Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:331/14.2BECTB
Secção:CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
Data do Acordão:11/08/2018
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:CONCURSO PÚBLICO DO IMT (INSPECÇÕES DE VEÍCULOS) ABERTO NOS TERMOS DA LEI N.º11/2011, DE 26/4, COM A REDACÇÃO DADA PELO DECRETO-LEI N.º 26/2013, DE 19/2
DESVIO DE PODER
Sumário:I) - No caso do vício de desvio de poder, o fim a atingir pelo acto administrativo só pode descortinar-se através dos motivos reveladores no processo gracioso ou expressos na fundamentação. Isto não quer dizer que fim e motivos se identifiquem, pois o fim diz-nos para que se decidiu e os motivos justificam por que se decidiu. Deste modo, mesmo nos actos vinculados o conhecimento dos motivos tem a maior importância para se poder verificar se foi observada a lei na aplicação dos factos.

II) - Dir-se-á, por isso, que a resolução administrativa tomada discricionariamente, em desconformidade com os fins previstos na lei conduzirá ao desvio de poder e portanto ficaria reduzido o campo de aplicação deste princípio da imparcialidade.

III) - Todavia, o particular que quiser ver anulado o acto por desvio de poder terá que revelar uma actuação da Administração motivada por interesses contrários aos interesses públicos em atenção aos quais a lei concedeu o poder discricionário.
E mais: tem que conseguir provar que esses interesses foram determinantes, pesaram decisivamente na decisão.

IV) - E para imputar ao acto administrativo o vício de violação do princípio da imparcialidade, bastar-lhe-á demonstrar que o órgão administrativo agiu motivado por razões alheias ao interesse público legalmente protegido (nesta acepção, a invalidade resultará da prova de que na ponderação feita pela Administração houve nela influência de um interesse ilegal; o particular não tem que provar que esse interesse tenha sido determinante) ou, simplesmente que o órgão não tenha valorado o interesse juridicamente protegido.

V) - Este princípio comporta, pois, o corolário da proibição de favoritismos ou perseguições. E pode ter-se por violado o princípio da imparcialidade se se provou um comportamento dual em relação à recorrente e ao recorrido particular, manifestando-se, desse modo, um critério não uniforme na prossecução de interesse público.

VI) - Pode não existir erro quanto ao fim em atenção ao qual a lei concede o poder discricionário e, ainda assim, o acto recorrido padecer de vício de desvio de poder, desta feita doloso, por a entidade decidente ter exercido o poder discricionário sem ter tido exclusivamente em atenção o fim de interesse público em atenção ao qual esse mesmo poder foi concedido.

VII) - O conceito jurídico indeterminado – interesse público -,reporta-se a um verdadeiro poder discricionário, que é apenas sindicável nos seus aspectos vinculados, designadamente os relativos à competência, à forma, à realidade ou exactidão dos factos representados pela Administração, ao fim prosseguido, e quanto aos “limites internos do exercício desse poder”, nomeadamente o respeito pelos princípios da igualdade e imparcialidade. A expressão, é muito pouco usada na Constituição, cuja evidência – intuitiva não facilita em muito a sua definição.

VIII) - O acto impugnado praticado pela Câmara Municipal padece do vício de desvio de poder, visto que o resultado final vai para além da expressão valorativa que decorre da apreciação das candidaturas do simples erro, e como a Recorrente prova, e demonstra, como lhe competia, que na fase da análise das candidaturas, ou seja, no momento da emissão das certidões (ou, melhor dizendo, da rejeição) a entidade demandada agiu de forma desconforme com o fim visado pela lei, fim esse, que se traduz na selecção do candidatado que melhor satisfaz o interesse público de realizar as inspecções periódicas obrigatórias de veículos, avaliado segundo os critérios elencados na lei.

IX) - No contexto precisado, pode afirmar-se que a entidade decidente exerceu o poder discricionário sem ter exclusivamente em atenção o fim de interesse público em atenção ao qual esse mesmo poder foi concedido, relativamente à matéria em apreço.

X) - Na verdade, na deliberação tomada, pode dizer-se que a entidade decidente não agiu com dolo pois, para que haja dolo, não basta que o agente tenha realizado o tipo de censura, que atinge os factos, com conhecimento e vontade – elemento intelectual e volitivo – mas é sempre necessário que tenha documentado na realização uma atitude pessoal de contrariedade ou indiferença ao direito - elemento emocional -, como é patente que sucedeu no caso concreto.

XI) - E, ainda que se pudesse reconhecer a inexistência “dolus malus”, não restam dúvidas de que querendo a entidade decidente directamente o facto ilícito também, no contexto precisado, pode afirmar-se que o previu como uma consequência necessária e segura, da sua conduta.

XII) - Deste modo, o acto recorrido enferma do vício de desvio de poder doloso por motivo de interesse público determinativo da declaração da sua nulidade.

XIII) - A essa luz, a decisão de exclusão da Autora pelo IMT tem de considerar-se inválida já que nela se repercutem as ilegalidades cometidas na deliberação adoptada antecedentemente pela Câmara Municipal e que serviu de fundamento no procedimento que correu termos no IMT.

XIV) – Sem embargo de o art. 72.° do Código dos Contratos Públicos (CCP) não ser aplicável ao procedimento concursal em causa nos autos -, que tem uma tramitação específica e obedece a uma norma especial, as ilegalidades cometidas na própria tramitação do procedimento de autorização escolhido, por exemplo, na decisão de exclusão de concorrente por reporte a um acto inválido cometido em procedimento distinto, constituem causas de invalidade própria da decisão.

XV) - Daí, pois, que sejam inválidos todos os actos procedimentais praticados pela entidade demandada a seguir à decisão de rejeição da certidão camarária que justificou exclusão da proposta da recorrente pelas razões abundantemente tratadas no ponto anterior desta fundamentação jurídica, importando por isso aquilatar das consequências dessas invalidades sobre o acto praticado pelo IMT, subsequentemente praticado e impugnado.

XVI) - A ilegalidade cometida na decisão tomada noutro procedimento e que influenciou determinantemente o procedimento empreendido pelo IMT repercute-se na decisão por este tomada e configura-se como causa de invalidade própria desta.

XVII) - A deliberação adoptada pelo órgão autárquico, constitui acto procedimental em que assenta a decisão de exclusão, trata-se de acto pré-procedimental pelo facto de estar inserido num procedimento e ordenado para a decisão do procedimento autorizativo aberto pelo IMT.

XVIII) - Mas é aqui aplicável o regime de invalidade consequente de actos procedimentais inválidos, determinando que são anuláveis (ou nulos) se tiverem sido anulados ou se forem anuláveis (ou declarados nulos) os actos procedimentais em que tenha assentado a sua realização.

XIX) - O carácter complexo do procedimento sindicado suscita um problema que não existe em procedimentos simples e que consiste em determinar o efeito ou consequência da invalidade (ou da invalidação) de um ato prévio sobre aquele.

XX) - A ideia de invalidade consequente pretende explicar que o acto final do IMT pode ver-se afectado por ilegalidades cometidas no procedimento anterior e supra- ordenador, o que, a verificar-se, tem o sentido de proteger a posição jurídica da entidade que reagiu judicialmente contra o acto anterior.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no 2º Juízo da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul

I – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional por ……......................................................, S.A., visando a alteração da sentença de 17-03-2016, que julga improcedente a acção, nos termos da qual foi julgada totalmente improcedente a acção administrativa especial que propôs contra o MUNICÍPIO DE ……........................... e o IMT- INSTITUTO DA MOBILIDADE E DOS TRANSPORTES, IP, indicando como contra-interessados ……......................................................, LDª, e ……......................................................, Ldª, m.id. nos autos e, em consequência, manteve na ordem jurídica os actos impugnados sendo o Réus absolvidos dos pedidos contra si formulados.

Nas suas alegações, formulou o Recorrente as seguintes conclusões:

“i) Vem o recurso interposto da sentença, de 17-03-2016, que julga improcedente a ação, designadamente na parte em que julga não provado que, "A Câmara de ……........................... condicionou o concurso identificado em 1) "; e ao invés, julga provado que “...os actos praticados pelo 2º Réu, o Município de ……........................... (...), são perfeitamente legais (...), e não padecem da violação de quaisquer normas legais.
ii) Dado por provado na sentença com relevância na apreciação do recurso, vem que, o concurso dos autos foi aberto pelo IMT; e tem a sua regulação na Lei 11/2011, de 26.4, na redação conferida pelo DL 26/2013, de 19.2. (matéria assente em 1)
iii) Entre os requisitos das candidaturas conta-se a apresentação de documento camarário positivo para a localização prevista [do «centro» a concurso]; cuja falta, nos termos da al. a) do nº 7 do art. 6º da Lei 11/2011, revela falta de condições de capacidade técnica...referidas no nº... 5 do art. 4º" (da mesma lei).
iv) Dado por provado na sentença (matéria assente em 4, e 8) vem que a candidatura a Autora no concurso dos autos foi "Rejeitada", por "...não ter sido apresentado documento camarário positivo para a localização prevista [do «centro» a concurso]; e, não ter sido entregue a Planta de Localização respetiva... (id. 5, e 7);
v) O que é havido como não demonstração de condições de capacidade técnica (nos termos da al. a) do nº 7 do art. 6° «ex vi» nº 5 do art. 4° da Lei nº 11/201 1, de 26.4);
vi) E parece apontar para facto da responsabilidade da A. - não é porém assim.
vii) Desde logo, as mencionadas condições de capacidade técnica ilustram-se mediante a apresentação de "...um projeto de centro de inspeção técnica de veículos [doravante apenas citv] donde constem as respetivas características técnicas, incluindo a LOCALIZAÇÃO e respetivos acessos, instalações, circulação e sinalização, equipamentos, organização, recursos humanos, e CERTIDÃO EMITIDA PELA CÂMARA MUNICIPAL comprovativa de que o LOCAL reúne as condições necessárias para instalação de um centro de inspeção (cfr. nº 5 do art. 4° da Lei nº 11/2011);
viii) O que significa que é a certidão camarária positiva que confere eficácia ao Projeto de CITV in totum» -ie, a «incluir» [planta de] LOCALIZAÇÃO, e o mais que a indicada norma exige, designadamente CERTIDÃO DA CÂMARA MUNICIPAL nos termos referidos - como, quando negada, torna aquele «projeto» ineficaz para o mencionado efeito;
ix) E que «o local» indicado na parte final da norma citada só pode ser entendido como o indicado pelo concorrente -sob pena de nenhum sentido fazer a certidão camarária exigida com o conteúdo da Lei;
x) O que significa que não cabia, como não cabe, nos poderes, ou na discricionariedade da CM….. deliberar, como sucedeu in casu, sobre que «local» certificaria para efeitos de localização do CITV a concurso - «in casu» apenas o lote nº 5 do parque industrial; e/ou os que não certificaria para o mencionado efeito – qualquer outra localização que não o indicado lote 5 do Parque industrial (vd.11 a 14 da matéria assente).
xi) Acresce que, como resulta da matéria provada na sentença,
10) A candidatura apresentada pela Autora...foi instruída com um perdido de emissão de certidão dirigido à CM….. ora 2° Réu, respeitante à viabilidade de instalação de um CITV num terreno sito na freguesia de Caria de sua propriedade;
11) Em 15 de Março de 2013, a CM de ……........................... deliberou não emitir aquela certidão...;
E isso pela expressa razão de que,
12) [Era] do interesse municipal que a atividade de inspeção técnica de automóveis fosse exercida no Loteamento do Parque Industrial (vd. documento transcrito em 11. A fls 6 da sentença) - e não noutro qualquer lugar.
xii) Da matéria assente citada, resulta que a falta da certidão na base da rejeição da candidatura do A foi afinal efeito da deliberação da CM….., de 15-3-2013, de recusar à Autora, (vd. 10, e 11 da matéria assente) - bem como a outros candidatos, (id. 13) - as certidões requeridas para instruir as suas candidaturas ao concurso dos autos, sempre que as mesmas não fossem localizadas no lote 5 do Parque industrial que aquela edilidade deliberara destinar para esse efeito (ib. 11 a 14).
xiii) A aceitar-se, como na sentença em recurso, a regularidade e o acerto da deliberação camarária referida em 11) da matéria provada, isso subverteria por completo os termos do concurso.
xiv) Pois, assente que se mostra que a CM..... disponibilizou, para todos os concorrente à instalação do CITV a concurso, somente o lote 5 do Parque Industrial, (vd. 12 da matéria provada, o resultado só pode ser o da completa inutilização do 2° critério de ordenação dos projetos a concurso, e que consta da al. b) do nº 5 do art. 6° da Lei 11/2011.
xv) Não se tratando de um concurso da iniciativa ou da responsabilidade do município de ……..........................., a respetiva Câmara não podia deliberar -como deliberou em 15.3.2013 - e impor como impôs (vd. 11 a 14 da matéria assente) - uma localização fixa (lote ... do Parque Industrial); quando isso é o oposto do critério prescrito na al. b) do nº 5 do art. 6° da Lei 11/2011 que consubstancia uma localização - variável - «menor distância do CITV já existente ou aprovado» em relação à localização de cada um dos projetos a concurso.
xvi) A substituição de critério fixado na lei, em que a localização variável é um fator de ordenação dos projetos a concurso (aliás, o 2º mais importante); por um outro deliberado pela CM..... em que essa localização passa a ser fixa - a do lote 5 do Parque Industrial, e que levará a que todos projetos se situem à mesma distância do CITV mais próximo já existente ou aprovado
xvii) Significa que o critério legal (al. b) do nº 5 do art. 6° da Lei 11/2011) perde aplicação prática na ordenação dos candidatos -pois a CM..... não certifica outra localização senão a que elegeu para o efeito, a recordar, o lote 5 do Parque industrial (vd. 12 da matéria assente);
xviii) Significa ainda, que a CM..... pré-decidiu, quem ia ao concurso do IMT, pois ao não certificar senão a localização que elegeu para o efeito - a recordar, o lote 5 do Parque industrial (vd. 12 da matéria assente) - provocou «ipso facto» a rejeição desses candidatos por falta da certidão que tinha de exarar;
xix) O que significa ainda, que o vencedor do concurso foi determinado por aplicação de apenas 2 dos 3 critérios fixados na lei.
xx) Termos em que, ao contrário de que conclui e decide a sentença em crise (máxime fls. 8, 12, e 13), deliberando o que deliberou em 15.3.2013, e agindo em conformidade com essa deliberação, a CM..... violou expressamente a Lei 11/2011, maxime a norma da al. b) do nº 5 o art. 6º da mesma, pois introduziu na ordenação dos candidatos um critério de ordenação contrário ao fixado naquela norma - como resulta da matéria assente em 10 a 14 - o que só por si condicionador do resultado do concurso, e determina a invalidade de tal decisão e das que, em cumprimento da mesma, se lhe seguiram.”
Nestes termos, no mais de direito, e com apelo ao douto suprimento de V. Exªs. Mmºs. Juízes Desembargadores, deve a decisão recorrida ser revogada, e substituída por outra que declare a invalidade da deliberação de 15.03.2013 da CM de ……..........................., por violação da Lei nº11/2011;
Como ainda, e por consequência, a invalidade da recusa da certificação de terreno requerida pela Autora (vd. 10 e 11 da matéria assente), com todos os devidos e legais efeitos.”

Houve contra-alegações em que o recorrido Município de ……........................... conclui:

“A. Por força do disposto no artigo 58.° n.° 2 do CPTA (na redacção vigente à data da propositura da acção), a impugnação da deliberação da Câmara Municipal de ……........................... de 15 de Março de 2013 já não era possível à data da propositura da presente acção. A presente acção é, assim, pelo menos quanto a essa deliberação, intempestiva, verificando-se circunstância que obsta ao conhecimento de mérito da pretensão formulada, o que, salvo o devido respeito, deve determinar a improcedência do recurso.
Sem prescindir.
B. Já em 2010, várias empresas haviam solicitado ao Município de ……........................... a cedência de um lote de terreno no Parque Industrial, para aí instalarem um centro de inspecção de veículos e na sequência dessas solicitações, a Câmara Municipal deliberou, no dia 11 de Junho de 2010, disponibilizar para esse efeito, pelo valor de €100.000 (cem mil euros), o lote n.º5 do Parque Industrial, à empresa que junto das entidades competentes para o licenciamento, viesse a demonstrar ter capacidade para instalar e explorar o referido equipamento. Mais deliberou dar conhecimento da decisão a todas as entidades que já haviam feito idêntico pedido, bem como a todas que o vissem a fazer.
C. Só em 2011, através da Lei n.º11/2011, de 6 de abril, entretanto alterada pelo Decreto-Lei n.º26/2013, de 19 de fevereiro, foram legalmente determinados os critérios de ordenação de candidaturas, ao nível concelhio, para a selecção de entidades para celebração do respectivo contrato de gestão.
D. Assim, quando deliberou aceitar a instalação do centro de inspecção de veículos apenas no Parque Industrial, o Município de ……........................... ignorava, em absoluto, quais os critérios de ordenação que viriam a constar do n.º5 do art. 6.º da Lei n.º11/2011, de 6 de abril.
E. Também em 2010, antes da publicação do referido diploma, concretamente a 26 de Julho, a contra interessada ..................................................................., Lda., requereu certidão a atestar a viabilidade de construção e exploração de um centro da inspeção técnica de veículos para o Parque Industrial, mas para o lote n.º41, que e a de sua propriedade desde 2006.
F. Não poderia obrigar a ..................................................................., Lda. a não utilizar o lote n.º….. do Parque Industrial, que já tinha na sua propriedade, repita-se, desde 2006! Isso sim, constituiria uma ofensa gratuita aos interesses particulares envolvidos, pois o Município não teria como fundamentar a recusa de instalação do centro de inspeção de veículos num terreno que cumpria todos os critérios que já havia definido.
G. Conclui-se, pois, que o Réu não beneficiou nem prejudicou ninguém; procurou ser transparente, definindo com antecipação e conhecimento de todos os critérios que determinariam as suas decisões.
Nestes termos e nos melhores de direito, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente por não provado, mantendo-se o douto Acórdão recorrido, por não merecer censura.
Assim decidindo, farão Vossas Excelências, como sempre, JUSTIÇA.”

Também a Contra-interessada ……......................................................, LDª, veio contra-alegar rematando a sua minuta com o seguinte quadro conclusivo:

“1.° A candidatura a CITV no Concelho de ……........................... apresentada pela Autora, ora Recorrente, foi rejeitada pelo IMT, IP, por dois motivos: pela não apresentação de certidão camarária, nos termos conjugados do artigo 4.°, n.°5, e do artigo 6.°, n.°7, alínea a), da Lei n.°11/2011, de 26 de abril, com redação dada pelo Decreto-Lei n.º26/2013, de 19 de fevereiro, assim como pela não apresentação de Planta de Localização do CITV (à escala 1:000), conforme exigido no n.° 7, alínea a), da Deliberação 694/2013.
2° Em sede de Alegações de Recurso, a Autora, ora Recorrente, vem justificar a não apresentação da respetiva certidão camarária, por, alegadamente, a CM..... se ter recusado a emitir as certidões requeridas pelos candidatos, sempre que os respetivos terrenos não fossem localizados no Lote 5 do Parque Industrial.
3.° Aliás toda a argumentação invocada pela Autora, ora Recorrente, se baseou no falso argumento de que a Câmara Municipal de ……........................... ao admitir apenas a localização de CITV no Lote ….. do Parque Industrial estaria a condicionar o resultado do concurso por impossibilitar a aplicação do 2.°critério de ordenação de candidaturas (o da distância ao centro de inspeção mais próximo a nível nacional).
4.° No entanto, ficou provado que, contrariamente ao alegado pela Autora, ora Recorrente, no caso em apreço, não se verificou a impossibilidade de aplicação do 2.°critério de ordenação, uma vez que as duas candidaturas aceites, e posicionadas em 1° e 2.° lugar, respetivamente, propuseram-se com terrenos com localizações diferentes (Lote ….. e Lote …..), e com distâncias diferentes (o da .......................... a distar 20494 metros do centro mais próximo; e o da ........... a distar 20210 metros do centro mais próximo).
5.° Concluindo, o Tribunal a quo decidiu, e bem, pela improcedência da ação, por não provada, e em consequência disso, manter os atos impugnados na ordem jurídica, absolvendo-se os Réus de todos os pedidos que contra si foram formulados pela Autora.
Nestes termos,
Deve ser julgado improcedente o recurso interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão recorrida, com as legais consequências.
Assim será cumprido o Direito e feita JUSTIÇA.”

O DMMP junto deste tribunal notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º, nº1 do CPTA, pronunciou-se no sentido de que o recurso não deve ser provido pugnando pela manutenção da Douta decisão recorrida.

Os autos vêm à conferência depois de recolhidos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:
1. O "IMT - INSTITUTO DA MOBILIDADE E DOS TRANSPORTES, I.P.", ora 1.° Réu, promoveu "...a abertura de novos centros de inspecção técnica de veículos no concelho de ……..............................", mediante concurso regulado pela Lei n.°11/2011, de 26 de Abril, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.°26/2013, de 19 de Fevereiro [factualidade admitida por acordo; cf. documentos (docs.) constantes de fls. 1/81 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso ao Processo Cautelar n.º209/14. OBECTB e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido] - acto ora impugnado.
2. Em 01 de Março de 2013, a "..........................................................., S.A.", ora Autora, apresentou candidatura ao concurso referido em 1), com a identificação n.°................................... [factualidade admitida por acordo; cf. documentos (docs.) constantes de fls.1/2 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso ao Processo Cautelar n.°209/14. OBECTB e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
3. Em 03 de Janeiro de 2014 - e na sequência da Deliberação do Conselho Directivo do Réu, de 27 de Dezembro de 2013 -, foram publicadas as listas de ordenação provisória das candidaturas à abertura de novos Centros de Inspecção Técnica de Veículos, no Site do 1.° Réu [cf. documento (doc.) constante de fls. 75/76 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso ao Processo Cautelar n.°209/14.0BECTB e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
4. Da lista de ordenação provisória das candidaturas mencionada em 4), consta a menção "Rejeitada" em relação à candidatura apresentada pela Autora [cf. documento (doc.) constante de fls. 75/76 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso ao Processo Cautelar n.º 209/14. OBECTB e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido], tendo sido disponibilizado à Autora, cópia do respectivo Relatório de Análise de Candidatura [cf. documento (doc.) constante de fis. 70/74 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso ao Processo Cautelar n.°209/14.0BECTB e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
5. Do Relatório de Análise de Candidatura apresentada pela Autora, consta que a rejeição referida em 4) se deveu ao seguinte, a saber: "...não foi apresentado documento camarário positivo para a localização prevista. (...) Não foi entregue a Planta de Localização do Centro (1:1000)..." [cf. documento (doc.) constante de fls. 70 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso ao Processo Cautelar n.°209/14.OBECTB e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
6. A Autora não se pronunciou em sede de audiência prévia, não obstante o prazo para o efeito constar das listas referidas em 3) [cf. documentos (docs.) constantes de fls. do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso ao Processo Cautelar n.º209/14.0BECTB e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
7. Da candidatura apresentada pela Autora identificada em 2), não constava nem o documento camarário positivo para a localização prevista, nem a Planta de Localização do Centro (1:1000) [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 1/69 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso ao Processo Cautelar n.°209/14.0BECTB e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido],
8. Em 01 de Abril de 2014, foi publicada lista de ordenação definitiva das candidaturas, que confirmou a rejeição candidatura da Autora [cf. documento (doc.) constante de fls. 80/81 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso ao Processo Cautelar n.°209/14.0BECTB e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido] - acto ora impugnado.
9. As demais candidaturas apresentadas pelos restantes candidatos, no âmbito do procedimento concursal identificado em 1), apresentaram certidão camarária positiva para a localização prevista [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 1/81 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) que se encontra apenso ao Processo Cautelar n.º209/14.0BECTB e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
10. A candidatura apresentada pela Autora identificada em 2), foi instruída com um pedido de emissão de certidão dirigido à Câmara Municipal do Município de ……..........................., ora 2.° Réu, respeitante à viabilidade de instalação de um CITV num terreno sito na freguesia ........................., acompanhado com uma exposição [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 19/29 dos autos e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
11. Em 15 de Março de 2013, a Câmara Municipal de ……........................... deliberou não emitir certidão a atestar a viabilidade de construção e exploração de um Centro de Inspecção Técnica de Veículos, requerida pela Autora e referida em 10), para um terreno situado fora do Parque Industrial de ……..........................., nos seguintes termos, a saber:
“…
"Texto integral no original; imagem”

"Texto integral no original; imagem”


... " [cf. documento (doc.) constantes de fls. 15/17 dos autos e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido] – acto ora impugnado.
12. Subjacente à deliberação reproduzida em 11) esteve o seguinte circunstancialismo fáctico, a saber: (i) em 2010, várias empresas solicitaram ao 2.° Réu a cedência de um lote de terreno no Parque Industrial, para aí instalarem um centro de inspecção de veículos; (ii) na sequência dessas solicitações, a Câmara Municipal deliberou, no dia 11 de Junho de 2010, disponibilizar para esse efeito, pelo valor de €100.000,00 (cem mil euros), o Lote n.°..... do Parque Industrial, à empresa que junto das entidades competentes para o licenciamento, viesse a demonstrar ter capacidade para instalar e explorar o referido equipamento, mais tendo deliberado dar conhecimento da decisão a todas as entidades que já haviam feito idêntico pedido, bem como a todas que o vissem a fazer; e, (iii) o Parque Industrial era o melhor local para a instalação do centro de inspecção de veículos, dadas as condições aí existentes em termos de infraestruturas, tendo em conta a rede viária existente e em projecto, e atenta a sua centralidade relativamente ao espaço geográfico que se pretendia servir, bem como as sinergias que o equipamento em causa poderia criar naquele espaço empresarial [cf. documentos (docs.) constantes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) remetido pelo Município de ……........................... e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
13. Em 26 de Julho de 2010, empresa "..................................................................., Lda.", ora Contra-Interessada contestante, requereu certidão a atestar a viabilidade de construção e exploração de um centro de inspecção técnica de veículos para o Parque Industrial, no Lote n.°….. que era de sua propriedade desde 2006; tendo pedido, em simultâneo, certidão para dois lotes do Parque Industrial, o Lote n.°….., disponibilizado pelo Município para o efeito a todos os interessados, e o Lote n.°….., para, no caso de deferimento, não ter que comprar o Lote n.°….. [cf. documentos (docs.) constantes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) remetido pelo Município de ……........................... e documentos (docs.) constantes de fls. 66/69 dos autos e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
14. Em face de pedidos de outros interessados na instalação do Centro de Inspecções de Veículos noutro local - pedidos formulados tanto pela Autora (pedido de informação prévia, entre outros) quanto pela Contra-interessada contestante -, manteve o que havia deliberado em 2010 (o local destinado era o Parque Industrial) e em 15 de Março de 2013 [cf. documentos (docs.) constantes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) remetido pelo Município de ……........................... e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido] - acto ora impugnado.
15. Em 27 de Junho de 2014, a Autora intentou a presente acção administrativa especial [cf. fls. 2 dos autos].
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Com relevância para a decisão da causa, o Tribunal julgou não provada a seguinte factualidade:
(i) A Câmara Municipal de ……..........................., ao deliberar em 15 de Março de 2013 e ao indeferir os requerimentos apresentados pela Autora, fê-lo por razões alheias ao interesse público, pretendendo (a) favorecer outras empresas, nomeadamente a Contra-Interessada contestante, (b) restringindo a liberdade das demais empresas concorrentes, como a Autora, e, (c) restringindo o direito da Autora de acesso ao exercício de uma actividade económica [nenhuma prova minimamente consistente foi produzida quanto a tal factualidade].
(ii) A Câmara Municipal de ……........................... condicionou o concurso identificado em 1) [nenhuma prova minimamente consistente foi produzida quanto a tal factualidade].
Inexistem outros factos provados ou não provados com relevância para a decisão a proferir, sendo que a restante matéria foi desconsiderada por não ser relevante, por respeitar a conceitos de direito, por consistir em alegações de facto ou de direito, por encerrar opiniões ou conter juízos conclusivos.
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Motivação. A factualidade julgada provada nos presentes autos foi considerada relevante para a decisão da causa, fundando-se a convicção deste Tribunal na análise crítica (i) do teor dos documentos não impugnados que constam destes autos e do Processo Administrativo-Instrutor que se encontra apenso (PA) aos mesmos e ao Processo Cautelar n.°209/14.OBECTB, (ii) da posição assumida pelas partes nos seus articulados [tendo-se aplicado o princípio cominatório semi-pleno pelo qual se deram como provados os factos admitidos por acordo e os que resultaram da sua confissão espontânea, compatibilizando-se toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras de experiência, tendo sido apreciada livremente as provas segundo a prudente convicção do Tribunal acerca de cada facto, não abrangendo tal livre apreciação os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes], e iv) da aplicação das regras de distribuição do ónus probandi - tudo conforme referido a propósito de cada ponto da matéria de facto.
Quanto à factualidade julgada não provada, a mesma resultou da circunstância de nenhuma prova minimamente consistente ter sido produzida em relação à mesma.
*

2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA (correspondentes aos artigos 660º nº 2, 664º, 684º nºs 3 e 4 e 690º do CPC antigo).
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pelo recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber, em primeiro lugar, se a decisão vertida na sentença a qual julgou improcedente a acção, incorreu em erro de julgamento nas seguintes vertentes (que se enumeram de acordo com um critério de precedência lógica, como melhor infra se demonstrará):

a)-Quanto ao acto do Município de ……........................... [deliberação do citado Município (definição do local de implantação do Centro de Inspecções (IPO)]

Relembre-se que o recorrente, assaca ao acto impugnado:
-vício de desvio de poder;
-vício de violação dos princípios da livre concorrência, da igualdade, e da transparência e do direito de acesso ao exercício de uma actividade económica [cf. fls. 5/10 dos autos].
Porém, tal ordem não será ofendida quando sejam invocados vícios determinantes da invalidade do acto, mas se mostre necessário, com vista a apreciar outras formas de ilegalidade que estejam imputadas ao acto, conhecer prioritariamente da fundamentação dos actos impugnados e da própria sentença que apreciou a invalidade dos mesmos.
E é o que ocorre no caso dos autos, em que a Recorrente imputa ao acto impugnado os indigitados vícios e o conhecimento destes e/ou a reapreciação da sentença que os conheceu e que é criticada no presente recurso, depende da descoberta dos motivos determinantes da decisão impugnada, mormente quanto ao vício desvio de poder.
De facto, só se pode aferir se a conduta da entidade administrativa se afasta, ou não, do fim visado pela lei, e, consequentemente, dar-se, ou não, como verificado o vício de desvio de poder, se se conhecerem os motivos que conduziram a entidade administrativa a decidir como decidiu.
Segue-se, naturalmente, o ensinamento do Prof. Marcello Caetano, in Manual, 10º ed., I Vol. a pág 484, quando afirma, a propósito, do vício de desvio de poder que “(...) O fim a atingir pelo acto administrativo só pode descortinar-se através dos motivos reveladores no processo gracioso ou expressos na fundamentação. Isto não quer dizer que fim e motivos se identifiquem, pois o fim destina-se diz-nos para que se decidiu e os motivos justificam por que se decidiu. Deste modo, mesmo nos actos vinculados o conhecimento dos motivos tem a maior importância para se poder verificar se foi observada a lei na aplicação dos factos...”.
Também só se pode indagar da violação, ou não, do regime legal aplicável se se perscrutar a fundamentação do acto impugnado.
Começaremos, pois, por apreciar a fundamentação do acto e da própria sentença uma vez que a sua análise importa sobremodo para a dilucidação sobre as que levaram a entidade decidente a decidir do modo que decidiu e a sentença a reconhecer a validade dos actos impugnados.
Vejamos então.
Segundo a própria sentença recorrida (vide a sua fundamentação), os actos praticados pelo Réu Município de ……..........................., atenta a factualidade julgada provada em 10) a 14) e julgada não provada em (i) e em (ii) - e para a qual aqui se remete por uma questão de economia processual -, são perfeitamente legais, porquanto o 2.° Réu ao actuar como actuou não o fez movido por razões alheias ao interesse público, com a pretensão (a) de favorecer outras empresas, nomeadamente a Contra-Interessada contestante, (b) de restringir a liberdade das demais empresas concorrentes, como a Autora, e, (c) de restringir o direito da Autora de acesso ao exercício de uma actividade económica. Ademais, a Câmara Municipal de ……........................... não condicionou o concurso em causa nos autos. Com efeito, a Lei n.°11/2011, de 6 de Abril - alterada pelo Decreto-Lei n.°26/2013, de 19 de Fevereiro-fixou os critérios de ordenação de candidaturas, ao nível concelhio, para a selecção de entidades para celebração do respectivo contrato de gestão; sendo que, na alínea b), do n.°5, do art. 6.° do referido diploma legal, refere-se, como segundo critério de ordenação, o seguinte: "...Candidaturas para centro de inspecção que se situe a maior distância de centro de inspecção já existente ou já aprovado nos termos do artigo 14.º, medida em linha recta por pontos de coordenadas GPS, dos centros geográficos dos respectivos terrenos...". Por conseguinte, O 2.° Réu, quando deliberou aceitar a instalação do Centro de Inspecção de Veículos apenas no Parque Industrial, ignorava quais os critérios de ordenação que viriam a constar do n.°5 do art. 6.° da Lei n.°11/2011, de 6 de Abril.
Consequentemente, os actos praticados pelo 2.° Réus não se encontram eivados de um qualquer desvio de poder, nem padecem da violação de quaisquer normas legais ou dos princípios da livre concorrência, da igualdade, da transparência e do acesso ao exercício de uma actividade económica.”
Ora, no presente recurso não se controverte a matéria de facto, caso em que corria o ónus a cargo da recorrente instituído no artº 640º do CPC, antes tendo no recurso sido passado em revista todo o elenco probatório para demonstrar que o mesmo impunha decisão diversa da declarada na sentença.
Com essas baias, reputa-se assertivo o percurso percorrido pela recorrente para demonstrar que ocorreu in casu o desvio de poder assacado ao acto do recorrido.
Cumpre, desde já, deixar dito que a CM para proceder à análise e decisão do pedido da certidão que foi formulado pela Autora gozava de uma certa margem de liberdade na apreciação e valoração do mesmo (o que não se discute), porém, a margem de discricionariedade administrativa que lhe é concedida não origina uma menor exigência em relação aos requisitos da fundamentação dos actos administrativos praticados neste âmbito, como, repetidamente a doutrina e a jurisprudência têm feito notar (veja-se, entre outros, os longínquos acórdãos do STA de 07/02/02, recurso nº 47767 e de 20/11/02, recurso nº 1178/02 e Vieira de Andrade, in “O Dever de Fundamentação Expressa dos actos administrativos”, pág. 136 a 138).
No caso sub judice, na Acta de reunião ordinária da CM..... realizada no dia 13-03-2013 cujo teor foi levado ao probatório, por transcrição e remissão para o documento que a consubstancia consta que:

“(…)
A propósito deste assunto, o Senhor Presidente fez alusão às deliberações tomadas nas reuniões ordinárias realizadas em 11 de Junto de 2010 e em 05 de Agosto de 2011, onde foi disponibilizado o lote n°. ….., do Loteamento do Parque industrial, para instalação do Centro de inspecções Técnicas de Veículos (CITV) à empresa que, junto das entidades competentes para o licenciamento, viesse a demonstrar ter capacidade para instalar e explorar o referido equipamento.
Disse, também, que a aludida deliberação mantém hoje toda a pertinência e actualidade, porquanto continua a ser do interesse municipal que a actividade de inspecção técnica de automóveis seja exercida no Loteamento do Parque Industrial, dadas as condições ai existentes em termos de infra-estruturas, a rede viária e em projecto, a sua ao espaço geográfico que se pretende servir, e, ainda, as sinergias que este equipamento pode criar naquele espaço empresarial.
Além do mais, disse o Senhor Presidenta que:
a) O artigo 1.°, na sua alínea b), do Regulamento do Parque Industrial de ……..........................., determina como objectivo fomentar o desenvolvimento e ordenamento industrial, no espaço designado Parque industrial de ……...........................;
b) A Câmara Municipal, ao deliberar autorizar a instalação de um CITV fora do Loteamento do Parque industrial, estaria a violar uma série de princípios gerais, vertidos no Código de Procedimento Administrativo (CPA), nomeadamente:
1.° - O princípio da igualdade e da proporcionalidade, previsto no artigo 5.°, do CPA, nos termos do qual a Administração Pública, nas relações com os particulares, deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar cie qualquer dever nenhum administrado em razão de ascendência sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social;
2.° - O princípio da justiça e da imparcialidade, segundo o qual a Administração Pública, no exercício da sua actividade, deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação;
3.° - O princípio da boa fé, determinando que a Administração Pública, no exercício da actividade administrativa e em todas as suas formas e fases, e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé.
Nesta conformidade, em ordem a agilizar o processo de candidaturas das empresas ao Instituto de Mobilidade e Transportes (IMT), o Senhor Presidente propôs que a deliberação que a Câmara venha a tomar sobre assunto se aplique a este caso concreto e a iodos os que venham a ser apresentados.
DELIBERAÇÃO: Após a análise do processo, a Câmara deliberou, por unanimidade:
a) Concordar com a proposta do Senhor Presidente, no sentido de que esta deliberação se aplique ao caso em apreço e a todos os casos que venham a ser apresentados, para o mesmo fim;
b) Considerar válidos os princípios e fundamentos da deliberação tomada em reunião ordinária realizada em 05 de Agosto de 2011, no sentido de que é do interesse municipal a instalação do CITV no Loteamento do Parque industrial de ……...........................;
c) Disponibilizar o lote n°……, do Loteamento do Parque Industriai, nos termos e condições exaradas na dita deliberação, tomada em 11 de Junho da 2010, por ser que aquele que, sendo propriedade da Câmara Municipal, reúne as melhores condições e requisitos exigidos para o efeito;
d) Viabilizar qualquer pedido de instalação do CITV, desde que o mesmo esteja localizado num lote do Loteamento do Parque Industrial de ……...........................;
e) Emitir a certidão, para efeitos de instrução de candidatura ao instituto de Mobilidade e Transportes (IMT), a todas as empresas que reúnam os pressupostos acima mencionados.”
É esta a motivação que sustenta o acto impugnado.
Assim, in casu, a motivação, está contida na análise, ponderação e avaliação, feita pela CM....., em relação a cada proposta apresentada pelos interessados, e segundo os critérios de apreciação e selecção enumerados na deliberação.
Porém, na sentença recorrida aduz-se que, compulsada a factualidade julgada provada em 1) a 14) e julgada não provada em (i) a (ii) - e para a qual aqui se remete por uma questão de economia processual, constata-se que não assiste razão à Autora porque o procedimento administrativo - que culminou com a homologação da lista de classificação final do concurso à instalação de um CITV no Concelho de ……………….. respeitou toda a legislação que lhe era aplicável, a saber: (i) a Lei n.°11/2011, de 26 de Abril [na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 26/2013, de 19 de Fevereiro], que estabeleceu o regime jurídico de acesso e de permanência na actividade de inspecção técnica de veículos a motor e seus reboques, bem como o regime de funcionamento dos centros de inspecção; (ii) a Deliberação n.°694/2013, de 5 de Março, que definiu os procedimentos de candidatura, aprovação de centros de inspecção técnica de veículos e alteração aos mesmos; e, (iii) a Portaria n.°221/2012, de 20 de Julho, que estabeleceu os requisitos técnicos a que deviam obedecer os centros de inspecção técnica de veículos (CITV), no âmbito da Lei n.°11/2011, de 26 de Abril, na sua última redacção.
Ora, como se provou, a Autora, a coberto do disposto no n.°1, do art. 6.° da Lei n.°11/2011, de 26 de Abril, na versão introduzida pelo Decreto-Lei n.º26/2013, de 19 de Fevereiro, apresentou a sua Candidatura, no âmbito do procedimento concursal, para a abertura de novos centros de inspecção técnica de veículos no Concelho de ……..........................., titulada pelo n.°....................................
No seguimento da Deliberação do Conselho Directivo do Réu, de 27 de Dezembro de 2013, foram publicadas as listas de ordenação provisória das candidaturas, sendo que, a candidatura da Autora foi rejeitada com fundamento na falta de apresentação de "...documento camarário positivo para a localização prevista..." e da "...Planta de Localização do Centro (1:1000)...", conforme justificação constante do Relatório de Análise de Candidatura - o que equivale à não demonstração, pela Autora, do requisito de capacidade técnica e de idoneidade.
Com base nesta justificação, a sentença recorrida, sufragou o entendimento dos recorridos, na consideração de que a demonstração dos requisitos técnicos das candidaturas se acha visivelmente definida na Lei n.°11/2011, de 26 de Abril - na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.°26/2013, de 19 de Fevereiro-, bem como na respectiva regulamentação, designadamente na Deliberação n.°694/2013, de 5 de Março.
Mais entendeu que a Deliberação n.°694/2013, versando os procedimentos de candidatura e sua formalização, é o instrumento jurídico que dá corpo ao estatuído no n.°3, do art. 6.° da Lei n.°11/2011, de 26 de Abril - na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.°26/2013, de 19 de Fevereiro -, onde se determina que "...são definidos por deliberação do conselho directivo do IMT, I.P., a qual indica os documentos necessários à verificação das condições de capacidade técnica e de idoneidade, bem como a declaração comprovativa do cumprimento do disposto no artigo anterior, a forma de apresentação da candidatura e os motivos de exclusão liminar...".
De resto, considera-se ainda na sentença que o n.°5, do art. 4.° da Lei n.°11/2011, de 26 de Abril - na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.°26/2013, de 19 de Fevereiro - menciona que, para efeitos de comprovação da capacidade técnica do candidato, este deve apresentar para além de um projecto, "...certidão emitida pela respectiva câmara municipal comprovativa de que o local reúne as condições necessárias para instalação de um centro de inspecção...".
Dúvidas não sobram, pois, de acordo com a própria sentença, que o legislador habilitou o Conselho Directivo do Réu IMT a indicar os documentos necessários à verificação das condições de capacidade técnica e de idoneidade, assim como os motivos de exclusão liminar das candidaturas à celebração de contratos administrativos de gestão de novos centros de inspecção. E que o n.°7, do art. 6.º da Lei n.°11/2011, de 26 de Abril - na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.°26/2013, de 19 de Fevereiro -, prescreve que "...as candidaturas são rejeitadas quando: a) Não reunirem as condições de capacidade técnica e de idoneidade referidas nos n.°s 4 e 5 do artigo 4.º...".
Mas será que isso autoriza, sem mais, que se conclua – como o fez a sentença – que não colhe a argumentação da Autora porque o motivo de rejeição/exclusão liminar da sua candidatura se deveu à preterição dois documentos essenciais, exigidos por lei, para que a mesma fosse admitida e validada?
Entendemos que não.
É que, sendo ainda certo que a alínea e), do n.°5, da Secção I, da Deliberação do Réu n.°694/2013, de 5 de Março de 2013, prevê que o processo documental de candidatura deve integrar, entre outros documentos, "...certidão emitida pela respectiva câmara municipal, que comprove de modo claro e inequívoco que o local reúne as condições necessárias para a instalação do CITV..." e que o n.°10, da Secção II, da mencionada Deliberação diz que "...são rejeitadas as candidaturas que (...) não cumpram os requisitos referidos no n.°7 do artigo 6.° da Lei n.°11/2011, de 26 de Abril, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.°26/2013, de 19 de Fevereiro, ou que (...) tenham falta de algum dos elementos previstos na secção I da presente deliberação...", há que apelar às razões que conduziram à recusa de emissão da certidão pela câmara municipal.
E é neste ponto que a sentença, no nosso modo de ver, errou ao expender que, considerando a factualidade julgada provada e não provada, em articulação com o n.°2, do art. 6.° do Decreto-Lei n.°11/2011, de 26 de Abril - na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.°26/2013, de 19 de Fevereiro -, resulta que SÓ pode concorrer ao procedimento concursal para a abertura de centros de inspecção, quem reunir as condições de capacidade técnica e de idoneidade referidas no art. 4.°; sendo certo que, para comprovação desta capacidade técnica, o candidato tem de apresentar um projecto que cumpra integralmente o disposto no n.°5, do citado dispositivo normativo e que, além disso, o n.°3, do art. 6.° do Decreto-Lei n.°11/2011, de 26 de Abril - na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.°26/2013, de 19 de Fevereiro-, preceitua que "...os documentos necessários à verificação das condições de capacidade técnica e de idoneidade...dos concorrentes são definidos por deliberação do IMT..." e que, o n.°7, do art. 6° do referido diploma legal, determina que são rejeitadas as candidaturas que não reúnam as condições de capacidade técnica e de idoneidade exigidas.
Como adiante também se demonstrará, foi precipitada a conclusão extraída na sentença de que é por demais manifesto, que a lei remeteu para deliberação do 1.° Réu a definição dos documentos que eram necessários para se comprovar a capacidade técnica dos concorrentes e que previu a exclusão de todos aqueles que não comprovassem que reuniam as condições de capacidade técnica exigida; pelo que, sendo a junção de uma certidão camarária um dos documentos exigidos e considerados fundamentais pela Deliberação n.°694/2013, de 5 de Março, naturalmente que a Autora não logrou comprovar que reunia a capacidade técnica exigida para poder ser admitida ao concurso; não podendo, como tal, deixar de ser excluída a sua candidatura, por aplicação da alínea a), do n.°7, do art. 6.° do Decreto-Lei n.°11/201 1, de 26 de Abril - na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.°26/2013, de 19 de Fevereiro.
A Recorrente assevera, como, aliás, já o havia dito na petição inicial que o acto impugnado enferma do vício de desvio de poder determinativo da sua anulação.
Ora, foi levado ao probatório que não se provou que, "A Câmara de ……........................... condicionou o concurso identificado em 1) "; e ao invés, julga provado que “...os actos praticados pelo 2º Réu, o Município de ……........................... (...), são perfeitamente legais (...), e não padecem da violação de quaisquer normas legais.
Sendo pacífico que no recurso não é impugnada a matéria de facto, também o é que “Com relevância para a decisão da causa, o Tribunal julgou não provada a seguinte factualidade”:
(i) A Câmara Municipal de ……..........................., ao deliberar em 15 de Março de 2013 e ao indeferir os requerimentos apresentados pela Autora, fê-lo por razões alheias ao interesse público, pretendendo (a) favorecer outras empresas, nomeadamente a Contra-Interessada contestante, (b) restringindo a liberdade das demais empresas concorrentes, como a Autora, e, (c) restringindo o direito da Autora de acesso ao exercício de uma actividade económica [nenhuma prova minimamente consistente foi produzida quanto a tal factualidade].
(ii) A Câmara Municipal de ……........................... condicionou o concurso identificado em 1) [nenhuma prova minimamente consistente foi produzida quanto a tal factualidade].
Tais “factos” foram julgados não provados pelo Tribunal a quo com menção expressa e específica da competente fundamentação de que “Quanto à factualidade julgada não provada, a mesma resultou da circunstância de nenhuma prova minimamente consistente ter sido produzida em relação à mesma.”
Todavia, as questões de recurso em redor desta fundamentação e de acordo com as conclusões de recurso, enquadram-se num plano adjectivo diverso, e que cumpre analisar.
É que se não vem no recurso expressamente invocado o error in iudicando por erro em matéria de provas - princípio da limitação dos actos (artº 130º CPC), ele implicitamente ocorre quando vem peticionada a não a alteração da decisão da 1ª Instância mas operada pela recorrente uma divergente valoração no tocante à pronúncia negativa feita na sentença quanto aos factos seleccionados e acabados de indicar, importando enquadrar a medida desse mesmo controlo nos termos do direito adjectivo aplicável.
Neste sentido transcreve-se, na parte julgada pertinente, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19.05.2015, tirado no processo nº 87/09.0TBCBR.C1, como segue.
“(..) 3.2.1. Finalidades e parâmetros sob cujo signo são actuados os poderes de controlo desta Relação relativamente à decisão da matéria de facto.
O controlo da Relação relativamente à decisão da matéria de facto pode ter, entre outras como finalidade, a reponderação da decisão proferida.
A Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar – e substituir – a decisão da 1ª instância, designadamente se a prova produzida – designadamente a prova pessoal produzida na audiência final, desde que tenha sido objecto de registo – impuser decisão diversa (artº 640 nº 1 do CPC).
Todavia, esse controlo é actuado na ausência de dois princípios que contribuem decisivamente para a boa decisão da questão de facto: o da oralidade e da imediação - a decisão da Relação não é atingida por forma oral – mas através da audição de registos fonográficos ou da leitura, fria e inexpressiva de transcrições – e sem uma relação de proximidade comunicante com os participantes processuais, de modo a obter uma percepção própria do material que há-de ter como base dessa mesma decisão.
Além disso, esse controlo orienta-se pelos parâmetros seguintes:
a) Do exercício da prova – que visa a demonstração da realidade dos factos – apenas pode ser obtida uma verdade judicial, jurídico-prática e não uma verdade, absoluta ou ontológica, matemática ou científica (artº 341 do Código Civil);
b) A livre apreciação da prova assenta na prudente convicção – i.e., na faculdade de decidir de forma correcta - que o tribunal adquirir das provas que foram produzidas (artº 607 nº 5 do CPC).
c) A prudente obtenção da convicção deve respeitar as leis da ciência, da lógica e as regras da experiência - entendidas como os juízos hipotéticos, de conteúdo geral, desligados dos factos concretos objecto do processo, procedentes da experiência mas independentes dos casos particulares de cuja observação foram deduzidos e que, para além desses casos, pretendem ter validade para casos novos – e que constituem as premissas maiores de facto às quais são subsumíveis factos concretos;
d) A convicção formada pelo juiz sobre a realidade dos factos deve ser uma convicção subjectiva fundada numa convicção objectiva, assente nas regras da ciência e da lógica e da experiência comum ou de normalidade maioritária, e portanto, uma convicção cognitiva e não volitiva, voluntarista, subjectiva ou emocional;
e) A convicção objectiva é uma convicção argumentativa, i.e., demonstrável através de um ou mais argumentos capazes de se impor aos outros;
e) A apreciação da prova vincula a um conceito de probabilidade lógica – de evidence and inference, i.e., segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente, portanto, segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtêm a partir das provas disponíveis: os elementos de prova são assumidos como premissas a partir das quais é possível extrair inferências; as inferências seguem modelos lógicos; as diversas situações podem ser analisadas de acordo com padrões lógicos que representam os aspectos típicos de cada caso; a conclusão acerca de um facto é logicamente provável, como uma função dos elementos lógicos, baseada nos meios de prova disponíveis;
f) O juiz deve decidir segundo um critério de minimização do erro, i.e., segundo a ponderação de qual das decisões possíveis tem menor probabilidade de não ser a correcta.
Por outro lado, de harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa, segundo os vários enquadramentos jurídicos do seu objecto (artº 130º do novo CPC).
Se o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância.
Isso sucederá sempre que, mesmo com a substituição, a solução o enquadramento jurídico do objecto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo réu, com a contestação.
Portanto, a reponderação apenas deve incidir sobre os factos que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, i.e., segundo todos os enquadramentos jurídicos possíveis do objecto da acção (...).”
Tendo presentes esses princípios e aquela factualidade negativa, logo se antolha a natureza conclusiva da apodada “matéria de facto não provada” da valoração efectuada pelo julgador.
Em termos adjectivos, só os factos controvertidos (não confessados nem admitidos por acordo), pertinentes à causa (que digam respeito à relação jurídica substancial) e indispensáveis para a solução do pleito (factos relevantes, não supérfluos), assumem relevância para efeitos de sobre eles produzir prova.
Requisitos cuja observância a lei determina no artº 596º nº 1 CPC, ao referir o elenco genérico e aberto dos temas da prova identificativos do objecto do litígio na fase da condensação, na exacta medida em que o objecto do litígio não é a questão de direito, mas a questão de facto que cabe ao Tribunal dirimir segundo uma das diversas soluções plausíveis da questão de direito.
Na esteira da doutrina da especialidade, “(..) O Prof. Andrade dá-nos este critério: O juiz só deve pôr de parte, como irrelevantes, aqueles factos que não interessam à decisão da causa em face de qualquer das soluções plausíveis que a questão de direito comporte (Noções elementares de processo civil, pág. 90) (...)”.
Em direito adjectivo, o que releva para efeitos da decisão fáctica são os factos (passe a redundância), sendo que, (...) é questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior (..)
Tal significa que a produção de prova
- “(...) só pode ter por objecto factos positivos, materiais e concretos; tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é actividade estranha e superior à simples actividade instrutória (...)
- (...) o julgamento circunscreve-[se] legalmente a apurar quais factos estão provados, o que imediatamente restringe a intervenção do tribunal ao apuramento de factos materiais (..)
- (…) O tribunal há-de ser perguntado sobre factos simples, e não sobre factos complexos, sobre factos puramente materiais, e não sobre factos jurídicos, sobre meras ocorrências concretas, e não sobre juízos de valor, induções ou conclusões a extrair dessas ocorrências. (…)
- (...) o facto complexo há-de deduzir-se de factos simples (..)”
Sobre os limites de admissibilidade de quesitação de juízos de valor e juízos de causalidade conclusiva, transcreve-se, por ser lapidar, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03.02.2014 tirado no processo nº 2138/10.7BPRD.P1:
“ (...) é matéria conclusiva toda aquela que não consiste na percepção de uma ocorrência da vida real, trate-se de um facto externo ou interno [referimo-nos a factos psíquicos], mas antes constitui um juízo acerca de certa realidade factual.
Dentro desta matéria conclusiva, devem em nosso entender, distinguir-se os juízos de facto periciais [como exemplos destes juízos periciais de facto podem referir-se a incapacidade para o trabalho, o perigo de ruína – artº 1226º nº 1 CC – e a graduação do quantum doloris e do dano estético], dos juízos de facto comuns passíveis de serem emitidos por qualquer pessoa com base nos seus conhecimentos [incluir-se-ão nestes os factos hipotéticos ou conjecturais, que não carecem de conhecimentos especiais para serem emitidos, como sucede relativamente à vontade hipotética ou conjectural das partes (artsº. 292º, parte final, 293º, parte final e 220º parte final, todos do CC].
Esta distinção justifica-se, em nosso entender, porque pode ser objecto de prova pericial a apreciação de factos, quando para tanto sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuam, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial (artigo 388º do Código Civil).
Assim, é a própria lei substantiva a determinar que a prova pericial pode consistir na emissão de juízos de valor sobre certos factos.
Desta configuração substantiva da prova pericial há que, salvo melhor opinião, retirar as necessárias consequências do ponto de vista processual, nomeadamente, no que tange a delimitação do objecto da prova que, em consonância, no que respeita a prova pericial, não se poderá restringir aos “factos relevantes para o exame e decisão da causa” ou “aos temas de prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova” (artigos 513º do Código de Processo Civil, na redacção que vigorava aquando da prolação da decisão sob censura e 410º do mesmo diploma legal, na versão aprovada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho e que presentemente vigora), devendo também abarcar a apreciação de factos por peritos, dada a vocação instrumental do direito adjectivo. A não se proceder assim, não se perceberia qual a utilidade probatória da emissão de juízos de valor pelos peritos” (..)
O conteúdo do artigo … da base instrutória envolve a formulação de um juízo de causalidade. Ora, o juízo sobre a causalidade de certa conduta activa ou omissiva é por natureza conclusivo, já que não incide sobre factos concretos passíveis de serem percepcionados, constituindo antes uma decorrência de certos factos concretos e da ligação que por via do raciocínio é possível estabelecer entre eles.
Por isso, esse juízo é apenas eventualmente passível de prova pericial ou com base em presunção natural, tendo em conta as regras da experiência comum.
Acresce que o concreto figurino da causalidade é variável, consoante o concreto domínio em que se aplica, o que envolve, nesta vertente, verdadeiras questões de direito [Das Obrigações em Geral, 6ª ed., Almedina 1989, Vol. I, João de Matos Antunes Varela, págs. 855 a 871]. (...)
Assim, tudo sopesado, vertendo-se no artigo … da base instrutória matéria conclusiva para cuja resposta não são necessários conhecimentos especiais determinantes da necessidade de produção de prova pericial, deve a resposta que foi dada com base numa simples valoração do julgador, por apelo às regras da experiência comum, extirpar-se da matéria dada como provada (...)”.
Neste sentido no Acórdão que vem de ser citado, sumariou-se como segue:
“ 1. É matéria conclusiva toda aquela que não consiste na percepção de uma ocorrência da vida real, trate-se de um facto externo ou interno, mas antes constitui um juízo acerca de certa realidade factual.
2. Dentro da matéria conclusiva devem distinguir-se os juízos de facto periciais, dos juízos de facto comuns passíveis de serem emitidos por qualquer pessoa com base nos seus conhecimentos.
3. O juízo sobre a causalidade de certa conduta activa ou omissiva é por natureza conclusivo, já que não incide sobre factos concretos passíveis de serem percepcionados, constituindo antes uma decorrência de certos factos concretos e da ligação que por via do raciocínio é possível estabelecer entre eles.
4. Por isso, o juízo sobre a causalidade de certa conduta é apenas eventualmente passível de prova pericial ou com base em presunção natural, tendo em conta as regras da experiência comum.”
Passemos ao caso trazido a recurso.
O Tribunal a quo julgou não provados os factos já referidos, resultando da transcrição supra que o seu conteúdo envolve a formulação de juízos de causalidade decorrentes de induções hipotéticas e conjecturas, o que significa que o mesmo não incide sobre factos concretos passíveis de serem percepcionados, pelo contrário, o texto apresenta-se, na totalidade, sob forma conclusiva de induções e conjecturas em decorrência de factos concretos que não foram alegados.
Trata-se de juízos hipotéticos e conclusivos por decorrência de matéria de facto pelo que, do ponto de vista adjectivo, constituem induções e conjecturas conclusivas.
O que não é adjectivamente admissível, por não permitir o preenchimento do objecto do recurso da decisão sobre o probatório, conforme esclarece o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04.02.2013 tirado no processo nº 3017/10.8TBVFR-F.P1, no segmento que se excerta:
“(...) Salvo melhor opinião, o que será absolutamente necessário para que o recurso relativo à matéria de facto possa ser apreciado é que os pontos do julgamento da matéria de facto postos em crise, bem como as razões da discordância do recorrente quanto ao julgamento da matéria de facto se compreendam, de forma inequívoca (..)
Importa ainda referir que no caso de impugnação da decisão da matéria de facto do tribunal de primeira instância, embora o Tribunal da Relação deva apreciar a matéria impugnada efectuando uma apreciação autónoma da prova produzida, no sentido de que o objecto precípuo da cognição do Tribunal da Relação não é a coerência e racionalidade da fundamentação da decisão de facto, mas antes a apreciação e valoração da prova produzida, labor que contudo se orienta para a detecção de qualquer erro de julgamento naquela decisão da matéria de facto.
Por isso, não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento [Sobre esta questão veja-se, António Santos Abrantes Geraldes in Julgar, nº 4, Janeiro/Abril 2008, Reforma dos Recursos em Processo Civil, páginas 74 a 76. Porém, bastará a detecção de um erro de julgamento, não tendo que se constatar um erro notório na apreciação e valoração da prova (neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Setembro de 2010, proferido no processo nº 241/05.4TTSNT.L1.S1, acessível no site da DGSI)].
Se assim não fosse, a impugnação da matéria de facto não constituiria um verdadeiro recurso, como sucede no nosso direito constituído, mas antes um meio processual de provocar uma repetição, ainda que parcial, do julgamento da matéria de facto (...)”
Neste sentido, no Acórdão que vem de ser citado, sumariou-se como segue:
1. No caso de impugnação da decisão da matéria de facto do tribunal de primeira instância, o Tribunal da Relação deve apreciar a matéria impugnada efectuando uma apreciação autónoma da prova produzida.
2. No caso de impugnação da decisão da matéria de facto, o objecto precípuo da cognição do Tribunal da Relação não é a coerência e racionalidade da fundamentação da decisão de facto do tribunal a quo, mas antes a apreciação e valoração da prova produzida perante o tribunal a quo.
Vejamos mais detidamente.
O certo é que levar-se ao probatório (negativamente) que:
-A Câmara Municipal de ……..........................., ao deliberar em 15 de Março de 2013 e ao indeferir os requerimentos apresentados pela Autora, fê-lo por razões alheias ao interesse público, pretendendo (a) favorecer outras empresas, nomeadamente a Contra-Interessada contestante, (b) restringindo a liberdade das demais empresas concorrentes, como a Autora, e, (c) restringindo o direito da Autora de acesso ao exercício de uma actividade económica [nenhuma prova minimamente consistente foi produzida quanto a tal factualidade] e que
-A Câmara Municipal de ……........................... condicionou o concurso identificado em 1) [nenhuma prova minimamente consistente foi produzida quanto a tal factualidade], configura, claramente, a formulação de induções, conclusões, raciocínios e não factos positivos, materiais e concretos.
Para o Tribunal concluir nesse sentido teriam de ser fixados factos simples, traduzidos por matéria objectiva e concreta e não formulações que se traduzem em induções, conclusões e raciocínios.
Todavia, no caso concreto tal não é possível um juízo de valoração do julgador sobre o conteúdo do probatório na vertente negativa com fundamento em regras da experiência comum porque tal conteúdo traduz juízos conclusivos de tal maneira genéricos, vagos e incontroláveis pela margem de imprevisibilidade de resposta possível, o que torna tal “prova” insusceptível de reporte a um grau de confirmação lógica, nos termos de direito supra expostos.
Atenta a formulação da matéria de facto “não provada” falha a possibilidade de exercício de um dos parâmetros essenciais dos poderes de reapreciação deste TCAS por error in iudicando em matéria de prova, que é a conclusão acerca de um facto segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19.05.2015, tirado no procº nº 87/09.0TBCBR.C1) porque o conteúdo da probatório quanto aos factos não provados em causa evidencia não factos simples e concretos mas juízos de causalidade fundados em induções e conclusões.
O mesmo é dizer a prova fixada quanto aos factos não provados não permite a formação de uma convicção positiva deste TCAS quanto à realidade das formulações conclusivas vertidas nos quesitos.
Concluiu-se, assim, que merece censura a resposta negativa dada pelo Tribunal a quo na medida em que a respectiva formulação reveste a natureza de induções, conclusões, raciocínios e não factos positivos, materiais e concretos, não podendo essa matéria ser levada em conta, devendo considerar-se como não escrita.
Assim, a matéria de facto que releva é a positivamente fixada no probatório, o qual patenteia que:
- A candidatura apresentada pela Autora foi instruída com um perdido de emissão de certidão dirigido à CM..... ora 2° Réu, respeitante à viabilidade de instalação de um CITV num terreno sito na freguesia ......................... de sua propriedade;
-Em 15 de Março de 2013, a CM de ……........................... deliberou não emitir aquela certidão com fundamento em que era do interesse municipal que a actividade de inspecção técnica de automóveis fosse exercida no Loteamento do Parque Industrial e não noutro qualquer lugar.
Ora, o ajuizado concurso foi aberto pelo IMT, estando regulado na Lei nº 11/2011, de 26.4, na redacção conferida pelo DL 26/2013, de 19.2., inscrevendo-se nos requisitos exigíveis às candidaturas a apresentação de documento camarário positivo para a localização prevista do «centro» a concurso e a sua falta, nos termos da al. a) do nº 7 do art. 6º da Lei 11/2011, seria reveladora da falta de condições de capacidade técnica referidas no nº 5 do art. 4º.
Por assim ser, como se provou (vide pontos 4 e 8 do probatório) que a candidatura a Autora no concurso dos autos foi "Rejeitada", por "...não ter sido apresentado documento camarário positivo para a localização prevista [do «centro» a concurso]; e, não ter sido entregue a Planta de Localização respectiva... (vide pontos 5 e 7 do probatório), considerou o decisor (e o julgador) que isso equivalia à não demonstração de condições de capacidade técnica por força do disposto na al. a) do nº 7 do art. 6° «ex vi» nº 5 do art. 4° da Lei nº 11/201 1, de 26.4. por facto próprio da Autora.
Propendemos a dissentir da sentença pela razão principal de que também comungamos o ponto de vista da Autora no sentido de que, astento o disposto no nº 5 do art. 4° da Lei nº 11/2011, as referidas condições de capacidade técnica se revelam através da apresentação de um projecto de centro de inspecção técnica de veículos em que se elenquem as concernentes características técnicas, incluindo a localização e respectivos acessos, instalações, circulação e sinalização, equipamentos, organização, recursos humanos, e certidão emitida pela CM comprovativa de que o local indicado reúne as condições necessárias para instalação de um centro de inspecção.
Dito de outro modo: é a certidão camarária positiva que confere eficácia ao Projecto de Centro de Inspecção de Veículos na sua totalidade, pelo que a inclusão da planta de localização, e os outros elementos elencados na citada norma, mormente a CERTIDÃO DA CÂMARA MUNICIPAL nos termos referidos, der tal forma que, uma negada a emissão desta, aquele projecto se torna ineficaz para o apontado efeito, sendo que «o local» indicado na parte final da norma citada só pode ser entendido como o indicado pelo concorrente -sob pena de nenhum sentido fazer a certidão camarária exigida com o conteúdo da Lei.
Por assim ser, não cabia, como não cabe, nos poderes, ou na discricionariedade da CM..... deliberar, como sucedeu, como deliberou, sobre que «local» certificaria para efeitos de localização do CITV a concurso – “impondo” o lote nº ….. do parque industrial como o único local; e/ou os que não certificaria para o mencionado efeito – qualquer outra localização que não o indicado lote ….. do Parque industrial (vd. pontos 11 a 14 do probatório).
Donde que, como singelamente afirma e demonstra a Autora e ora Recorrente, a falta da certidão na base da rejeição da candidatura do A foi efeito da deliberação da CM....., de 15-3-2013, de recusar à Autora, (vd. 10, e 11 da matéria assente) - bem como a outros candidatos, (id. 13) - as certidões requeridas para instruir as suas candidaturas ao concurso dos autos, sempre que as mesmas não fossem localizadas no lote ….. do Parque industrial que aquela edilidade deliberara destinar para esse efeito (ib. 11 a 14).
Daí que se concorde com a asserção da mesma Recorrente de que a aceitar-se, como na sentença em recurso, a regularidade e o acerto da deliberação camarária referida em 11) da matéria provada, isso subverteria por completo os termos do concurso na medida em que, assente que se mostra que a CM..... disponibilizou, para todos os concorrente à instalação do CITV a concurso, somente o lote ….. do Parque Industrial, (vd. 12 da matéria provada, o resultado só pode ser o da completa inutilização do 2° critério de ordenação dos projectos a concurso, e que consta da al. b) do nº 5 do art. 6° da Lei 11/2011.
E essa conclusão é forçada pela circunstância apurada de que não se trata de um concurso da iniciativa ou da responsabilidade do município de ……..........................., pelo que a respectiva Câmara não podia deliberar -como deliberou em 15.3.2013 - e impor como impôs (vd. 11 a 14 da matéria assente) - uma localização fixa (lote ….. do Parque Industrial), sendo manifesto, até num juízo de pura normalidade, que tal afronta o critério prescrito na al. b) do nº 5 do art. 6° da Lei 11/2011 que consubstancia uma localização - variável - «menor distância do CITV já existente ou aprovado» em relação à localização de cada um dos projectos a concurso.
Como bem refere a Autora no seu recurso, a substituição de critério fixado na lei, em que a localização variável é um factor de ordenação dos projectos a concurso por um outro deliberado pela CM..... em que essa localização passa a ser fixa - a do lote ….. do Parque Industrial, e que levará a que todos projectos se situem à mesma distância do CITV mais próximo já existente ou aprovado, importa que o critério legal (al. b) do nº 5 do art. 6° da Lei 11/2011) perde aplicação prática na ordenação dos candidatos -pois a CM..... não certifica outra localização senão a que elegeu para o efeito, a recordar, o lote ….. do Parque industrial (vd. 12 da matéria assente).
Vale isto por dizer que, na verdade, a CM..... pré-decidiu, quem ia ao concurso do IMT, pois ao não certificar senão a localização que elegeu para o efeito [o lote ….. do Parque industrial (vd. 12 da matéria assente)] - provocou «ipso facto» a rejeição desses candidatos por falta da certidão que tinha de exarar e implicou que o vencedor do concurso foi determinado por aplicação de apenas 2 dos 3 critérios fixados na lei.
Destarte, não podendo afirmar-se, pelas razões abundantemente expostas acima, que a Câmara Municipal de ……..........................., ao deliberar em 15 de Março de 2013 e ao indeferir os requerimentos apresentados pela Autora, não o fez por razões alheias ao interesse público, não pretendendo favorecer outras empresas, nomeadamente a Contra-Interessada contestante, sem restringir a liberdade das demais empresas concorrentes, como a Autora, e, sem restringir o direito da Autora de acesso ao exercício de uma actividade económica e/ou que a Câmara Municipal de ……........................... não condicionou o concurso em causa.
É que tem de se valorar, inversamente ao que fez a sentença e em sintonia com a Autora e ora Recorrente, que, deliberando o que deliberou em 15.3.2013, e agindo em conformidade com essa deliberação, a CM..... violou o disposto no artigo 6º, nº5, al. b) da Lei 11/2011, acabando por introduzir na ordenação dos candidatos um critério de ordenação contrário ao fixado naquela norma - como resulta da matéria assente em 10 a 14 - condicionando o resultado do concurso, e determinando a invalidade de tal decisão e das que, em cumprimento da mesma, se lhe seguiram.
Estão explicitadas, ainda que de forma sucinta, os motivos que levaram a CM..... a deliberar o que deliberou, razões essas que a recorrente entendeu e a habilitaram a examinar detalhadamente os termos da fundamentação da Deliberação, e a defender conscientemente os seus direitos e interesses legalmente protegidos, impugnando o acto.
A Autora assacou o vício de nulidade à deliberação tomada em 15-03-2013 pela CM..... derivada do facto de a mesma condicionar a liberdade de proposta do local onde instalar um CITV, obrigando todos os concorrentes a proporem ao IMT, IP o mesmo lote (in concreto o lote nº…..) do Parque industrial de ……..........................., imputando um desvio de poder em favor de interesses privados na consideração de que favorece ostensivamente o concorrente ......................... Lda. (veremos adiante que, mesmo a aceitar que tal desvio radicou no favorecimento do interesse público invocado, a consequência seria a mesma).
E como o ato de indeferimento da emissão de declaração de viabilidade de instalação de um CITV no terreno proposto pela Autora, na localidade ......................... e que foi devidamente identificado nos autos foi justificado unicamente naquela deliberação, o mesmo é um ato nulo, cuja nulidade deverá ser declarada.
Entende-se que se pode concluir, com segurança, que o Município de ……........................... sabia que o critério decisivo para atribuição do direito de instalação de um CITV no concelho é, nos termos da Lei nº11/2011, de 26/4, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n,9 26/2013, de 19/2, o critério da maior distância ao CITV mais próximo (calculado do ponto médio da maior diagonal do edifício do projecto de CITV apresentado por cada concorrente ao concurso), que a concorrente .......................... Lda, é detentora do Lote n.º ….. no Parque Industriai de Moimenta e, ainda, que ao impor, como única localização possível para um CITV, o Parque Industrial, para o efeito oferecendo/disponibilizando o Lote n.º….., que nenhum outro concorrente senão a .......................... Lda. poderia ganhar o concurso, porque o Lote ….. é mais distante do CITV mais próximo do que o Lote n.º…...
Face à absoluta subjectividade de que está eivado o critério elegido pela CM..... (distinto do ínsito na lei), a probabilidade de erro na avaliação pode ser elevada, pelo que cabe prismar este tipo de situações segundo as regras regentes da manifestação de vontade dirigida ao conhecimento do destinatário para aferir da idoneidade ou potencialidade da conduta dolosa do agente: assim, para surtir os seus pretendidos efeitos normais, era necessário emitir um juízo de valor como o faria uma pessoa que, além dos específicos conhecimentos inerentes à actividade que exerce, agisse com a normal e razoavelmente exigível diligência ou discernimento, o que se traduz na aplicação do principio consubstanciado no brocardo latino " bonus pater familiae ", ou ressalvadas as naturais diferenças, o princípio conhecido pelo da "Impressão do destinatário".
No caso dos autos, face ao circunstancialismo apurado, interpretação da “declaração” (=deliberação) deve fazer-se, em princípio, no sentido propugnado pela teoria da impressão do destinatário de acordo com a qual, no seu sentido objectivo, cfr. artº 236º nº 1 C. Civil, o que é decisivo é a vontade do declarante desde que ao declaratário seja possível entendê-la tendo em conta um uso linguístico comum, o que explica a razão de o risco do uso linguístico ser atribuído por lei ao declarante na exacta medida em que é ele que dispõe de todos os meios para se fazer entender quando expressa a sua vontade de forma directa e por meio escrito. Todavia, a lei tem o cuidado de precisar que apenas, quando o declarante não pode contar razoavelmente com o sentido deduzido pelo “declaratário normal” do seu “comportamento”, o risco linguístico ou o risco do entendimento é imputado ao declaratário.
Tal teoria está reflectida nos artºs.236º e 238º do Código Civil, e tem que ser manuseada com as maiores cautelas especialmente em direito sancionatório. A declaração/comunicação deve ser entendida com o sentido que um declaratário normal medianamente instruído e inteligente lhe daria, como reza o nº1 do artº 236º citado (eis a corrente objectivista da interpretação da declaração negocial), mas também é necessário ver em primeira mão a literalidade do seu teor, eventualmente enriquecido por factores dedutivos sobre o comportamento do declarante que reforce o sentido da impressão do destinatário.
A essa luz, não hesitamos em considerar, aderindo ao ponto de vista da ora Recorrente, que o Réu interferiu de forma ilegítima no concurso, condicionando o seu resultado, não emitindo certidões relativas aos PiP (pedidos de Informação prévia) quanto a quaisquer outros locais no concelho.
Ademais, ao impor a localização do CITV a construir no Parque industrial a CM de ……........................... com o suposto fundamento de ordem pública ou de interesse público que o imponha e sem demonstrar que o próprio PDM de ……........................... não previa outros locais onde podem ser instalados equipamentos com as características de um CITV, a deliberação em causa está a limitar o direito constitucional de acesso ao exercício de uma actividade económica, consagrado no artigo 61.º da CRP, o que também funda a sua nulidade.
E a essa não obsta o facto de a contra-interessada ser já detentora do supramencionado Lote ….. à data da abertura do concurso. Antes pelo contrário e como bem adverte a Recorrente, tal não retira a ilicitude do comportamento daquele órgão autárquico, antes inculcando, à luz da teoria da impressão do destinatário, que o conhecimento desse facto envolvia que a CM de ……........................... tivesse necessariamente pleno conhecimento das consequências da imposição, aos demais interessados no concurso, da localização, obrigatoriamente, no lote ….. do Parque Industrial.
Dúvidas não sobram, pois, que ocorreu uma intromissão ilegal da CM..... no processo do concurso para instalação de um CITV no Concelho da ……........................... aberto nos termos da Lei n.º 11/2011, de 26/4, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 25/2013, de 19/2, pois como objectivam os autos, a mesma decidiu não emitir declarações para qualquer outro local, tendo os concorrentes se apresentado a concurso com a localização imposta pela Câmara Municipal.
Não obstante, sendo pacífico que o primeiro critério legal de ordenação das candidaturas é a maior distância em linha recta ao CITV já instalado mais próximo, como a Autora salientou e se prova nos autos (vide doc. de fls. 30), como a própria CM..... reconhece, veio a admitir que um dos concorrentes apresentasse uma localização alternativa àquela que essa mesma autarquia impôs a todos os demais concorrentes, indiciando-se aqui uma violação do princípio da igualdade de tratamento e da transparência aos quais se deve subordinar a actividade administrativa.
E a conclusão sobre a verificação do vício de desvio de poder sempre se impunha mesmo considerando a defesa da CM ……........................... da de que se guiou por razões (de interesse público) de planificação urbana desejada, decorrente da instalação do CITV no parque industrial.
É certo que se provou (vide ponto 12 do probatório) que, subjacente à deliberação impugnada (reproduzida em 11) esteve o seguinte circunstancialismo fáctico, a saber: (i) em 2010, várias empresas solicitaram ao 2.° Réu a cedência de um lote de terreno no Parque Industrial, para aí instalarem um centro de inspecção de veículos; (ii) na sequência dessas solicitações, a Câmara Municipal deliberou, no dia 11 de Junho de 2010, disponibilizar para esse efeito, pelo valor de €100.000,00 (cem mil euros), o Lote n.°….. do Parque Industrial, à empresa que junto das entidades competentes para o licenciamento, viesse a demonstrar ter capacidade para instalar e explorar o referido equipamento, mais tendo deliberado dar conhecimento da decisão a todas as entidades que já haviam feito idêntico pedido, bem como a todas que o vissem a fazer; e, (iii) o Parque Industrial era o melhor local para a instalação do centro de inspecção de veículos, dadas as condições aí existentes em termos de infraestruturas, tendo em conta a rede viária existente e em projecto, e atenta a sua centralidade relativamente ao espaço geográfico que se pretendia servir, bem como as sinergias que o equipamento em causa poderia criar naquele espaço empresarial.
Mas não decorrem da fundamentação da deliberação, se outras zonas existem no PDM que possibilitassem a instalação de CITV, designadamente, o terreno inicialmente proposto pela Autora e se esta reunia todas as exigências para a laboração de um equipamento com estes requisitos.
Assim, ainda que se admitisse que foram razões de interesse público que determinaram a CM..... na sua deliberação de 15 de Março de 2013, impõe-se concluir que houve um tratamento discriminatório que acabou por favorecer de forma inadmissível interesses particulares e que no íter cognitivo e valorativo seguido eram perfeitamente perceptíveis à luz do princípio da impressão do destinatário e para um declaratário normal.
Enfim, afigura-se-nos, em consonância com a Recorrente, que a conduta da CM..... padece do vício de desvio de poder nas duas modalidades: erro de interpretação do fim legal e intenção de preterir o interesse público em relação a um interesse particular – desvio doloso.
É consabido que o vício de desvio de poder, é um vício privativo do fim do acto, podendo afectar o acto administrativo praticado no exercício de poderes discricionários quando estes hajam sido usados pelo órgão competente com o fim diverso daquele para que a lei os conferiu ou por motivos determinantes que não condigam com o fim visado pela lei que conferiu tais poderes.
Esta doutrina sobre o desvio de poder como um vício típico do acto administrativo praticado no exercício de poderes discricionários, pode ver-se defendida por Jorge M. Coutinho de Abreu, Do abuso de direito, ed. 1983, 79 onde conclui que há desvio de poder quando os poderes discricionários exercidos na prática dum acto administrativo são usados pelo órgão competente com fim diverso daquele para que a lei os conferiu ou por motivos determinantes que não condigam com o fim visado pela lei que conferiu tais poderes.
Para que exista o referido vício torna-se, pois, indispensável que da prova exibida resulte para o tribunal a convicção de que o motivo principal determinante da prática do acto recorrido não condiz com o fim visado pela lei na concessão dos poderes.
Por injunção do disposto no art° 6° do CPA (em vigor ao tempo dos factos), "No exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação ".
Os princípios da justiça e da imparcialidade estão consagrados no artigo 6° do CPA (Cfr. também art. 266.°, n.°2 e 269.°, n.°5 da C.R.P.).
O princípio da justiça funciona como limite à actuação discricionária da Administração, sendo injusto o acto administrativo praticado pelo órgão que exerceu mal os poderes legais ao impor aos particulares um sacrifício infundado, desnecessário ou em resultado de uma vontade dolosa e de má fé.
O acto injusto é um acto ilegal - a injustiça é um vício de legalidade e constitui violação de lei.
Mas a imparcialidade é outro dos princípios fundamentais que a Administração deve acatar e que igualmente constitui um limite interno à discricionariedade. Segundo ele, a Administração não deve tomar partido, inclinar a balança ou beneficiar uma parte em prejuízo de outra, mas deve, antes, tomar a decisão unicamente segundo o ordenamento jurídico e com a finalidade da prossecução do interesse público que a motiva.
Dir-se-á, por isso, que a resolução administrativa tomada discricionariamente, em desconformidade com os fins previstos na lei conduzirá ao desvio de poder e portanto ficaria reduzido o campo de aplicação deste princípio da imparcialidade.
Todavia, o particular que quiser ver anulado o acto por desvio de poder terá que revelar uma actuação da Administração motivada por interesses contrários aos interesses públicos em atenção aos quais a lei concedeu o poder discricionário.
E mais: tem que conseguir provar que esses interesses foram determinantes, pesaram decisivamente na decisão.
E para imputar ao acto administrativo o vício de violação do princípio da imparcialidade, bastar-lhe-á demonstrar que o órgão administrativo agiu motivado por razões alheias ao interesse público legalmente protegido (nesta acepção, a invalidade resultará da prova de que na ponderação feita pela Administração houve nela influência de um interesse ilegal; o particular não tem que provar que esse interesse tenha sido determinante) ou, simplesmente que o órgão não tenha valorado o interesse juridicamente protegido.
Este princípio comporta, pois, o corolário da proibição de favoritismos ou perseguições. E pode ter-se por violado o princípio da imparcialidade se se provou um comportamento dual em relação à recorrente e ao recorrido particular, manifestando-se, desse modo, um critério não uniforme na prossecução de interesse público. (Ac. do STA de 22/10/91-Recurso n.º 27.856).
Pode não existir erro quanto ao fim em atenção ao qual a lei concede o poder discricionário e, ainda assim, o acto recorrido padecer de vício de desvio de poder, desta feita doloso, por a entidade decidente ter exercido o poder discricionário sem ter tido exclusivamente em atenção o fim de interesse público em atenção ao qual esse mesmo poder foi concedido.
Refira-se, ainda, que o conceito jurídico indeterminado – interesse público -,reporta-se a um verdadeiro poder discricionário, que é apenas sindicável nos seus aspectos vinculados, designadamente os relativos à competência, à forma, à realidade ou exactidão dos factos representados pela Administração, ao fim prosseguido, e quanto aos “limites internos do exercício desse poder”, nomeadamente o respeito pelos princípios da igualdade e imparcialidade (v. entre outros, Ac. do STA de 27/03/03, recurso n.º 831/02, Ac. de 17/11/04, recurso n.º 1242/03). A expressão, é muito pouco usada na Constituição, como notam Gomes Canotilho e Vital Moreira (in CRP Anotada, 3ª ed. revista e actualizada, anot. ao artº 266º) e “cuja evidência – intuitiva não facilita em muito a sua definição” (Sérvulo Correia, Os princípios constitucionais da Administração Pública, in Estudos sobre a Constituição, III, Lisboa, 1979, pág. 662).
Assim, o acto impugnado praticado pela CM..... padece do vício de desvio de poder, por erro de interpretação do fim legal, e desvio doloso.
Quanto ao primeiro, já vimos que se verificou o vício de desvio de poder, por erro de interpretação do fim legal; mas o resultado final vai para além da expressão valorativa que decorre da apreciação das candidaturas do simples erro, e como a Recorrente prova, e demonstra, como lhe competia, que na fase da análise das candidaturas, ou seja, no momento da emissão das certidões (ou, melhor dizendo, da rejeição) a CM..... agiu de forma desconforme com o fim visado pela lei, fim esse, que se traduz na selecção do candidatado que melhor satisfaz o interesse público de realizar as inspecções periódicas obrigatórias de veículos, avaliado segundo os critérios elencados na citada lei pode, e deve, julgar-se verificado o vício de desvio de poder com base na fundamentação supra exposta.
No contexto precisado, pode afirmar-se que a entidade decidente exerceu o poder discricionário sem ter exclusivamente em atenção o fim de interesse público em atenção ao qual esse mesmo poder foi concedido, relativamente à matéria em apreço.
Na verdade, na deliberação tomada, pode dizer-se que a entidade decidente não agiu com dolo pois, como ensina o Prof. Figueiredo Dias, Col Jur. 1987, T.2-55, para que haja dolo não basta que o agente tenha realizado o tipo de censura, que atinge os factos, com conhecimento e vontade – elemento intelectual e volitivo – mas é sempre necessário que tenha documentado na realização uma atitude pessoal de contrariedade ou indiferença ao direito - elemento emocional -, como é patente que sucedeu no caso concreto.
E, ainda que se pudesse reconhecer a inexistência “dolus malus”, não restam dúvidas de que querendo a entidade decidente directamente o facto ilícito também, no contexto precisado pode afirmar-se que o previu como uma consequência necessária e segura, da sua conduta.
Deste modo, o acto recorrido enferma do vício de desvio de poder doloso por motivo de interesse público determinativo da declaração da sua nulidade.
Ora, havendo de considerar-se nulo o acto, há que atentar no regime jurídico da nulidade definido nos nº s. 1 e 2 do artº 134º do CPA.
Assim:
-O acto impugnado não produz quaisquer efeitos de direito, não constituindo, modificando ou extinguindo situações jurídicas;
-aquele acto de reversão não é susceptível de ratificação, reforma ou conversão, ou seja, é insusceptível de se tornar em acto válido por qualquer forma de convalidação;
- a nulidade produz efeitos “ex tunc”, ou seja, tem efeitos declarativos e retroage à data da prática do acto; o acto é nulo desde a origem;
- a declaração de nulidade produz efeitos “erga omnes”, em relação a todo e qualquer um;
- a nulidade é invocável a todo o tempo, isto é, é imprescritível;
- poderá ser invocada por qualquer interessado, incluindo aquele que para ela tenha contribuído de qualquer maneira, para obter a sua destruição;
-a nulidade também pode ser declarada a todo o tempo por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal; com efeito, uma vez detectada a inexistência a Administração está vinculada a declará-la.
Resulta do que vem dito que «in casu» não é possível a produção de “efeitos putativos” não se verificando, por isso, qualquer espécie de sanabilidade de alguns efeitos, pelo decurso do tempo.
Ora, a insusceptibilidade de produção de efeitos jurídicos acarreta a inexecutoriedade do acto nulo o qual é também insusceptível de ratificação, reforma, conversão ou revogação (artº 137º, nº 1 e 139º nº 1, al. a) do CPA).
Assim sendo e em face do que fica exposto, improcede também a excepção da caducidade do direito de acção suscitada adrede no parecer do MP.
*

b) - Quanto ao acto do IMT:

Em face do que acaba de se fundamentar e decidir relativamente à deliberação CM de ……........................... de 15 de Março de 2013, impõe-se aferir das consequências sobre todo o concurso para instalação de um CITV no Concelho da ……........................... aberto nos termos da Lei n.º11/2011, de 26/4, com a redacção dada peio Decreto-Lei n.º 26/2013, de 19/2.
A essa luz, temos que in casu a decisão de exclusão da Autora pelo IMT tem de considerar-se inválida já que nela se repercutem as ilegalidades cometidas na deliberação adoptada antecedentemente pela CM..... e que serviu de fundamento no procedimento que correu termos no IMT.
Não merece controvérsia, como bem denota a Mª Juíza a quo, que o art. 72.° do CCP não é aplicável ao procedimento concursal em causa nos autos -, que tem uma tramitação específica e obedece a uma norma especial.
Não obstante, as ilegalidades cometidas na própria tramitação do procedimento de autorização escolhido, por exemplo, na decisão de exclusão de concorrente por reporte a um acto inválido cometido em procedimento distinto, constituem causas de invalidade própria da decisão.
Daí, pois, que sejam inválidos todos os actos procedimentais praticados pela entidade demandada a seguir à decisão de rejeição da certidão camarária que justificou exclusão da proposta da recorrente pelas razões abundantemente tratadas no ponto anterior desta fundamentação jurídica, importando por isso aquilatar das consequências dessas invalidades sobre o acto praticado pelo IMT, subsequentemente praticado e impugnado.
A ilegalidade cometida na decisão tomada noutro procedimento e que influenciou determinantemente o procedimento empreendido pelo IMT repercute-se na decisão por este tomada e configura-se como causa de invalidade própria desta.
Sucede que todas a deliberação adoptada órgão autárquico, constitui acto procedimental em que assenta a decisão de exclusão, trata-se de acto pré-procedimental pelo facto de estar inserido num procedimento e ordenado para a decisão do procedimento autorizativo aberto pelo IMT.
Todavia, entendemos que é aqui aplicável o regime de invalidade consequente de actos procedimentais inválidos, determinando que são anuláveis (ou nulos) se tiverem sido anulados ou se forem anuláveis (ou declarados nulos) os actos procedimentais em que tenha assentado a sua realização.
O carácter complexo do procedimento sindicado suscita um problema que não existe em procedimentos simples e que consiste em determinar o efeito ou consequência da invalidade (ou da invalidação) de um ato prévio sobre aquele.
A ideia de invalidade consequente pretende explicar que o acto final do IMT pode ver-se afectado por ilegalidades cometidas no procedimento anterior e supra- ordenador, o que, a verificar-se, tem o sentido de proteger a posição jurídica da entidade que reagiu judicialmente contra o acto anterior.

Assim, o acto do IMT, IP, de aceitar validar um concurso viciado com a apontada ilegalidade, incorre em invalidade consequente do próprio concurso por si promovido para o CITV de ……............................
Como bem refere a Autora e ora Recorrente, a nulidade da deliberação da CM de ……........................... de 15 de Março de 2013 reflecte-se, directamente, no concurso para instalação do CITV em ……........................... promovido, pelo IMT, IP, afectando este concurso de nulidade, porquanto os concorrentes ficaram impedidos, pela referida deliberação, de livremente proporem outras localizações que lhes poderiam, porventura, trazer a colocação em primeiro lugar no concurso em crise.
O acto consequente vem sendo definido como o acto administrativo que é praticado em função do acto administrativo anterior, pressupondo, para a sua validade, que o acto de onde emerge seja válido. Na verdade, o acto consequente só pode ser compreendido em função do acto anterior, que lhe serve de causa, e a sua manutenção é incompatível com a revogação ou anulação deste último, com a ressalva do preceituado na 2ª parte da al. I) do n.º2 do artigo 133º do CPA.
A propósito do regime jurídico de actos consequentes de actos administrativos, destaca-se o Ac. do STA, de 25.02.2003, proc.n.º0327/03:
“ (...) A questão..., não tem sido pacífica, nem na doutrina, nem na jurisprudência.
No entanto, sempre foi, entre nós, dominante a orientação de que os actos consequentes são nulos, caindo automaticamente, sem necessidade de impugnação, por mero efeito da anulação do acto anterior, do qual dependiam. (cf. Prof. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, II, 10ªed., p.1218 e Prof. Freitas do Amaral, Direito Administrativo, IV, 241).
Orientação que veio a ter consagração legal, na alínea i) do nº2 do artº133º do CPA, embora em termos mitigados, ao estabelecer que tal nulidade só ocorrerá “desde que não haja contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente.” O que ressuscitou a discussão em torno do âmbito desta restrição imposta por lei e, designadamente, de quais os interesses prevalentes em jogo.
Uma interpretação literal do citado preceito legal, parece apontar no sentido de que os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados só são nulos se não forem constitutivos de direitos ou interesses na esfera jurídica dos contra -interessados no procedimento administrativo, onde tais actos foram proferidos.
Segundo, porém, alguma doutrina, a referida salvaguarda legal, deve ser objecto de interpretação restritiva, enquanto manifestação do princípio da confiança, e, portanto, só deve intervir quando exista uma confiança digna de protecção, por aplicação do princípio da boa fé, com vista ao equilíbrio dos interesses em presença neste domínio, que devem ser ponderados, em presença do caso concreto, das consequências que para o recorrente e para o próprio interesse público adviriam da manutenção do acto consequente, por forma a evitar situações - limite de manifesto desequilíbrio na tutela a ser assegurada aos interesses em presença, ou seja, só se justificaria relativamente a terceiros, não intervenientes no processo. (cf. por exemplo, o Prof. M. Aroso de Almeida, Anulação de Actos Administrativos e relações jurídicas emergentes, nº109).
O Pleno deste Tribunal no entanto já se pronunciou no sentido de que «para ser compatível com o princípio da proporcionalidade, nos casos em que o desaparecimento dos actos consequentes atinge direitos constituídos, a regra de que são nulos os actos consequentes de actos anulados deve atingir apenas os actos ou partes do acto que seja estritamente necessário atingir para reconstituir a situação hipotética que existiria se não tivesse sido praticado o acto anulado.» (cf. o acórdão do Pleno da 1ª Secção de 17-06-93, rec.24 447 e de 14-03-2001, rec. 38 674; porém, no sentido de uma interpretação restritiva, o Ac. STA de 14-03-2001, rec.38 674).
Seja como for, o certo é que a nulidade do acto consequente do acto anulado, há-de supor a consolidação deste último acto na ordem jurídica (...)”.
A esta luz, o acto do IMT configura a prática de um acto administrativo consequente o qual, repete-se, é aquele que é praticado ou dotado de certo conteúdo em virtude da prática de acto anterior; isto é, estamos na presença de actos consequentes quando a Administração pratica um acto no qual se alicercem outros.
Uma vez que o acto consequente é todo aquele que foi praticado ou dotado de um certo conteúdo em virtude de um acto administrativo anterior, em vista da situação vertente, em face da declaração da nulidade da deliberação camarária, opera o regime segundo o qual um acto "subsequente de um acto anterior revogado", e como tal abrangido pela previsão do art. 133º, nº 2, al. i), do CPA.
Nesta alínea prevê-se que, anulado, declarado nulo ou revogado determinado acto, fiquem sem efeito, sem necessidade de pronúncia anulatória ou revogatória expressa, ou pelo menos sem sujeição aos prazos legais de impugnação, os actos que tenham sido praticados em consequência do primeiro, no pressuposto de que o mesmo era um acto válido.
É forçoso concluir que cabe aqui a figura do «acto consequente» que é aquele que é praticado, ou dotado de certo conteúdo, em virtude da prática de outro acto anterior, que lhe serve de causa, raiz ou fundamento (cf. Acs. deste S.T.A. de 10.11.98, proc.º nº 34.873, 8.6.99, proc.º nº 37.243, 14.3.01, proc.º nº 38.674, e 4.12.02, proc.º nº 654/02).
É que, resulta, à evidência, da matéria de facto, que existe um nexo de dependência, uma subordinação de causa e efeito entre o acto (deliberação) camarário e o acto do IMT.
Ora, havendo de considerar-se nulo o acto do IMT como acto consequente que havia sido praticado, na sequência do acto que foi declarado nulo, há que atentar no regime jurídico da nulidade definido nos nºs. 1 e 2 do artº 134º do CPA e que acima já fizemos alusão.
Procedem, pois, as conclusões recursórias, o que impõe a revogação da sentença e o conhecimento, em substituição, do pedido condenatório e que foi julgado prejudicado pela solução jurídica adoptada na 1ª instância.
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Haverá, agora, que saber se, de acordo com o artº.149º nºs 2 a 5, do CPTA (vide, tb. O artº 715, do C.P. Civil (cfr.artº.665, do C.P.C., na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), se pode aplicar no processo vertente a regra da substituição do Tribunal “ad quem” ao Tribunal recorrido, nos termos da qual os poderes de cognição deste Tribunal Central Administrativo Sul incluem todas as questões que ao Tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado, tudo ao abrigo do princípio da economia processual, o qual, no caso concreto, se sobrepõe à eventual preocupação de supressão de um grau de jurisdição.
Entendemos que sim, sendo manifesta a desnecessidade de cumprimento do contraditório plasmado nos artºs 149º do CPTA e 665º, nº.3, do C.P. Civil.
Donde que, tendo sido declarada a nulidade da deliberação de 15 de Março de 2013 da Câmara Municipal de ……..........................., e, consequentemente, declarado nulo o ato de indeferimento do pedido Informação prévia apresentado pela Requerente, relativo à viabilidade de instalação de um CITV (Centro de Inspecções Técnicas a Veículos) no local de ………., ……..........................., porquanto e na medida em que se baseia naquela deliberação de 15 de Março de 2013, julgando procedente a acção, impõe-se condenar o Município de ……........................... a reapreciar o requerimento da aqui Requerente de emissão de certidão relativa à possibilidade de instalação de um CITV no local da freguesia ........................., como foi pedido pela Autora.
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3.- DECISÃO:

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em (i)conceder provimento ao presente recurso jurisdicional; (ii) revogar a sentença recorrida declarando nulos os actos impugnados e, (iii) conhecendo em substituição, condenar o Município de ……........................... a reapreciar o requerimento da aqui Requerente de emissão de certidão relativa à possibilidade de instalação de um CITV no local da freguesia ........................., como foi pedido pela Autora.

Custas pelos recorridos.
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Lisboa,08-11-2018
José Gomes Correia
Paulo Gouveia-em substituição
Pedro Marchão