requereu junto do Serviço de Finanças o levantamento das hipotecas voluntárias e a emissão de certidão para efeito de cancelamento das hipotecas constituídas junto da Conservatória do Registo Predial (cfr. processo de execução fiscal, em suporte virtual, nomeadamente fls. 180 a 208);

8. Notificada do despacho da Sra. Chefe do Serviço de Finanças que indeferiu o requerimento por si apresentado, veio a Reclamante apresentar a presente reclamação (cfr. teor da p.i. de reclamação e processo de execução fiscal em suporte virtual, nomeadamente fls. 236 a 242).


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Factos não provados:

Inexistem factos não provados com relevo para a decisão da causa.


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Motivação:

A convicção do Tribunal assentou na apreciação crítica dos documentos autênticos e particulares juntos, os quais não foram impugnados, conforme referenciado em cada alínea do probatório, tudo fundamentado no n.º 2 do art.º 34.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e no n.º 1 dos art.ºs 369.º, 370.º e 371.º, todos do Código Civil (documentos produzidos pela Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira) e no n.º 1 dos art.ºs 373.º, 374.º e 376.º, todos também do Código Civil (documentos particulares).»


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Ao abrigo do artigo 662º do CPC, aditam-se ao probatório os seguintes factos que, revelando-se essenciais à boa decisão da causa, se mostram documentalmente provados nos autos:

9. Aquando da dedução da oposição à execução a que se reporta o número 2 supra, a Oponente, ora Recorrente, requereu a suspensão do processo de execução fiscal nº …………364, tendo, para tal, junto ao requerido a escritura de constituição de hipoteca voluntária a que se reporta o número 3 supra e, bem assim, a certidão permanente com o registo da hipoteca, Ap 858, de 2018/10/25, de sete frações, desta certidão constando o seguinte: “fundamento: pagamento da quantia exequenda, custas, acrescido de 25% no processo nº ……………364, instaurado no Serviço de Finanças do Funchal 1, em que é executada F……. ………………. Lda – NIPC …………” (cfr. cópia do PEF que pode ser consultado no SITAF, a páginas 127 e ss).

10. Em 20/11/18, o SF do Funchal 1 remeteu ofício ao Senhor Mandatário da ora Recorrente no qual comunicava, além do mais, o seguinte: “De modo a analisar a idoneidade das garantias, solicita-se que promova, no prazo de 10 dias, o averbamento matricial das referidas fracções a favor da E................ – Unipessoal, Lda”. (cfr. cópia do PEF que pode ser consultado no SITAF, a páginas 127 e ss).

11. Em resposta ao ofício precedente, a Reclamante esclareceu que já havia requerido o respetivo averbamento, reiterando o pedido de análise da idoneidade da garantia e de suspensão da execução fiscal (cfr. cópia do PEF que pode ser consultado no SITAF, a páginas 127 e ss).

12. Em resposta ao requerimento mencionado em 11, o SF, em 14/01/19, produziu a seguinte informação que, na parte relevante de reproduz:

“(…)

Através da consulta ao sistema informático da AT verifica-se, na presente data, que continua a não constar da matriz qualquer imóvel em nome da E................ – Unipessoal, Lda, pelo que sou de parecer que deverá ser indeferido o pedido de suspensão do processo de execução fiscal nº …………….364” (cfr. cópia do PEF que pode ser consultado no SITAF, a páginas 127 e ss).

13. Em 14/01/19, a Chefe de Finanças proferiu, sobre a informação transcrita no ponto antecedente, o seguinte despacho:

“Considerando a informação que antecede, com a qual concordo e que reproduzo na integra, INDEFIRO o pedido de suspensão do processo de execução fiscal nº …………..364” (cfr. cópia do PEF que pode ser consultado no SITAF, a páginas 127 e ss).

14. Tal despacho foi notificado à ora Recorrente, com expressa menção à possibilidade de reclamar do mesmo, ao abrigo do artigo 276º do CPPT (cfr. cópia do PEF que pode ser consultado no SITAF, a páginas 127 e ss).

15. Em 22/01/19, o Recorrente endereçou comunicação eletrónica ao Serviço de Finanças dizendo juntar aos autos os “elementos destinados ao averbamento dos prédios dados em garantia pela sociedade E................, na matriz respetiva” (cfr. cópia do PEF que pode ser consultado no SITAF, a páginas 127 e ss).

16. Em 23/01/19, o SF endereçou comunicação eletrónica ao Mandatário da Recorrente dizendo que “não procederá ao averbamento desejado em virtude de a empresa beneficiária – E................ (…) – não ter aceite a prestação acessória. Quem aceita a prestação acessória é a sociedade “A …………….. Unipessoal Lda”. Pelo exposto, mantém-se o indeferimento do pedido de suspensão do processo de execução fiscal nº …………….364” (cfr. cópia do PEF que pode ser consultado no SITAF, a páginas 127 e ss).

17. Em 23/01/19, o Recorrente endereçou comunicação eletrónica ao Serviço de Finanças dizendo que efetivamente, por lapso de escrita, consta da escritura como empresa beneficiária a A………….. Unipessoal Lda, lapso que iria providenciar junto do notário para que fosse corrigido. Em tal comunicação reiterou o averbamento matricial e suspensão da execução fiscal (cfr. cópia do PEF que pode ser consultado no SITAF, a páginas 127 e ss).


*

- De Direito

Com vista à análise do recurso jurisdicional que nos vem dirigido, é importante que tenhamos presentes os desenvolvimentos que teve o processo de execução fiscal nº ……………..364, no qual foi proferido o despacho reclamado. Foi, aliás, com vista ao esclarecimento de todas as ocorrências verificadas que procedemos ao aditamento à matéria de facto, ao abrigo do artigo 662º do CPC.

Recordemos que o ato reclamado consiste no indeferimento do pedido de levantamento das hipotecas voluntárias constituídas a favor da AT, com vista à suspensão do PEF nº …………….364. Nesse âmbito, a Executada, Reclamante e aqui Recorrente, pediu “a emissão da competente certidão para efeitos de cancelamento dos respetivos registos junto da competente Conservatória do Registo Predial”.

O órgão da execução fiscal, como se constata, indeferiu tal pretensão, defendendo que o processo de execução não se mostra extinto, pelo que “não seriam levantadas as hipotecas voluntárias, nem seria emitida qualquer certidão para efeitos de cancelamento dos respetivos registos” junto da CRP. Mais referiu a Exequente que “nunca disse que não aceitava as garantias, limitando-se a aguardar que fossem retificados alguns lapsos para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal”.

O TAF do Funchal, chamado a apreciar a (i)legalidade de tal despacho, face à discordância da Recorrente expressa na reclamação apresentada, veio a julgar a mesma improcedente e, como tal, confirmou a validade do despacho contestado.

Importa, desde já, que deixemos devida nota do discurso argumentativo adotado pelo Mmo. Juiz na sentença objeto deste recurso jurisdicional. Aí se escreveu:

“(…)

Do levantamento da garantia prestada sob a forma de constituição de hipoteca voluntária

Peticiona a Reclamante o levantamento das hipotecas voluntárias constituídas em seu favor pela sociedade E................ – Unipessoal, Lda..

Mas, adiante-se desde já, sem razão.

Vejamos porquê.

Dispõe o n.º 8 do art.º 52.º da Lei Geral Tributária:

“A garantia só pode ser reduzida após a sua prestação nos casos de anulação parcial da dívida exequenda, pagamento parcial da dívida no âmbito de regime prestacional legalmente autorizado ou se se verificar, posteriormente, qualquer das circunstâncias referidas no n.º 4 (normativo que alude aos pressupostos da dispensa de prestação de garantia)”.

Por sua vez, o n.º 7 do art.º 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário estatui que “Se não houver garantia constituída ou prestada, nem penhora, ou os bens penhorados não garantirem a dívida exequenda e acrescido, é disponibilizado no portal das finanças na Internet, mediante acesso restrito ao executado, ou através do órgão da execução fiscal, a informação relativa aos montantes da dívida exequenda e acrescido, bem como da garantia a prestar, apenas se suspendendo a execução quando da sua efectiva prestação”.

Já o n.º 2 do art.º 183.º do mesmo compêndio legal prescreve que “A garantia poderá ser levantada oficiosamente ou a requerimento de quem a haja prestado, logo que no processo que a determinou tenha transitado em julgado decisão favorável ao garantido ou haja pagamento da dívida”.

Finalmente, o artigo 176.º, ainda do mesmo diploma, aponta que “1 - O processo de execução fiscal extingue-se: a) Por pagamento da quantia exequenda e do acrescido; b) Por anulação da dívida ou do processo; c) Por qualquer outra forma prevista na lei.”

Ora, da conjugação destes normativos, resulta que é forçoso começar por clarificar uma aparente confusão em que incorre a Reclamante: com efeito, uma coisa é a constituição de garantias, outra a suspensão do processo de execução fiscal.

Isto é, nos termos legais, o Serviço de Finanças só pode determinar a suspensão do processo de execução fiscal quando as garantias prestadas assegurem a cobrança, em caso de necessidade, e pela via coerciva, da totalidade da dívida e acrescidos.

Enquanto tal não estiver garantido, não pode o Serviço de Finanças determinar a suspensão do processo de execução fiscal, independentemente de, como sucedeu no caso concreto, existirem já várias hipotecas voluntárias constituídas.

Por outro lado, também resulta da conjugação dos normativos supra transcritos que o Serviço de Finanças só pode proceder ao levantamento (ou redução) das garantias prestadas quando houver uma anulação ou pagamento que tornem a garantia prestada desproporcional face ao valor ainda em dívida (ou não existir dívida), ou quando tiver sido proferida decisão transitada em julgado favorável ao contribuinte garantido.

Ora, resultando dos autos que não houve nem uma decisão favorável, nem anulação da dívida, nem pagamento da mesma, sempre estaria condenada ao insucesso a tentativa da Reclamante de ver o Serviço de Finanças proceder ao levantamento das garantias prestadas.

Precisamente por tal pedido ser destituído de fundamento legal”.

A Recorrente discorda do assim decidido, defendendo, no essencial, que sentença faz uma incorreta interpretação dos artigos 52.º, nº 8 da LGT, artigo 169.º, nº 7, artigo 183.º, nº 2 e artigo 176.º do CPPT. Com efeito, evidencia a Recorrente que, apesar das hipotecas voluntárias constituídas a favor da AT se encontrarem devidamente registadas, o SF escusou-se a apreciar as garantias constituídas por as mesmas não se encontrarem averbadas na matriz em nome da proprietária – E................ – Unipessoal, Lda, pelo que sobre as mesmas nunca existiu qualquer decisão definitiva. De resto, se a garantia prestada tivesse sido considerada idónea, o processo executivo teria sido suspenso, o que nunca aconteceu. Assim sendo, reputa a Recorrente como inaceitável que o Serviço de Finanças do Funchal 1 não tenha apreciado e admitido a garantia prestada e, ainda assim, obste ao levantamento das mesmas. Em suma, para a Recorrente “se as garantias prestadas pela Recorrente não têm a virtualidade de suspender o processo de execução fiscal, até porque as garantias prestadas não foram alvo de avaliação/aceitação, por maioria de razão, não tem a virtualidade para serem executadas por via da cobrança coerciva do tributo subjacente aos autos”.

Vejamos, então, o que se nos oferece dizer a este propósito.

Nos termos do artigo 169º, nº1 do CPPT, “a execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objeto a legalidade da dívida exequenda, (…), desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que deve ser informado no processo pelo funcionário competente”.

Trata-se de normativo aplicável em caso de oposição à execução fiscal, como não oferece dúvidas e consta do mesmo preceito legal.

Por seu turno, dispunha o artigo 199º do CPPT, à data em que foi oferecida a garantia, que:

“1 - Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.

2 - A garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações.

(…)

5 - No caso de a garantia apresentada se tornar insuficiente, a mesma deve ser reforçada nos termos das normas previstas neste artigo.

6 - A garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo de pagamento voluntário ou à data do pedido, quando posterior, com o limite de cinco anos, e custas na totalidade, acrescida de 25 % da soma daqueles valores, sem prejuízo do disposto no n.º 13 do artigo 169.º.

7 - As garantias referidas no n.º 1 serão constituídas para cobrir todo o período de tempo que foi concedido para efectuar o pagamento, acrescido de três meses, e serão apresentadas no prazo de 15 dias a contar da notificação que autorizar as prestações, salvo no caso de garantia que pela sua natureza justifique a ampliação do prazo até 30 dias, prorrogáveis por mais 30, em caso de circunstâncias excepcionais.

8 - A falta de prestação de garantia idónea dentro do prazo referido no número anterior, ou a inexistência de autorização para dispensa da mesma, no mesmo prazo, origina a prossecução dos termos normais do processo de execução, nomeadamente para penhora dos bens ou direitos considerados suficientes, nos termos e para os efeitos do n.º 4.

9 - É competente para apreciar as garantias a prestar nos termos do presente artigo a entidade competente para autorizar o pagamento em prestações.

10 - Em caso de diminuição significativa do valor dos bens que constituem a garantia, o órgão da execução fiscal ordena ao executado que a reforce ou preste nova garantia idónea no prazo de 15 dias, com a cominação prevista no n.º 8 deste artigo.

(…)”.

Ora, e para já, diremos que, perante um pedido de suspensão da execução fiscal, cabia à AT apreciar se os pressupostos para tal estavam verificados: de um lado, a pendência de um processo judicial, como a oposição à execução, e de outro a circunstância de ter sido oferecida garantia idónea para tal.

No caso, foi oferecida hipoteca voluntária constituída por terceiro para garantia da dívida exequenda e acrescido, garantia esta que, como se sabe, se consubstancia na prestação de uma garantia especial daquela obrigação, conferindo ao credor o direito de pagar-se pelo valor dos imóveis hipotecados com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo (artigo 686.º, n.º 1 do Código Civil).

Sucede que, como resulta do circunstancialismo de facto provado, por razões que se prenderam com a circunstância de não constar da matriz qualquer imóvel em nome da E................ – Unipessoal, Lda (terceiro), a garantia nunca foi aceite, o que, aliás, levou a que o pedido de suspensão do processo executivo tivesse sido indeferido por despacho do Chefe do Serviço de Finanças.

É verdade, e não se desconsidera, que o órgão da execução fiscal vem defender que “nunca disse que não aceitava as garantias, limitando-se a aguardar que fossem retificados alguns lapsos para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal”. Porém, e salvo o devido respeito, isso não corresponde à realidade que os autos revelam.

Com efeito, e como claramente consta dos factos provados, o órgão da execução fiscal fez notar, no âmbito da análise do pedido de suspensão da execução com prestação de garantia, que “De modo a analisar a idoneidade das garantias, solicita-se que promova, no prazo de 10 dias, o averbamento matricial das referidas fracções a favor da E................ – Unipessoal, Lda”. Mais, aliás. Foi por não terem sido sanada a apontada irregularidade – “continua a não constar da matriz qualquer imóvel em nome da E................” - que a suspensão da execução fiscal foi indeferida.

Note-se que, nos termos da lei, a garantia idónea poderia consistir, a requerimento do executado, como sucedeu, e mediante concordância da administração tributária, em hipoteca voluntária (199º, nº2 do CPPT). Ora, esta concordância nunca teve lugar.

Portanto, é para nós claro que, contrariamente ao afirmado pela AT e pressuposto pelo TAF recorrido, a hipoteca voluntária em causa jamais foi aceite e por isso – repete-se – não foi deferida a requerida suspensão do PEF.

Se assim é, ou seja, se a AT não avaliou a idoneidade da garantia (e se a não aceitou) e escusou-se a suspender a execução fiscal, o que deveria ter feito era ter prosseguido com a execução fiscal, notificando o Executado para oferecer outra garantia (idónea) ou penhorando bens do mesmo. Nada disso foi feito, porém.

Temos, assim, como os autos evidenciam, que o processo de execução fiscal não se mostra garantido e que a oposição à execução fiscal se mostra extinta (por desistência). Temos, por outro lado, uma execução fiscal que não está extinta.

É neste contexto que o órgão da execução fiscal se recusa a, conforme solicitado, deferir do pedido de levantamento das hipotecas voluntárias constituídas a favor da AT, com vista à suspensão do PEF nº ……………….364. Lembre-se que a Recorrente, havia pedido “a emissão da competente certidão para efeitos de cancelamento dos respetivos registos junto da competente Conservatória do Registo Predial”. Tal indeferimento assentou na consideração de que o processo de execução não se mostra extinto, pelo que “não seriam levantadas as hipotecas voluntárias, nem seria emitida qualquer certidão para efeitos de cancelamento dos respetivos registos” junto da CRP. Mais referiu a Exequente que “nunca disse que não aceitava as garantias, limitando-se a aguardar que fossem retificados alguns lapsos para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal”.

Esta atuação, por banda da AT, não é aceitável e, salvo o devido respeito, não encontra o menor respaldo na lei.

Com efeito, e em linguagem muito simples (quase coloquial, diríamos), o que o órgão da execução fiscal revela com o indeferimento do pedido feito pela Reclamante (e com a motivação usada) é que pretende “o melhor dos dois mundos”: recusa a garantia para efeitos de suspensão do PEF, por entender que a sua idoneidade está comprometida pela falta de averbamento matricial dos imóveis em nome do terceiro/garante mas, por outro lado, extinta a oposição e mantendo-se o processo executivo, já a garantia serviria para pagamento da dívida exequenda. Esta atuação, como já deixámos dito, não é aceitável e a lei não lhe dá cobertura legal.

Este Tribunal não desconsidera o quadro normativo elencado pela sentença recorrida, em particular o nº 8 do art.º 52.º da LGT (“A garantia só pode ser reduzida após a sua prestação nos casos de anulação parcial da dívida exequenda, pagamento parcial da dívida no âmbito de regime prestacional legalmente autorizado ou se se verificar, posteriormente, qualquer das circunstâncias referidas no n.º 4”) e, bem assim, o nº 2 do art.º 183.º do CPPT (“A garantia poderá ser levantada oficiosamente ou a requerimento de quem a haja prestado, logo que no processo que a determinou tenha transitado em julgado decisão favorável ao garantido ou haja pagamento da dívida”). Sucede, contudo, que tais preceitos não podem ser chamados a resolver o diferendo que opõe a Reclamante à AT e isto é assim por uma única e simples razão: é que a garantia em causa, a hipoteca voluntária, jamais foi aceite, por não ter sido definitivamente avaliada a sua idoneidade.

Assim, não faz sentido esgrimir argumentos sobre o levantamento da garantia em caso de anulação ou pagamento da dívida, já que não é disso que se trata aqui.

Com tudo isto, e encaminhando-nos para o final, está bom de ver que a sentença do TAF do Funchal não pode manter-se, pois incorreu em erro de julgamento de direito, nos termos apontados. Em conformidade com o nosso entendimento, a sentença será revogada.

Diferentemente, e pelas razões que também fomos expondo, a conclusão a retirar não pode deixar de ser no sentido de julgar procedente a reclamação apresentada pela ora Recorrente, ao abrigo do artigo 276º do CPPT, com isso se determinando a anulação do despacho de indeferimento que vinha sindicado.

Com efeito, pelas razões expostas, tem a Executada direito a ver satisfeito o seu pedido de levantamento das hipotecas voluntárias constituídas a favor da AT, com vista à suspensão do PEF nº ………………364, pretendendo, para tanto, obter “a emissão da competente certidão para efeitos de cancelamento dos respetivos registos junto da competente Conservatória do Registo Predial”.

Termos em que, sem necessidade de mais nos alongarmos, concluímos pela ilegalidade e, como tal, pela anulação do despacho reclamado.


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III - Decisão




Termos em que acordam os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em:


- conceder provimento ao recurso;


- revogar a sentença recorrida e,


- julgando procedente a reclamação, anular o despacho reclamado.


Custas pela Recorrida.

Registe e Notifique.

Lisboa, 15/02/24


Catarina Almeida e Sousa

Isabel Fernandes


Hélia Gameiro Silva